quinta-feira, 30 de junho de 2016

A BOMBA-RELÓGIO DO FRACASSO DA INTEGRAÇÃO EUROPEIA

Mesmo após as eleições gerais em Espanha, concluídas com o mais que óbvio resultado da manutenção do impasse entre as forças políticas tradicionais, a questão fulcral para os europeus continua a ser o “Brexit” como se esta constituísse um fenómeno autónomo ao processo de integração europeia, processo que o Reino Unido sempre abordou de forma enviesada.

Foi assim que os ingleses fomentaram a EFTA,para a abandonarem em 1973 com a aproximação à CEE, e que desde a sua permanência na UE sempre se destacaram pela sua aproximação a Washington e à NATO (caso da invasão do Iraque) ou no fomento das políticas de alargamento ao leste europeu em detrimento da consolidação do projecto europeu. O alargamento aos países do antigo bloco soviético foi o maior fracasso dos 30 anos de construção europeia porque foi movida essencialmente pela ganância das empresas da Europa Ocidental (e dos EUA) e executada a expensas da integração política do continente no seu conjunto.


O flanco oriental da UE é hoje  uma manta de retalhos de países movidos por interesses diferentes, com graus de integração diversos (uns integram a zona Schengen, outros o Euro e outros nem uma coisa nem a outra) e sustentados por interesses de todas as naturezas, pelo que os riscos de desintegração e de conflitos são consideráveis e ameaçam o projecto europeu, tanto ou mais do que a saída do Reino Unido. O recrudescimento da tensão com a Rússia (primeiro a propósito da Geórgia e agora com a questão ucraniana) criou as condições para uma desarticulação duma região agora dividida entre inúmeros interesses e futuros possíveis e marca, com a questão ucraniana, o reaparecimento das extremas-direitas.


Níveis de integração e direitos diferentes criam verdadeiras desigualdades de tratamento na região que ultrapassam em muito as já grandes diferenças em termos de desenvolvimento económico. Se a UE está na realidade longe de ser homogénea, a sua zona oriental situa-se no extremo, quando em termos de salário médio a Bulgária regista um valor que é um terço do salário médio dos países ocidentais mais pobres (inferior a mil euros em Portugal e na Grécia) e inferior ao dos chineses ou nos níveis de pobreza,o que revela um fracasso de convergência económica, que foi no entanto a principal motivação para a sua entrada na UE.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

“BREXIT” A QUENTE!

A decisão ontem tomada em referendo pela saída do Reino Unido da UE, colocando em causa o funcionamento e o futuro da união não anula minimamente a ideia que aquela foi ditada por razões de natureza populista, ou não se tivesse chegado do outro lado do canal a notícia que «Marine Le Penn satisfeita com Brexit defende referendo em França», e que questões como a da falta de democraticidade dos organismos europeus ou do desenho inadequado de tratados e outros instrumentos pouco ou nada pesaram na decisão.
No dia seguinte, tudo continua na mesma...


...Angela «Merkel convoca líderes partidários alemães após referendo britânico», pressagiando que os dirigentes europeus continuam a ignorar estoicamente os verdadeiros problemas duma união que dizem defender, mantendo em funcionamento conclaves de duvidosa legalidade (como o Conselho Económico-Financeiro) e de reconhecida inoperacionalidade (como o Conselho Europeu) para debaterem as condições de saída do Reino Unido quando no seu próprio interior crescem os sinais de dissensão pois a «Escócia e Irlanda do Norte queriam ficar. E já dão sinais de afastamento» que se poderão traduzir na desagregação do Reino Unido e terão seguras consequências noutros territórios europeus como a Catalunha e a Valónia.


O fortalecimento dos movimentos populistas e xenófobos europeus será outra indesejável consequência do referendo britânico que para já pouco contribuirá para a melhoria das instituições europeias e poderá ainda servir de pretexto para agravar a sua entropia.

quinta-feira, 23 de junho de 2016

“BREXIT” VERSUS “UEXIT”

Decorre hoje, por terras britânicas, um referendo sobre a permanência do país na UE cujo resultado não poderá deixar de influenciar o futuro imediato duma união que se esboroa, surgido não porque o governo de Londres tenha algum projecto significativamente diferente mas porque voltaram a grassar ventos isolacionistas e xenófobos.

Além das óbvias diferenças entre ingleses e escoceses (que em caso de vitória do “não” deverão reacender as tendências autonómicas destes) e da famigerada estratégia que levou os sucessivos governos ingleses a nunca abraçarem declaradamente a causa europeia, a ideia de referendar a permanência na UE tem principal origem em questões de política interna e até entre facções do partido conservador, no poder.


Sabido que a Inglaterra sempre desprezou todas as iniciativas que conduzissem a uma crescente integração do espaço europeu – espaço Schengen, moeda única – e sempre privilegiou o seu alinhamento com Washington – caso da invasão do Iraque e apoio à NATO em detrimento dum exército único europeu – não se estranha que perante a confirmação de que a crise está a alastrar dos países do sul para os do norte se tenha reforçado o discurso isolacionista, pseudo protector dos interesses das populações nacionais, mesmo quando o «Secretário-geral adjunto da NATO avisa que saída do Reino Unido terá impacto na segurança da Europa» ou quando até os «Principais empresários britânicos apelam à permanência na UE».

A leviandade com que a partir de Londres tem sido encarada a construção europeia e a infantilidade de questionar agora a sua continuidade, mais que justificam que a verdadeira consulta popular deva ser a de saber se os europeus querem continuar a suportar o verdadeiro “peso morto” que tem sido a participação inglesa num processo de integração em que estes nunca acreditaram.

quarta-feira, 8 de junho de 2016

RENDIMENTO BÁSICO INCONDICIONAL NA SUÍÇA

Realizou-se no passado fim-de-semana mais um referendo na Suíça, facto tão habitual entre os helvéticos que talvez nem merecesse referência de maior, não fora o facto do assunto referendado (e a forma como tem sido divulgado nos meios de comunicação) se revestir duma importância que o tempo tornará relevante.

A mera ideia que o assunto em debate se resumia a saber se os suíços querem receber dinheiro por estarem vivos, transmite a absoluta falta de conhecimento sobre o tema e ainda mais um completo desrespeito pela velha arte de informar, pois o princípio subjacente à noção de Rendimento Básico Incondicional está muito além daquele simplismo e actual conjuntura de radical alteração dos paradigmas económicos é o momento certo para o debater.

Não acompanhei minuciosamente o debate na Suíça, mas creio não andar longe da verdade se disser que pouco do fundamental (alteração dos modelos de produção por via da robotização e o que isso implica de redução no número de trabalhadores, pauperização dos mais novos e em especial dos que nunca irão encontrar trabalho, abandono do estigMa social do desempregado preguiçoso...) terá sido debatido quando no próprio anúncio do resultado se centram as atenções em comparações espúrias...


... e em estribilhos depreciativos, dizendo que os «Suíços rejeitam receber 2260 euros por mês só por estarem vivos», quando este montante naquele país não representa sequer 50% do rendimento médio nacional.

É que mesmo depois de vermos o «Rendimento fixo rejeitado por 76,9% dos suíços», não tardará que os até os mais acérrimos defensores do “mercado livre” se vejam obrigados a constatar que num mundo de desempregados não existe “mercado” para defender..

sábado, 4 de junho de 2016

TEMER PELO BRASIL

Enquanto se aguarda a conclusão do processo de impeachment da presidente brasileira, Dilma Rousseff, continuamos a ser regularmente presenteados com notícias sobre o novo governo liderado por Michel Temer, que depois de ter perdido um segundo ministro em apenas 17 dias vê agora umseu terceiro membro envolvido em mais uma suspeita de crime.

Depois de ter perdido o ministro do Planeamento, Romero Jucá viu divulgadas escutas onde se propunha obstruir o processo Lava Jato, seguiu-se-lhe uma semana depois o ministro da Transparência, Fiscalização e Controlo, Fabiano Silveira, por razões idênticas: envolvimento em acções visando o branqueamento de acusações de corrupção.


Além destas duas demissões é ainda conhecido o envolvimento doutros seis ministros do governo Temer no caso Lava Jato, facto por si só particularmente interessante num governo formado por quem se propôs afastar um presidente eleito por alegadas más práticas. Talvez para tentar contrariar esta imagem e ainda o facto do seu governo apenas integrar homens, o habilíssimo Temer optou por nomear para o cargo de Secretária de Políticas para as Mulheres a ex-deputada do PMDB, Fátima Pelaes.

Não fora o facto desta ser conhecida pelas suas posições contra o aborto (mesmo em caso de violação) e a coincidência com o recente caso de violação colectiva duma menor, talvez a escolha até pudesse ser bem acolhida, mas a verdadeira dimensão do valor da equipa governativa de Michel Temer ficou clarificada logo que surgiu «Maisuma suspeita de crime no Governo de Temer» quando foi divulgado que Fátima Pelaes é alvo de investigação devido à acusação de “associação criminosa” para o desvio de 4 milhões de reais (cerca de um milhão de euros).

Se o governo de Dilma Rousseff errou na questão da desorçamentação da dívida (as famosas pedaladas fiscais, na terminologia brasileira) o seu substituto, Michel Temer, não só tem revelado enormes fragilidades de natureza ética (começando nas próprias manobras políticas que culminaram no impeachment como um claro  envolvimento no caso Lava Jato) como uma espantosa capacidade para escolher colaboradores entre os mais duvidosos e inqualificáveis.

E assim, entre o recurso a criticáveis opções de gestão e o claro conúbio de interesses, se continua a hipotecar o futuro de milhões de brasileiros e a arruinar aquela que já foi uma das maiores economias emergentes... em benefício de quem?