quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O EFEITO MERKEL

Mais de dois meses após as eleições que muitos esperaram que trariam nova orientação à UE e após complicadas negociações entre os democratas cristãos da CDU e os sociais-democratas do SPD, foi finalmente anunciado que o «Novo governo alemão não traz mudanças ao rumo da Europa».

Salvaguardadas as suas posições de política interna (introdução do salário mínimo e manutenção dos impostos) o «SPD entra no governo alemão mas deixa Merkel governar sozinha na Europa», o que significará, no curto prazo, que a «Grande coligação alemã enterra de vez o sonho socialista das eurobonds».


Com ou sem artes hipnóticas fica claro que na Europa continuam a pesar mais os pequenos interesses conjunturais que a procura de soluções de futuro… pelo menos numa UE com a actual configuração e a actual nomenclatura.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

ACORDOS E DESACORDOS

Depois dum primeiro fracasso das negociações sobre o programa nuclear iraniano anunciado em meados do mês, eis que no passado fim-de-semana as «Potências mundiais e Irão chegam a acordo sobre nuclear».

O acordo firmado entre o Irão e as potências com lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido, China) e a Alemanha, consagrará a limitação do enriquecimento de urânio a 5% (abaixo do limite dos 20% necessários à produção de armamento), a suspensão da construção da central de Arak (unidade que poderia produzir outro importante componente militar, o plutónio) e, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, o início das inspecções da Agência Internacional de Energia Atómica ao programa nuclear iraniano, condições que responderão à exigência francesa que terá estado na origem do fracasso da ronda anterior.

Na altura, Paris fez saber que existiriam quatro pontos – controlo internacional da totalidade das instalações nucleares, a suspensão do enriquecimento de urânio a 20%, a redução daquele tipo de urânio já existente e a suspensão da construção da central de Arak – sem os quais não haveria acordo; as notícias da altura não referiam que a recusa iraniana resultasse daqueles pontos, antes o facto das condições francesas irem além do texto americano, deixando pressupor que os «EUA e Irão tiveram discussões secretas antes do acordo» e a manutenção das condições para um acordo a curto prazo.

Duas semanas volvidas, depois de “limadas algumas arestas” e concluída a visita do Presidente francês, François Hollande, a Israel (a verdadeira razão para o adiamento forçado pela França), eis que surgiu o acordo agora anunciado e que nas palavras de Obama torna o mundo mais seguro”, por um prazo de seis meses.

Quem não partilha a mesma opinião é o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que prontamente afirmou que o «Acordo de Genebra é "erro histórico"», comentário em que foi secundado por outros responsáveis judaicos que ao declararem «Israel preparado para “agir sozinho” contra Irão» contrariam seriamente a perspectiva deixada por uma administração norte-americana talvez mais preocupada com as hipóteses de saída airosa do Iraque e do Afeganistão ou até com o desenvolvimento da crise síria, que com o “aliado” israelita. É verdade que se o «Acordo nuclear histórico entre o Irão e os EUA, deixa Israel isolado», esta é uma realidade que o regime judaico poderá usar em benefício próprio, tanto mais que já em tempo se afirmara «preparado para “agir sozinho” contra Irão».

Descontada a euforia das primeiras declarações e a ideia de que todos saíram a ganhar dum acordo de curto prazo, se o Ocidente pode afirmar que este foi um importante passo para a contenção dum Irão dotado de armamento nuclear, enquanto do lado iraniano foi obtido o levantamento temporário das sanções económicas que têm asfixiado a sua economia (quando «Pequim saúda acordo de Genebra sobre programa iraniano» não está apenas a usar uma fórmula diplomática mas também a expressar verdadeiro contentamento por poder passar a adquirir “legalmente” o petróleo iraniano) e reconhecido o direito à produção de urânio para fins não militares, parece exagerado afirmar, do ponto de vista israelita que o «Irão conseguiu o que queria e que acordo nuclear de Genebra é mau», pois não só poderá deixar Israel mais livre para uma iniciativa isolada contra as instalações nucleares iranianas como para continuar a sua política de asfixia palestiniana através da expansão dos colonatos em territórios palestinianos.

sábado, 23 de novembro de 2013

MATAR O CARTEIRO

O anúncio no início da semana que teríamos as «Acções dos CTT negociadas em bolsa a 5 de Dezembro» marcou a contagem decrescente para a pior das infâmias do pouco digno processo de privatizações a que o País tem assistido desde meados dos anos 80 do século passado.

Persistindo na comprovadamente errada política de privatização de empresas públicas – caso da Galp, Portugal Telecom, EDP, Rodoviária Nacional, REN, ANA, etc., monopólios ou quase monopólios cuja venda não resultou, contrariamente ao prometido, numa clara melhoria dos serviços mas antes no acréscimo de custos para os consumidores quando o que se deveria era ter assistido a uma abertura dos sectores de actividade à iniciativa privada – e depois do fracasso que foi a operação de privatização da TAP, eis que se lhe segue agora os CTT. Esta empresa, que assegura o serviço postal nacional (vulgo correio) remonta ao século XVI, conheceu a monarquia e a república, sobreviveu a invasões, ocupações e outras calamidades (como a do Terramoto de 1755), foi no início do século passado (a par com a escola pública) o esteio duma praxis republicana que se pretendeu estendida a todo o território e a toda a população e cuja morte agora se anuncia.


É certo que a concorrência doutras empresas de transporte rápido de mercadorias e a generalização dos meios electrónicos de correspondência lhe reduziram o papel, mas não a utilidade nem os resultados, tanto mais que já foi anunciado que o «Lucro dos CTT avança 28% para 45,2 ME até Setembro».

A há muito anunciada a intenção do governo de Passos Coelho de privatizar os CTT insere-se numa linha de discurso muito querida da generalidade dos governos europeus e no já habitual radicalismo do eterno candidato a “bom aluno”. Ao contrário da esmagadora maioria dos congéneres europeus – segundo informou há dias o PUBLICO «80% dos correios da Europa estão nas mãos do Estado» que mantém o serviço postal na esfera pública e os poucos que assim não procederam mantém ainda uma posição maioritária, Passos Coelho vai privatizar 70% do capital duma empresa que já anunciou que espera distribuir dividendos de 60 milhões de euros em 2014. Interessados não têm faltado e se após o anúncio que as «Acções dos CTT custam entre 4,10 e 5,52 euros» alguns, como a URBANOS (grupo português que tem na distribuição e logística a sua principal actividade) entendem que «Preço mínimo das acções dos CTT "está muito elevado"», outros pré-candidatos, como os CORREOS espanhóis ou a brasileira ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos), ainda não se pronunciaram.

Não vivesse o actual governo obcecado com os défices e não privilegiasse o pagamento aos credores e talvez o interesse dos congéneres espanhóis e brasileiros, ambas empresas de capitais exclusivamente públicos que no caso da brasileira merece até referência específica na constituição federal, tivesse sido entendido como alerta, tal como o facto de no país campeão do liberalismo e da iniciativa privada, os EUA, o serviço postal continuar a ser exclusivamente público. Bastaria a simples pergunta que quase seguramente a maioria dos portugueses formularam: porque estariam os correios espanhóis e brasileiros interessados se a actividade não fosse lucrativa? e se é lucrativa, porque se vende? ou como muito bem lembrou Daniel Oliveira no EXPRESSO quando escreveu que «uma década em dividendos rende ao Estado o mesmo que a privatização».

A infâmia que referi no início não se resume à aberrante decisão de alienação duma actividade que é julgada de especial interesse para a colectividade e para a coesão social, mas principalmente por esta constituir mais uma manifestação de claro desinteresse pelas populações e em especial pelas mais desprotegidas e isoladas e sem que do “negócio” resulte mais que um circunstancial ganho de curto prazo, para as contas públicas, já que para os “compradores” está assegurado um grande negócio, pois a empresa, no entender do NEGÓCIOS, «vai pagar o melhor dividendo da bolsa nacional».

A “negociata” começou a ser preparada há já algum tempo – não só nos contactos com potenciais interessados mas também através duma reestruturação onde os «CTT cortaram 894 postos de trabalho num ano» e agora com data marcada e sabido que o «Preço de entrada do Royal Mail em bolsa gera polémica no Reino Unido» resta esperar que as dúvidas não se repitam entre nós…

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

ESCADARIAS

A manifestação convocada pelos sindicatos das forças de segurança (PSP, GNR, SEF, guardas prisionais, ASAE, Polícia Marítima, Polícia Judiciária e polícias municipais) que ontem culminou quando «Polícias invadem a escadaria do Parlamento» foi um óbvio sinal duma generalizada insatisfação que o Governo já deveria ter entendido.

É claro que o sucedido foi previamente concertado com as forças da PSP presentes no local, facto que não reduz o significado, antes o amplia, e reforça a afirmação de que «A violência está à porta», repetida nessa mesma noite por Mário Soares na Aula Magna.


Uma conclusão possível da leitura destas notícias é a de que poderemos estar mais perto do ponto de ruptura do que se julga para os lados de Belém e de São Bento; outra é a de que se começa a perder seriamente o respeito pela prepotência ao ponto de até os segmentos da sociedade encarregues de fazer prevalecer o estado direito já questionarem essa mesma ordem, corporizando na prática a recomendação de que «É preciso “atacar o cinismo dos poderosos”» deixada por Pacheco Pereira no encontro realizado na Aula Magna.

Mas a simbólica invasão da escadaria do Parlamento coloca ainda outro tipo de questões, nomeadamente a de qual irá ser a reacção das forças de segurança perante futuras manifestações no local e de como irá ser “julgado” o episódio do «Estudante detido em protesto frente ao Parlamento», ocorrido 48 horas antes, ou como reagirá a corporação à informação de que o «Director Nacional da PSP pede demissão, Miguel Macedo aceita» desresponsabilizando-se do ocorrido?

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

DESEMPREGO E DEMAGOGIA

Usar hoje, no que às instituições europeias respeita, a imagem de que “a montanha pariu um rato” é, além de degastado, insuficiente para transmitir a completa inépcia dos que pretendem dirigir os destinos de mais de 500 milhões de cidadãos.

Vem isto a propósito da reunião que na passada semana teve lugar em Paris, onde o presidente francês, François Hollande, juntou mais de uma vintena de chefes de Estado ou de Governo europeus, para debater o problema do desemprego jovem – mais de 6 milhões europeus com menos de 25 anos – e que se noticiou como uma «Grande conferência europeia sobre o emprego jovem sem grandes resultados» mas sem qualquer novidade, pois no essencial repetiu-se a “apresentação” dum programa comunitário destinado a assegurar formação específica ou estágio profissional para os jovens que tenham concluído o sistema educativo ou ficado desempregados, que já tinha sido apresentado no início do ano.


Além da clara encenação, onde não faltou uma mão-cheia de felizes e sorridente jovens para o enquadramento fotográfico, registe-se que no concreto e quanto à definição da condição principal – o relançamento da economia – nada foi dito, nem podia… pois os fautores do problema nunca poderão originar a sua solução. O anúncio de programas de formação ou de estágios – iniciativa necessária em qualquer ciclo económico e importante como complemento da formação académica – não respondem nem aos anseios nem às necessidades dos jovens que procuram simplesmente proceder da forma mais natural e expedita possível ao início da sua vida activa.

Muitas vezes descrito como factor de insatisfação e de desmotivação, o prolongado adiamento da entrada (ou do regresso) no mercado de trabalho não constitui apenas factor de risco social, pois este redundará numa inevitável degradação das capacidades e da motivação a par com o eclodir dum natural sentimento de revolta. E a acumulação de sinais dessa revolta é já hoje apontado como o principal motor desta iniciativa francesa; o que não é referido é o facto da iniciativa não responder ao verdadeiro cerne do problema: a estagnação económica que mina qualquer hipótese de crescimento sustentável do emprego.

Tão demagógico quanto esta “Grande Conferência” é o facto de se continuar a insistir em políticas contraccionistas decididas a pretexto duma teoria que privilegia a necessidade do reequilíbrio financeiro dos Estados a expensas das economias domésticas (a que gera emprego e crescimento sustentado), sufocadas no espartilho da redução da procura interna, e em cumprimento do dogma do benefício das exportações, enquanto se negligenciam os seus malefícios bem evidentes nas elevadas taxas de desemprego (em especial a das camadas mais jovens), no aumento da emigração, na contínua quebra do PIB (ver a propósito o “post” «PERSPECTIVAS»), na manutenção dos défices públicos e no aumento da dívida pública. Políticas que continuam em aplicação e que, asseguram os poderes estabelecidos, estão para durar…

sábado, 16 de novembro de 2013

PRESSÕES


Depois da agitação que rodeou a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre as medidas do OE 2013, com a apresentação da proposta de OE 2014 e a repetição de medidas já anteriormente consideradas inconstitucionais, os considerandos e as opiniões sobre as consequências duma repetição na reprovação continuam a avolumar-se, já ultrapassaram as fronteiras do país (com a UE e o FMI a fazerem ouvir-se, sempre por via não oficial), de forma mais ou menos directa.


Se depois de oficializado que o «Constitucional trava despedimentos na Função Pública», o FMI reagiu considerando que o «Tribunal Constitucional é uma "dificuldade" para Portugal» e a «Comissão Europeia "formaliza" críticas ao Tribunal Constitucional», agora que se antevê nova polémica com aquele órgão constitucional já nem se estranha saber que «Durão diz que Portugal não pode deitar tudo a perder», num claro aviso “à navegação”.

A tudo isto o governo de Passos Coelho respondeu nada e o Presidente da Repúblico manteve-se silencioso durante oito longos dias até que ontem, lá se ouviu finalmente que «Cavaco Silva apela a respeito por decisões do TC "aqui e lá fora"», não sem que antes, numa linha habitual em qualquer político que se preze (e Durão Barroso não costuma deixar os seus créditos por mãos alheias) aquele aviso tenha sido devidamente acompanhado de declarações apaziguadoras (facto que levou o PUBLICO a escrever que «Durão Barroso nega críticas ao Tribunal Constitucional mas alerta para consequências das suas decisões») que não escondem a essência da mensagem de apoio às políticas do governo de Passos Coelho, tanto mais que foi reforçada com a afirmação que os «Chumbos do TC podem pôr em risco regresso aos mercados».

Esta afirmação é tanto mais polémica (e falsa) quanto a intervenção inicial da “troika” foi justificada como mecanismo de protecção contra os mesmos mercados que agora tanto receiam e a cuja invocação sempre recorre quem já não tem (ou nunca teve) outra argumentação e quando a verdadeira razão radica no agravamento da dívida pública que Governo e “troika” asseguravam querer reduzir.

Mais curiosa ainda é a argumentação de que os «Juízes do Constitucional ameaçam lançar Portugal num segundo resgate» quando já é público que a «Troika admite subida de IVA para compensar chumbo constitucional» e portanto aquela não passa duma ameaça descabida, tal qual estoutra onde «Durão Barroso avisa que chumbo do Orçamento no TC levará a mais austeridade»; de moto próprio, ou condicionado pela “troika”, o governo de Passos Coelho está a enredar-nos numa inexorável espiral austeritária da qual não quer, nem sabe, sair. O vazio de ideias e a crença na mirífica “austeridade expansionista” não estão apenas a minar as condições de vida dos cidadãos, estão também a destruir a um ponto de irreversibilidade o tecido económico e a coesão social.

Esta realidade, constatada recentemente por um relatório da SEDES (ver o “post” «TU QUOQUE SEDES», foi igualmente motivo de debate na última conferência anual da Ordem dos Economistas, onde o tom crítico das intervenções levou o I a titular que «É cada vez mais difícil fingir que não se deve renegociar a dívida».

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

PERSPECTIVAS

A ideia duma melhoria na economia nacional, expressa em recentes notícias, como a de que o «Clima económico melhora pelo 10º mês consecutivo» ou que o «Desemprego cai pela sétima vez em oito meses», e na convicção com que a «OCDE mantém previsões de retoma económica para Portugal» pode ser uma realidade, embora também já seja do domínio público que, ao invés dos resultados do segundo trimestre quando se terá registado um crescimento de 1,1%, «Portugal estagna nos terceiro e quarto trimestres deste ano» e que em Setembro registámos a maior quebra no retalho em toda a zona euro, notícias que se coadunam melhor com o sentimento generalizado da população.


Para o cidadão comum nem sequer era preciso saber que «Bruxelas questiona sustentabilidade da melhoria das previsões económicas em Portugal», pois as perspectivas que os discursos de governantes, restantes políticos e demais opinantes oferecem são tais que apenas aos mais incautos ou crédulos será possível acreditar nos bons sinais que até poderão existir mas que o conhecido laxismo nacional e a reconhecida inépcia governativa aconselham a encarar com reservas.

Não é apenas o malabarismo das comparações apresentadas pelos políticos (por exemplo através da comparação entre variações periódicas e homólogas) que deve ser questionada, mas a essência do próprio crescimento perante os referidos sinais contraditórios a justificar que «Bruxelas duvida da consistência do crescimento do PIB português» e a manutenção duma solução da “austeridade expansionista” que apenas tem assegurado a austeridade e prometido a expansão (sempre) para o ano seguinte...

Com a aprovação na generalidade dum Orçamento que vai empobrecer o país revela-se cada vez mais clara a razão pela qual os cidadãos se mostram tão pouco optimistas. A ideia de que está próximo o fim da crise ou a afirmação de que «Bruxelas vê Portugal a crescer 1,5% no primeiro ano do pós-troika» merece uma credibilidade directamente proporcional ao vazio que os cidadãos sentem no seus bolsos e uma sonora gargalhada quando, sabida que é a grande dependência nacional face aos parceiros europeus, «Bruxelas confirma previsão de retoma de Portugal num contexto de menor dinamismo na Zona Euro».

Mesmo que se venha a confirmar a sustentabilidade dos primeiros sinais de crescimento, o sentimento generalizado de perca de rendimentos e acréscimo das dificuldades para trabalhadores, pequenos empresários e aposentados, apenas confirma o fracasso do princípio do “trickle down economics” (ideia defendida pelos monetaristas, segundo a qual a concentração da riqueza nos mais abastados e com maior propensão à poupança acabará por “deslizar” até aos estratos mais desfavorecidos e incluída nos fundamentos do Consenso de Washington de aplicação indiscriminada pelo FMI) e que o verdadeiro objectivo da “austeridade expansionista” sempre foi o de alterar o modelo de distribuição da riqueza nacional em ainda maior benefício do factor capital.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A NOVA OFENSIVA DAS AGÊNCIAS DE RATING

Depois da Comissão Europeia ter admitido que a «Zona euro vai crescer menos do que previsto em 2014», a mais recente notícia que a «Standard & Poor’s volta a descer o rating de França» poderia ser entendida como reflexo da primeira.


Enquanto economia mais débil que a alemã e quando a «Alemanha regista excedente comercial recorde em Setembro», poderia a reclassificação resultar dum reflexo dessa diferença; sucede porém que a explicação adiantada foi a de que a «S&P corta "rating" da França por duvidar de políticas de Hollande», que o mesmo é dizer que a avaliação não resulta de qualquer critério objecto mas, como se pode ler no relatório da S&P, sim da convicção “…de que a abordagem do actual governo francês em relação às reformas orçamentais e estruturais de âmbito fiscal e dos mercados de bens, serviços e de trabalho não é suficiente para melhorar, de forma substancial, as perspectivas de crescimento a médio prazo”.

Depois de se ter concluído que as principais agências de notação de risco (Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s) desempenharam um papel relevante na eclosão e disseminação da crise do “subprime”, subestimando o risco de empresas e produtos financeiros e de pouco ou nada ter sido feito para assegurar que aqueles erros não se repetiriam, que estiveram na primeira linha do processo de desacreditação estratégica do euro através do ataque às dividas soberanas dos países de periferia europeia (Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália e Malta), eis que regressam agora apostados na repetição da estratégia, apontando baterias à dívida francesa, não sob a alegação de irrefutáveis indicadores económicos, porque os valores da dívida francesa não são muito diferentes de tantas outras que até à data têm passado incólumes (como a inglesa), mas baseados numa apreciação subjectiva e obviamente discutível.

O que não parece discutível é que o objectivo desta estratégia continua a ser o da desestabilização da Zona Euro e o da imposição dum modelo de desenvolvimento económico profundamente antagónico dos interesses das populações. É natural que ao anúncio da S&P se sigam os da Fitch e da Moody’s (para reforçar a ideia), mas o que não é natural é que as lideranças políticas europeias, no afã de manterem as suas próprias regalias, continuem a pactuar com uma estratégia que culminará na dissolução da União Europeia.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

A POBREZA DO DISCURSO DE CÉSAR DAS NEVES


Lamenta-se o Prof César das Neves na sua mais recente crónica «A pobreza do discurso» que o tema da pobreza não esteja a ser invocado com o objectivo de «…aliviar os pobres mas atacar o neoliberalismo, rejeitar a troika, derrubar o Governo, combater a reforma do Estado, o Orçamento ou outro decreto particular», alívio que (segundo o autor) tem sido historicamente assegurado pela Igreja, tanto mais que o «…poder não gosta dos pobres e estes confiam mais na ajuda do próximo que nas promessas dos chefes».

É por demais óbvio que à mui católica e apostólica visão do Prof se pode aplicar as palavras que usou para apodar os que “falam sobre miséria”, pois «…mesmo bem intencionada, gera exageros, discórdias, perda de objectividade, o que é lamentável em problema tão grave», não que o Prof esteja zangado… apenas um pouco irritado com a situação que apelida de “moderna democracia assistencialista”, onde, como ensaia explicar através dum teorema formulado por Stigler (economista norte-americano da escola monetarista de Chicago e Prémio Nobel em 1982, particularmente conhecido pela sua Teoria Económica da Regulação), «…as despesas públicas são feitas para o benefício primordial da classe média, e financiadas com impostos suportados em parte considerável pelos pobres e pelos ricos», esquecendo (ou esperando que nós esqueçamos) que o que Stigler realmente teorizou é que os grupos de interesse e outros intervenientes políticos usarão os poderes de regulamentação e coercivo do governo para dar às leis e regulamentos a forma que lhes for mais benéfica.

No afã de justificar o actual processo de concentração da riqueza subjacente ao modelo do Consenso de Washington generalizadamente aplicado sob a batuta do FMI e de silenciar os críticos – os que no seu entender beneficiaram durante as décadas de endividamento – vai ao ponto de, esquecendo o brutal crescimento do desemprego, afirmar que são «…os remediados, que se consideram carentes, que fazem as exigências em nome dos silenciosos», como se o poder daqueles alguma vez se pudesse comparar com os dos grupos económicos e financeiros que originaram, sustentam e se alimentam dos benefícios rentistas alcançados através das privatizações e das PPP.


Em resumo, se é condenável o discurso da pobreza (em especial aquele que apenas serve para alimentar ganhos pessoais e políticos), não o é menos um discurso que confunde e sem outro objectivo que o de perpetuar um modelo de empobrecimento geral em exclusivo benefício duma minoria cada vez mais opulenta.

domingo, 3 de novembro de 2013

A SÍNDROME DE SNOWDEN


Os mais recentes desenvolvimentos em torno do problema da ciberespionagem além de merecerem reflexão adequada justificarão até a introdução no vocabulário mundial dum novo termo.

Tal como a partir de 1973 e na sequência dum episódio de sequestro ocorrido nos arredores de Estocolmo, a manifestação de sentimentos de simpatia do sequestrado em relação ao sequestrador passou a ser conhecido como a Síndrome de Estocolmo, talvez agora se justifique passar a integrar as campanhas de branqueamento da prática de abuso e violação da privacidade dos cidadãos numa nova síndrome.

É que o recente aparecimento de notícias que dão conta «França e Espanha ajudaram EUA nas escutas» ou até mais concretamente quando os «EUA dizem que foram europeus que espiaram telefones para dar à NSA», estão a misturar-se elementos e a manipular-se os cidadãos num claro processo de desculpabilização. Quando se escamoteia a dura realidade dos Estados democráticos espiarem cidadãos nacionais ou estrangeiros indiscriminadamente e sem o mínimo indício justificativo, quando se pretende justificar tal prática à margem dos tribunais (únicas entidades reconhecidas para validarem o processo de violação da privacidade) e em nome duma nebulosa actividade de segurança nacional, não estamos apenas perante um perigoso precedente do orwelliano estado-polícia, estamos, na realidade, a abrir um perigoso precedente a mais uma forma de totalitarismo a que os Estados democráticos se revelam cada vez mais permeáveis.


Quando este processo de desculpabilização é acompanhado de justificações quase auto-infligidas e o prevaricador reage na esfera económica acusando a Alemanha de “exportar” a crise e de dificultar a retoma do euro enquanto insiste na perseguição do principal responsável pela denúncia dos abusos, bem se podia designar o conjunto dos sintomas de síndrome e atribuir-lhe o nome de Edward Snowden, o responsável pela revelação daquela realidade ao Mundo.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

HABEMOS GUIÃO

Nas vésperas da discussão de mais um polémico OE, o irrevogável Paulo Portas veio apresentar o há muito prometido Guião para a Reforma do Estado, pomposamente denominado «Um Estado Melhor».

São 112 páginas contendo os «Os pontos essenciais da reforma do Estado», que o ECONÓMICO sintetizou assim: 
·         Limite ao défice na Constituição
·         "Menos funcionários mais bem pagos"
·         Agregação de municípios
·         Reforma da Segurança Social em 2014
·         Criar "escolas independentes"
·         Objectivos nos tribunais na gestão processual
·         Revisão dos estatutos das magistraturas
·         Arquitectura institucional do sistema judicial
·         Gestão coordenada da ADSE com o SNS

Embora o documento assegure na introdução que «...o Governo vai dirigir-se aos partidos políticos e aos parceiros sociais. Com a disponibilidade necessária para ouvir, debater, alterar, em nome do interesse nacional que é de todos», atendendo ao momento da sua apresentação, à ausência da mínima sustentação para as propostas, de calendarização e quantificação, à própria forma vaga e banal como é apresentado, o documento configura mais um programa de governo que um roteiro para uma reforma e assegurará, quanto muito, que Portas não volte a ser questionado sobre o prometido guião.

A ideia que Portas apresentou mais que um guião é confirmada pela afirmação do I de que «Portas apresenta guião que só o próximo governo pode concretizar», mas nem o facto de posteriormente assegurar que o «Guia de Paulo Portas mais brando que recomendações do FMI» lhe reforça a qualidade ou lhe altera um destino para o qual o tempo e as circunstâncias rapidamente o remeterão: o rol dos “esquecidos”.