terça-feira, 29 de julho de 2008

POR UMA NOVA EUROPA

A página que o Prof. Adriano Moreira semanalmente publica no DIÁRIO DE NOTÍCIAS[1], na qual hoje reflecte sobre a situação da EU e sobre o papel que nela pode representar a presidência francesa e em particular Nicolas Sarkozy quando a questão candente é o futuro do Tratado de Lisboa (ou da Constituição Europeia) serve-me de pretexto para recuperar aqui a polémica em torno do resultado do referendo irlandês.

Esta questão não tem merecido da imprensa europeia o acompanhamento e o destaque devidos (actuação que se pode enquadrar perfeitamente naquela que parece ser a estratégia adoptada pelos partidários do princípio da aplicação do tratado a qualquer custo), facto que não é menos preocupante por não ser propriamente estranho.

Que os principais líderes europeus (com Sarkozy e Merkel na primeira linha) pretendam avançar com a solução que em princípio melhor serve os seus interesses, não constitui novidade, mas que optem agora por desvalorizar a opção popular irlandesa quando antes tanto valorizaram uma opção popular de franceses e holandeses, além de estranho e pouco político é ainda totalmente inaceitável do ponto vista ético.

O “não” irlandês não pode ser desvalorizado e os franceses e holandeses que quando consultados tomaram idêntica posição não se podem agora deixar esquecer.

Isso mesmo parece ser a intenção de um grupo de cidadãos franceses que lançou na Internet um apelo para a construção de uma alternativa à União Europeia liberal que nos pretendem impor.

Porque mantenho a convicção que nesta matéria (como em todas as que dizem respeito à vida dos cidadãos) só uma solução que resulte de um amplo debate e de uma efectiva participação dos eleitores é que poderá ser efectivamente mobilizadora e geradora de progresso económico e social, aqui deixo o texto do apelo e o endereço onde o mesmo pode ser lido e assinado:
Petição

Agora e em conjunto construamos uma outra Europa!

Segunda-feira 7 Julho de 2008

É preciso tomar consciência que o «não» irlandês ao Tratado de Lisboa constitui, depois do «não» francês e holandês, o terceiro grande revés sofrido pela Europa liberal definida por esses dois tratados basicamente idênticos.

Isso pressupõe respeitar a escolha dos irlandeses e também a elementar exigência democrática: desde que um estado rejeite um tratado europeu este perde a sua exeistência legal e deve ser declarado extinto. É o que aliás prevê expressamente o Tratado de Lisboa, pelo que não pode ser aplicado; a reafirmada intenção de prosseguir o processo de ratificação carece de legitimidade e constitui um acto hostil contra o opovo irlandês.

Importa precisar que se alguma manobra lograsse adicionar ao Tratado de Lisboa uma qualquer emenda «irlandesa» isso implicaria o princípio «a um novo texto, nova ratificação» pelos estados-membros, incluindo a França. Nesse caso não aceitaríamos ser novamente privados de um referendo.

Tomar consciência da recusa é aceitar a existência na Europa de uma corrente popular de fundo. É preciso reflectir sem mais delongas, sob pena de paralesia e de implosão, sobre as grandes orientações para uma alternativa necessária para que a Europa se transforme emfin numa Europa dos povos e do progresso, quer no seu interior quer no exterior.

Independentemente das apreciações pessoais sobre os tratados rejeitados, comungamos da convicção que querer construir uma Europa divorciada das populações e contra os intereses destas está condenado ao fracasso e que é o próprio conceito de Europa que está ser posto em caus pela ausência de adesão popular.

Queremos formular as grande linhas alternativas à actual Europa que devem acentar num outro tratado elaborado em consonância com as populações e os seus representantes inseridos num novo processo de cosntrução democrática e entendemos começá-lo sem mais delongas.

Consideramos que apenas uma Europa social terá viabilidade. Acreditamos que só a harmonização social é que faz sentido e que é a única capaz de mobilizar a adesão popular. Nenhuma clausula de outro tipo se lhe deve opor. A Europa deve ser um espaço de progresso e de igualdade e deve ser protector contra a mundialização liberal que fomenta uma concorrência desenfreada entre os povos.

Consideramos que ou a Europa se liberta do dogma liberal ou não terá viabilidade. Acreditamos que o Banco Central Europeu e as políticas económicas devem ser colocadas ao serviço das populações ao contrário do que hoje sucede. Consideramos que nem tudo pode ser mercantilizado e que os serviços públicos devem desempenhar um papel relevante e crescente afim de defender o interesse geral e permitir um desenvolvimento sustentado. Desta forma será possível optar por um crescimento duradouro e ecológicamente respeitador da natureza.

Consideramos qua a Europa será um espaço de paz e de solidariedade ou não terá viabilidade. Tal como o alinhamento com os Estados Unidos não garante a nossa segurança e a redução dos armamentos nem pode constituir a identidade europeia num mundo que necessita de paz, equilíbrio e justiça, também a Europa sob a orientação liberal conduz à espoliação do Sul e aos trágicos «motins da fome». É preciso estabelecer relações justas, preferenciais e solidárias com o Sul sofredor.

Consideramos que ou a Europa será democrática ou não terá viabilidade. Não pode ser aceitável, num mundo moderno, que apenas 27 pessoas, rodeadas por uma pleiade de tecnocratas, ditem o destino de 450 milhões de europeus. Os tratados rejeitados, redigidos em obscuros cenáculos, demonstram que aquela concepção conduz a um impasse. É preciso dar um papel acrescido ao Parlamento Europeu e aos parlamentos nacionais na condução dos assuntos europeus. É preciso, por fim, aceitar que os cidadãos europeus participem plenamente das decisões que lhes dizem respeito.

Para executar estas grandes orientações alternativas, não limitativas, apelamos a todos os que crêem na Europa e que querem fazer dela um espaço orientador de uma nova civilização humana, no seu interior e no resto do mundo que tantro dela carece. Em caso algum a Europa deve ser um mero decalque dos EUA.

Apelamos hoje, solenemente, à reunião de todas as iniciativas e energias para que a Europa seja enfim uma Europa das populações e um espaço aberto, saudável e livre, agindo em prol de um mundo novo. Em conjunto com todos os que apoiam este processo democrático tomaremos as medidas apropriadas em França e na Europa.

Traduzido[2] de: http://www.le-citoyen.info/spip.php?article151
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[1] Hoje com o título «OS PARADIGMAS DA PRESIDÊNCIA».
[2] A tradução, que procurei tão fiel quanto possível é da minha responsabilidade.

domingo, 27 de julho de 2008

QUANDO É PRECISO UM BÊBADO PARA RECONHECER OUTRO

Uma recente intervenção de George W Bush numa acção de recolha de fundos para o Partido Republicano, transformou-se no centro de especial atenção quando as declarações que então proferiu chegaram à Internet. Embora não tenha sido permitida a presença de jornalista e tenha havido o cuidado de solicitar aos presentes que desligassem os seus meios áudio e vídeo, alguém não resistiu e o mundo ficou a conhecer como é que o presidente americano avalia a situação que o seu país atravessa, quando se lhe referiu de uma forma directa e simples dizendo:«Wall Sreet embebedou-se...» O sempre oportuno humorista Jeff Danziger não perdeu o ensejo para nos dar a sua visão do “analista”, juntando-lhe referências a outros acontecimentos económico-financeiros marcantes da sua época (como a grande fraude que foi a falência da ENRON) e associando ao “stock” de mercadorias do bar algumas das principais características do seu “dono”.

Aforismo à parte e por mais adequada que pudesse parecer a caracterização que George W Bush fez, o mais preocupante foi ele acrescentar que o grande problema é desconhecer-se quanto tempo os mercados financeiros irão demorar a recuperar da “ressaca”.


Como se não bastasse a forma demasiado popular (para usar a expressão a que de recorreu pronto um porta-voz da Casa Branca para caracterizar o discurso do “patrão” e citada pela BBC NEWS) o que ressalta do âmago da sua observação é uma total ignorância e consequente ausência de perspectivas sobre a possível evolução do que tem sido designado como a crise do “subprime”.


Quase em simultâneo com este “fait divers” (ainda haverá no mundo alguém que acredite que George W Bush alguma vez fez alguma ideia sobre o que estava a falar?) o Congresso norte-americano aprovou no final desta semana “legislação para salvar a crise do imobiliário norte-americano”.


Depois dos apelos do presidente do FED[1], que, pasme-se, chegou a defender a nacionalização do Fannie Mae e do Freddie Mac[2], das intervenções apologéticas do secretário de estado do tesouro, Henry Paulson, e de divulgada a notícia pela Casa Branca de que contrariamente ao anunciado o presidente Bush não vetaria o plano, eis que os representantes da nação americana aprovaram agora um plano de socorro, que segundo o gabinete do orçamento do Congresso poderá custar entre 25 e 100 biliões de dólares.

Mas o que ressalta do teor daquelas notícias não é apenas a intenção dos legisladores contribuírem para minimizar os efeitos altamente negativos do endividamento das famílias norte-americanas, mas principalmente a de evitar a falência do Fannie Mae e do Freddie Mac, entidades que devido à quebra no valor do imobiliário (há analistas que falam em valores da ordem dos 25%) atravessam uma situação de verdadeira insolvência (o valor dos activos, imóveis, é inferior ao das dívidas).

O problema é que a injecção de fundos agora autorizada garantirá o capital investidos pelos accionistas do Fannie Mae e do Freddy Mac, mas pouco ou nada contribuirá para minimizar as dificuldades das famílias que perderam ou estão em risco de perder as suas casa e as poupanças nelas investidas Isso mesmo foi reconhecido implicitamente pelo secretário de estado do tesouro americano quando afirmou que a legislação aprovada era uma forte mensagem enviada aos investidores que desempenham um papel crucial na recuperação da crise do imobiliário.

Tal como já aconteceu em anteriores situações, nos EUA e no Reino Unido, os governos e os bancos centrais, em nome da recuperação da confiança e dos mercados, têm–se precipitado na injecção de fundos e até na nacionalização de bancos[3] e outros agentes financeiros arruinados pelas políticas de investimento especulativo e de alto risco que praticaram, mas têm-se revelado incapazes ou indisponíveis para enfrentar o real fulcro da questão: as décadas de prática de uma política antisocial de redução da liquidez na economia. Além disso, as medidas correntemente usadas pelo FED de recurso a sucessivas injecções de fundos e a redução das taxas directoras (a taxa à qual os bancos centrais cedem liquidez aos bancos comerciais) mais não têm feito que branquear as práticas de investimentos de alto risco que as administrações das empresas financeiras realizaram, disponibilizando-lhes a baixo custo[4] os meios para evitarem a punição que o livre funcionamento do mercado lhes deveria reservar – a falência.

Os milhares de milhões de dólares, euros e libras que os Bancos Centrais têm injectado nos respectivos sistemas financeiros, além de pouco terem contribuído para resolver a crise do “subprime” não estão a contribuir sequer para o relançamento das respectivas economias, na medida em que são prioritariamente canalizados para o saneamento dos balanços dos banqueiros, e ainda menos para resolver a crise de confiança que grassa nos mercados, porque não penalizam as estratégias aventureiras e de alto risco dos banqueiros e sustentam a dúvida quanto à real dimensão da crise.

Uma após outra vão surgindo notícias sobre a possível ruína dos principais bancos[5] enquanto os grandes actores nos mercados financeiros – os enormes “hedge funds” e outros conglomerados financeiros – continuam a actuar em vagas rapaces sobre todo e qualquer activo que aparente produzir ganhos...
e esta estratégia, perante o estado depressivo dos mercados financeiros, está já a ser prosseguida pelos mesmos actores nos mercados dos bens alimentares e energéticos, fenómeno que todos bem sentimos nos constantes aumentos daqueles produtos.

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[1] Veja-se esta notícia do DIÁRIO ECONÓMICO.
[2] Designações pelas quais são conhecidas o Federal National Mortgage Association (cuja signa FNMA originou a designação Fannie Mae) e o Federal Home Loan Mortgage Corporation (onde a sigla FHLMC se converteu em Freddie Mac), empresas privadas com apoio público (government sponsored enterprise na designação anglo-saxónica) que funcionam como refinanciadoras dos bancos que concedem empréstimos imobiliários contra hipoteca. Criadas em 1938 e em 1970, respectivamente, as duas instituições atravessam uma situação particularmente delicada devido a serem detentoras ou garantirem cerca de 50% dos 12 biliões de dólares que constituem o mercado do crédito hipotecário norte-americano.
[3] Como foi o caso do Nothern Rock que o governo inglês decidiu nacionalizar, como noticiou o DIÁRIO DE NOTÍCIAS, após várias e infrutíferas injecções de dinheiro pelo Banco de Inglaterra.
[4] Recorde-se que graças aos sucessivos cortes na taxa directora, o FED está a financiar os banqueiros a taxas da ordem dos 2%, valor muito inferior à inflação oficial que se situa nos 5%, o que em termos práticos significa que os banqueiros e demais especuladores estão a financiar os seus erros a uma taxa negativa.)
[5] Em meados deste mês o COURRIER INTERNATIONAL, citando o NEW YORK TIMES dizia que «...os analistas esperam ver encerrar no próximo ano e meio entre 50 e 150 instituições. No primeiro trimestre de 2008, o FDIC (a agência federal norte-americana que gere os fundos de garantia dos depósitos bancários) publicou uma lista de 90 bancos em dificuldades; embora dela não constasse o IndyMac este já faliu».

quinta-feira, 24 de julho de 2008

JUSTIÇA E INTERESSES SUPERIORES

Com tanto que acontece diariamente no país e no estrangeiro merecerá a pena comentar a detenção e a promessa de entrega ao Tribunal Penal Internacional[1] do ex-líder sérvio Radovan Karadzic?

Talvez!

Ainda mais se este julgamento não se converter em mais uma manobra de desinformação sobre o cerne de tudo o que motivou a implosão da antiga Jugoslávia; se não se limitar a apresentar uma versão maniqueísta dos acontecimentos (os bons – croatas – contra os maus – sérvios); se dele resultar um efectivo esclarecimento do muito de bárbaro que sérvios e croatas cometeram[2].

Infelizmente esperar tudo isto é quase puro lirismo, tanto mais que o tribunal que vai julgar Karadzic é o mesmo no qual os EUA não aceitam ver julgado o envolvimento de cidadãos americanos em cenários de guerra.

O Tribunal Penal Internacional poderia ter um importante papel no esclarecimento de muitas das atrocidades cometidas em nome dos mais variados ideais e princípios, mas infelizmente a realidade fundamenta as mais fundadas dúvidas. Agora, resta-nos acompanhar mais esta iniciativa e ver como decorrerá... sem nunca esquecer que tudo indica que a captura e entrega para julgamento de Karadzic, por parte das autoridades sérvias poderá não ser mais que uma manobra política para facilitar o processo de adesão à União Europeia[3].
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[1] O Tribunal Penal Internacional (TPI) é o primeiro tribunal penal internacional permanente e foi fundado em 2002, com sede na cidade holandesa de Haia, com o objectivo expresso de julgar os indivíduos e não os Estados, em matérias de crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade. Embora perto de uma centena de estados já tenham ratificado o estatuto de países-membros, países como os EUA, China, Israel, Índia, Turquia, Filipinas e Sril Lanka ainda não o fizeram.
[2] Importa aqui não esquecer que não foram apenas os sérvios que tentaram uma limpeza étnica na Bósnia-Herzegovina, mas também a limpeza que os croatas realizaram na Krajina e que parece permanecerá sem parangonas nem culpados.
[3] Recorde-se, a propósito, que em 2001 a Sérvia terá entregue o seu ex-presidente Slobodan Milosevic ao Tribunal Penal Internacional a troco da libertação de verbas atribuídas pela administração de George W Bush para a reconstrução do país e que já começam a surgir notícias (como esta do DIÁRIO DE NOTÍCIAS) que dão conta do envolvimento dos serviços secretos sérvios na protecção a Karadzic.

terça-feira, 22 de julho de 2008

UM EXEMPLO A SEGUIR

Já numa ou outra oportunidade referi a completa imoralidade que revestiu o processo de apropriação empresarial de bens do património da humanidade, como o código genético de sementes.

O campeão nesta malfeitoria, aprovada e sancionada pelo Senado norte-americano, tem sido a MONSANTO, multinacional que actua nos sectores da agricultura e da biotecnologia e é hoje o líder mundial na produção de sementes geneticamente modificadas (os transgénicos) com uma quota de mercado estimada acima dos 70% e um volume de negócios superior aos 8,5 mil milhões de dólares, empresa que se tem visto envolvida em múltiplas polémicas, seja pelo fomento na utilização dos organismos transgénicos, seja pelos múltiplos processos legais em que se tem envolvido em consequência de contaminações provocadas pelos seus produtos.

Como é do conhecimento geral a multiplicação das plantas faz-se na maioria das situações por acção do vento (agente natural que ajuda a espalhar as sementes que cada uma delas produz), facto que, para infelicidade dos agricultores cujas propriedades rodeiam as que utilizam sementes da MONSANTO, tem originado inúmeras queixas – da MONSANTO por utilização não autorizada de sementes de sua patente e dos agricultores por contaminação das suas próprias produções – as quais se têm arrastado nos tribunais dos países que representam os seus maiores mercados.

Embora não tenha encontrado referência em qualquer meio de comunicação nacional, sucede que a MONSANTO, após uma batalha judicial que se arrastou por cinco anos, acabou por aceitar um acordo extra-judicial com um agricultor canadiano (Percy Schmeiser) que exigia o pagamento das despesas de limpeza das suas culturas de colza contaminadas por sementes transgénicas da MONSANTO.

A batalha jurídica prolongou-se porque a poderosa MONSANTO só se mostrou disponível a indemnizar o agricultor, nuns colossais 660 dólares, depois deste ter conseguido demonstrar em tribunal que nunca utilizara produtos daquela multinacional e caso este aceitasse uma cláusula de silêncio total sobre o assunto.

Como o agricultor não aceitou semelhante imposição o processo continuou até meados do passado mês de Março quando a poderosa multinacional acabou por se vergar à inflexibilidade de Percy Schmeiser e aceitar o seu direito à divulgação e comentário dos acontecimentos.

Ainda que para muita gente isto não passe de um "fait divers" e de algo que nunca poderá ocorrer num país como o nosso, aqui deixo a informação e o exemplo de que ainda vão existindo mecanismos para cada um de nós se opor aos desmandos e desvarios dos mais poderosos.

domingo, 20 de julho de 2008

O LOGRO DA DESCIDA DO IVA

Embora tenham decorrido apenas duas dezenas de dias desde a redução da taxa do IVA de 21% para 20% é já possível constatar que ao invés do anunciado pelos nossos governantes o efeito daquela redução no rendimento das famílias pode ser considerado nulo.

Como era fácil de prever e a exemplo da redução do IVA nos ginásios[1] o efeito dessa variação acabará nas receitas dos empresários, não se traduzindo na efectiva redução do preço final dos produtos e serviços. A própria comunicação social se fez de eco desta situação[2] e poucos esconderam qual seria o real destino dos mais de 500 milhões de euros que o fisco prevê deixar de receber com esta medida.

Paulo Portas prontamente se fez paladino dos mais desfavorecidos e denunciou em pleno parlamento que «Portugal é o único país da Europa onde o IVA desce e a factura sobe» tomando como exemplo o preço dos combustíveis cobrados pela GALP entre Janeiro e Julho deste ano.

Como não pretendo laborar no erro simplista do líder do CDS, que se esqueceu que no caso citado existia um diferencial de tempo em que se registaram vários aumentos de preço (provocados pela famigerada subida do “crude”), vou-me socorrer da informação que mão amiga me fez chegar por e-mail e que refere a “estranha” situação de uma mercadoria (botija de 13kg de gás butano) ter custado a um consumidor o mesmo preço em 24 de Junho e em 2 de Julho – 20,25€ – embora a respectiva factura registe taxas de IVA diferentes – 21% em Junho e 20% em Julho – e valores diferentes para o IVA cobrado, 3,51€ e 3,38€, respectivamente.


Caso não se tivesse verificado um aproveitamento de duvidosa justificação[3] por parte da empresa fornecedora, a botija de gás deveria ter custado no dia 2 de Julho 20,08€, conforme se pode constatar pelo quadro seguinte:

que revela ainda que prejudicando o consumidor em 17 cêntimos (0,826%) o vendedor, mediante o aumento do seu preço de 16,74€ para 16,875€ encaixou um ganho extraordinário de 0,833% e que o Estado o acompanhou nos ganhos, pois em vez de receber 3,35€ encaixou 3,375€, ainda e sempre a expensas do comprador.

Sucede que por muito pequenas que sejam aquelas variações, no caso vertente 0,17€, em cada artigo transaccionado o valor sobre o conjunto final dos bens e serviços transaccionados no país representará mais de meio milhão de euros que contribuirão para agravar ainda mais o já muito desequilibrado sistema de repartição da riqueza. Tal como já aqui o denunciei, voltarão uma vez mais a ser as famílias a suportar mais este processo de acumulação de riqueza nas empresas.

O logro do anúncio da redução do IVA é em tudo semelhante aos muitos outros mecanismos de apropriação indevida de receitas por parte das empresas que os nossos governos têm facilitado.

De memória recordo aqui os casos dos famigerados arredondamentos praticados nos juros cobrados pelos bancos e o da cobrança indevida de portagens nas auto-estradas em situação de obras (uma flagrante violação da lei e do pressuposto que fundamenta aquele pagamento), que nem de propósito noticiou esta semana o DIÁRIO ECONÓMICO que é convicção da Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Auto-Estradas e Pontes com Portagens[4] que a «Restituição de portagem só será possível após Estado emitir declaração formal de incumprimento»… Por outras palavras “NUNCA”!

E tudo isto acontece naquilo que se designa por “um estado de direito”, mas no qual os governos facilmente se associam aos interesses económicos, seja por deles obterem múltiplos benefícios seja por pela sua omissão também verem aumentadas as respectivas receitas fiscais.
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[1] Tal como refere Miguel Frasquilho num recente artigo no JORNAL DE NEGÓCIOS «...a redução do IVA dos ginásios de 21% para 5% não correspondeu a uma diminuição dos preços pagos pelos clientes – um caso tão flagrante que o Governo pediu à Autoridade da Concorrência, à Inspecção-Geral de Finanças e à Direcção-Geral do Consumidor que investigassem o sucedido».
[2] Entre outras notícias destaque-se esta do DIÁRIO ECONÓMICO e o artigo «A descida do IVA no retalho» de Rogério Ferreira Fernandes no mesmo diário, no qual o autor explica a sustentação legal para a manutenção dos preços de retalho, com base nos custos da remarcação individual (obrigatória por lei) dos produtos.
[3] Mesmo que havendo justificação para um aumento de preço baseado no aumento do “crude”, dificilmente alguém acreditará que este coincidiu precisamente com o valor necessário e suficiente para que o preço final (preço da mercadoria mais IVA) não tenha sofrido a mínima alteração.
[4] A APCAP- Associação Portuguesa das Sociedades Concessionárias de Auto-estradas e Pontes com Portagens, é a entidade que representa as empresas concessionárias de auto-estradas, a saber: a Aenor, a Auto-Estradas do Atlântico, a Auto-Estradas do Douro Litoral, a Brisa, a Brisal, a LusoLisboa e a Lusoponte.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

WELLCOME

Talvez para a maioria das pessoas a perspectiva de uma travessia transcontinental seja algo de aliciante (até de festivo ou mágico), mas para os que o observem de forma mais atenta o movimento diário dos grandes aeroportos internacionais apresenta pouco de atractivo e ainda menos de festivo.
Além do constante encarecimento das tarifas aéreas (a moda agora não é mais o puro e simples aumento de preço mas sim as regulares subidas da sobretaxa de combustível – petróleo justifica – e da constante invenção de novas taxas e sobretaxas) os que se atrevem a viajar (por prazer ou em negócios) são ainda massacrados com a generalização da paranóia securitária que a administração norte-americana tem habilidosamente explorado e exportado para os quatro cantos do mundo.
Além da permanente caça ao “terrorista árabe” (pobre do viajante que pela cor da tez ou pelo perfil do nariz levante uma ínfima suspeita aos zelosos “agentes da autoridade”) foi a invenção dos “explosivos líquidos” e todo o tipo de patranhas que têm sido utilizadas para justificar a instalação de sistemas de vigilância, controlo e identificação que embora cada vez mais sofisticados e dispendiosos para pouco mais servem que aumentar os tempos de espera nos aeroportos[1] e gastar até à exaustão a paciência dos viajantes, salvo como fonte inspiradora para um ou outro caricaturista, como é o caso deste trabalho do norte-americano Jeff Danziger que capta muito bem a essência (e a loucura) de tudo isto.

Duvido que os estabelecimentos comerciais (as tão faladas free-shops) lucrem substancialmente com este acréscimo de demora, porque o estado de irritação da maioria dos passageiros não deve ser aquele que mais favorece aquela actividade, mas tenho a certeza que a vontade de muitos passageiros em repetir a experiência, sai amplamente afectada até porque as próprias condições de conforto e comodidade oferecidas pela generalidade dos aeroportos são pouco menos que precárias.
Tudo isto me foi recentemente dado a observar in loco e aquilo que vi, nomeadamente na forma de tratamento dos estrangeiros, levou-me a recordar a seguinte frase de Miguel Sousa Tavares: «o grau de democracia de um país começa a medir-se na forma como os estrangeiros são tratados nas suas fronteiras: quanto maior a arrogância dos funcionários, mais falsa é a sua democracia»[2] e a confirmar quão justa ela é.
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[1] Alguns analistas têm alertado para o facto desta parafernália tecnológica servir às mil maravilhas para escamotear as dificuldades introduzidas nas operações de terra (check-in, tratamento de bagagens e reabastecimento dos aviões) das companhias aéreas em virtude das políticas de redução de pessoal e de outsorcing correntemente praticadas.
[2] A expressão foi retirada do artigo publicado no EXPRESSO «BEM-VINDO A PORTUGAL», mas aplica-se que nem uma luva àquilo que se assiste nos aeroportos de todo o mundo.

domingo, 6 de julho de 2008

PORTUGAL E A CRISE

Esta semana, de repente, as televisões nacionais parecem ter descoberto que o país atravessa uma crise.

Muito se tem dito e escrito, nos últimos dias, sobre a questão e o mais interessante é que tudo indica que esta transcendente descoberta ocorreu após a passagem dos líderes dos dois maiores partidos portugueses (PS e PSD) pelos estúdios de dois canais de televisão. Agora não há canal televisivo que não se desdobre em debates, mesas-redondas, entrevistas e eu sei lá que mais, a todo o tipo de individualidades e grandes entendidos nacionais em matéria de economia.

O engraçado é que só fazendo tábua rasa das várias análises e comentários, nacionais e internacionais, sobre o desenrolar da situação mundial e nacional, produzidos no último ano e de que a Internet em geral e a blogoesfera em particular é um perfeito espelho, é que os mais distraídos ou desinteressados poderão dizer que “só agora é que a crise chegou”. Um bom exemplo[1] disto mesmo é um artigo de Nicolau Santos, publicado pelo EXPRESSO, no qual aquele apresenta uma breve (e discutível) súmula do conjunto dos acontecimentos que nos conduziram a esta situação.

Depois daquele “pas de deux” entre Manuela Ferreira Leite e José Sócrates[2], com a primeira a dizer que o país não tem dinheiro para os grandes investimentos anunciados pelo governo (como se nos tempos em que ela foi ministra nos governos de Cavaco Silva e de Durão Barroso a situação não fosse idêntica) e o segundo a garantir que a economia apenas está a “abrandar” e que os investimentos serão maioritariamente assegurados por capitais privados (esqueceu-se de explicar com que custos, mas também ninguém lho perguntou), parece que nada ficou como era.
Que a crise está instalada (e para durar), mesmo que o primeiro-ministro José Sócrates insista no eufemismo do “abrandamento” não devem restar dúvidas, pelo que a grande questão é: o que fazer?

Enquanto o PSD parece advogar a estratégia de “parar para pensar”, o PS defende que o principal é não cometer erros e, pelo sim pelo não, avançar com os investimentos programados. Em resumo: quer um quer outro não sabe o que fazer!

De comum têm bem presente que lhes é impossível alterar a política de favorecimento dos interesses económicos instalados e principalmente os ligados à grande especulação imobiliária (não tem sido esta ao longo das últimas décadas a mola real de movimento do país?), mas enquanto o primeiro advoga que em período de vacas particularmente magras se pondere quais os que devem ser favorecidos primeiro (bem sabemos que todos são iguais, mas uns sempre são mais iguais que os outros), o segundo mantém firme a aposta na sua boa estrela e “para a frente é que é o caminho”.

Perante um cenário desta natureza, não é de estranhar que um estudo da Comissão Europeia revelasse há dias que os Portugueses são os mais pessimistas da União Europeia[3] no que respeita às suas perspectivas de futuro. É que com políticos desta têmpera quem pode esperar ver a crise abordada numa nova perspectiva?

Quando é público, notório e bastas vezes denunciado, que um dos problemas fundamentais de qualquer economia que queira crescer de forma sustentada é o da dimensão do seu mercado doméstico (aquele que oferece às empresas maior estabilidade e um comportamento menos volátil face a modificações conjunturais) e quando é igualmente reconhecida a profunda disparidade salarial praticada no país[4] será de exigir de quem nos governa (ou venha a governar) uma política mais justa de distribuição dos rendimentos.

Na situação actual não basta esperar para ver ou esperar não cometer demasiados erros, é indispensável uma alteração radical do paradigma em que se tem baseado o funcionamento das economias ocidentais (e mundiais, porque de uma forma ou outra todas tendem para o mesmo modelo); é tempo de exigir todo o repensar de um modelo económico que se baseia exclusivamente no aumento da riqueza dos mais ricos e no crescente empobrecimento dos mais pobres.
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[1] A lista de possíveis referências é extensa, sendo de destacar entre outros os seguintes artigos de Perez Metelo: SALÁRIOS, PREÇOS E CRESCIMENTO, O ANO DE (QUASE) TODOS OS PERIGOS e O REGRESO DA INFLAÇÃO, publicados no DN em 15 de Fevereiro, 18 de Abril e 30 de Maio.
[2] Ideia muito bem traduzida no magnífico cartoon de Henrique Monteiro.
[3] Título de uma notícia do PUBLICO, de 24 de Junho, que refere os resultados de um inquérito do “Eurobarómetro” que pode ser consultado aqui.
[4] Veja a propósito um artigo de Daniel Amaral (insuspeito economista neoliberal) publicado no EXPRESSO, em Março deste ano, e que passo a citar:
«A forma como se distribuem os rendimentos é socialmente relevante. E o que se está a passar em Portugal é estranho. Por exemplo: já vimos que, para uma média europeia igual a 100, nós estamos no nível 75. Mas, se recuarmos cinco anos, encontramos o nível 78: fica a ideia de que a carruagem do nosso desenvolvimento se especializou na marcha-atrás. E o mesmo se passa nas diferentes regiões: a relação entre a mais rica (Lisboa) e a mais pobre (Norte) é de 1 para 1,78 - uma situação imoral.
Claro que esta injustiça relativa não se circunscreve ao país e às regiões. Estende-se também às pessoas. Já uma vez aqui falei disto, mas vou repetir. Se isolarmos o grupo dos 20% que ganham mais e os compararmos com o grupo dos 20% que ganham menos, encontramos aquilo a que poderemos chamar indicador da desigualdade. Este indicador é de 4,7 na zona euro, desce para 3,5 na Suécia e coloca Portugal no topo das injustiças relativas (6,8), só superado pela Letónia (7,9). É o grau zero da dimensão social.
Sinto extrema dificuldade em comentar estes números. A imagem que me ocorre é a de uma batalha naval: o nosso barco foi ao fundo. A pouco mais de um ano das eleições legislativas, seria interessante que os partidos políticos reflectissem sobre o assunto e fizessem dele um guião para os seus programas de governo. Considero indispensável que, quem governa, se comprometa pelo menos em três pontos: num crescimento sustentável da economia, numa correcção das assimetrias regionais e numa distribuição mais justa dos rendimentos.
As populações agradecem

quinta-feira, 3 de julho de 2008

A DEBATER É QUE A GENTE SE ENTENDE

Este é o fac-simile da notícia de O ALMEIRINENSE pela qual tomei conhecimento de que a Câmara Municipal de Almeirim e a Junta de Freguesia de Fazendas de Almeirim iam promover dois debates sobre a construção de um estabelecimento prisional (EPLVT) em terrenos a desanexar da Quinta dos Gagos.

Após a fracassada tentativa dos deputados à Assembleia Municipal pelo PSD para fazerem aprovar a realização de um referendo local sobre a matéria e depois de ter assistido ao desenrolar da última reunião daquela assembleia, parece-me de exigir ao executivo autárquico mais que aqueles dois debates.

Mesmo considerando que aqueles terão por alvo as populações mais directamente interessadas na questão – Paço dos Negros e Marianos são as duas aldeias mais próximas da localização anunciada para o EPLVT – a dimensão e os impactos económico-sociais que originará ultrapassam em muito aquele âmbito local, pelo que será da mais elementar justiça apelar a que toda a população do concelho seja informada e esclarecida sobre aquela eventualidade.

Porque o debate apenas deverá atemorizar as consciências pesadas e porque uma população esclarecida e informada tem que ser condição indispensável para a vida em sociedade, aqui deixo o repto aos poderes locais, aos defensores da construção do EPLVT e aos seus opositores para que mais debates sejam realizados em diferentes locais do concelho.

Porque partilho integralmente do princípio de que ninguém deve ser condenado sem direito a apresentar a sua própria defesa, mesmo concordando com quem se opõe frontalmente à instalação do EPLVT na Herdade dos Gagos e porque não vi respondidas na Assembleia Municipal as dúvidas que aqui coloquei, mantenho, não só, que isto é de deixar qualquer um gago, como me parece da mais elementar justiça que esta questão seja discutida por todos os almeirinenses que não queiram prescindir do exercício da sua cidadania.

JORNALÍTICOS OU POLISTAS?

Com maior ou menor esforço lá acabamos por ficar agarrados ao televisor para mais uma entrevista do primeiro-ministro.

Encenações à parte (quem não reparou no estilo sóbrio e modernaço de um Sócrates de discurso calmo e contido, bem coadjuvado pela maior acutilância da Judite de Sousa e pela moderação do José Alberto Carvalho), esta entrevista serviu sobretudo para confirmar o início da corrida às legislativas de 2009 e para responder, na hora, à entrevista que Manuela Ferreira Leite fizera na véspera. Contrariamente a esta, Sócrates mostrou-se melhor informado (até houve o cuidado de num “directo” pouco antes do início da entrevista proporcionar ao primeiro-ministro a oportunidade de mostrar que apenas trazia uns pequenos apontamentos) e com aquilo que os políticos que almejam o poder tanto gostam de se revelar: melhor sentido de Estado.

Durante o tempo da entrevista Sócrates até se mostrou preocupado com os pobres dos seus concidadãos que vivem cada vez pior; disse que até gostava de fazer melhor, se pudesse, mas a malfadada crise internacional não deixa… disse também que, contrariamente ao que afirmou a nova líder do PSD, existem estudos para fundamentar a viabilidade das grandes obras projectadas pelo seu governo (o NAL e o TGV), não existe é quem os leia, e a maior parte do investimento que os vai suportar será de natureza privada.

Relativamente às grandes obras públicas, o que José Sócrates não disse, nem nenhum dos entrevistadores lhe perguntou, é:
· se ele faz a mínima ideia de que os estudos que fundamentam o esgotamento próximo da capacidade do Aeroporto da Portela se baseiam num preço do petróleo na casa dos 40 dólares por barril (cerca de um terço do valor actual);
· qual a redução previsível no tráfego aéreo mundial face ao novos preços do petróleo e quais a consequências no aumento da “durabilidade” da Portela;
· quais os reajustamentos na rede de alta velocidade (AV) que quase seguramente a UE vai introduzir em consequência do aumento dos custos do petróleo;
· quais as contrapartidas (nomeadamente na fixação de preços) que o governo português vai oferecer às empresas privadas que vão construir a nova rede de barragens hidrológicas;

também ninguém o questionou directamente quando verteu algumas lágrimas de crocodilo a propósito da degradação das condições de vida dos portugueses, nem quando (praticando o mesmo tipo de politiquice de que acusou a oposição) leu perante as câmaras as propostas do PCP de aumentos de salários e de pensões, de congelamento de preços dos combustíveis e dos bens essenciais, de limitação dos encargos com a aquisição de habitação própria e da fixação do horário semanal máximo de trabalho nas 35 horas, sobre aquela que é a verdadeira essência da degradação das condições de vida das populações – é que há cerca de 50 anos que o modelo de distribuição de riqueza entre quem investe e quem trabalha não tem parado de desfavorecer os trabalhadores por conta de outrem.

A dura realidade que os políticos nacionais, europeus e estrangeiros nem sequer equacionam é que há décadas que têm vindo a permitir que a esmagadora maioria dos seus eleitores venha trabalhando cada vez mais (aumento das cargas horárias de trabalho) enquanto empobrece a ritmo acelerado.

Em resumo: foi interessante voltar a constatar quanto os meios de comunicação se encontram cada vez mais enfeudados aos mesmos interesses que suportam aqueles que nos governam. É que em momento algum os jornalistas (designo-os assim porque parece que é essa a qualidade em que foram contratados pela sua entidade patronal) que entrevistaram o primeiro-ministro lhe colocaram qualquer questão que o pudesse embaraçar ou que revelasse que têm alguma ideia própria sobre os temas abordados.

Foi pena!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

A DIFÍCIL LUTA PELA LIBERDADE AFRICANA

Os casos de extremo apego ao poder não são um fenómeno local nem nacional, pelo menos é o que se pode concluir da informação que diariamente nos chega do Zimbabwe.

Depois do folhetim que se sucedeu às eleições legislativas e presidenciais de finais de Março, que deram uma clara vitória à oposição ao partido do actual presidente Robert Mugabe[1] (o ZANU-PF, acrónimo de Zimbabwe African National Union – Patriotic Front) eis que nas vésperas de uma muito contestada segunda volta presidencial – o MDC (Movement for Democratic Change)[2] sempre afirmou que o seu candidato Morgan Tsvangirai tinha obtido a maioria dos votos no primeiro escrutínio – perante a crescente onda de violência sobre os seus partidários, Tsvangirai decidiu desistir da corrida, alegando aquele clima de violência (já se terão registado várias dezenas de mortos e duas centenas de milhares de desalojados), a proibição de vários comícios do MDC, a prisão e as perseguições aos líderes deste partido, a recusa de publicação de comunicados e de publicidade de Tsvangirai nos jornais controlados pelo governo, a redução da ajuda alimentar às populações das zonas de maior implantação do MDC e a escolha entre os militantes da ZANU-PF dos elementos que irão constituir as mesas de voto.

O Zimbabwe, que já foi um dos países mais prósperos da África Meridional atravessa desde 2000 uma profunda crise económica, sofre de uma hiperinflação (em Junho de 2007 o valor apontado era de 4.500%, mas alguns especialistas falam num número da ordem dos 100.000%), de uma elevada taxa de desemprego, pobreza e escassez dos principais bens essenciais, que tem destruído o débil tecido produtivo nacional; como medida para combater esta situação o governo liderado por Mugabe decretou um congelamento dos preços do qual resultou numa onda de escassez generalizada de bens e o crescimento do mercado negro a que os responsáveis políticos responderam com uma vaga de prisões entre os comerciantes.

Este não foi senão mais um motivo de atrito entre os governantes do Zimbabwe e o remanescente do tecido económico pós-colonial; mesmo sem querer atribuir responsabilidades apriorísticas a uns ou a outros, não deixa de ser uma evidência que a degradação da situação económica e social do país, no período pós Rodésia, tem seguido de muito perto a agudização do conflito entre os novos detentores do poder (negros) e os antigos proprietários fundiários e principais agentes económicos (brancos).

Embora a questão ultrapasse hoje, em muito, a dicotomia negros/brancos, para entendermos o actual estado da economia (e a consequente desagregação do poder político) é indispensável não perdermos de vista esta realidade. Apoie-se ou critique-se a política de expropriações de terras seguida por Mugabe, não devem restar muitas dúvidas que tem sido a questão da pose da terra a responsável pela constante degradação das condições de vida das populações.

Assim, querer hoje abordar a questão política do Zimbabwe como se esta se tratasse de um mero problema de funcionamento (ou de disfunção) da democracia é quase tão absurdo como pugnar pelas virtualidades da implementação de modelos democráticos, nem que para tal tenha que se recorrer à “lei da bala”. Num continente ainda mal refeito do seu passado colonial e onde abundam regimes de natureza despótica (que normalmente servem às mil maravilhas os interesses neocolonialistas) que poderão ser desde mero fruto de uma real ausência de um modelo democrático alternativo, até ao total enraizamento de uma classe política oriunda das lutas de libertação mas que, no mínimo, caminha a passos largos para um perigoso estado de senilidade.

Infelizmente este parece-me bem ser o caso concreto no Zimbabwe. Por maiores que sejam os “perigos” de que o regime de Mugabe pretende preservar o seu país, nada pode justificar a situação em que o seu povo está a ser obrigado a viver e ainda menos os processos utilizados para lhe assegurar a preservação no poder. Intimidar candidatos e eleitores numa paródia de processo eleitoral pode vir a custar um ainda maior isolamento internacional do regime.

Dito isto sobre o poder (e a forma como ele tem sido exercido no Zimbabwe) ficará tudo esclarecido?

Não creio! Enquanto Mugabe e o grupo que o apoia mantêm uma importante posição de domínio sobre o exército e o seu oponente Tsvangirai proclama o apoio popular a situação política e social não deverá registar grandes mudanças. Os partidários de Mugabe, muitos dos desocupados e desempregados que se intitulam de “ex-combatentes” continuarão a fazer o que melhor sabem (intimidar e eliminar os opositores), tanto mais que do lado do MDC não se vislumbra uma férrea intenção de opor o que designa por “desejo popular” à vontade de preservação no poder de Mugabe, perfeitamente expressa na fragilidade das decisões que tem tomado ao longo desta crise. Primeiro começou por anunciar a vitória na eleição presidencial, de Março, sobre Mugabe, depois acabou por aceitar a realização de uma segunda volta (aceitando na prática o resultado da contagem oficial que deu o primeiro lugar a Tsvangirai e o segundo a Mugabe, mas sem os famigerados 50% ao primeiro) permitindo à ZANU-PF intensificar e focalizar a campanha de atemorização sobre a oposição, para por fim desistir da eleição nas vésperas da sua realização e apelar à intervenção estrangeira para solucionar o conflito.

As tergiversações apresentadas, acrescidas de uma opção de fuga de Tsvangirai para a embaixada de um país europeu (a Holanda) em Harare, além de não terem evitado o banho de sangue apenas terão contribuído para fortalecer os argumentos caros a Mugabe, como o da nefasta influência dos interesses europeus.

Para culminar tudo isto a OUA, reunida nos últimos dias em Sharm el-Sheikh mais não conseguiu que evidenciar mais que uma profunda divisão sobre este tipo de questões e terminou por aprovar uma frágil resolução apelando à formação de um governo de unidade nacional[3], há semelhança do que ocorreu recentemente no Quénia[4] .

Nu e cru, quando os líderes africanos, divididos nos seus múltiplos interesses e principalmente preocupados com os seus problemas internos (muitas vezes iguais ou semelhantes aos do Zimbabwe), não reúnem um mínimo de condições para fomentar um processo de pacificação[5], resta aos povos africanos que disponham de lideranças eficazes suportar o custo da luta pela democratização dos respectivos países, evitando tanto quanto possível a intromissão das potências ocidentais e orientais.
______________
[1] Robert Mugabe, que nasceu em 1924, tornou-se nos anos 60 líder da ZANU-PF, movimento que combatia o regime branco que declarara a independência unilateral da antiga colónia britânica da Rodésia. Preso durante vários anos fugiu para Moçambique onde se junto aos guerrilheiros que em 1979 alcançariam a vitória, vindo a ser eleito em1980 para a função de primeiro-ministro do primeiro governo de maioria negra. Ocupou o cargo até 1987 quando foi eleito presidente pela primeira vez. Considerada uma figura controversa, sempre manteve relações conflituosas com o Reino Unido e na maioria das ocasiões com a minoria branca que permaneceu no território após a independência.
[2] O MDC foi fundado em 1999 como partido de oposição a Robert Mugabe e ao ZANU-PF. Um dos seus fundadores foi Morgan Tsvangirai e uma das primeiras acções foi a derrota de Mugabe no referendo constitucional que teve lugar em 2000. Em 2002 apoiou Tsvangirai como candidato presidencial contra Mugabe; o resultado foi uma vitória de Mugabe, não sem que se tivessem verificado várias acusações de manipulação, fraude e uso de violência contra a oposição.
[3] Sobre o assunto ver a notícia do PUBLICO.
[4] Sobre esta questão ver o post «MAIS UM ÊXODO AFRICANO?»
[5] Talvez a mais importante intervenção, pelo seu significado político, tenha sido a condenação que Nelson Mandela fez do regime de Mugabe e que a BBC noticiou.