terça-feira, 31 de outubro de 2017

A QUESTÃO CATALÃ

No dia em que se assinala a passagem de cinco séculos sobre a Declaração de Wittemberg, que marcou definitivamente a separação entre católicos e protestantes, quero aqui recordar que grande parte dos movimentos progressistas têm acontecido em situações de corte profundo com os poderes ou as ideias estabelecidas. Assim foi com o cisma religioso que ficou conhecido como Reforma, com a chamada Revolução Industrial, ou mais recentemente com a Revolução Digital; por norma o progresso sempre surge em corte aberto com o establishment ou com quem defende o status quo por mera ignorância ou simples conformismo.

Vem isto a propósito dos recentes acontecimentos na Catalunha e da forma como um ancestral anseio independentista tem sido interpretado em Barcelona e em Madrid por dois frágeis líderes (Carles Puigdmont e Mariano Rajoy) que pretendendo interpretar interesses legítimos estão a dar uma triste imagem das respectivas causas. O catalão Puigdmont falhou redondamente ao partir para um cofronto sem previamente ter federado um conjunto mais vasto de partidários da independência e sem ter sabido manter ao longo do processo as indispensáveis pontes de diálogo, enquanto o castelhano Rajoy, jactante na sobranceria própria dos que se julgam importantes, partiu para o confronto respaldado na sua legalidade e no apoio que a monarquia nunca lhe regateou.


O resultado, no imediato, está a ser um novo retrocesso na autonomia catalã mas que os tempos poderão reverter ou não tivesse a Moncloa optado pela tradiiconal solução imperial e pelo uso da força ao invés duma solução negociada que garantisse uma coexistência pacífica e quiçá a continuidade do Estado espanhol como o conhecemos. A demonstração de força, levada a cabo pelo governo de Mariano Rajoy com o público apoio da monarquia, vai seguramente exacerbar os movimentos republicanos e independentistas muito latentes noutras regiões – a Catalunha, o País Basco e a Galiza –  duma Espanha há muito dividida por uma mal concretizada unificação e uma ainda mais fracturante guerra civil (1936-1939).

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

O TRIÂNGULO ESPANHA – CATALUNHA – UE

Talvez não seja totalmente desajustado reflectirmos hoje, dia em que comemoramos a implantação da República em Portugal, no sentido do que ocorre na vizinha Espanha onde no passado fim-de-semana uma «Jornada histórica na Catalunha deixou grandes incógnitas» para defensores e opositores (é conhecido que «Milhares de pessoas manifestam-se pela unidade de Espanha» na véspera do referendo) à ideia de independência catalã.

Um e outro lado esgrimem argumentos, mas a realidade é que o governo espanhol optou, desde o início, por uma actuação de força onde a «Polícia regional recebe instruções para desalojar e encerrar assembleias de voto», que apenas se poderia concluir com a notícia que a mesma «Polícia carrega sobre os cidadãos junto aos colégios eleitoriais», enquanto os independentistas procuram não deixar esquecer o «Relato de um dia em que as cargas policiais na Catalunha espantaram o mundo (e em que houve 90% de votos a favor da independência)» onde cerca de 42% dos 5,3 milhões de eleitores catalães conseguiram votar e 90% deles fizeram-no a favor da independência.

Desde o agravar da crise que se tem esperado algo de positivo da UE, mas «Bruxelas insiste que é problema interno de Espanha», numa forma de alheamento que levou a que o «Presidente do parlamento catalão acusa UE de estar do lado de Espanha», juntando mais uma acha para a fogueira, mesmo quando se diz que o «Governo catalão espera por bons ventos europeus».



A posição inflexível do governo espanhol parece reforçada quando o rei «Filipe VI acusa governo da Catalunha de “deslealdade inadmissível”» e recebe um tíbio apoio da UE com a notícia que os «Eurodeputados não poupam nas críticas e pressionam para que se passe ao diálogo» (secundado quando o «Parlamento português aprova voto de “preocupação pela evolução da situação política” na Catalunha») mas nada sugerem para ultrapassar o diferendo. Claro que a questão é muito sensível e ainda mais no actual quadro de enfraquecimento da UE, devendo ser tratada com cuidados extremos; mas continuar a insistir numa clara política de “dois pesos e duas medidas”, como se sugere quando o «Presidente sérvio acusa União Europeia de “dois pesos e duas medidas” na questão da Catalunha e do Kosovo», em nada ajudará qualquer dos vértices do triângulo.

Pode já ter ocorrido o «O dia em que Espanha perdeu a Catalunha» pois a isso conduziu a presença em Madrid e Barcelona de dois líderes fracos (Mariano Rajoy – líder do PP, chefia um governo minoritário de centro-direita, apenas com o apoio do Ciudadanos de Albert Rivera, após duas eleições inconclusivas e sobre o qual o «Vice da Generalitat avisa que se catalães votarem Mariano Rajoy cai» – e Carles Puigdemont – do Partido Democrático Europeu Catalão/Convergência Democrática da Catalunha (centro-direita) que preside à Generalitat apoiado por uma coligação frágil e ideologicamente contraditória que engloba o movimento Juntos pelo Sim, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), de Oriol Junqueras, herdeira do independentismo de 1934 e de Lluís Companys e a Candidatura de Unidade Popular (CUP), um partido da extrema-esquerda, anti-União Europeia e anti-capitalismo que chegou ao poder como uma segunda escolha e após a CUP se ter recusado a apoiar um governo chefiado por Artur Mas) e a actuação do governo central que em resposta ao apelo onde o «Presidente da Catalunha pede mediação internacional» para o diferendo já anunciou que, face à previsível declaração de independência catalã, «Madrid manda o exército para a Catalunha», numa quase repetição do ocorrido no dia 6 de Outubro de 1934, quando à proclamação da ambicionada independência, por Lluís Companys, se seguiu a violência mas também a sua rápida perda e a suspensão do estatuto de autonomia.