quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

NA PALESTINA NADA DE NOVO

Aprestamo-nos a encerrar mais um ano e voltamos recordar algumas das grandes questões internacionais que continuam por resolver, com a famigerada Palestina e a não menos aviltada questão do Sahara Ocidental sempre presentes.

Diga-se em abono da verdade que a primeira destas conheceu algum destaque informativo nos últimos dias, devido à aprovação duma resolução (mais uma...) onde a «ONU exige a Israel fim “imediato” da política de colonatos». De imediato ficámos a saber a reacção de Tel-Aviv, na qual «Israel critica abstenção dos Estados Unidos na ONU», pois a única verdadeira novidade foi o facto destes não terem vetado – como habitualmente – mais uma iniciativa de condenação a Israel.


Sabido que estamos em vésperas de mudança do inquilino da Casa Branca, nem se estranha que o seu novo ocupante, Donald Trump, tenha prontamente anunciado que «"As coisas serão diferentes" a partir de Janeiro», facto que em nada acalmou o governo do seu amigo Benjamin Netanyahu que já afirmou que «Israel diz ter “provas” de que Obama orquestrou resolução anticolonatos», como se a política israelita de expansão dos colonatos respeitasse realmente as regras internacionais e tudo isto não passasse duma campanha difamatória.

Simultâneamente não deixa de ser curioso que seja no final da passagem de Ban Ki-moon pela liderança da ONU que tenha surgido esta iniciativa a que o próprio se referiu dizendo que a «resolução da ONU sobre Israel é “um passo significativo”» para apoiar a a visão norte-americana dos “dois Estados”; mas sobre a visão da ONU, se é que ela existe, ou sobre a normal violação das suas resoluções nem uma palavra.

Claro que «Israel não vai cumprir resolução do Conselho de Segurança e ataca Obama» numa estratégia de fuga para a frente porque se espera confortado com a nova administração Trump, mas se este cumprir a promessa de viragem autárcica poderá comprometer a qualidade do respaldo que todas as administrações norte-americanas nunca negaram a Israel na precisa medida em que a viragem para dentro dos norte-americanos será compensada com a emergência doutra potência no seu lugar, que deverá ser menos “amiga” da causa sionista.

Nem mesmo com uma intervenção onde o ainda secretário de Estado «John Kerry diz que paz só é possível com solução de dois Estados» os EUA conseguirão convencer os sectores sionistas mais radicais, que continuando a negar a inevitabilidade da pressão demográfica palestiniana se recusam a inverter a estratégia de afrontamento que escolheram para lidar com a Autoridade Palestiniana.

Mesmo não crendo que António Guterres, o novo secretário-geral da ONU cuja eleição (mais que a de Donald Trump) bem merece a designação de acontecimento do ano, acredite, como o afirmaram o Hamas e a Jihad Islâmica, que a «Resolução da ONU que “apoia palestinianos” representa “mudança positiva”» e admitindo que as suas reconhecidas capacidades de negociação e de influência até possam fazer alguma diferença nos resultados obtidos pela ONU na questão palestiniana, esperar desta resolução uma efectiva melhoria para a região do Médio Oriente tem mais de pensamento dogmático que do pragmatismo que o historial das partes envolvidas exige. Basta recordar que o regime de Tel-Aviv sempre tem encontrado apoio para desrespeitar as resoluções da ONU que não o satisfaçam cabalmente e as que o satisfazem em nada têm contribuído para resolver um conflito que se arrasta desde a declaração unilateral de independência em 1948 (como é o caso da solução “dois povos – dois estados”, que na versão patrocinada pelos EUA se converteu numa solução “dois povos – um estado e outro fantoche”) e contribuído largamente para que a região do Médio Oriente seja, ano após ano, uma crónica zona de instabilidade com evidentes reflexos à escala global.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

SACO CHEIO, SACO VAZIO

A recente confirmação da Bloomberg de que os «Mais ricos do mundo amealharam mais 237 mil milhões» durante este ano que termina não pode deixar de contribuir para cimentar a ideia que cada vez mais vivem cada vez pior.


É triste, mas muito real e com perspectivas de inversão cada vez menos realistas.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

REFORMEM O SISTEMA ECONÓMICO AGORA OU OS POPULISTAS FÁ-LO-ÃO... PARA PIOR

Surpreendentemente, ou talvez não para quem acompanhe regularmente as crónicas que Wolfgang Munchau publica no FINANCIAL TIMES (e que em boa hora o DN tem vindo a publicar em português), começam a ouvir-se cada vez mais opiniões sobre a necessidade de reformar um sistema económico  e financeiro que dá cada vez mais sinais de esgotamento.

No seu último artigo, intitulado «REFORMEM O SISTEMA ECONÓMICO AGORA OU OS POPULISTAS FÁ-LO-ÃO» defende a ideia que «...começaria com uma reavaliação fundamental da gestão macroeconómica moderna, desde os bancos centrais independentes e a deliberação das metas de inflação até aos mercados financeiros desregulamentados e as metas da política orçamental» e deixa logo o aviso que «...se nós, que somos a ordem estabelecida liberal, não fizermos isso, os populistas fá-lo-ão por nós», mesmo considerando que os axiomas que sustentam o sistema não conseguem explicar «...as coisas que vemos à nossa volta: crises financeiras sem fim; uma perda permanente da produção económica; desequilíbrios persistentes, incapacidade dos bancos centrais de cumprirem os seus objectivos de inflação; taxas de juro zero».

Para salvar o essencial Munchau até já aceita discutir o dogma neoliberal da independência dos bancos centrais... mas continua a não dedicar a menor atenção ao problema do controlo privado da emissão de moeda, verdadeiro fulcro da espiral de endividamento público e privado em que vivemos.


No essencial como o seu aviso é destinado precisamente aos fiéis do neoliberalismo desregulador usa o cada vez mais desgastado princípio de aparentar mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma e a seguirmos um roteiro que preserva o essencial – o controlo da criação privada de moeda – estaremos a manter intactas as facilidades que levaram ao deflagrar duma crise sistémica que as elites dirigentes insistem que vejamos com os seus olhos benignos e nos regozijemos pelas pequenas mudanças que em nada afectam os seus interesses, do mesmo modo que as grandes causas populistas (a limitação à circulação de pessoas ou o fortalecimento dos aparelhos policiais e militares) apenas contribuem para uma falsa sensação de segurança ou para o aumento dos lucros dos fabricantes e fornecedores de equipamentos a eles associados.

sábado, 17 de dezembro de 2016

TEATRO DA CORNUCÓPIA

Fundado em 1973 por Luís Miguel Cintra e Jorge Silva Melo, levou à cena 126 criações de autores como Molière, Bertold Brecht, Pier Paolo Pasoloni, Gil Vicente, William Shakespeare, Albert Camus, Federico Garcia Lorca, Eurípedes, Paul Claudel, José Tolentino Mendonça, Luigi Pirandello, Henrik Ibsen, Sófocles, Ruy Belo, Anton Tchekov, Rainer Werner Fassbinder, Luís de Camões, Goethe, António José da Silva, Sophia de Mello Breyner Andresen, August Strindberg, Pierre Corneille, Luis Buñuel, Jean Genet, Plauto, Samuel Beckett e Dario Fo, entre muitos outros, ao longo dos últimos 43 anos e lançou nomes que se destacam na cena teatral e cinematográfica, como Nuno Lopes e Leonor Batarda.



Presente esta tarde na última apresentação, o presidente «Marcelo propõe estatuto de exceção para a Cornucópia», mas o fundador e grande animador do projecto «Luís Miguel Cintra mantém intenção de fechar Cornucópia».

Obrigado Luís Miguel Cintra, foi um sonho lindo... que acabou!


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

AS NOTAS DE MARCELO

Depois de no início da semana se ter deslocado a Nova Iorque para assistir à cerimónia de tomada de posse do seu amigo António Guterres, como novo secretário-geral da ONU, dando assim o devido destaque a uma personalidade nacional e parecendo querer inverter atitudes de despeito do seu antecessor, eis que o presidente «Marcelo Rebelo de Sousa volta a dar notas na TSF».


Capaz do melhor e do pior, mas quase sempre incapaz de resistir ao estrelato mediático, foi a uma antena de rádio prestar-se a um papel indigno e inadequado a quem ocupa a principal magistratura do país.

Ao contrário de Cavaco Silva, de quem poucas vezes ouvimos algo de relevante e cujos discursos de tão tortuosos se tornavam facilmente inextricáveis, Marcelo revela-se sempre pronto a comentar o que quer que seja e assim está a vulgarizar as suas intervenções a ponto de que não haverá mais quem queira perder tempo a ouvi-lo.

Estivemos mal servidos por um presidente pouco culto e notoriamente vingativo e corremos agora o risco de ficar mal servidos por outro cuja cultura dispersa aos quatro ventos.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

UE DESEQUILIBRADA

Conhecidos os resultados dos escrutínios realizados na Europa no passado fim-de-semana, concluídos com a relativa surpresa que foi a confirmação da derrota do candidato de extrema-direita à presidência austríaca e a antecipada vitória do “Não” à proposta de reforma política defendida pelo governo italiano, que deixando antever alguma instabilidade não deverão representar uma significativa mudança nos equilíbrios europeus.


É claro que a UE poderá abanar (o que haverá que não abane a UE?...) mas deverá sobreviver a mais um contratempo, mesmo depois de conhecido que o «Banco Monte dei Paschi di Siena pede ao BCE mais tempo para se capitalizar» face às dificuldades que decorrerão da instabilidade política em Itália.
Mas serão apenas as convulsões políticas que poderão abalá-la ou pelo contrário estas não passam de meros reflexos dum generalizado sentimento de insatisfação perante a degradação das condições socio-económicas da esmagadora maioria dos cidadãos europeus, fruto das políticas desadequadas que os seus líderes persistem em aplicar?

Vem tudo isto a propósito da mais recente vaga de notícias sobre a reestruturação da dívida pública e da mistificação que esta ideia continua a suscitar; mesmo depois do primeiro-ministro, António Costa, ter afirmado que a «UE “não pode continuar a ignorar” o problema da dívida» ou de sabermos que, institucionalmente, «BE e PCP não desistem de renegociação da dívida, PS quer discussão "cumprindo as regras"», persiste o ruído em torno duma questão que para muitos continua a ser tabu, mas já levou ao anúncio de que o «Eurogrupo apoia alívio da dívida grega», mesmo que esse “apoio” se resuma a uma redução nos juros.

Ainda no âmbito nacional (onde até à constituição do actual governo a questão da renegociação, muito mais que tabu, era algo absolutamente impensável) até a presidente do Conselho de Finanças Públicas, Teodora Cardoso, se destacou quando afirmou que «Portugal vai precisar de uma reestruturação da dívida "pela positiva"», mesmo sabendo que aquela sugestão nunca deverá passar por um qualquer perdão de dívida.

Embora também tenha sido noticiado que o «Eurogrupo não discute nem vai discutir juros da dívida portuguesa», o facto é que cresce o sentimento que essa terá que ser uma via obrigatória no futuro. Por muito que tal desagrade aos indefectíveis do virtuosismo da “austeridade expansionista”, a realidade nacional – um governo que aplica políticas de austeridade com maior sensibilidade social que a seita ordoliberal que o antecedeu e que, mesmo graças a uma conjuntura externa favorável, está a alcançar melhores resultados que os dogmáticos obtiveram – mostra que existem alternativas à política anterior, ainda que estas não logrem resolver o que apenas uma adequada reestruturação poderá alcançar: a estabilização das economias europeias numa via de crescimento em linha com o resto das economias ocidentais e que a asfixia de juros e amortizações de dívida impede, quando não assegura que nunca sucederá.

A ideia da inevitabilidade dum processo de reestruturação das dívidas é reforçada ainda pelo facto reconhecido de que a «Dívida global vale mais de três vezes a economia mundial» (216 biliões de dólares, para ser mais preciso e que só a do sector financeiro ascende a cerca de 80 biliões), donde facilmente se conclui que esta é impagável. Embora já o tenha referido no post «O MUNDO FALIDO», retorno a estes números para ressaltar o absurdo da rejeição da reestruturação das dívidas quando, para mais já se reconhece que a crise financeira de 2008 se ficou a dever, em grande medida, à transformação da colossal dívida do sector financeiro em dívida pública.

Como se não bastassem as políticas de redução da carga fiscal sobre o factor capital (com o consequente agravamento sobre o factor trabalho e o que tal implicou na redução do rendimento disponível das famílias, compelindo-as, a par com os estados, ao endividamento como via para a satisfação das suas necessidades) que ao longo de décadas foram cimentando o papel do sector financeiro e que culminaram na economia de casino em que vivemos, na qual se julga mais importante a existência de meios financeiros para assegurar a liquidez dos mercados especulativos que o investimento nos meios produtivos e na sua modernização, eis que agora ainda haja quem defenda que se devem exaurir ao máximo as populações e que pouco ou nada seja feito que afecte os interesses dos poucos que vivem (cada vez melhor...) da especulação na dívida pública, numa UE espartilhada pelas limitações duma moeda única controlada pelo sector financeiro e não pelos estados.

domingo, 4 de dezembro de 2016

VOTAÇÕES EUROPEIAS

O final do dia de hoje pode apresentar-nos um cenário europeu diverso do das primeiras horas do dia. Concretize-se a esperada vitória do candidato de extrema-direita, Norbert Hoffer, nas eleições presidenciais austríacas e um “Não” no referendo italiano – referendo sobre reformas constitucionais transformado num plebiscito onde o primeiro-ministro «Renzi arrisca futuro com referendo» – e estará concretizada um profunda alteração na distribuição de forças (e vontades) em dois dos mais importantes membros da UE.


Confirmando-se que a «Extrema-direita pode vencer presidenciais na Áustria», o país – originado com a derrocada do Império Austro-Húngaro e sobrevivente do Anschluss (anexação com a Alemanha nazi) – conhecerá o primeiro presidente de extrema-direita desde a II Guerra Mundial, o que se deverá traduzir num reforço das tendências nacionalistas que já grassam por outros estados do leste europeu.

Por seu turno, a possível queda de Renzi e a convocação de eleições antecipadas poderá acelerar a ascensão do populista Beppe Grillo e o regresso do famigerado Silvio Berlusconi.
Tudo boas notícias para uma UE que há muito deixou de revelar a menor capacidade para gerir crises de qualquer natureza, salvo o recurso à comprovadamente ineficiente procrastinação responsável pela sua actual letargia.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O NÓ

Pese embora a inegável habilidade que António Costa demonstrou ao longo deste último ano (começando no processo negocial que levou à formação dum inédito governo com apoio da esquerda parlamentar, passando pela negociação com Bruxelas de assuntos delicados como o orçamento e a recapitalização da CGD e acabando na evitável polémica das sanções comunitárias), o muito que se disse e escreveu sobre o processo de recapitalização da CGD e da nomeação duma nova administração que procurou por todos os meios eximir-se à obrigação legal de entregar as obrigatórias declarações de rendimentos e património, acaba por constituir o único escolho no seu percurso.


A demissão de António Domingues (o nome escolhido para liderar uma equipa vinda quase exclusivamente do BPI) tornou-se inevitável e pela sua demora acaba por atirar sobre si uma responsabilidade que deveria ser distribuída pelo Governo e por uma oposição que à míngua de capacidade e de motivos acabou por usar o problema para tentar desgastar o governo de António Costa.

Resta agora esperar que este desate mais um nó – nomear nova administração – para avaliarmos até que ponto a real preocupação de PSD e CDS, que enquanto parceiros no anterior governo forçaram a CGD a vender a sua participação na CIMPOR abaixo do preço de mercado, assistiram (sem qualquer sinal de preocupação) ao acumular de prejuízos e a obrigaram a recorrer às ajudas ao abrigo do programa da troika (quando à evidência o que necessitava era dum aumento de capital),  não vai além do velho desejo de ver a CGD privatizada.

sábado, 26 de novembro de 2016

FIDEL CASTRO

A notícia da morte de Fidel Castro tomou hoje de assalto os meios de informação. Esperada,dado o evidente estado de degradação física daquele que dirigiu uma revolta nacionalista contra o governo de Fulgêncio Batista. A reacção do vizinho norte-americano à substituição dum regime oligárquico e favorável ao domínio económico que vinha exercendo sobre o território, acabou por forçar Fidel e o novo governo a uma aproximação à União Soviética, transformando-o no “perigo comunista” que a crise dos mísseis de Cuba (episódio famoso da Guerra Fria, originado na intenção da URSS  instalar mísseis com ogivas nucleares a escassas milhas da costa americana) confirmaria.


Ainda anterior a este episódio foi a imposição pelos EUA, em 1960, dum bloqueio económico em retaliação pela nacionalização de interesses norte-americanos na ilha, entre os quais, diga-se, se destacava a importante indústria do jogo (sob controlo da máfia) e que perdura até à actualidade. Bloqueio que agravou as condições de vida da generalidade do povo cubano e a implosão da URSS (no início da última década do século passado) transformou num total isolamento da ilha.

Esta morte, por muitos ansiada como potencial fim dum bloqueio desumano, foi celebrada com fogo de artifício e vivas a Donald Trump por milhares de cubanos radicados na Florida, muitos dos quais têm beneficiado do lucrativo contrabando que o bloqueio imposto pelos EUA alimenta e que agora esperam participar na renovação dum país que muito terá a ganhar com a normalização das relações comerciais, mas igualmente a recear do regresso dos “interesses” que levaram a que, no tempo de Batista, a ilha fosse conhecida como o bordel da América.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

O MESMO ERRO DE SEMPRE

Na sessão de abertura do Fórum Banca 2016, promovido pelo Jornal Económico, o Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, elencou «Os erros que a banca não pode voltar a cometer», assim sintetizados:
  • excesso de crédito arriscado;
  • concessão de crédito para compra de participações sociais;
  • subavaliação do risco de crédito e maximização da concessão de crédito para obter resultados no muito curto prazo;
  • financiamento de sectores demasiado dependentes da capacidade de endividamento dos clientes;
  • excesso de financiamento a empresas com baixos capitais próprios;
  • demasiado crédito a particulares com elevada exposição ao ciclo económico;
mas pouco ou nada disse sobre a forma de corrigir esses erros. Claro que não deixou de lembrar que «Os bancos “não são uma empresa qualquer”», mas não o afirmou para sustentar o endurecimento das regras de supervisão nem para defender qualquer alteração significativa.


Tal como referi no comentário que fiz a um paper de Carlos Tavares (ver o post «AINDA A ECONOMIA DE CASINO»), repete-se aqui a situação em que a uma avaliação das causas não sucede nenhuma conclusão construtiva, nem sequer uma proposta para a resolução do crédito malparado, que o próprio Banco de Portugal estima em 21 mil milhões de euros.

De forma quase asséptica, Carlos Costa branqueia a responsabilidade dos banksters nacionais (os mesmos que acusa de terem concedido demasiado crédito de alto risco, quando não destinado a meras manobras de concentração accionista, e orientado para ganhos imediatos, ou seja altamente especulativos) e na qualidade de regulador dum sector económico que se arroga um estatuto especial escuda-se atrás do argumento daquele não ser um problema exclusivamente nacional para repetir a táctica de “assobiar para o lado” e sair o melhor possível na “fotografia de família” que perpetuará certamente mais este areópago de especialistas financeiros.

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

AINDA A ECONOMIA DE CASINO

Foi o artigo de Nicolau Santos, «A caminho de uma nova e mais violenta crise», que me levou à leitura do paper de Carlos Tavares «A CRISE FINANCEIRA: APRENDEMOS AS LIÇÕES?», onde o presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários deixa a sua análise sobre a crise financeira despoletada em 2007/2008.

Não sendo um tema novo neste espaço (deixo à curiosidade e paciência individual a pesquisa dos inúmeros posts escritos desde 2008 sobre o assunto) o regresso ao tema justifica-se, que mais não fosse, pelo facto de partilhar as preocupações de Carlos Tavares e muito particularmente a formulação que delas faz Nicolau Santos quando põe a ênfase numa possível repetição do fenómeno. Nas palavras deste, a análise de Carlos Tavares resume perfeitamente o que temos vivido quando diz: «Os bancos deviam ser mais pequenos? Pois tornaram-se maiores. Os Estados, famílias e empresas deviam diminuir o endividamento? Pois estão mais endividados. Os mercados deviam ser mais regulados? Pois não se melhorou nada. Os produtos financeiros deviam ser mais transparentes? Pois estão de regresso os produtos cujo risco ninguém consegue medir. Bancos, auditores e agências de rating deviam mudar de comportamentos? Pois voltaram ao “business as usual”», ou talvez pior quando constatamos que não só continuam a transaccionar-se enormes volumes de produtos derivados (os tais de elevada complexidade e difícil avaliação do risco intrínseco) como estas transacções são preferencialmente executadas fora dos mercados regulados e completamente invisíveis nos balanços dos bancos.

Por isso, se a análise das origens da crise feita por Carlos Tavares parece minimamente aceitável, já a solução proposta para evitar nova crise – o reforço da coordenação entre supervisores, bancos centrais e agentes políticos – afigura-se resposta pífia e tão piedosa quanto as tonitruantes declarações proferidas por esses mesmos agentes no auge da crise de 2007/2008, que, digam o que disserem os panegiristas do costume, ainda hoje continuamos a atravessar e cuja solução permanece dependente de decisores tíbios ou enfeudados aos interesses da economia de casino elevada pelos banksters de todo o mundo à categoria de deus ex machina da existência humana.


Embora não estranhe, é lamentável que Carlos Tavares, conhecedor como mostra dos meandros e dos sofismas dos mercados de capitais, reduza à qualidade profissional e ética dos agentes de mercado a via de solução que não pode deixar de passar pela reformulação e endurecimento das regras de funcionamento dos mercados (veja-se a mero título de exemplo o completo absurdo que é o de permitir a negociação ilimitada de contratos de produtos derivados sobre bens e serviços de produção limitada) e a recuperação da velha regra de separação entre bancos comerciais e bancos de investimento (impedindo aos primeiros o acesso ilimitado aos mercados de capitais e aos segundos a recepção de depósitos do cidadão comum)... mas isso, depois da eleição dum reconhecido especulador como Donald Trump para a presidência dos EUA, parece cada vez mais distante.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

LEONARD COHEN


Leonard Cohen não escreverá mais aquelas Canções de Amor e Ódio com que nos foi maravilhando ao longo dos anos.

Canadiano, de ascendência judaica, surgiu no universo da música quando já era reconhecido como poeta – Let Us Compare Mythologies (1956), The Spice-Box of Earth (1961), Flowers for Hitler (1964) e Parasites of Heaven (1966) – e escritor com créditos firmados; os seus dois livros em prosa (The Favourite Games, de 1963, e Beautifull Losers, de 1966, obra que levou o prestigiado Boston Globe a compará-lo a James Joyce) são anteriores ao seu primeiro trabalho discográfico: Songs of Leonard Cohen, de 1967.


Das mais de duas dezenas discos editados, incluindo 5 colectâneas e 7 gravados ao vivo, ficarão na memória colectiva temas como Suzanne, Halleluja, First We Take Manhattan, Dance Me To The End Of Love ou So Long, Marianne, que na sua voz e inconfundível interpretação se revelaram intemporais e manterão Cohen bem vivo entre nós.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

TRUMPLAND

No rescaldo da noite eleitoral norte-americana até poderia dizer, como Ricardo Costa escreveu no EXPRESSO, que «Trump não é o princípio nem o fim do mundo. Mas é outra coisa», o que me leva a ter uma leitura diversa duma eleição que à partida pareceria improvável, mas nunca poderia ser apresentada como impensável.

Claro que existe o perigo real de ver Trump transformar os EUA numa Trumpland, mas uma observação mais atenta do fenómeno que foi o resultado da votação britânica sobre a permanência na UE (se é que alguma vez o Reino Unido foi convictamente parte integrante da União) e das reacções dos que já vão dando conta da profunda diferença entre votar contra ou votar com conhecimento, talvez dentro em pouco muitos dos que agora votaram pela “mudança” venham a perceber que isso não existe.


Donald Trump (e outros fenómenos idênticos que por esse mundo fora vão surgindo) é mais um puro produto duma sociedade de consumo mediático. Trump não é um político nem mostrou ter qualquer ideia estruturada de mudança; Trump é o Berlusconi dos EUA (mas este também foi primeiro.ministro de Itália), se é que não será também o Boris Johnson do Reino Unido (aquele que depois de vencer o referendo sobre o brexit não sabe o que fazer com ele). Em resumo: Trump é Trump e a probabilidade de defraudar completamente as esperanças que nele colocaram é mais que grande ou enorme, é certa, pois o Trump que se apresentou ao eleitorado com uma espécie de paladino da luta contra o establishment, mais que um seu produto é o lídimo representante do que o mundo dos negócios tem de pior no que respeita ao laxismo e ao oportunismo. Ao contrário do que gosta de aparentar Trump não integra o muito apreciado paradigma do self made man (particularmente grata à mentalidade protestante da elite WASP e mito permanente nos EUA) nem construiu outro império que não o baseado na especulação imobiliária.

O pior é que nos tempos actuais, tempos de grande crise económica e ainda maior crise de valores que apresentam enormes semelhanças com os vividos no início do século passado e que estiveram na origem de grandes movimentos anti-democráticos, não podemos esquecer, como escreveu Daniel Oliveira em «Ponto sem retorno», que foi permitido a «...um privilegiado de recorte fascista a liderar o descontentamento popular e a transformá-lo em poder pessoal».

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

VÉSPERA ELEITORAL

Na véspera dumas eleições americanas que há uma semana pareceram voltar a reanimar as hipóteses e que davam «Trump à frente de Clinton. Sondagem dá vantagem de 1% a candidato republicano», quando dados das últimas horas indicam que «Clinton lidera sondagens com vantagem de três a quatro pontos» mantém-se em aberto a expectativa e reacende-se a polémica em torno de anteriores resultados, como o da eleição em 2000 que opôs o democrata Al Gore ao republicano George W Bush.


Já em 2012 referia no post «ELEIÇÕES E FARSAS ELEITORAIS» que “...o farol da democracia mundial tem o seu presidente eleito por um colégio eleitoral e não pelo voto directo da sua população. E ocasiões houve em que o candidato eleito pelo colégio foi o que recebeu menor número de votos dos eleitores (a farsa vai ao pormenor de pôr o eleitores a votar num candidato quando na realidade estão a eleger os delegados estaduais ao Colégio Eleitoral), como sucedeu em 1876 quando o candidato republicano, Rutherford B. Hayes, foi eleito apesar do seu oponente, o democrata Samuel J. Tilden, ter obtido quase 300.000 votos a mais; novamente em 1888, o candidato democrata Grover Cleveland obteve cerca de 100.000 votos a mais que o republicano Benjamin Harrison que viria a ser eleito; mas a pior e mais discrepante situação ocorreu em 2000 quando o democrata Al Gore foi preterido a favor do republicano George W Bush apesar de ter obtido mais 500.000 votos.

A explicação para estas discrepâncias resulta da distribuição estadual dos representantes poder distorcer o somatório de votos individuais dos cidadãos; o facto de todas as vezes terem sido os candidatos republicanos a beneficiar será meramente acidental, ainda que no caso de George W Bush nunca se possa esquecer que a maioria dos membros do tribunal que decidiu a seu favor tenha sido nomeada durante a presidência de George Bush (pai)”.

Mesmo agora muitos comentadores e políticos - incluindo o ex-presidente Jimmy Carter – continuam a acreditar que em 2000 o Supremo Tribunal ofereceu injustamente a eleição a Bush, numa decisão que muitos classificaram como a pior decisão de sempre daquele órgão judiciário.

Muitos liberais também acreditam que o "Brooks Brothers Riot" contra a recontagem foi uma manobra perpetrada por operacionais republicanos de alto nível (a própria designação do movimento que se manifestou contra a recontagem dos votos no Estado da Florida alude a uma conhecida marca de fatos então muito popular entre os executivos), mas o elefante na sala que a maioria dos democratas se recusam a admitir é a fraude eleitoral. Isso é estranho, já que há provas substanciais de que esta tem sido generalizada nos EUA nos últimos anos.

E não o admitem por todos (Democratas e Republicanos) beneficiarem duma falsa aparência de eleições livres e justas, o que pode ser visto como a aceitação do status quo num sistema de eleições baseadas no poder do dinheiro (em 2008 escrevi no post «O QUE REPRESENTAM AS ELEIÇÕES AMERICANAS» que na “...presença de um intrincado processo eleitoral que normalmente se inicia com mais de um ano de antecedência faz todo o sentido tentar compreender as razões que sustentam a sua manutenção. Para muitos poderá servir a invocação da dimensão continental do território da União para justificar o processo e a sua morosidade, para outros o tradicional gosto americano pelo espectáculo também terá o seu peso, mas pessoalmente estou em crer que a real razão para tudo isto é tão somente a necessidade de assegurar a eleição do candidato certo!

Se não vejamos... que melhor forma haverá para as grandes empresas e os interesses económicos para assegurar a maior conformação do presidente às suas “necessidades” que obrigar os candidatos a dispor de colossais meios financeiros para suportar a realização de duas campanhas eleitorais (as primárias e a eleição geral) e um sistema eleitoral de por via indirecta?
(...)
Quem honestamente poderá esperar dos candidatos que recolheram milhões de dólares de fundos alguma independência face aos interesses económicos que financiaram as suas campanhas e a eleição?

Pessoalmente apenas conheço outro mecanismo mais eficaz para assegurar a impossibilidade de alguém ser eleito fora deste circuito de interesses – a ascensão ao poder por via hereditária ou mediante o recurso ao poder militar) e, sabendo que o país regista uma taxa habitual de abstenção entre os 55% e os 60%, numa tentativa para não minar ainda mais a confiança dos eleitores no processo "democrático" americano.

Assim, as eleições nos EUA (como a de amanhã) continuarão a apresentar-se como uma oportunidade igual para ambas as partes manterem uma farsa democrática nacional em que o dinheiro conta mais do que a verdade, ou, numa visão mais cínica, porque quer a “liderança” democrática quer a republicana acreditam poder bater o “adversário” numa eventual trafulhice eleitoral semelhante à de 2000.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

OS “ARTISTAS”

A repetição de casos de falsas declarações de habilitações literárias entre a classe política nacional é um sinal de degradação de valores básicos que deveria ser devidamente interpretado e merecer uma reacção adequada, que não a da habitual chicana política onde poder e oposição usam hoje os argumentos que antes contestaram.

A recente demissão de dois membros do governo de António Costa - Rui Roque e Nuno Félix, respectivamente adjunto do gabinete do primeiro-ministro e chefe de gabinete do secretário de Estado da Juventude e Desporto – trouxe inevitavelmente de volta o caso Miguel Relvas – o ministro do governo de Pedro Passos Coelho que obteve um diploma académico graças a um regime especialmente favorável de equivalências – o que motivou o vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Carlos Abreu Amorim, a falar em "artistas" que tentam "pateticamente" comparar as licenciaturas falsas, como se a canhestra mentira dos de agora fosse coisa substancialmente mais grave que a esperteza saloia do seu correlegionário.

No essencial estão bem uns para os outros e casos como estes repetir-se-ão enquanto continuarmos a aceitar de forma pacífica a substituição de valores morais e éticos, como a integridade e o respeito próprio, por valores da moda como a ganância e o primado do sucesso a qualquer preço...


...que estão a minar a credibilidade da própria democracia.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O PEDRO, O LOBO E OS BOBOS

Apesar de muito conhecida a história do jovem pastor que se divertia alarmando os demais com a ameaça do lobo, parece haver ainda quem insista na ideia de que repetindo um desejo até à exaustão este acabe por se concretizar.


Desde o anúncio da formação do actual governo que as figuras (e os figurões...) associados ao anterior não têm parado de vaticinar o seu fim iminente; assim foi com o Orçamento para 2016, com a avaliação que dele faria Bruxelas, com as revisões do rating, com as sanções de Bruxelas, com... o que quer que seja que sirva para anunciar um vislumbre de regresso ao modelo de governação assente na “austeridade expansionista” tão cara aos neoliberais nacionais e europeus.

Assim voltou a suceder com a revelação da proposta de Orçamento para 2017, que logo que conhecida dela disse o inefável Marques Mendes que o «OE 2017 é “o princípio do fim da geringonça”», profetizando uma desagregação da coligação parlamentar mas nem uma referência ao facto daquele poder ser um orçamento subscrito por qualquer partido social democrata, a par com o anúncio que a «DBRS mantém rating de Portugal acima de ‘lixo’ com perspectiva estável».

Já antes daquele anúncio o NEGÓCIOS deixava antever que a «DBRS deverá manter "rating" mas ruído vai voltar», pois esta tem sido a estratégia recorrente de quem pouco ou nada tem para dizer – como é o caso de Pedro Passos Coelho (o ex-primeiro ministro e líder do PSD) para quem ora o «Orçamento é “embuste” que torna austeridade permanente» ora acusa o Governo de “fanfarronice” e assume que o país “já saiu da emergência” financeira – contra o actual governo; talvez mais comedido o ECONÓMICO já antecipa que a «“Geringonça” unida aprova Orçamento», algo que não irá impedir que continuem os alertas contra o lobo, lançados pelos pedros que continuam a julgar que todos somos bobos e que ainda se recusam a aceitar que a principal virtude da “geringonça” montada por António Costa reside no facto de estar a demonstrar que afinal havia alternativa à tal “austeridade expansionista” que nos venderam como via única para a nossa existência.