segunda-feira, 30 de novembro de 2015

COP 21

Começou hoje em Paris mais uma conferência mundial sobre o clima (COP 21), no preciso dia em que a Agência Europeia do Meio Ambiente divulgou um relatório segundo o qual a «Poluição do ar provocou 432 mil mortes prematuras na UE».


Por muito que se alimente a esperança de que toda a gente anda «À procura de um acordo em Paris», o simples facto de até agora terem falhado as tentativas anteriores e sabendo-se que «"Os bons sentimentos e as declarações de boas intenções não são suficientes"», bem se pode concluir que as probabilidades continuam reduzidas, tanto mais que, como escreveu Viriato Soromenho Marques in «A dívida e o défice», os nossos governantes «…Julgam estar a negociar uns com os outros, quando na verdade do outro lado da mesa está a natureza com as suas leis implacáveis

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

ONDE PÁRA A LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE?

A par com as questões ligadas a hipotéticas justificações para os atentados de 13 de Novembro outras devem ser formuladas a propósito do inexplicável fracasso dos serviços de informação e contra-informação europeus e duma óbvia deriva securitária que parece ganhar terreno no dia-a-dia, dos cidadãos.

A rápida instauração do estado de emergência decidida por François Hollande, foi imediatamente mimetizada pelo governo tunisino na sequência de mais um atentado em Tunes, no que configura um “modus operandi” a repetir na primeira ocasião.

Quando a resposta a actos terrorista por parte do governo dum estado democrático assume a aplicação do estado de emergência por um período de três meses, pode (e deve) colocar-se a óbvia questão: a quem serve a solução?

A limitação de direitos e liberdades servem os cidadãos ou os interesses por detrás das acções terroristas?

A ligeireza (e o silêncio generalizado) com que o governo francês descartou o seu histórico lema – Liberdade, Igualdade e Fraternidade – em resposta a uma situação que deveria ter enfrentado com outros meios, revelam, mais que o desnorte dos governantes, o que parece ser um aproveitamento da situação no sentido de coarctar direitos e liberdades que lhes deveriam ser sagrados.


O debate sobre actuações alternativas ficou desde logo inquinado e os meios de comunicação (os tais que se deviam apresentar na primeira linha da defesa das liberdades dos cidadãos) têm concentrado a sua atenção nos pormenores policiais da perseguição aos fugitivos (qual filme policial de muito fraca qualidade) e pouca ou nenhuma sobre os malefícios da solução ou sobre a ineficácia (mais uma) dos mecanismos europeus de protecção e segurança.

Uma ou outra abordagem tímida à falta de comunicação e coordenação entre os serviços de informação dos estados-membro da UE, ou a referência à opção pelo corte de cooperação entre os serviços de informação franceses e sírios (a notícia foi difundida em França pela revista VALEURS ACTUELLES, numa entrevista a Bernard Squarcini, o ex-patrão das secretas francesas) passa ao lado da generalidade dos meios de informação, globalmente mais preocupados com as implicações associadas à vaga de imigrantes oriundos do Médio Oriente.

Em tempos conturbados, como os que atravessamos, o debate de ideias e alternativas deveria ganhar nova dimensão e maior importância, mesmo quando a motivação das fontes possam (e devam) ser questionadas – como é o caso da referência às declaração dum notório sarkozista em vésperas de mais uma campanha eleitoral –, mas o que seguramente voltaremos a assistir será à redução do debate ao tradicional conjunto de ideias feitas e à propagação de slogans a favor e contra o acolhimento dos refugiados.

sábado, 21 de novembro de 2015

NADA SERÁ COMO ANTES?

Demasiadas vezes se assinalam factos marcantes dizendo que nada será como antes. Isso mesmo parece poder concluir-se dos atentados que ocorreram no passado dia 13 em Paris.

Começando pelo anúncio do estado de guerra, prontamente feito por François Hollande ao mesmo tempo que anunciava a «França em estado de emergência até 25 de Fevereiro», continuando com a reacção interna (visando a localização e captura doutros envolvidos nos atentados) e externa (intensificação das missões aéreas sobre as áreas controladas pelo Daesh) e a simultânea manifestação da intenção de concertação franco-russa no combate ao terrorismo, somaram-se os indícios duma nova atitude, mesmo quando o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, assegura que a «Rússia cooperará com coligação contra o EI se soberania da Síria for respeitada».

Essa nova atitude parece particularmente assumida pelo líder russo quando na Cimeira do G20, que teve lugar na Turquia nesse mesmo fim-de-semana, disse alto e bom som aquilo que sendo sobejamente conhecido poucas vezes é afirmado pelos principais dirigentes mundiais. Aproveitando a onda dos acontecimentos «Putin revela que países do G20 financiam o Estado Islâmico», pelo que talvez agora seja de esperar que alguma coisa realmente mude na abordagem dum problema que não é de natureza religiosa, nem apenas militar.


Combater o extremismo do Daesh passará por outro tipo de acções de natureza diplomática que obriguem governos como o saudita e o qatari a pôr cobro às facilidades de que os agentes financiadores e de propaganda têm beneficiado, algo que não será fácil para quem disputa a hegemonia local com o Irão e a Turquia e que beneficia, desde longa data do apoio norte-americano.
Os EUA, que constituem o quarto vértice deste triângulo assimétrico (Europa – Ásia – Médio Oriente) estão, nesta conjuntura, na eminência de perder a posição privilegiada que pareciam ter assegurado na sequência dos acordos nucleares como o Irão e na inclusão da Turquia no esforço militar, por eles liderado, contra o sírio al-Assad.

Não foram poucas as vezes que aqui chamei a atenção para o dúplice papel de estados árabes sunitas, como a Arábia Saudita, o Qatar e a Turquia, ou para os perigos que envolviam a tentativa de deposição do regime alauita na Síria e para os resultantes da morte do líbio Kadhafi, recentemente confirmadas (se ainda fosse necessário) pela dúvida em saber se não será «A Líbia, próximo território do Estado Islâmico?»

A aproximação franco-russa não resolverá por si só todas as contradições que imperam no Médio Oriente (uma das regiões mais instáveis do planeta), nem assegurará a participação automática dos norte-americanos (a questão da manutenção/afastamento de al-Assad continua a revelar-se profunda) mas transmite um forte sinal do que poderá ser o futuro duma crise agravada pela desastrosa actuação norte-americana no Afeganistão e no Iraque, onde a explosiva mistura de voluntarismo com uma completa ignorância da realidade político-religiosa da região criou as condições ideias para a germinação duma cultura de preconceito e ódio do mais primário que existe.

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

AS AUSCULTAÇÕES PRESIDENCIAIS

Enquanto se mantém o impasse político resultante da aprovação duma moção de censura ao II Governo Passos Coelho/Paulo Portas, vamos assistindo ao desfilar de visitantes a Belém… e que visitantes!

Depois dos protocolares parceiros sociais, ou seja sindicatos e associações patronais, e saltando por cima do instituído Conselho de Estado (cuja consulta só seria obrigatória em caso de dissolução do Parlamento, opção inviável nos primeiros seis meses após a eleição legislativa ou nos últimos seis meses de mandato presidencial) passámos aos mais distintos e relevantes representantes doutros interesses; assim, caso dúvidas houvesse, o inquilino de Belém mostrou claramente as sua preferências em termos de aconselhamento começando por ouvir um conjunto de… banqueiros!

É verdade, Cavaco Silva fez-se aconselhar pela mesmíssima plêiade de gestores de empresas que têm sobrevivido à crise devido a substanciais empréstimos públicos, em grande medida obtidos graças às enormes reduções no investimento público na Saúde, na Educação e na Segurança Social. Não será pois difícil perceber em que sentido aquele clube de grandes gestores terá ido “aconselhar” o principal magistrado da Nação; eles que, a expensas da grande maioria dos cidadãos já fortemente penalizados pelas reduções salariais e pelo aumento da carga fiscal têm assegurado não apenas a sua manutenção como um desproporcionado leque de vantagens, foram lembrar a necessidade de “honrar compromissos”, expressão que em “banquês” significa receberem todos os juros até ao último cêntimo e garantir toda a disponibilidade necessária para os resgatar sempre que preciso.

Esta talvez bizarra escolha de fontes de aconselhamento, sê-lo-á menos para quem ainda pense que, para todos os efeitos, não podemos prescindir do sistema financeiro, mas o grupo seguinte de “conselheiros” não pode deixar de aumentar a suspeição sobre a isenção e a imparcialidade da figura presidencial. Aos banqueiros seguiu-se um naipe de prestigiados economistas, capitaneados pelo Governador do Banco de Portugal. Não fosse a gravidade da situação e quase me apetecia lembrar os tradicionais cartazes tauromáquicos e anunciar a presença de 7 magníficos economistas (Vítor Bento, Daniel Bessa, João Salgueiro, Luís Campos e Cunha, Teixeira dos Santos, Bagão Félix e Augusto Mateus) 7, capitaneados por Carlos Costa.

Que irão estes insignes ex-governantes acrescentar de nova informação ao não menos insigne colega que ainda ocupa a cadeira presidencial? Algum terá o discernimento para lembrar que as opções que têm tomado, longe de resolverem os problemas, parecem agravar ainda mais a situação? ou que para grandes crises (e a que o Mundo em geral e a Europa em particular vivem, mais que uma crise global é uma crise sistémica) há por vezes necessidade de romper com os modelos tradicionais de pensamento?

Constatando que todos passaram pelo governo e representam uma corrente de pensamento comum, algum terá sequer a ousadia de contribuir com uma dúvida sistémica junto do homem que nunca tem dúvidas e raramente se engana? Se não, para servirão os seus conselhos?

Nesta linha de pensamento, quando nem conselheiros nem aconselhado correm o menor risco de ver beliscadas as suas benesses, entende-se perfeitamente ouvir-se dizer que  «Cavaco Silva não vê na crise política motivo para preocupações»; eles sabem perfeitamente que as preocupações sobrarão para todos os outros.

E embora já se tenha noticiado que «Cavaco Silva acelera audições e chama todos os partidos» para reuniões a realizar amanhã, estou em crer que ainda haverá mais auscultações…


…estranham????

terça-feira, 17 de novembro de 2015

PARIS (E A UE) CONTINUAM A ARDER

É claro que mais que o atentado no Líbano, que se saldou em «Dezenas de mortos e cerca de 200 feridos em duplo atentado em Beirute», foi o perpetrado em Paris que trouxe para a primeira linha dos discursos políticos a questão do combate ao terrorismo.


Comentou-se a dimensão da carnificina, quando ao final de poucas horas se fazia um balanço dizendo que «Atentados fizeram 129 mortos e centenas de feridos», os motivos e a forma de actuação, ficando geralmente esquecida a referência à evidente dificuldade de ligação entre os serviços de informação dos diferentes estados-membros da UE (algo que nem se estranha quando vemos tudo o resto que não funciona), especialmente depois de conhecido que o planeamento da operação e a origem dos terroristas foi a vizinha Bélgica.

Numa UE que nunca quis abordar a problemática da união política ou da união militar e onde nem sequer a moeda única consegue funcionar sem sobressaltos seria de esperar algo de diferente?
E o discurso do presidente francês, anunciando a retaliação sobre o Daesh, conhecerá algum efeito, além da subida do número de vítimas colaterais? e o rápido anúncio de que «Hollande quer unir Rússia e EUA para derrotar jihadistas» terá algum efeito prático?

Com ou sem crise económica nunca a UE se apresentou com a firme intenção de constituir mais que uma zona de comércio livre; a indispensável afirmação geoestratégica do maior mercado mundial tem sido encarada por políticos (antigos e actuais) sem visão nem convicções, ao sabor do momento e das conveniências dos “mercados”.

Os anteriores atentados em Madrid e Londres pouco alteraram esta situação e agora, depois de Paris anuncia-se a suspensão do acordo de livre circulação e a intensificação dos bombardeamentos sobre os territórios controlados pelo Daesh, mas nada que represente a menor alteração sobre a forma como a Europa tem encarado fenómeno da radicalização islamita, sobre o fracasso das políticas de assimilação social (a generalidade dos extremistas são cidadãos europeus) ou até sobre a influência da crise de valores que atravessamos. Faltam empregos e perspectivas de vida para os jovens enquanto abundam os “negócios”, falta solidariedade entre os estados e os cidadãos mas nunca os meios financeiros para acorrer aos bancos e aos banqueiros.

Em resumo faltam líderes políticos enquanto abundam os “gestores de negócios”… e assim não iremos longe, como escreveu Pedro Tadeu, hoje no DN: «Vamos para a guerra mas não vamos ganhar», do mesmo modo que não estamos a ganhar a “guerra” do crescimento nem a do bem-estar.

sábado, 14 de novembro de 2015

PARIS A ARDER

Podemos pensar em assinalar a data (e os terríveis acontecimentos nela vividos) mas de modo algum podemos minimizar a carnificina que ontem teve lugar em Paris a um simples atentado terrorista, onde o «Estado Islâmico quis “vingar a Síria”», patrocinado que seja pelo Daesh ou qualquer outra organização.


A França terá tido o seu “11 de Setembro” mas, aparte o horror em geral e em particular o sofrimento daqueles que o viveram directamente, importa analisar um “modus operandi” que se assemelha mais aos atentados em Mombai (atribuídos a um grupo islamita paquistanês) que ao planeamento metódico que se pode detectar no 11 de Março madrileno ou nos atentados de Londres em 2005, atribuídos à Al-Qaeda (organização que antecedeu o Daesh no processo de globalização do terrorismo islamita).

A rapidez com que foram apontados os responsáveis pelos ataques deixa supor que ou os responsáveis franceses detinham já informação duns serviços secretos que pouco ou nada fizeram para prevenir a situação. ou essa é a autoria que melhor servirá nesta conjuntura, justificando que François Hollande tenha prontamente anunciado as «Fronteiras encerradas e declarado estado de emergência em França» (sem consulta aos demais órgãos de soberania) depois de no próprio dia se ter sabido que a «França suspende Schengen durante um mês», devido à próxima realização da 21ª Cimeira do Clima da ONU.

A reacção norte-americana, elevando o nível de alerta interno e a informação prontamente posta a circular que «Hollande e Obama «assinam» pacto contra o terrorismo», recomendam a continuação das leituras sobre o evoluir da situação e sem esquecer que neste, como na generalidade dos outros casos, o principal beneficiado continua a ser o complexo industrial-militar.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

OBSERVAÇÃO

Da observação das capas dos diários nacionais hoje publicados, dificilmente alguém diria que se debate na Assembleia da República o programa do segundo governo do duo Passos Coelho-Paulo Portas.


E não é, num caso ou noutro, a ausência de imagens, antes as persistentes referências ao PS ou “à esquerda” no lugar do assunto em debate: o programa do governo PSD-CDS.

No final talvez a melhor referência à questão seja a que encontramos no PUBLICO, quando este a apresenta como a «Direita vestida de oposição, Esquerda em posse de Governo», traduzindo afinal a ideia que este foi um governo de frete, que se sabia vencido à partida e que, como o anterior, tendo uma liderança que desperdiçou as oportunidades de temperança e concertação em benefício da prepotência e da defesa de interesses específicos, não reunia condições efectivas para agora receber o benefício de qualquer dúvida, mesmo quando Passos Coelho tenta recuperar a perdida imagem do reformador que derrubou um governo (o segundo governo de Sócrates) por se opor ao excesso de austeridade que este pretendia aplicar (o PEC IV), dizendo agora que «"A austeridade nunca foi uma questão de escolha, mas sim uma necessidade"», acreditando talvez que já todos esquecemos quando, nos dias gloriosos da chegada a S. Bento, afirmou que «era essencial ir além do plano da troika».

Aliás, o assunto parece tão penoso para as redacções dos jornais que depois de passarem semanas a dar espaço e voz aos habituais panegiristas do PSD e do CDS que propalaram até à exaustão, sem pejo nem peias, diatribes como a de que no lugar de eleições parlamentares o que existe é uma eleição do governo… ou a de que nunca se viu a oposição não aceitar um programa de governo… (como se na vida quotidiana nada pudesse mudar, nem haja espaço para outras formas de pensar que não a sua), recuperam agora o tom catastrófico, prometendo todo tipo de catástrofes.

É claro para os mais avisados, como hoje mesmo escreveu José Vítor Malheiros nas páginas do PUBLICO, que «Sabemos que os tempos que se avizinham serão difíceis. Um governo que defenda estes princípios será atacado por todos os interesses, por todos os privilegiados de todos os privilégios, por todos os preconceitos, por todos os rancores», como «Sabemos que a honra é mais forte que a ignomínia. Que a dignidade é mais forte que a subserviência. Que a liberdade é mais forte que a submissão» e é por isso que mesmo frágil e ténue a esperança é a última a morrer…

domingo, 8 de novembro de 2015

A SITUAÇÃO POLÍTICA NACIONAL ARRASTA-SE…

As arrebatadas e quase messiânicas declarações que políticos e comentadores têm proferido nos últimos dias poderão levar ao mais incautos a acreditar que após a próxima semana nada será com foi…

Quando o executivo PSD/CDS, empossado por Cavaco Silva, se prepara para a obrigatória apresentação do seu programa, e depois de sabido que «Bloco de Esquerda fecha e aprova acordo com o PS» e depois que o «PCP anuncia que há acordo com o PS para Governo de Esquerda», confirmando a existência dum acordo entre os partidos políticos com assento parlamentar (PS, BE, PCP e PEV) para a formação dum executivo alternativo, que será expectável a rápida queda do segundo governo de Passos Coelho e Paulo Portas; o que ainda se ignora é o que se lhe seguirá e a grande dúvida reside na decisão que virá de Belém.


Ora o historial recente de clara submissão do primeiro magistrado da Nação aos interesses dos credores e o inesgotável beneplácito de que o duo Coelho-Portas (e restante leque de apoiantes) tem beneficiado, acrescido agora com a recente afirmação de que estará «Passos disposto a ficar à frente de um governo de gestão» (depois de, há imagem e semelhança do seu irrevogável parceiro, se ter anunciado o mesmíssimo «Passos Coelho decidido a liderar oposição»), introduz um não negligenciável grau de incerteza no resultado final.

Embora sempre tenha nutrido profundas dúvidas sobre as reais divergências entre PS e PSD e, ciente das profundas limitações que uma UE completamente enfeudada aos princípios neoliberais tenta impor aos seus membros, não alimente grandes expectativas duma real inversão da famigerada solução da austeridade-expansionista por um governo do PS, não posso deixar de esperar, com redobrado interesse, pelo desenrolar duma situação que a resolver-se com a manutenção dum governo de gestão desmascarará definitivamente os altos padrões democráticos daqueles que nos têm governado sob a invocação dos elevados valores nacionais e outras bacoquices úteis à prossecução dos seus interesses pessoais e de classe.

Infelizmente os problemas não terminam aqui. Caso a opção presidencial prime pelo pragmatismo (note-se: nunca pela convicção!) e venhamos a ver empossado um governo PS, ao qual não é irrealista pressagiar um fim prematuro, nada garante que, no plano europeu, este logre subverter em seu (nosso) benefício as draconianas regras europeias nem sequer que as consiga contornar um pouco, mas sempre poderá significar alguma melhoria nesse capítulo e, quiçá, alguma esperança de comecem a ser ouvidas as melhores e fundamentadas críticas a um modelo de globalização político-económica que mais não tem feito que assegurar o agravamento das desigualdades. Já no plano nacional é indispensável cultivar o máximo pragmatismo, evitando toda a confusão entre o desejável e o possível, e esperar que acordos e mentalidades contemplem a flexibilidade suficiente para acomodar os escolhos, nomeadamente os de natureza orçamental, que os aguardam.

Estarei a ser demasiado pessimista, ou apenas a confirmar o aforismo que assegura que um pessimista é apenas um optimista realista, mas nunca a ponto de afirmar que o país só é governável à direita; aliás os países nunca foram, nem serão ingovernáveis… o que se deve dizer é que os seus governantes (antigos, actuais ou a tal candidatos) se revelam invariavelmente incompetentes na prossecução dos princípios do interesse-geral.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

BANHO TURCO

O resultado das eleições antecipadas que no passado fim-de-semana tiveram lugar na Turquia e que ditaram o regresso do AKP (o islâmico e conservador Partido Justiça e Desenvolvimento) a uma maioria absoluta que os resultados eleitorais de Junho lhe retiraram, requer apreciação especialmente ponderada na actual conjuntura regional e global

Do ponto de vista da política interna turca, o resultado de Domingo não garante ao presidente Erdogan as condições parlamentares (maioria de 3/5 dos deputados) necessárias para alterar a Constituição e reforçar os seus poderes; para o alcançar terá de voltar a adiar a ideia até às próximas eleições (segundo o calendário eleitoral 2019 será um ano com eleições legislativas e presidenciais, às quais Erdogan se pode recandidatar) ou de negociar com alguma das forças políticas, sendo que se antecipa que a principal força da oposição, o CHP (Partido Republicano Popular), que elegeu agora 134 deputados contra 132 em Junho, não estará muito disponível para apoiar a estratégia de Erdogan e do seu AKP, nem o HDP (Partido Democrático Popular, formação de esquerda que agrega a generalidade da minoria curda) e que sempre tem sido desvalorizado pelo dominante AKP.

Resta então o MHP (Partido de Acção Nacionalista), que ao perder 40 dos 80 deputados eleitos em Junho, pagou a factura de não ter viabilizado o governo do AKP e poderá agora inflectir essa estratégia.

Mas mais intrincado que o panorama político interno é a situação internacional, onde a Turquia mantendo a sua oposição a Bashar al-Assad alterou recentemente o seu posicionamento face ao Daesh, passando a alinhar com as posições norte-americanas de combate directo ao Estado Islâmico, nem que seja para disfarçar a sua real intenção: a intensificação do combate aos peshmergas curdos que constituindo a melhor força opositora ao Daesh, ameaçam controlar um território na fronteira entre a Turquia, a Síria e o Iraque e fazer renascer a esperança num Curdistão independente.

O reacender dos confrontos com os guerrilheiros curdos – anunciados no plano internacional na linha do combate ao terrorismo internacional – até poderá ter resultado na recuperação da maioria absoluta, mas o maior ganho terá sido o oferecido durante a recente visita da chanceler alemã; é que se «Merkel foi à Turquia pedir ajuda de Erdogan para conter fluxo de refugiados» o resultado foi a declaração onde «Merkel defende ajuda económica à Turquia e migração regulada para a UE», ou contrariando o que anteriormente dissera, que «Merkel compromete-se a apoiar adesão da Turquia à UE».


É certo que há algum tempo que os dirigentes da UE relegaram para o rol das preocupações menores a questão da democracia – veja-se o que acontece com os regimes de alguns estados do antigo bloco de leste ou até com o modelo de imposição de regras comunitárias – mas que depois de terem participado activamente no derrube do regime líbio do coronel Kadhafi, parecem gora dispostos a “apoiar” um regime vagamente democrático, como o que o AKP tem vindo a impor na Turquia, e, qual banho turco, até a apoiar a sua integração no espaço da UE, a troco deste conter o fluxo de fugitivos provocado pelas guerras regionais que americanos e europeus continuam a fomentar no Médio Oriente.