segunda-feira, 31 de outubro de 2005

DIA MUNDIAL DA POUPANÇA

É quase um eufemismo lembrar-se a comemoração desta data quando são conhecidos os recente indicadores relativos aos valores da poupança nacional.

A repetida tendência para a quebra da taxa de poupança (pouco mais de 10% entre 2003 e 2004), tende a ser explicada pelo reduzido crescimento dos salários reais (com a consequente redução do rendimento disponível) e pelo reduzido nível dos juros (mais potenciador do endividamento das famílias que da poupança) mas raramente lhe é atribuída a sua real dimensão.

Muitas vezes prefere-se falar num aumento da propensão ao consumo (há mesmo quem atribua grande responsabilidade ao efeito apelativo da publicidade) esquecendo-se que o comportamento dos aforradores é fruto da interligação de um conjunto de variáveis, sendo que a satisfação das necessidades básicas é uma das mais importantes. Ora se pretendemos viver numa sociedade globalizada e se o poder de compra da população nacional é cada vez menor, não será de estranhar que os níveis de poupança apresentem os valores que sabemos.

Talvez mais importante que “inventar” mecanismos para estimular a poupança fosse recorrer aos conhecidos mecanismos para aumentar os níveis salariais nacionais e não apenas os níveis de riqueza de um número cada vez menor de eleitos, situação cujos reconhecidos efeitos são o aumento das aplicações em contas “off-shore”.

AINDA A SEGURANÇA SOCIAL

Ainda sobre o tema da Segurança Social, leiam o artigo de António Duarte, incluído no suplemento Economia do Diário de Notícias de hoje.

Embora com uma linha de pensamento diferente, que no fundamental preconiza a transferência das responsabilidades para o sector privado (o tal grande negócio a que ontem me referi), vale pelo detalhe das propostas avançadas para a resolução do problema.
Uma segunda crítica prende-se com a dúvida sobre a vontade/capacidade do Estado para suportar os encargos com a transferência dos actuais contribuintes para os sistemas privados, incluindo o mecanismo de emissão de dívida pública para o efeito.

domingo, 30 de outubro de 2005

SEGURANÇA SOCIAL

Não há dia que um qualquer órgão de comunicação social não faça eco ou mencione a situação de rápida insolvência para que caminha o sistema de segurança social português.

Raramente encontrei números que esclareçam ou confirmem esta conclusão, e quando alguns são referidos são sempre os dos “deficits” ou dos subsistemas deficitários.

Sendo uma realidade o fenómeno de envelhecimento da população portuguesa (aliás fenómeno idêntico sofrem a generalidade dos países europeus), cujas causas seria interessante debater mas que extravasam a questão, não me parece ser este o exclusivo responsável pela situação, uma vez que o aumento da esperança média de vida não apresenta valores que conduzam à conclusão de que o número de anos que cada cidadão recebe da segurança social se aproxima do número de anos em que pagou.

Teoricamente os sistemas de segurança social são organizados de forma a assegurar aos seus associados que os montantes arrecadados ao longo do seu período de vida útil garantem, numa data futura, o pagamento de uma compensação. Este montante é normalmente designado por pensão de reforma, uma vez que o seu pagamento se inicia após o término da vida activa.
Aos gestores daquele sistema (como aos dos fundos de pensões “oferecidos” pela generalidade das companhias de seguros) pede-se uma correcta e cautelosa aplicação dos montantes recebidos de forma a assegurarem, por via da respectiva rentabilização, que os associados venham a receber as compensações (reformas) esperadas.

Se, de acordo com a versão dos nossos dirigentes, se vive uma situação que a breve trecho resultará na insolvência da segurança social tal apenas se pode justificar por:
falhas nas entregas ao sistema;
incorrecta aplicação dos fundos disponíveis;
desvio de fundos disponíveis.

Analisemos uma a uma as hipóteses. Se os montantes recebidos se revelam insuficientes não é seguramente responsabilidade dos trabalhadores por conta de outrem que mensalmente vêm retidos na fonte os respectivos montantes contributivos, mas sim porque os agentes responsáveis pela retenção e posterior transferência (acrescida da quota parte com que nos termos da lei lhes compete contribuir) a não executam e os gestores do sistema nunca se preocuparam o suficiente para corrigir a situação.


É verdade que no caso português ocorreu há cerca de 30 anos uma significativa alteração no cenário até então vivido pelo sistema de segurança social. Quando após o 25 de Abril foi decidido pelo governo da época que deveriam ser pagas pensões a todos os cidadãos (como medida de natureza social e de minoração de situações de precaridade económica), o sistema deveria ter sido dotado dos volumes de capital necessários ao seu equilíbrio futuro, decisão que, estou bem em crer, nunca foi tomada.


Têm chegado ao conhecimento público inúmeras situações de empresas que unilateralmente suspenderam as transferências devidas e que esses valores, fosse por falência fosse por outras razões, nunca foram devidamente compensados, havendo mesmo provas que o próprio Estado é relapso nas suas obrigações; há cerca de um ano a imprensa fez eco do facto do Ministério das Finanças não proceder à entrega dos descontos dos seus funcionários para a Caixa Geral de Aposentações.


Por último, será que os fundos recebidos ao longo dos anos, que não apresentam hoje valores suficiente para a cobertura das responsabilidades (pagamento das pensões e reformas) foram correctamente aplicados ou pelo contrário foram-no em aplicações que pelo seu carácter altamente especulativo redundaram em prejuízo, ou pior ainda, foram desviados para acorrer a outras “despesas” e necessidades?


Para os que julgarem isto absurdo, recordo que em 2004 o governo de Santana Lopes procedeu à apropriação do fundo de pensões dos trabalhadores da CGD (fundo autónomo) para escamotear o deficit público, contribuindo por esta via para aumentar os encargos da Caixa Geral de Aposentações.


Os cenários traçados são demasiadamente graves para poderem permanecer silenciados, tanto mais que continuamos a assistir a um despudorado discurso de inevitabilidades – talvez real – sem uma única palavra ou esclarecimento sobre as razões que estiveram (ou estão) na origem do problema.


Seguro é que os sistemas de segurança social serão cada vez mais indispensáveis e que a sua viabilidade só se poderá questionar quando todas as premissas do problema forem do conhecimento público e que os responsáveis pela situação sejam devidamente sancionados, a menos que todo este alarido tenha por finalidade privatizar todo o sistema de segurança social (o sector financeiro agradeceria mais esta benesse de um Estado que para ele tem sido mais que providência, enquanto para outros tem sido padrasto) e, talvez proporcionar ao Estado mais uma hipótese de apropriação indevida de fundos.


Há semelhança da iniciativa lançada a propósito da publicação dos estudos para a construção o aeroporto da Ota e do TGV, talvez fosse igualmente pertinente exigirmos a apresentação pública das contas e das projecções relativas aos sistemas de segurança social nacional.

sábado, 29 de outubro de 2005

DESABAFO

A decisão do Tribunal Constitucional que inviabiliza a realização do referendo sobre a despenalização do aborto, mais do que uma vitória de quem hipocritamente recusa ver a realidade ou uma derrota de quem parece desconhecer o funcionamento das “teias” legais, é o prolongar da agonia de toda uma sociedade.

Vamos continuar a ouvir defensores e críticos da alteração de uma lei que criminaliza as mulheres de um país cujo sistema jurídico não consegue convencer ninguém da sua eficácia e qualidade.

Por uma razão ou outra iremos continuar a ser o país de tristes que temos sido!

RESCALDO DAS AUTÁRQUICAS

Discordo profundamente da prática de avaliar qual o partido que venceu eleições autárquicas, porque entendo, e julgo ter deixado isso bem claro noutras oportunidades, que a votação para os elencos autárquicos deve obedecer a princípios radicalmente distintos dos que norteiam as eleições gerais. Nestas escolhem-se representantes para uma câmara parlamentar – órgão a quem compete a aprovação dos documentos e leis que regerão a nossa actividade – e de cuja composição deverá resultar a nomeação presidencial da personalidade que dirigirá o governo (conjunto de ministros, secretários e sub-secretários de estado); nas eleições autárquicas trata-se de escolher as equipas que irão dirigir câmaras e juntas de freguesia, e nas quais o elemento de proximidade e conhecimento pessoal de muitos dos candidatos determina (ou deveria determinar) escolhas não obrigatoriamente associadas a filiações ou simpatias partidárias.

Nesse sentido o último acto eleitoral e os respectivos resultados assumiram contornos merecedores de reflexão.

Por diversas vezes durante a campanha autárquica aqui manifestei a minha total oposição à presença de candidatos que entendia (e entendo) não reunirem o mínimo de condições para o exercício daquelas funções. A graduação de capacidades é um exercício de natureza pessoal e profundamente discutível, mas a candidatura de indivíduos condenados pela justiça por crimes praticados enquanto autarcas ou deles indiciados e com processos em curso da mesma natureza, parece-me razão mais que suficiente para os tornar inqualificáveis para a função.

Se me empenhei na oposição à eleição dos tais «candidatos-bandidos», fi-lo com a profunda convicção de que tal tipo de indivíduos não pode ser qualificável para a função, mas também porque a sua eventual eleição constituiria argumento das estruturas partidárias para denegrirem a eleição de “independentes”.

Exemplo disto é a notícia do ocorrido na Câmara de Amarante. Na sequência da eleição de Ferreira Torres para o lugar de vereador, o recém-eleito presidente Armindo Abreu (PS) apelou aos vereadores eleitos pelo PSD no sentido do estabelecimento de um consenso que conduza ao isolamento dos eleitos pela lista “Amar Amarante”.

Descrita a situação desta forma, no Diário de Notícias, o que parece estar a acontecer é uma reacção à presença de eleitos independentes e não, como deveria, à presença entre os eleitos de um «candidato-bandido».

A reforçar esta conclusão, o mesmo jornal insere uma outra notícia onde é descrita a falta de comparência dos eleitos do PS e PSD à cerimónia de tomada de posse do novo executivo da Câmara de Sabrosa, que será liderado pelo independente José Marques.

Estes dois actos, diversos na forma, parecem-me demasiado coincidentes no conteúdo para não representarem uma acção concertada para desacreditação das candidaturas independentes.

Como se já não fosse bastante grave o facto de haver presidentes de câmaras que beneficiando de situações de maioria se recusam a distribuir pelouros pelos vereadores eleitos pelas oposições – num acto que configura uma atitude de absoluta prepotência, desrespeito pelo sentido de voto e com os prejuízos naturalmente resultantes da acumulação de funções por um menor número de vereadores executivos – temos agora a situação de vereadores que eleitos por estruturas partidárias se recusam a co-habitar com os eleitos independentes.

Confirmando-se a leitura apriorística que fiz, se não surgir uma rápida, enérgica e eficaz condenação destas atitudes pelas direcções do PS e PSD, não só se confirmará a existência de uma estratégia concertada, como esta representa uma profunda machadada no funcionamento democrático das autarquias e do próprio país.

Perante atitudes deste tipo como podem os partidos políticos esperar um mínimo de atenção e respeito dos eleitores?

Como esperam vir a reduzir a tendência para o aumento da abstenção aos actos eleitorais?

Como esperam os políticos nacionais não ser alvo de críticas e acusações sobre o estado a que chegou a representatividade democrática?

A ausência de respostas positivas justifica a conclusão de que o verdadeiro objectivo das estruturas partidárias é a da sua perpetuação no poder (ou nas suas franjas) mesmo que este seja fruto de um mero processo de auto-votação (os candidatos a votarem em si próprios).

sexta-feira, 28 de outubro de 2005

LEIAM P.F.

Não é meu hábito reproduzir aqui o conteúdo de artigos ou comentários alheios, porém parece-me de extrema importância a leitura do artigo de José António Lima no Expresso Online.

A minha única sugestão é de que se generalizem as conclusões ao conjunto dos políticos nacionais, particularmente daqueles que desde os bancos da escola nada mais fizeram que engrossar as fileiras de carreiristas e de “yes men” dos diferentes governos que temos conhecido.

OPINIÕES PERIGOSAS

Seguidor atento do que vai passando pelo mundo, e pelo Médio Oriente em particular, li hoje com especial interesse a opinião de Luís Delgado no Diário de Notícias.

No essencial concordo com a indignação do autor quanto às recentes declarações do presidente iraniano sobre a extinção do Estado de Israel. Este é o tipo de declarações que não se podem ter quando o que se pretende é alcançar soluções (negociadas) para os problemas.

Porém do texto de Luís Delgado ressalta precisamente aquilo que mais abomino na mentalidade ocidental (a tal de matriz judaico-cristã) – NÓS OS PROTEGIDOS DO SENHOR (antigamente dizia-se ungidos) TEMOS O DIREITO, E O DEVER, DE FAZER PREVALECER A NOSSA FÉ (os nossos interesses) E DE DESTRUIR OS NOSSOS INIMIGOS.

Esta é precisamente a linha de pensamento, fundamentalista, que após o 11 de Setembro (9/11 como dizem os anglo-saxónicos) ditou as invasões do Afeganistão e do Iraque e que, dando ouvidos (e satisfação) ao colunista, determinará futuras invasões: Irão, Síria e todos os demais estados árabes que não mostrem uma completa complacência perante a política americana (e os interesses sionistas).

É óbvio que Luís Delgado tem razão quando chama a atenção para o perigo potencial que representa o programa nuclear iraniano, mas é inadmissível que silencie o perigo (ainda maior, porque é actual) de Israel possuir armamento nuclear.

Ou será que as armas são qualificadas, de boas ou más, consoante quem detém o seu controle?
É óbvio que Luís Delgado tem razão quando condena a intenção de um estado destruir outro, mas é inadmissível que silencie a realidade que é a existência de um estado (Israel) que aniquila outro (Palestina) pela fome.

Ou será que a destruição só é condenável e lamentável quando atinge os nossos “amigos”?
Sendo Luís Delgado um dos que parece querer transformar o conflito com o terrorismo numa guerra religiosa (cristãos contra muçulmanos) onde está a sua quota parte de tolerância cristã?
Como espera opor-se à intolerância islâmica?

Ou também advoga o primitivo conceito de “olho por olho, dente por dente”?

Sendo assim, a única coisa que parece distingui-lo dos terroristas que tanto abomina é o facto de escrever da esquerda para a direita!

Mas, o mais grave é que raciocínios desta natureza não são apenas expendidos por comentadores políticos, mas também por chefes de governo. Para além de Mahmoud Ahmadinejad (o presidente iraniano) também o chefe do governo israelita - Ariel Sharon - se propõe lançar uma guerra até à neutralização da Jihad Islâmica (terrorismo palestiniano).

Vendo bem, talvez este dois personagens estejam muito bem um para o outro (tanto que os seus percursos políticos são idênticos – ambos foram membros de forças paramilitares que recorreram a práticas terroristas (os Guardas Islâmicos no caso de Ahmadinejad e a Haganah no caso de Sharon), ambos preconizam o uso da força como primeira forma de resolução de conflitos), lamentando-se apenas que as respectivas insanidades venham a fazer recuar quaisquer perspectivas de paz para um tempo demasiado longínquo, sacrificando a vida e o bem estar de milhões, para servirem os interesses de quem continua a lucrar com este estado de coisas.

quinta-feira, 27 de outubro de 2005

SERÃO OS RESULTADOS EFICAZES?

Após o anúncio oficial dos resultados do refendo sobre a nova constituição iraquiana, com uma expressiva vitória do “SIM” (78,6% contra 21,4%) seria de esperar que o ambiente melhorasse naquele país.

Nada mais enganador, os atentados contra as forças de ocupação e as tropas iraquianas que as apoiam continuaram a ceifar vidas, bem como as de muitos outros civis.

O próprio resultado deve ser analisado sob uma diferente perspectiva. Existindo a regra de que um voto contra, maioritário de 2/3 em quaisquer de três regiões determinaria a rejeição da proposta, convém recordar que em duas províncias (Salahuddin e Anbar) maioritariamente sunitas tal se verificou, tendo a proposta sido salva porque a vitória do “NÃO” em Nineveh se ficou pelos 55%.

Qualquer que fosse o resultado do referendo (aprovação da constituição pelos xiitas e curdos ou rejeição por efeito das três maiorias de 2/3 nas províncias sunitas) continuariam por resolver todos os problemas do Iraque: o país mantém-se sob ocupação estrangeira e as três comunidades religiosas e étnicas tardam em encontrar uma plataforma de entendimento.

Para agravar tudo isto o estado ocupante persiste em recusar o direito da população do estado ocupado escolher a forma como quer ser governada, opção tanto mais grave quanto se sabe que contrariamente aos estados judaico-cristãos, as nações muçulmanas nunca realizaram o processo de separação de poderes entre o Estado e a Igreja.

Se recordarmos que George W Bush lançou o assalto ao Iraque sob o pretexto de desarmar um estado tirano detentor de armas de destruição massiva e englobou esta iniciativa na mais vasta “Guerra contra o Terror”, não podemos deixar de concordar com todos quantos afirmam que após esta iniciativa o Mundo se encontra bem mais distante da segurança prometida.

Os contributos de sociólogos, psicólogos, politólogos, teólogos e de todos os especialistas que possam trazer achegas no sentido de melhorar o entendimento entre os povos serão indispensáveis, se realmente estivermos empenhados em querer entender o que determina homens a fazerem-se explodir, a par com a nossa disponibilidade para aceitar outras formas de pensamento.

Abordagens simplistas, do tipo luta entre o bem e o mal e a rotulagem de fanatismo, não explicam o fenómeno nem contribuem para a elaboração de estratégias que conduzam ao progressivo esvaziamento das bases de apoio de organizações do tipo da Al-Qaeda.

Iniciativas como a que ontem se conclui na Fundação Gulbenkian (CONFERÊNCIA TERRORISMO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS) podem ser um importante contributo se TODOS soubermos ouvir as “razões” das duas partes e sobretudo se abandonarmos a muito confortável posição de pensarmos que NÓS É QUE TEMOS RAZÃO.

Com a vasta panóplia de informação disponível (jornais, televisão, Internet) temos que adquirir a capacidade de tudo interpretar de espírito aberto e de nos questionarmos, até, sobre o que há instantes parecia inatacável e inabalável, partir para cada documento como se fosse o primeiro a abordar o tema e por último colocarmos a nós próprios a grande questão: QUEM LUCRA COM TUDO ISTO?

PRÉMIO DO PEN CLUBE

Pedro Canais conquistou o prémio para a Primeira Obra, atribuído pelo PEN Clube Português, com o seu romance A Lenda de Martim Regos (Oficina do Livro).

Trata-se da história de um certo Martim Regos, nascido como o seu autor no Ribatejo (Torres Novas), que mais tarde se refugiará em Granada (na época ainda bastião muçulmano) onde se converte ao islamismo. A roda da fortuna (ou da desventura) vai levá-lo a correr o mundo, nomeadamente os continentes que na época se começam a tornar conhecidos na Europa.

Beneficiando da sua dupla identidade (mouro ou cristão conforme a necessidade) assumirá mesmo o papel de espião de D. João II na importante tarefa de estimar a distância até à Índia.

Enquanto percorre o mundo carrega consigo os conhecimentos legados pelo seu pai adoptivo muçulmano e as inquietações próprias de todas as épocas, nomeadamente as de uma época de mudança como aquela em que o autor situou a sua existência (transição entre os séculos XV e XVI).

Para quem gostar do género literário (romance histórico), para quem queira “viver” a época de ouro portuguesa ou “sentir” uma perspectiva sobre a dualidade religiosa, A Lenda de Martim Regos é seguramente um livro a ler…

quarta-feira, 26 de outubro de 2005

TERRORISMO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

Terminou hoje uma conferência organizada pela Fundação Gulbenkian sobre o tema.

Reunindo um painel internacional de especialistas esta iniciativa poderá ajudar-nos a todos a melhor entendermos o actual fenómeno do terrorismo.

Os vários participantes apresentaram os seus pontos de vista (muitos deles centrados nas diferentes áreas de que são especialistas), podendo sintetizar-se a sua grande maioria numa perspectiva discordante da estratégia implementada pela administração norte americana após o 11 de Setembro de 2001; até um ex-conselheiro de George W Bush, o norte-americano Richard Falkenrath (professor no Brookings Institution) admitiu a existência de erros e de uma incorrecta avaliação de custos e benefícios da intervenção.

Gareth Evans, presidente do Internacional Crisis Group, defendeu que “nada justifica o terrorismo”, afirmou que "é num ambiente desesperado, de pobreza e de desolação que o terrorismo mais facilmente se desenvolve" e concluiu que para combater o extremismo é necessário implementar estratégias de protecção, de policiamento, de política, de paz e psicológicas. Segundo o ex-ministro australiano dos Negócios Estrangeiros é fundamental o desenvolvimento de pensamentos sólidos e fundamentados para um combate eficaz a este fenómeno.

Outro dos conferencistas, Paul Wilkinson, professor da Universidade de St. Andrews e presidente do St. Andrews Center for the Study of Terrorism and Political Violence, que considerou a invasão do Iraque benéfica para a Al-Qaeda por lhe ter proporcionado argumentos de propaganda, de recrutamento e de angariação de fundos, defendeu que os aparelhos judiciais das democracias ocidentais devem ser a principal resposta e nunca uma estratégia como parece ser a dos EUA - prender os terroristas e deitar fora as chaves.

Também Bruno Frey e Simon Luechinger, professores da Universidade de Zurique, defenderam alternativas de combate ao terrorismo em função de custos e benefícios, muito diferente da política de dissuasão escolhida pelos EUA, assentes na tentativa de redução da visibilidade que é essencial aos grupos terroristas da actualidade.

Em poucas palavras, a comunidade internacional de especialistas aponta uma clara necessidade de procura de novas formas de combate a um novo fenómeno – o terrorismo do século XXI – tão global como as economias e os estados que contesta e para a necessidade de novas abordagens ao fenómeno que excluam o princípio de “atirar primeiro e perguntar depois”, tão caro aos “cowboys” de todos os tempos.

terça-feira, 25 de outubro de 2005

50º ANIVERSÁRIO DE “O ALMEIRINENSE”

Completam-se hoje 50 anos sobre o início da publicação do único jornal do concelho de Almeirim que actualmente é editado como quinzenário.
Para além das naturais saudações a todos os responsáveis pela sua edição, com uma imagem gráfica recentemente renovada, faço votos para que continue por muitos anos a cumprir um importante papel como o da difusão da informação.

Numa sociedade em rápida mudança que cada vez dedica menos tempo à leitura, também “O ALMEIRINENSE” já aderiu à “onda” informática e dispõe de uma versão “on line” no endereço – www.almeirinense.com.

Uma vez que parecem soprar ventos de mudança para os seus lados (além da página para leitura “on line”, do novo arranjo gráfico e das novas instalações recentemente inauguradas) atrevo-me a sugerir a necessidade de estender esse mesmo espírito ao conteúdo da publicação – o facto de se tratar de um quinzenário justifica um maior pendor à inclusão de artigos de opinião em detrimento da simples narrativa jornalística – e a aumentar os cuidados a fim de eliminar as cada vez menos desculpáveis gralhas.

Apesar de tudo que os próximos 50 anos possam continuar a registar a presença regular e “O ALMEIRINENSE”.

PREVISÕES INFELIZMENTE VERDADEIRAS

O mais que previsto “branqueamento” do processo instruído contra Fátima Felgueiras já iniciou os primeiros passos.

Não cabendo aqui discutir se o Tribunal da Relação que está a analisar o processo executa essa função de forma objectivamente isenta (até prova em contrário teremos que o admitir) o que é facto é que a continuarmos a este ritmo vamos concluir que não só Fátima Felgueiras é uma cidadã exemplar, como ainda uma autarca impoluta.

Existe, porém, uma questão para a qual nunca encontrarão resposta que me contente: ENTÃO E A FUGA À JUSTIÇA JÁ NÃO É CRIME PUNÍVEL PELA LEI?

segunda-feira, 24 de outubro de 2005

SOBRE A QUESTÃO PETROLÍFERA

Uma breve nota para recomendar a leitura de um artigo inserto no suplemento Negócios do Diário de Notícias de hoje.

Embora isso não acarrete qualquer melhoria para o problema, é sempre reconfortante constatar que existe quem partilhe opiniões semelhantes às que expressei em “O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS.- FATALIDADE, INEVITABILIDADE OU INTENCIONALIDADE?”, no dia 29 de Agosto deste ano, e quem as consiga fazer chegar mais longe.

domingo, 23 de outubro de 2005

ÉTICA

No final da passada semana foi notícia a assinatura de um Código de Ética dos Empresários e Gestores; o documento resulta de uma iniciativa da Associação Cristã de Empresários e Gestores e prevê, para os signatários, as seguintes obrigações:

·lutar contra situações de fraude, no cumprimento das obrigações fiscais;
·não praticar actos económicos à margem da lei;
·não influenciar ilegitimamente a decisão política;
·pugnar contra a iniquidade e o desperdício por parte do Estado;
·concertar remunerações justas, tendo em conta a realidade do sector económico, as possibilidades reais das empresas e a capacidade dos trabalhadores;
·criar condições de trabalho que respeitem a dignidade, a saúde e a segurança dos colaboradores, dando-lhes oportunidades de formação e respeitando-lhes o seu projecto de vida;
·não abusar da posição dominante no mercado;
·opor-se a todas as formas de corrupção, activa ou passiva;

·rejeitar publicidade e marketing que sejam degradantes, indignas, manipuladoras ou abusivas.

O acto, por mais louvável que seja, parece-me traduzir a necessidade de alguns sectores empresariais se apresentarem sob “novas roupagens” e, atendendo ao crescente número de notícias que circulam sobre práticas de concertação anti-económica, terá sido ditado mais pela necessidade que pelo empenho dos seus promotores.

Se isto não fosse em si o reconhecimento de que a prática da generalidade dos nossos empresários é pelo menos moralmente condenável (em boa parte dos casos sê-lo-á mesmo civil e criminalmente), seria ridícula a publicidade feita ao acto e pior ainda admitir-se a necessidade de formalizar códigos de conduta que consagram princípios básicos, primários mesmo, no relacionamento entre as partes.

Não será ridículo propor-se a qualquer cidadão deste país um pacto segundo o qual se obrigará ao devido pagamento de impostos, se absterá de violar a lei?

Não será ridículo propor-se a qualquer empresário deste país um pacto segundo o qual se obrigará ao pagamento de remunerações justas e a oferecer condições de trabalho seguras e dignas?

Não será ridículo propor-se a qualquer empresário deste país um pacto segundo o qual se obrigará a combater todas as formas de corrupção activa e passiva?

Infelizmente para todos nós a resposta a todas as perguntas é um rotundo e enorme NÃO!

E porquê? Porque a nossa sociedade peca por nestes últimos anos ter passado a glorificar o oportunismo e o arrivismo de todos quantos passaram a alardear aos quatro ventos as suas capacidades de fazer, em detrimento de apoiar e incentivar aqueles que foram revelando esse tipo de capacidades mediante obras executadas.

sábado, 22 de outubro de 2005

AUTO-ESTRADAS E SEGURANÇA

Através da leitura de uma notícia do Jornal de Notícias fiquei a saber da existência de uma entidade responsável pela concepção, exploração e manutenção dos lanços de auto-estrada e conjuntos viários associados na Beira Interior – a SCUTVIAS – das quais é também concessionária.

Engana-se quem pensar que o artigo versava sobre a qualidade ou a segurança dos troços de auto-estrada pelos quais a dita concessionária é responsável e que deveriam ser a sua principal preocupação; pelo contrário, a grande preocupação do principal responsável da empresa centra-se no elevado número de utilizadores que circulam em excesso de velocidade, uma vez que a empresa dispõe de um sistema de controlo de tráfego que evidencia que 8 em cada 10 automobilistas circula em excesso de velocidade.

Sobre o estado do pavimento, das protecções e vedações que deverão impedir o acesso de pessoas e animais à via, sobre a regular prática de encerramento de faixas de rodagem para trabalhos de manutenção (em locais onde não se vislumbra um único trabalhador), nem uma palavra, porque o importante é apelar a uma maior vigilância por parte das autoridades.
O artigo refere ainda que entre 1 de Janeiro e 20 de Outubro deste ano ocorreram na A23 (a auto-estrada concessionada à SCUTVIAS) 145 acidentes, dos quais resultaram 2 mortos e 70 feridos, deduzindo-se que todos eles resultaram dos excessos anteriormente referidos (não me recordo de alguma ter visto atribuída outra razão a um acidente que não o excesso de velocidade).

É verdade que Portugal regista níveis muito elevados de sinistralidade rodoviária, mas não o é menos recordar que, salvo raras excepções, pouco ou nada tem sido feito para mudar esta realidade. O recentemente revisto Código da Estrada apresenta como grande virtualidade a hipótese de se poder revelar como factor de primeira relevância no aumento das receitas públicas, tantas e tão elevadas são as coimas previstas, mas dificilmente poderá ser entendido como instrumento eficaz para a redução da sinistralidade.

Talvez que um dos primeiros passos significativos começasse por ser o aumento da velocidade máxima em auto-estrada. A Áustria prepara-se para aplicar essa medida em breve e a Alemanha, país onde não existe limite de velocidade naquele tipo de vias, é um dos que apresenta menores taxas de sinistralidade.

É óbvio que uma medida como o aumento da velocidade máxima (por exemplo em 20 ou 30 km/h) não será suficiente para reduzir a sinistralidade, mas se for acompanhada de uma reformulação do sistema de ensino e avaliação da condução e da alteração de comportamentos de condutores e peões (através do ensino de regras e atitudes no programas escolares, bases de uma verdadeira cultura rodoviária) poderá constituir, a par com um programa de correcção de pavimentos e perfis de estradas, de criação de pontos de travessia segura para peões, um claro sinal de que os responsáveis pela circulação viária neste país procuram uma solução racional para este duplo flagelo – o da sinistralidade e o da culpabilização fácil.

ELE HÁ CARGAS E CARGAS

A página da AGÊNCIA FINANCEIRA apresenta um artigo segundo o qual Portugal é dos países da União Europeia com menor carga fiscal, fazendo disso título a duas colunas.

Fundamenta esta sua conclusão em virtude da carga fiscal representar 37% do PIB nacional (valores de 2003) quando a média europeia, segundo o EUROSTAT, é de 40,3%.

Segundo aquele organismo o país com maior carga fiscal é a Suécia, com 50,8% do respectivo PIB, e o menor é a Lituânia com 28,5%.

Para quem se der ao trabalho de ler a totalidade do artigo verificará que no que respeita à taxa de imposto implícita (aquela que avalia a carga fiscal média por tipos de rendimento) sobre as poupanças e investimentos das empresas e das famílias, Portugal apresenta um valor de 32,6%, quando a média europeia é de 25,4%; a mesma taxa implícita sobre o consumo é de 20% em Portugal contra 22% para a média europeia.

Tudo isto para concluir que para além de existirem diversas forma de avaliar a carga fiscal, aquela que é referida no artigo (em percentagem do PIB), produz um valor ilusório, na medida em que aquilo que nós, cidadãos contribuintes, sentimos quando avaliamos o nosso rendimento disponível (salário depois da retenção do imposto) é que este é cada vez menor. E esta apreciação simplista é particularmente real e rapidamente demonstrável.

Se não vejamos: como é do conhecimento geral existe em Portugal uma economia paralela com um peso significativo (embora haja quem estime um valor superior, se assumirmos que este é de 30% estaremos a trabalhar com um valor aceitável) que naturalmente não paga impostos (por isso é que se chama paralela), assim os tais 37% do PIB que são pagos por cerca de 2/3 dos contribuintes traduzir-se-iam em cerca de 56% na ausência da tal economia paralela. Assim se conclui que na realidade a carga fiscal é desmesurada face ao número de contribuintes efectivos (apenas 2/3 do total), raciocínio que é confirmado quando a análise incide sobre a taxa implícita.
Sempre que leio este tipo de artigos há uma dúvida que me assalta o espírito: QUEM ENCOMENDA ESTE TIPO DE TRABALHOS ESTARÁ CONVENCIDO QUE SOMOS TODOS ESTÚPIDOS?

sexta-feira, 21 de outubro de 2005

EFEMÉRIDE LOCAL

Num país onde o associativismo é um fenómeno que alguns (poucos) vão mantendo vivo e que o interesse e o cuidado pela preservação e divulgação do património é pouco acarinhado, não posso deixar passar a celebração do 24º aniversário da Associação de Defesa do Património Histórico e Cultural do Concelho de Almeirim, que hoje ocorre, sem uma palavra de agradecimento, estímulo e louvor àqueles que ao longo destes anos têm mantido viva e activa a associação.

A todos, bem hajam pelo esforço.

JULGAMENTO DE REGIME

Para além das muitas razões já existentes para fundamentar o eclodir de uma guerra civil no Iraque – rivalidades étnicas, religiosas, políticas e económicas – vem agora juntar-se mais uma.

O julgamento de Saddam Hussein, eivado de todos aqueles problemas, agravado pela presença e influência norte-americana, poderá constituir apenas o factor de inflamação que faltava e as até agora pacíficas manifestações a favor e contra a condenação podem, a qualquer momento degenerar em algo muito pior.

A aparente calma que se registou durante a primeira sessão do tribunal, foi rapidamente abalada por um dos advogados de defesa que não se coibiu de publicamente por em dúvida a credibilidade e isenção do julgamento.

O assassinato de Sadoun Nasouaf al-Janabi, um dos advogados de defesa envolvidos no julgamento, cujo corpo foi hoje encontrado é um sinal de leitura particularmente difícil, uma vez que o acto pode ser atribuído a qualquer das partes, mas constitui um seguro sinal da instabilidade e da relevância do julgamento.

Esta iniciativa, louvável à luz dos princípios ocidentais mas de oportunidade profundamente duvidosa (mesmo à luz desses mesmos princípios), nunca deveria ser desencadeada numa fase ainda muito rudimentar de normalização do território e ainda menos durante o período de ocupação militar norte-americana.

Aos muitos erros cometidos pela administração Bush, começando pelo deflagrar de uma invasão justificada na existência de armamento que nem após a ocupação foi encontrado, junta-se agora mais um pretexto para cimentar a união dos muçulmanos (sunitas e xiitas) contra a sua presença e a sua política.

Na ausência de efectivas medidas que demonstrem aos muçulmanos a inexistência de dualidade de critérios na gestão do médio-oriente em geral e do conflito israelo-árabe em particular, é de recear que a situação na região continue a agravar-se diariamente e que as notícias de regulares baixas entre as tropas ocupantes (os EUA já terão perdido perto de 2000 homens desde o início da invasão) não consigam mais ser mitigadas pelos pretensos sucessos das operações de “limpeza” realizadas.

quinta-feira, 20 de outubro de 2005

GRANDE SURPRESA



Foi hoje revelado o segredo mais mal guardado dos últimos meses.

Cavaco Silva desfez o seu segundo tabu e já é candidato presidencial. De forma discreta a personagem deslocou-se com escolta policial a um edifício pago com o dinheiro de cada um de nós (mas que ele não se cansa de chamar seu), por coincidência à precisa hora que os principais canais de televisão iniciam a emissão dos seus serviços noticiosos da noite, revelar em primeira mão o que todos sabemos a muitos meses.

Muito haverá a dizer sobre as próximas eleições e sobre os candidatos; por hoje só quero aqui deixar uma breve nota.

De acordo com uma notícia no Portugal Diário, Alberto João Jardim já se apressou a enfileirar no heterogéneo grupo dos apoiantes do neófito candidato.

Se não tivesse qualquer memória do período de governação de Cavaco Silva (coisa difícil, mas para os mais distraídos sempre aqui deixo a recordação do primeiro tabu – fico ou vou-me embora?) mais razões não precisava que o apoio de uma figura (execrável) como a do Presidente do Governo Regional da Madeira para decidir: NÃO SEI POR ONDE VOU, MAS COM ESTA COMPANHIA NÃO VOU POR AÍ…

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

POLÍCIA JUDICIÁRIA INVESTIGA BANCOS

Vários órgãos de comunicação social (escrita, falada e audiovisual) referiram-se hoje a investigações em curso sobre prática de crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais envolvendo várias instituições financeiras nacionais.

A Procuradoria-Geral da República já confirmou as iniciativas que segundo o Diário Económico, o Jornal de Notícias e o Correio da Manhã envolvem o Banco Espírito Santo (BES) e podem estender-se ao Banco Português de Negócios (BPN), ao Finibanco e ao Banco Comercial Português (BCP).

Ao longo do dia personalidades do BES e do BCP já confirmaram o teor da notícia.

Embora parca, a informação disponível aponta para que a investigação incida sobre transacções realizadas com filiais “off-shore” da Madeira. Segundo o PUBLICO, terão sido "identificados esquemas de fraude que apontam para um prejuízo causado ao erário público, nos últimos três anos, de muitos milhões de euros, só em sede de IRC e IRS não pagos".

Podendo haver quem fique espantado com este tipo de notícias e em jeito de complemento recordo que nos últimos anos, período durante o qual o crescimento da economia portuguesa tem atingido valores praticamente inexpressivos, os principais grupos financeiros nacionais têm apresentado crescimentos muito superiores, facto que parece só agora se estar a tornar-se “suspeito”… ou esta investigação destina-se a outros fins?

terça-feira, 18 de outubro de 2005

REFLEXÕES SOBRE A POBREZA

Muitas são as organizações e as individualidades que ao longo do tempo se têm empenhado na resolução do problema da pobreza.

Tratando-se de algo que os teóricos e dirigentes políticos normalmente associam aos países ditos subdesenvolvidos, facto é que ao longo de todo o século XX as medidas propostas e/ou aplicadas ficaram longe de resolver o problema.

A realidade que actualmente conhecemos (onde além de imperar o individualismo começa a ganhar crescente importância as “realidades” e os padrões de consumo dos países ditos desenvolvidos) empurra-nos para um aumento de preocupações com a instabilidade que vive o pequeno mundo (empresa – família) que nos rodeia, transformando as questões de natureza social como algo de que “alguém cuidará”.

É neste princípio que se insere a lógica do estado providência que as correntes neo-liberais tanto criticam, desprezam e culpabilizam, classificando-o como sorvedouro de recursos.

Esta crítica é tanto mais utilizada quanto a situação da maioria dos países (seja qual for o seu nível de desenvolvimento) é a de desequilíbrio orçamental, seja ela originado na queda do produto seja no aumento do consumo público, fenómeno que afecta principalmente a chamada potência hegemónica. Graças à criação de um grande mercado mundial as empresas há muito que ultrapassaram conceitos e modelos gestionários de índole ou características nacionais. Há uns anos atrás começou a falar-se em multinacionais para designar estas empresas, depois passou a utilizar-se a designação de transnacionais e hoje talvez mereçam a designação de empresas globais.

Certo é que paralelamente ao crescimento destas empresas se assistiu ao empobrecimento de vastas áreas do planeta, podendo assim colocar-se a questão da existência de uma correlação entre as duas realidades. Esta é de simples e clara explicação desde que se entenda que o sistema de trocas mundiais assume as características de um jogo de soma nula, ou seja, o que uma parte ganha corresponde às perdas da outra.

Se a riqueza é um conceito finito, tal como as matérias-primas disponíveis no planeta, para que uma parte da população mundial acumule riquezas (os indicadores de variação do PIB de cada nação são apenas uma medida da respectiva riqueza), outra terá que abdicar do seu uso.

Os neo-liberais que defendem o primado do livre funcionamento do mercado como via para a resolução de todos os problemas não só estão a escamotear esta realidade como aquilo que esperam ver resolvido através do sacrossanto mercado são os seus problemas de enriquecimento, tudo tendo feito para que as regras pelas quais o tal mercado funciona sejam as que lhes garantam a maximização dos seus ganhos.

Voltando directamente à questão das medidas a aplicar para a erradicação da pobreza, o actual quadro político económico dominante não permitirá assegurar a aplicação de medidas efectivamente correctivas porque:

· o objectivo não é a aplicação de medidas de efectiva redistribuição da riqueza mas sim a garantia de que os actuais “senhores do mundo” se perpetuarão nessa posição;
· as organizações que com maior ou menor boa vontade, com maior ou menor capacidade de intervenção, vêm lutando contra este estado de coisas debatem-se com a falta de capacidades (financeiras e humanas) para uma efectiva inversão da tendência;

Por mais tétrico que pareça este cenário (que julgo bem real) creio que um caminho para a resolução deste problema existe no interior do próprio dogma do primado do mercado – quando não houver mais compradores (seja porque os existentes se encontram satisfeitos, seja porque a ela não têm acesso todos os outros milhares de milhões) não haverá mais mercado – restando-nos uma de duas atitudes: denunciarmos desde já o absurdo da situação ou esperarmos pela sua natural ocorrência.

segunda-feira, 17 de outubro de 2005

POBREZA

No Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza Vieira da Silva, o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, afirmou estar "chocado" com os níveis de pobreza em Portugal, que incide sobretudo nas crianças, idosos e mulheres.

A OIKOS (Organismo Não Governamental que luta pela erradicação da pobreza) destaca num manifesto hoje publicado na sua página na Internet:

· 1 em cada 5 portugueses vive no limiar da pobreza (21% da população total);
· 12.4% da população activa ganha o salário mínimo nacional (374,7€);
· 7,2 % da população activa está desempregada;
· em 2003, mais de 5000 trabalhadores tiveram o seu trabalho reduzido ou suspenso;
· 26,3% dos reformados recebe menos de 200€/mês de reforma;
· 147 332 portugueses recebem o Rendimento Social de Inclusão (151,84€);
· 79,4% da população activa não terminou o ensino secundário;
· 45,5% da população, em idade escolar, abandona de forma precoce a escola;
· a Taxa de Analfabetismo, em 2001, era 9,0% da população;
· 300 mil famílias (8% da população) viviam, em 2001, em habitações sem condições mínimas;
· em relação aos dados de 1999 e 2000, há um agravamento de 20 a 25% da situação de pessoas sem-abrigo;
· a taxa de Analfabetismo, em 2001, era de 11,5% para as mulheres e de 6,3% para os homens;
· os homens ganham mais 9% do que as mulheres
· a Taxa de Desemprego, em 2002, era de 55,2% para o género feminino;
· em 2003, 69% da população dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção, eram mulheres;
· as 100 maiores fortunas portuguesas representam 17% do Produto Interno Bruto Nacional;
· Portugal tem a pior distribuição de riqueza no seio da União Europeia com os 20% mais ricos a controlar 45,9% do rendimento nacional;
· 10 800 pessoas têm rendimentos de cerca de 816 mil euros anuais;
· em 2001, a Segurança Social gastou com cada português apenas 56,9% do que habitualmente gastam os outros países da União Europeia.

SE O MINISTRO APENAS SE SENTE CHOCADO EU, SINTO-ME ENVERGONHADO…

domingo, 16 de outubro de 2005

NA AUSÊNCIA DE OUTRAS NOTÍCIAS DO IRAQUE

Enquanto se aguarda o resultado do referendo ontem realizado no Iraque, expectativas e comentários vão chegando sobre a situação.

De notar o reduzido número de incidentes (a fazer fé na imprensa ocidental), a percentagem de participantes (pouco mais de 60% dos inscritos), com particular relevo para a participação dos sunitas, e a confiança num bom resultado demonstrada por Condoleezza Rice (secretária de estado americano para quem um bom resultado será a aprovação da proposta de constituição).

Apesar do clima de relativa acalmia a AlJazeera relata numa das suas
páginas a morte de 5 soldados americanos, próximo de Ramadi, localidade onde se registaram fortes combates, de 2 soldados iraquianos em Falluja e de 10 revoltosos em Karabila. Já hoje notícia noutra página um ataque com morteiros à chamada Zona Verde (onde se localizam as principais instalações da administração iraquiana) de Bagdad.

É neste clima de “normalidade” que se formulam expectativas quanto à possibilidade de em 3 das 18 províncias iraquiana ocorrer uma rejeição por mais de 2/3 dos votos, situação que ditaria a automática rejeição da constituição. As notícias sobre a participação dos sunitas ainda não são claras podendo o NÃO vencer nas províncias de al-Anbar, Salah al-Din, Ninevah ou Diyala, aquelas onde se regista uma maioria sunita.

Entretanto, na passada sexta-feira um observador da ONU para os direitos humanos anunciou que as forças de ocupação (americanos e ingleses) estão a utilizar a distribuição de água e alimentos como arma contra as populações civis.

Jean Ziegler, antigo professor de sociologia de naturalidade suíça, acusou as forças de ocupação de suspenderem o fornecimento de bens essenciais para forçarem a fuga das populações durante os ataques a Falluja, Tal Afar e Samarra, no último ano.

Nas suas palavras «Está a decorrer, em completo silencio, um drama no Iraque, onde as forças coligadas de ocupação estão a fome e a privação de água como arma de guerra contra as populações civis» acto que contraria a Convenção de Genebra.

Estas notícias já foram naturalmente desmentidas por um porta-voz do exército americano, que de acordo com a insuspeita BBC sempre foi dizendo que por vezes a distribuição era atrasada durante os combates, mas que todas as precauções foram tomadas para proteger os civis apesar de não ser útil enviar alimentos para um cenário de combate...

sexta-feira, 14 de outubro de 2005

REFLEXÕES ECONÓMICAS

A propósito do futuro Orçamento de Estado e do que poderá ser o futuro da nossa economia, recomendo a leitura de um artigo de opinião de Francisco Sarsfield Cabral que embora reportado à economia americana poderá constituir bom tema de reflexão para todos nós.

Mais do que o cenário, perfeitamente possível, de recessão que aponta parecem-me de reter duas outras ideias chave:
  • a necessidade de refrear gastos públicos improdutivos;
  • o papel das famílias enquanto motores da economia.
Muitos concordarão comigo que se torna indispensável proceder a sérias reduções nos gastos públicos e particularmente nos não produtivos – é aliás isso que o governo de José Sócrates parece estar a fazer. Então estamos no bom caminho!

Puro logro. A redução alcançada por intermédio de uma política de baixos salários (em última instância é a isso que se resume a fixação de aumentos salariais inferiores aos níveis de inflação e a aplicação de medidas de congelamento de carreiras) para além de não estimular a produtividade, contraria frontalmente a segunda ideia chave de Sarsfield Cabral: a importância das famílias enquanto motores da economia.

Então se atribuímos relevância ao papel das famílias (e é inegável a sua importância quer enquanto consumidores quer enquanto aforradores) como entender opções como as que têm sido tomadas pelos últimos governos?

Como aceitar que o crescimento resultará do simples aumento das exportações?

Que economia será viável a médio prazo se o seu tecido produtivo se orientar para o consumo das famílias estrangeiras e esquecer o das famílias nacionais?

E já agora, porque é que Sarsfield Cabral, um dos reputados economistas nacionais, não extraiu as últimas conclusões do seu artigo? Por desconhecimento não foi de certeza…

EFEMÉRIDE

Hoje é uma data a assinalar. Foi publicado o último volume das aventuras de Astérix.
Portugal está entre os países que procederam hoje em simultâneo ao lançamento da recente aventura do gaulês mais famoso do mundo.

Fui um dos compradores das primeiras horas e o meu comentário, após uma primeira leitura muito rápida é de uma imensa saudade de René Goscinny… Com ele parece ter morrido muito do humor corrosivo e de uma maravilhosa capacidade de captar as nossas idiossincrasias que as obras que escreveu revelavam.

Este é mais um dos álbuns da era pós-Goscinny que não faz esquecer os anteriores. É pena…

PS: Alguém conhece a razão para a edição nacional ser vendida a 12€ quando a francesa custa apenas 8,90€?

ORÇAMENTO DE ESTADO

O governo decidiu adiar para a próxima segunda-feira a apresentação da proposta de Orçamento para 2006 (OE) que deveria ter sido hoje conhecido.

Não falta, porém, muita informação (e se calhar outro tanto de especulação) sobre o futuro OE. Os que se ficaram por anunciar a apresentação de um documento de contenção e onde o grande objectivo será a redução do deficit, terão fortíssimas probabilidades de acertar. Os que quiserem ir um pouco mais além e apontarem aqueles que serão os sectores mais atingidos pela política restritiva correrão riscos directamente proporcionais ao grau de precisão que utilizarem.

Não conheço, como é óbvio, a proposta do governo mas arrisco que esta irá contemplar:
  • a maior contenção possível nos gastos com a administração pública (leia-se salários e pensões da função pública);
  • o aumento de impostos específicos e politicamente correctos (IA, tabaco e ISP);
  • novas privatizações (as mais “faladas” são a EDP, a GALP e a REN);
  • mais alienações de imóveis;
  • menos investimento;

isto é, cortar onde for mais fácil e de resultados mais rápidos na expectativa que com estas medidas se consiga alcançar o tão desejado equilíbrio orçamental.

Não quero ser aqui o “arauto da desgraça”, mas ou estou muito enganado ou estas foram, mais ou menos, as medidas propostas por anteriores governos e que se saldaram pelo tal deficit alarmante que Vitor Constâncio, Governador do Banco de Portugal, nos veio revelar no início do ano.

Estando completamente fora de questão a necessidade de reduzir o deficit público nacional, recordo que a isso somos obrigados pela nossa participação na moeda única europeia, estou muito longe de convencido pelas medidas que espero sejam propostas. Embora isso não seja função de um OE seria desejável esperarmos a aplicação de medidas que efectivamente reduzam a fuga e a fraude fiscais – estas sim, grandes responsáveis por desequilíbrios orçamentais, na medida em que existe riqueza criada fora do sistema de redistribuição que é geradora de crescentes desigualdades sociais e potenciadora da falta de investimentos de modernização e inovação (para quê inovar se o “velho” sistema gera acréscimos de lucros ao donos das empresas e com a inovação correr o risco acrescido de poder ter que sair de um sistema ilegal mas altamente rentável) – de forma a aumentar a receita pública.

A fuga fiscal descaradamente praticada por parte significativa do tecido produtivo (os únicos excluídos desta verdadeira benesse são os trabalhadores por conta doutrem) não é apenas um problema de moralidade, mas também uma questão eficiência económica, sendo por isso espantoso que todos os “gurus” da economia nacional louvem as vantagens da economia de mercado e da livre iniciativa e se esqueçam, ostensivamente, que o maior entrave ao livre funcionamento do mercado, que tanto prezam, é precisamente a co-existência no mesmo mercado entre produtores com custos significativamente distintos resultantes da sua maior ou menor capacidade para tornear as regras fiscais ou do grau da sua desfaçatez social.

Os cidadãos deste país não podem continuar a aceitar pacificamente que políticos ineptos (normalmente apoiados pelos já referidos “gurus”) continuem a prometer a resolução de problemas com a aplicação das mesmas rotineiras medidas, já comprovadamente ineficientes, e ainda menos esperar que os problemas se venham a resolver com o aparecimento de um qualquer salvador… Mesmo para os de memória menos curta recordo que também nos anos 20 do século passado surgiu um salvador que evitou a bancarrota (era o drama financeiro da época, o de agora é o deficit) para que o país parecia caminhar, deixando-o quase meio século depois com os cofres do Banco de Portugal a abarrotar de ouro, mas com uma população maioritariamente analfabeta, mal nutrida e despojada de um tecido produtivo digno desse nome.

quinta-feira, 13 de outubro de 2005

A SOLUÇÃO PARA O IRAQUE NÃO PASSA PELO REFERENDO

A pouco mais de 24 horas do referendo da nova constituição iraquiana mantém-se o clima de insegurança e instabilidade no país.

Polícia e exército iraquianos, bem como as forças militares ocupantes, continuam a ver-se regularmente envolvidas em acções da resistência nacional. Há medida que o tempo vai passando a administração americana encontra crescentes dificuldades para manter a tese de que a oposição que estão a encontrar é conduzida pela rede terrorista da Al-Qaeda e perpetrada por estrangeiros infiltrados a partir da vizinha Síria.

Começam a tornar-se conhecidos outros grupos de resistentes, além da Al-Qaeda, que recorrendo a equipamento rudimentar flagelam regularmente as forças ocupantes, e aqueles que no interior do território lhes têm facultado apoio.

Com o agudizar da crise em torno da questão da distribuição do poder e da representatividade de cada etnia ou facção religiosa e com o crescente descontentamento da opinião pública norte americana relativamente à guerra, a administração americana espera com a votação do próximo sábado encontrar uma saída airosa para a situação.

Como uma desgraça nunca vem só, aos problemas encontrados no Iraque da era pós Saddam voltam a juntar-se os do Afeganistão onde Hamid Karzai - o “amigo americano” – continua a pretender governar o território do interior do seu “bunker”, chegando a situação ao ponto de no dia de uma recente visita de Condoleezza Rice forças “talibans” (ainda não percebi porque é que a estes os americanos não chamam terroristas) terem logrado bombardear o coração fortificado de Cabul.

Independentemente dos EUA estarem longe de uma solução para os problemas do Afeganistão e do Iraque, há dois dados novos que se revelarão na totalidade da sua importância após o referendo iraquiano:
  • estará fora de questão para George W Bush, face à posição da opinião pública americana de contestação à guerra, a aplicação de uma política de escalada do conflito, como a que terá sido equacionada durante a realização das recentes operações de limpeza junto à fronteira síria;
  • o desenrolar do próximo sábado, onde se avaliará a dimensão da reacção sunita (atenção que notícias de grande adesão das populações poderão não passar de manobras de contra-informação), e a concretização, ou não, de acções bélicas de grande envergadura (porque as de menor efeito tenderão a ser minimizadas) será um seguro indicador do futuro próximo a esperar no Iraque;
e de cuja articulação, a par com o desenrolar do “relacionamento” judaico-palestiniano, decorrerá o futuro daquela região e o de todos nós.

TRANSPORTES E POLÍTICA SOCIAL

Gostei particularmente de ver ontem num canal de televisão o primeiro-ministro José Sócrates anunciar, durante a cerimónia de inauguração (mais uma...) de mais um troço da nova auto-estrada que irá substituir o actual IP5, que naquele troço só haveria lugar ao pagamento de portagens quando na região se verificasse uma situação de paridade entre o rendimento médio nacional e o local.

É particularmente relevante constatar-se a preocupação de qualquer governante, ainda mais quando se trata do próprio chefe do governo, com questões de equidade social, pelo que me parece mais que oportuno lembrar aqui que talvez idêntico critério devesse ser considerado relativamente ao conjunto do tecido rodoviário nacional.

Como todos sabemos, com a política de expansão da rede de auto-estradas - viabilizada após a adesão à CE e o início do fluxo de meios financeiros dela resultante - os sucessivos governos deste país optaram por uma política de abandono das outras vias rodoviárias (senão como explicar a situação de degradação em que a maior parte delas se encontra), eliminando assim a existência de qualquer alternativa viável e mais económica às referidas auto-estradas e ao consequente pagamento de taxas de utilização (portagens). Assim, seria de inteira justiça a aplicação de idêntica medida – suspensão de pagamento de portagens – até que o rendimento médio nacional igualasse o de outros congéneres da CE.

A título de exemplo e para que fique bem claro o que nos separa dos resto da Europa, refira-se que em 2004 o salário médio dos membros da Europa dos 15 era o seguinte:


com Portugal a ocupar o último lugar e, pior, com o penúltimo (Grécia) a representar quase o dobro do nacional.

Por último recorde-se que a eliminação (ou até uma simples redução) nas portagens cobradas teria efeitos positivos no conjunto da economia, uma vez que a esmagadora maioria das mercadorias transportadas em território nacional são-no por via terrestre e não por via ferroviária.

quarta-feira, 12 de outubro de 2005

COMPETÊNCIA VERSUS CARREIRISMO

Mais uma substituição num cargo de direcção de um organismo público. Alda de Caetano Carvalho vai substituir José Mata na direcção do Instituto Nacional de Estatística.

Isto não é motivo de grande espanto, no nosso país, podendo ser de grande preocupação quando sabemos que imperam critérios de nomeação totalmente desadequados (salvo talvez do ponto de vista do nomeador e do nomeado).

Vivêssemos nós um sistema mais justo e transparente, onde a escolha se pautasse por critérios de qualidade e competência e talvez a notícia não chegasse a poder constituir matéria por todos estarmos tranquilos sobre isso.

Não estando em causa a credibilidade técnica de nenhum dos envolvidos na mudança, fica-nos, ainda assim, um perfume de dúvida em todo o processo… Não é só pelo cargo em questão (é de capital importância que qualquer país possa dispor de uma entidade estatística honesta e eficiente), é porque cada vez menos se consegue entender a lógica de substituir toda a gente que disponha de alguma hipótese de influenciar políticas cada vez que um governo muda.

A continuarmos nesta lógica, clientelista e bacoca, qualquer dia até os motoristas e o pessoal de limpeza dos ministérios sai (ou entra) com cada ministro. Assim, até os mais credíveis e conceituados vão ver chegar-se-lhes a sombra da dúvida... e então o que nos restará?

terça-feira, 11 de outubro de 2005

LÁ COMO CÁ…

Uma notícia chamou-me hoje a atenção na página da BBC. Falava sobre a estratégia lançada pelos jornais britânicos de oferecer DVD’s aos seus leitores.

Aparentemente nada disto é novo. Entre nós há muito tempo que jornais e revistas nacionais o fazem. Bom, não é bem… bem… igual!

Os principais jornais ingleses estão a OFERECER (GRÁTIS! DE BORLA! FREE!) DVD’s com filmes bastante recentes, que podem ser comprados nas lojas locais a preços variando entre as 5£ e as 15£. (Digo bem, nas lojas locais, porque entre nós os mesmos filmes são bem mais caros e a culpa não é só do IVA...)

Lá como cá tudo o que interessa aos editores dos jornais é a respectiva difusão. Esta política de ofertas (gratuitas ou a preços reduzidos) tem como único objectivo induzir os potenciais clientes a continuar a comprar o jornal após o final do período das “ofertas”.

Para as empresas detentoras dos jornais pode parecer um mau negócio (mesmo no caso português a venda de DVD’s a menos de um terço do preço de venda continua a ser caro), porém isto merece uma melhor atenção.

Como é óbvio a aquisição (ou encomenda) de uns milhares de DVD’s para distribuição (mais ou menos gratuita) implica algum investimento, mas atenção que o preço unitário deste conjunto é muito inferior ao preço de venda ao público do mesmo DVD.

Com isto fica demonstrado que as editoras de DVD’s praticam preços de venda muito superiores ao respectivo custo (hoje em dia o suporte físico do DVD custa poucos cêntimos e quando um filme é convertido para formato DVD já a sua exibição no circuito das salas de cinema terá compensado o investimento realizado na produção, distribuição e publicidade) e que o preço de venda de filmes em DVD em Portugal é muito superior ao praticado noutros países com quem, em princípio, partilhamos o mesmo mercado comunitário.

A diferença de preço é tão grande (mais de 10€, valor normalmente “pedido” pelos jornais nacionais) que os jornais ingleses se podem dar ao “luxo” de os oferecerem aos seus leitores…

PS: Isto não é nenhuma novidade para os “internautas” nacionais que estão habituados a recorrer aos sites de especializados para adquirirem DVD’s e CD’s a preços mais razoáveis.

segunda-feira, 10 de outubro de 2005

BALANÇO AUTÁRQUICO LOCAL


A nota de maior destaque nos 21 concelhos que constituem o distrito de Santarém continua a ser o elevado nível de abstenção registado, da ordem dos 40%.

Olhando para os resultados das eleições de ontem constata-se que dos 388.249 eleitores inscritos no distrito de Santarém apenas 239.019 deles se deslocaram às diversas assembleias de voto a fim de participar na escolha de quem iria gerir a localidade onde vivem. Tenho dificuldade em entender como é que um tão grande número eleitores se mostram indiferentes a quem vai decidir sobre planos urbanísticos, redes viárias, sistemas de recolha de lixo, de abastecimento de água, de saneamento básico, etc. etc.. Numa palavra, sobre a qualidade de vida que todos iremos ter nos próximos quatro anos.

Prosaicamente registe-se a repetição da vitória de Sousa Gomes (PS), com nova maioria absoluta, em Almeirim. Nos concelhos à nossa volta todos os vencedores lograram alcançar maiorias (PS em Alpiarça, no Cartaxo e em Coruche, CDU na Chamusca e o BE em Salvaterra de Magos) com excepção de Santarém, onde o PSD cantou vitória (vamos ver se não se trata de um presente envenenado uma vez que PSD e PS têm o mesmo número de eleitos e ainda se adiciona a incógnita da qualidade do trabalho que Moita Flores estará disponível para executar).

Mas mais importante que a avaliação das equipas eleitas, fica a constatação que os partidos políticos continuam a não conseguir revelar-se suficientemente atractivos para mobilizarem parte significativa dos eleitores.

Momentos há em que me chego a interrogar se eles fazem um real esforço para contrariar a tendência abstencionista que se vem instalando nos eleitores.

É certo que muitos dos abstencionistas o terão feito de forma convicta, por entenderem que nenhuma das listas candidata (isto é, nenhum dos partidos que apresentou candidatos) reuniria as condições que entendiam necessárias, ou porque, mais prosaicamente, nenhum deles se apresentou falando sobre os problemas locais de forma convincente. Mas também terá havido um número igual ou maior que simplesmente entende não se justificar o esforço de eleger alguém que depois pouco ou nada vai fazer de positivo.

Para mim mantenho que o problema do persistente alheamento dos eleitores, devendo-se a múltiplas causas, deverá ser combatido com múltiplas iniciativas, as quais deverão passar por incentivar, para as eleições autárquicas, a constituição de listas de cidadãos locais em detrimento das listas partidárias contribuindo assim para um maior debate dos respectivos problemas e por esta via para estimular a participação dos eleitores.

Sendo seguro que este tipo de actuação (de matriz local) forçaria os candidatos partidários a melhor prepararem as suas candidaturas em vez do mais fácil apelo ao voto “clubista”, existe a forte probabilidade de assistirmos a uma total inversão do “status quo” partidário instalado.

A título de mero exemplo vejamos o que sucederia aos resultados ontem registados em Almeirim na eleição para a Câmara Municipal: como já referi o PS venceu, com 5.313 votos (55,17%), mas caso existisse uma lista local que colhesse apenas 60% dos votos dos abstencionistas, esta passaria a liderar com 40,63%, aquele partido desceria para 37,49% com um nível de abstenção de 25%.

Por mais aberrante que seja a hipótese, NÃO SERÁ DISTO QUE OS PARTIDOS POLÍTICOS TÊM EFECTIVO RECEIO? Se não é porque persistem em arquitectar campanhas autárquicas como a que acabámos de assistir?

BALANÇO AUTÁRQUICO NACIONAL

Por sempre ter entendido que cada acto eleitoral tem um significado diferente consoante a sua finalidade não perfilho o movimento geral de condenação do governo em função dos resultados de ontem.

Não porque entenda que este tem andado minimamente bem, mas porque creio que muitos eleitores terão optado pela lógica adequada ao acto: a escolha do candidato que entendiam melhor adaptado à função da gestão autárquica.

Esta lógica terá porém que ser entendida com algum cuidado, para que ninguém retire a conclusão que candidatos como VALENTIM LOUREIRO, ISALTINO MORAIS e FÁTIMA FELGUEIRAS foram escolhidos por o eleitorado dos concelhos a que se candidataram os julgar magnificamente talhados para a função. Não nego que alguns tenham votado convictamente neles (seguramente os que esperam recolher dividendos pessoais da opção), mas creio que a maior parte foi simplesmente condicionada para o fazer.

Veja-se o “timing” perfeito que rodeou a encenação do regresso de FÁTIMA FELGUEIRAS; até a juíza foi particularmente “atenciosa”, libertando a “pobre senhora” a tempo de efectuar a saída do tribunal à hora dos telejornais nacionais – que maravilhoso sentido do dramático tem a nossa justiça.

No seu global todos os «candidatos-bandidos» mostraram um perfeito sentido da utilização da televisão (ou não fosse este o grande meio de difusão de mensagens publicitárias), tendo utilizado em seu benefício a atenção excessiva que lhes foi dedicada, até porque é sempre fácil repetir até à exaustão declarações de inocência perante “pacíficos” repórteres e operadores de câmara (a propósito, recordam-se da polémica que se viveu neste país a propósito da aplicação, ou da sua ausência, do princípio do contraditório aos programas televisivos de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Vitorino) que em momento algum os confrontaram de forma directa com os crimes cometidos, ou mais simplesmente, os invectivaram pela ausência de outro tema que não a sua famigerada inocência.

Pelo contrário pouca, muito pouca, atenção foi dedicada pelas direcções dos grandes partidos a este fenómeno.

Em jeito balanço (é esse o mote) restarão para a história três factos:
  • a percentagem de abstenção continua elevadíssima, com percentagens da ordem dos 40%;
  • a eleição dos «candidatos-bandidos» nos círculos em que se recandidataram (só AVELINO FERREIRA TORRES falhou ao trocar Marco de Canavezes por Amarante);
  • voltámos a assistir a uma campanha autárquica onde se discutiram (mal) alguns problemas nacionais e poucos ou nenhuns dos (muitos) problemas que afectam as comunidades locais;

a reacção do primeiro-ministro que não encontra na “derrota” do seu partido motivos para abandonar o governo, alegando (e bem) que a acção será julgada no seu tempo, nas próximas eleições legislativas e uma conclusão:


na clamorosa falta de sentido ético de bom número dos nossos políticos, há que introduzir alterações à legislação em vigor que minimize a hipótese de se voltar a repetir o fenómeno (quero continuar a crer que se tratou de um caso sem exemplo) de permitirmos a candidatura de indivíduos indiciados, arguidos e condenados por crimes de relacionados com o exercício de cargos públicos.


Felizmente já se começam a fazer ouvir algumas opiniões nesse sentido. João Cravinho defende isso mesmo num artigo no Diário de Notícias de hoje onde preconiza que a abordagem do problema não se quede pelas autarquias e se estenda a todos os níveis da vida pública nacional, embora me pareça que a hipótese de melhorar a situação mediante a introdução de maior celeridade processual neste tipo de processos judiciais peca por manifestamente optimista.


Por último uma referência para o primeiro-ministro José Sócrates que escolheu a opção correcta (distinguindo eleições autárquicas de eleições legislativas, mesmo sabendo que se fez sentir o efeito de desagrado pela sua política e em particular das medidas de austeridade que conforme o habitual continuam a recair sobre os sectores mais afectados pelo clima económico, das decisões contraditórias, como o lançamento de grandes investimentos simultâneos com a já referida política de austeridade, e ainda as relativas ao excessivo número de nomeações politicamente contestáveis), apenas lamento que fruto da promiscuidade existente na política nacional o primeiro-ministro também tenha participado na campanha autárquica (diz que na qualidade de secretário geral do PS), quando, para fazer valer o princípio que defende dela se deveria ter abstido.

domingo, 9 de outubro de 2005

PROPOSTAS LEVA-AS O VENTO…

Desde o 5 de Outubro que o presidente Jorge Sampaio se tem desdobrado em propostas apelos de intervenção.

Começou, entre outras coisas, por propor a necessidade da inversão do ónus da prova para o caso dos crimes económicos, isto é em casos em que se suspeite de situações de enriquecimento sem causa passaria a caber ao indiciado a prova da legalidade dos seus rendimentos.

Ao longo dos dias vários foram os juristas que fizeram ouvir o seu desacordo à aplicação prática desta proposta, alegando que da sua aplicação resultaria a total inversão do princípio da inocência dos arguidos, podendo ainda vir a resultar numa situação de manifesto abuso por parte do poder político ao sobrepor-se ao poder judicial.

Já disse aqui que não sou especialista em questões de natureza jurídica, mas creio que a proposta, conquanto reconheça a possibilidade de abusos na sua aplicação, poderá contribuir para o repensar do funcionamento do nosso sistema judicial. Não estando aqui em causa acusações de natureza cível ou criminal e uma vez que é cada vez mais frequente ouvir-se formular dúvidas sobre a legalidade da muita riqueza que existe num país cada vez mais pobre, seria de inteira justiça (social) que aqueles sobre os quais impendam essas dúvidas as esclareçam de forma inequívoca. Aliás não compreendo como é que ninguém levanta grandes dúvidas sempre que a administração fiscal questiona a qualidade da informação constante nas declarações anuais do IRS, mas pelo contrário ninguém questiona essa mesma administração quando são divulgadas informações segundo as quais grande número de profissionais liberais (principalmente advogados e médicos) apresenta declarações com rendimentos anuais pouco superiores ao salário mínimo nacional.

Outra das críticas à proposta de Jorge Sampaio tomou por base a questão da violação das liberdades individuais – questão realmente fundamental – mas nunca levantaram a voz para criticar algumas das propostas que circulam nos meios políticos e jurídicos desde o 11 de Setembro e visam o controle de cidadãos “potencialmente perigosos”.

Hoje mesmo ouvi num canal de televisão o presidente Jorge Sampaio apelar à participação dos cidadãos no sentido destes aceitarem os riscos de candidaturas aos órgãos autárquicos, mas lamento que esse mesmo apelo não tenha sido acompanhado de outra proposta: a alteração da lei eleitoral de forma a facilitar o aparecimento de candidaturas de grupos locais de cidadãos.

Esta sim, creio que faria um excelente conjunto com a primeira uma vez que a um apelo para a moralização (por intermédio de um sistema de fiscalização mais efectivo) da vida económica nacional se juntaria um outro, orientado para a um melhor funcionamento do poder local que, como muito bem lembrou Jorge Sampaio, pode ser a origem de futuros governantes nacionais.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

REFLEXÃO SOBRE O QUE NOS ESPERA

Último dia de campanha, último dia para publicação de sondagens e início do período de reflexão eleitoral.

Podendo comentar-se os principais resultados apresentados (empates técnicos entre os candidatos do PS e PSD em autarquias onde sondagens anteriores davam confortáveis vantagens aos últimos), parece-me muito mais importante concentrar-me nas sondagens que prenunciam confortáveis vitórias, e até mesmo maiorias, para os principais «candidatos-bandidos».

É verdade, AVELINO FERREIRA TORRES, FÁTIMA FELGUEIRAS, VALENTIM LOUREIRO e ISALTINO MORAIS, estão aí para continuarem as práticas a que já nos habituaram.

Trata-se de um fenómeno que justificará trabalhos de análise social e política a merecer a melhor atenção dos especialistas. Nada me impede, mesmo como leigo na matéria, de ter uma opinião sobre o assunto, tanto mais que este é um problema que me parece suficientemente grave para merecer a atenção de todos quantos ainda não tenham desistido de querer um melhor futuro para este país.

Sendo certo que com personagens daquele calibre à frente dos destinos de autarquias estaremos a dar o pior dos sinais sobre o nosso futuro, parece-me que este fenómeno não é de agora e tão pouco tem merecido a devida atenção.

Eu que defendo uma lógica da participação mais directa dos cidadãos na condução dos destinos das suas vilas e cidades (essa é a principal função das autarquias), a qual deve ser alcançada através de um processo de eleição de personalidades locais (verdadeiramente empenhadas na defesa dos interesses locais em detrimento das suas filiações partidárias) deveria estar a aplaudir os prenúncios de vitória dos candidatos independentes já referidos.

Sucede porém que aquelas candidaturas não cumprem os quesitos para poderem ser entendidas como independentes ou locais, uma vez que resultaram do simples facto daqueles candidatos não terem colhido o apoio das forças políticas que anteriormente os apoiaram, não se tratando, por isso, de verdadeiros movimentos de génese local mas tão somente de manobras visando o branqueamento dos crimes de que são acusados ou condenados. Este processo traduz-se no mais despudorado aproveitamento dos termos da lei, seja no sentido da fuga à justiça seja na tentativa da sua subversão.

Haverá quem restrinja a responsabilidade da eleição dos «candidatos-bandidos» ao conjunto dos eleitores que neles irão votar, esquecendo a responsabilidade dos partidos políticos que ao embarcarem numa campanha eleitoral orientada exclusivamente para a conquista de votos em vez do debate dos problemas locais (estamos a encerrar uma campanha autárquica e não uma legislativa) facilitaram, e de que maneira, a tarefa daqueles. Ao longo do período de campanha nunca se ouviram vozes firmemente críticas, nem dos candidatos partidários nem dos responsáveis pelos principais partidos, contra esta aberração – A PARTICIPAÇÃO DE CIDADÃO CONDENADOS, INDICIADOS E ACUSADOS DE CRIMES DE GESTÃO DANOSA DA COISA PÚBLICA.

Hoje, dia em que a campanha se encontra em vias de terminar e parece garantida a eleição de «candidatos-bandidos» começo a pensar, já, como é que tudo isto pode ter sucedido?
Seria fácil buscar a resposta numa legislação talvez demasiado permissiva, num sistema judicial lento e se calhar de eficácia duvidosa; por mim prefiro olhar um pouco à minha volta para ver se encontro resposta mais adequada.

A característica comum que ressalta de todos os «candidatos-bandidos», para além dos actos de que são acusados, é o seu populismo. Sendo uma forma fácil e simples de alcançar o eleitorado, e em especial um como o português que apresenta altos níveis de iliteracia, tem sido utilizado por todos os que almejando algum poder o não conseguem alcançar num processo de confronto aberto de ideias e estratégias.

Mas o aparecimento de múltiplos políticos populistas não sendo uma ocorrência espúria é um sinal do estado da nossa sociedade em geral. As teses populistas não surgem apenas porque há quem não disponha de melhores meios (conhecimentos, cultura, experiência, etc.) para disputar os combates políticos em que se envolve, nem porque exista um grande número de receptores disponíveis para os ouvirem, mas sim porque grupos crescentes da nossa sociedade têm vindo a ser formados num contexto de despreocupação e facilitismo e orientados na sua vida profissional por regras injustas e manipuladoras.

Para entender isto basta estar atento aos comentários que diariamente ouvimos sobre as condições de trabalho nas empresas nacionais, sobre a imposição de horários cada vez mais alargados, sobre as orientações emanadas ao sabor do momento ou de disposição ocasional. Estes factos, graves, poderiam constituir o dia a dia das micro e das pequenas empresas cuja gestão é, normalmente, assegurada por um “patrão”, com baixos níveis de formação, mas o pior é que o mesmo acontece nas empresas de maior dimensão, onde os níveis de formação das estruturas directivas de topo e intermédias é francamente superior. Grave é que nas nossas empresas imperem modelos de gestão em tudo semelhantes “ao quero, posso e mando” admissível num patrão semi-analfabeto dos primórdios da industrialização mas inexplicável numa época em que se pretendem atingir elevados níveis tecnológicos.

Esta dualidade de critérios – despreocupação e facilitismo no processo formativo e exigência de rigor e produtividade desproporcionada aos meios de trabalho e processos de decisão aleatórios e prepotentes – que grassa quer no sector público quer no privado, estará não só na génese da nossa famosa baixa produtividade, mas também constitui terreno fértil para a multiplicação de arrivistas e populistas. Aqueles mesmos que agora nos surgiram como «candidatos-bandidos», mas também todos os outros que, aos mais diversos níveis da nossa sociedade, estão a facilitar a sua existência.

Perante a evidência dos erros cometidos resta-nos pensar na forma de os corrigirmos, sendo que uma das primeiras deverá passar pela defesa da aplicação de princípios éticos à vida económica, social e política no nosso país. Esta é uma tarefa que todos teremos de abraçar sob pena de assistirmos à degradação da nossa sociedade.

quinta-feira, 6 de outubro de 2005

NOTÍCIAS DO IRAQUE II

O Iraque continua a dar sinais contraditórios à comunidade internacional.

Enquanto os parlamentares xiitas e curdos parecem ter respondido positivamente aos apelos (e às pressões ocidentais e da ONU) no sentido de abandonarem as alterações à lei eleitoral recentemente votadas e que reduziam drasticamente a capacidade de decisão da comunidade sunita, a tal ponto que estes se preparavam para boicotar o referendo sobre a nova Constituição, que terá lugar no próximo dia 15, as forças americanas continuam a sua estratégia de “limpeza” das zonas tradicionalmente ocupadas pelos sunitas.

A pretexto de erradicar o “terrorismo”, o exército americano tem levado a cabo várias acções em territórios maioritariamente sunitas, isto a poucos dias do referido referendo e num momento em que a tenção entre esta comunidade e a rival xiita se encontra ao rubro.

Já anteriormente aqui referi a possível dualidade de critérios aplicados, bem como o facto desta iniciativa poder configurar senão um processo de limpeza étnica, pelo menos um processo visando uma efectiva redução no número de sunitas que se apresentem nas urnas de voto mediante o seu afastamento físico desses locais.

De isso mesmo nos dá conta uma notícia inserta no Diário de Notícias de hoje:

«O Exército norte-americano anunciou ontem a intensificação das suas acções militares contra os insurrectos nos territórios sunitas do Iraque.

«…» Na Casa Branca, onde se reuniu com o secretário da Defesa e com o general americano responsável pela formação do novo Exército iraquiano, o Presidente George W. Bush expressou a sua satisfação com o envolvimento das tropas de Bagdad nas operações militares em curso e que correspondem a cerca de 30% dos efectivos empregues.

Insatisfeito mostrou-se o presidente do Parlamento iraquiano, o sunita Hajem al-Hassani, ao criticar "o momento" escolhido pelos EUA para actuar na região sunita. "Não somos contra as operações militares, mas o momento escolhido para essas operações é muito importante. As minhas reservas respeitam ao momento, que é inapropriado" por se verificar a poucos dias do referendo. "A situação deve estar calma nessas regiões [sunitas] para que as pessoas possam ir votar", observou o dirigente iraquiano, em visita ao Koweit