quinta-feira, 23 de março de 2006

DESBUROCRATIZAÇÃO E DEPENDÊNCIA

Depois da implementação de um conjunto de medidas especificamente orientadas para o universo empresarial, nomeadamente as destinadas acelerar os procedimentos necessários para a constituição de empresas, da introdução de novas vias de comunicação com a máquina fiscal (algo que poderemos designar por analogia com o e-comerce pelo e-fisco, que além das declarações de IRS, IRC e IVA, inclui a polémica nova forma de liquidação do Imposto Municipal sobre Veículos), eis que hoje foi notícia a apresentação na próxima segunda-feira, pelo governo de José Sócrates, de um pacote orientado para os particulares.

Entre o leque das medidas (das poucas já tornadas públicas) destaque-se as orientadas para:
- a simplificação dos procedimentos da matrícula escolar;
- concentração de todos os procedimentos envolvidos no processo de aquisição de habitação numa única entidade que realize a escritura, os registos (incluindo a conversão dos registos provisórios em definitivos) e também sirva de intermediário para o pagamento do Imposto Municipal sobre as Transmissões (IMT);
- ampliação do leque de funcionalidades já disponíveis na área fiscal, permitindo o processamento informático (via Internet) de reclamações e a consulta “on line” da respectiva situação processual;
com as quais o executivo pretende facilitar o dia-a-dia dos seus cidadãos.

Aparentemente este leque de novas medidas insere-se no âmbito do processo de modernização administrativa (vulgo combate contra a burocracia), mas estaríamos todos a ser ingénuos se não vislumbrássemos algo mais que isso.

As constantes propostas de resolução de problemas por via informática leva-me a pensar que esta estratégia foi devidamente conjugada com a que determinou a recente visita a Portugal de Bill Gates (o todo-poderoso dono da Microsoft), uma vez que todo este processo de “modernização” tem subjacente a omnipresença dos “produtos” fabricados por aquela multinacional americana. Não tenho nada a apontar à tentativa de modernização, salvo os seguintes aspectos:
- parece-me estar-se a construir um pouco o edifício pelo telhado, uma vez que como é do domínio público os índices nacionais de penetração da Internet e do uso de computadores domésticos revelam que ainda estamos muito longe que conseguir que este tipo de solução conheça um rápido sucesso (um bom teste para esta realidade vai ser a análise do número de declarações do IRS entregues por via informática);
- as razões para esta reduzida penetração são de duas naturezas distintas: o elevado nível de infoexclusão da população portuguesa (reduzida ou nula formação nessa área) e o elevado custo dos equipamentos informáticos, do software e do serviço de ligação à Internet;
mesmo sem dispor de dados reais, a minha experiência em alguns contactos com a máquina administrativa nacional levam-me a antever como morosa e difícil a adaptação de parte significativa do corpo de funcionários públicos à nova realidade que se pretende implementar.

Sem querer parecer ave de mau agouro, estou em crer que as medidas já anunciadas e as com anúncio marcado poderão constituir um importante passo no sentido da modernização e flexibilização da máquina administrativa, mas não a curto prazo nem de forma milagrosa. Muito trabalho haverá a fazer no âmbito da formação da grande massa de funcionários públicos que há dezenas de anos têm funcionado sob o régio primado da máxima soberana de qualquer bom burocrata, que quando questionado por qualquer principiante arrogante e desavergonhado sobre os porquês das tarefas a executar responde invariavelmente do alto da sua sabedoria de largos anos de experiência: «SEMPRE SE FEZ ASSIM!»

Por último gostava de saber quanto nos está a custar (e quanto ainda há-de custar) equipar a máquina da administração com sistemas operativos e software da Microsoft, ou será que o benemérito Bill Gates “ofereceu” aquele equipamento porque espera que o Estado Português nos venha a obrigar a comprar-lhe o sistema operativo e o software para podermos beneficiar da desburocratização que o governo nos promete?

Porque é que o governo não optou por instalar sistemas baseados no linux (sistema operativo GPL (General Public License) sem custos para os utilizadores), agora que até temos em Portugal um centro de desenvolvimento? (para informação adicional aceda aqui)

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