domingo, 30 de junho de 2013

BIG BROTHER HIS WATCHING YOU...

A denúncia da existência duma operação de espionagem indiscriminada sobre a Internet, levada a cabo pelo serviços secretos norte-americanos, deve ser levada a sério mesmo quando os gigantes da Internet (Google, Microsoft, Apple, Yahoo, Facebook, etc.) negam qualquer participação.

Conhecido pela sigla PRISM, o programa denunciado por Edward Snowden (um ex-analista da CIA), possibilitará a monitorização de qualquer comunicação que circule na rede global e a sua utilização não se resumirá aos EUA, pois segundo o jornal inglês THE GUARDIAN também os serviços secretos ingleses o acedem desde 2010.


Depois de em 2010 o WikiLeaks – organização sem fins lucrativos, sediada na Suécia, que publica anonimamente documentos, fotos e informações sobre assuntos confidenciais ou sensíveis de governos e empresas – ter divulgado documentos secretos do exército norte-americano sobre as guerras do Afeganistão e Iraque e mais tarde milhares de documentos sobre a diplomacia norte-americana, tem crescido o interesse público sobre questões tão sensíveis. Logo em meados de 2010, no «post» «A BOMBA AFEGû e mais tarde no quase homónimo «A BOMBA» (a propósito da divulgação simultânea pelo WikiLeaks e por jornais como o THE NEW YORK TIMES, THE GUARDIAN, LE MONDE, EL PAIS e DER SPIEGEL)) procurei chamar a atenção para a importância do permanente escrutínio público sobre as actividades pouco transparentes de que persistem rodear-se os governos por esse mundo fora e de que nem sempre a imprensa estabelecida fornece a adequada informação.

Independentemente do que cada um pense (governos incluídos) sobre Edward Snowden, Bradley Manning (o soldado americano acusado de fornecer informação ao WikiLeaks) ou Julian Assange (o rosto mais conhecido do WikiLeaks e actualmente refugiado na embaixada do Equador em Londres), considerando-os heróis ou vilões, o facto é que notícias como a de que a «CIA espiou representações da UE nos EUA e nas Nações Unidas» não podem merecer reacções simples ou ser esquecidas mediante meras negações oficiais, tanto mais que o programa denunciado junta interesses públicos e privados – parte do “trabalho” é executado em sistema de “outsorcing”, como o comprova o facto de Edward Snowden trabalhar para a Booz Allen Hamilton (uma empresa de consultadoria especializada em estratégia e tecnologias de informação) – o que representa um risco acrescido para os cidadãos de todo o Mundo.

Que os poderosos por esse Mundo fora receiam (e de que maneira) a informação (boa e má) que circula na rede global é uma evidência indesmentível pela regular publicação de notícias que dão conta de todo o tipo de manobras para o seu silenciamento. Que estas manobras cheguem, nos regimes mais repressivos, a atingir a perseguição e detenção de opositores é um facto há muito conhecido e denunciado, agora que até já no EXPRESSO se possa ter lido que no país “farol das liberdades” o «Exército americano bloqueia acesso ao jornal "The Guardian"» é bem um sinal dos riscos do “Big Brother” imaginado por George Orwell no seu visionário “1984” e contra o qual nos devemos mobilizar.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

UMA GREVE GERAL NÃO BASTA

O que seguramente não falta são razões para a Greve Geral de hoje; desde o desemprego que persiste – especialmente entre os mais jovens e mais capazes –, a constante degradação das condições de vida de trabalhadores – reformados e desempregados incluídos – mas em especial a completa falta de perspectivas de futuro.. salvo o agravamento da situação que já conhecemos.


Convém porém que todos reflictamos na limitada utilidade duma greve nacional para enfrentar um problema que ultrapassa em muito os limites geográficos dum país; assim o que se deveria ponderar era a mobilização para um verdadeiro movimento de massas a nível europeu capaz de confrontar os interesses instalados em Berlim e Bruxelas, qualquer coisa próximo dum movimento de desobediência civil que de forma pacífica mas avassaladora mostrasse a vontade de mudar o que for preciso (e quem se opuser) para que o ideal europeu de bem-estar e de futuro seja renovado.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

MILIONÁRIOS E CRISE

A notícia hoje em destaque no ECONÓMICO de que o «Número de milionários em Portugal cresceu apesar da crise», leva-me a repetir aqui dois alertas:


Primeiro; tudo o que se lê ou ouve na imprensa tem forçosamente que ser sujeito a um processo de reflexão, não podendo em caso algum ser aceite como verdade absoluta. Tenho colocado esta questão inúmeras vezes neste espaço, a propósito das mais variadas notícias, a ponto de quase se poder dizer que o leitor informado não é o que lê mas o que reflecte sobre o que lhe foi dado ler; não apenas relativamente ao conteúdo mas até sobre a oportunidade da sua divulgação.

Segundo; independentemente da análise do conteúdo concreto, a notícia confirma afinal o que em diversas ocasiões tenho procurado clarificar: a crise que o país atravessa é apenas um meio para assegurar (e acelerar) o processo de concentração da riqueza, transferindo-a dos segmentos de menores recursos para os de menores recursos. É curioso que na mesma data e noutro jornal (o DN) Viriato Soromenho-Marques tenha escrito em «No mesmo barco», a propósito duma entrevista de Angela Merkel ao Der Spiegel, que «...na Europa, mesmo antes da crise, se tem assistido a uma enorme concentração do rendimento no 1% da população mais rica. Não se trata apenas de uma crise de crescimento, mas de uma captura do sistema político pela oligarquia económica»

Assim, se o ECONÓMICO quisesse prestar um verdadeiro serviço de informação deveria ter escrito que o NÚMERO DE MILIONÁRIOS EM PORTUGAL CRESCEU GRAÇAS À CRISE, mas isso seria esperar demasiado da oligarquia económica referida por Soromenho-Marques.

domingo, 23 de junho de 2013

A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA

É bem sabido que a interrupção das rotinas diárias possibilita o tempo para a releitura de temas que outras urgências levaram a subalternizar. Vem isto a propósito do folheio de jornais com notícias tão diversas como a passagem de mais um aniversário sobre a tomada de posse do actual governo ou a leitura de tonitruantes cabeçalhos, como o que assegura «Passos sem medo dos portugueses e do seu julgamento», trouxe-me há memória os tempos dos bancos da escola primária e a inefável figura do “herói” acarinhado pelo Estado Novo, que dava pelo nome de Geraldo Geraldes – o Sem Pavor!


Ao que rezavam os livros obrigatórios da época, o figurão não enjeitava a mínima oportunidade para espadeirar a torto e a direito e se se lhe terá ficado a dever a conquista de Évora também se lhe devem creditar desaires como uma famigerada tentativa de conquista de Badajoz e uma temerária primeira tentativa de conquista no Norte de África onde perderia a vida.

A recordação da figura mais ou menos histórica, que ainda hoje é lembrada na toponímia da praça central de Évora, foi reforçada por outros cabeçalhos, como aquele que cita Freitas do Amaral dizendo que «Situação do país é igual à crise de 1383/85 e ao domínio filipino», referência que obrigatoriamente recorda a forma como terminou a ocupação castelhana, quando Miguel de Vasconcelos, o representante da coroa espanhola em Lisboa, foi defenestrado (na realidade já se encontrava morto) no Terreiro do Paço.

Nunca é demais lembrar, como afirmou o filósofo espanhol Jorge Santayana, que "Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo" numa clara alusão à necessidade do conhecimento actual reflectir sobre os erros passados sob pena de reincidência.

Não segui a proposta de Freitas do Amaral de recordar aqui o episódio do 1º de Dezembro de 1640 por simples analogia com o facto do “defenestrado de Lisboa” ter ocupado cargos equivalentes aos de ministro das finanças ou de primeiro-ministro nem por este se ter destacado por uma feroz política de aumento de impostos , antes porque a importância da História não se fica apenas pela comparação proposta, nem se deve resumir ao simbolismo do golpe palaciano que em 1640 devolveu a independência ao país, principalmente no sentido que lhe deu Viriato Soromenho Marques em «Revisitar 1383» quando salientou o facto de «...tanto em 2013 como em 1383 o destino do País estar vitalmente associado à dinâmica de reconfiguração da geografia política na Europa», a que acrescentaria ainda o sentido revolucionário e popular atribuído àquela crise dinástica por António Borges Coelho na sua obra: A Revolução de 1383, para concluir há semelhança de Baptista-Bastos: «Senhor: não lhes perdoeis porque eles sabem o que fazem».

quinta-feira, 20 de junho de 2013

EXEMPLOS


A notícia de que um relatório da OCDE concluiu que a «Aplicação de medidas contra a corrupção internacional tem sido extremamente baixa em Portugal» ganha toda a sua dimensão (e uma mais clara percepção) quando no mesmo dia é publicado que o «Tribunal da Relação rejeita recurso de Fernando Seabra para se candidatar a Lisboa».

Quem, de boa fé, pode esperar das lideranças políticas dos partidos do centrão (os que têm governado o país nas últimas décadas) postura e actos concretos no combate à corrupção quando estes são os primeiros a promover legislação dúbia e a recorrer aos mais torpes comportamentos evasivos do seu cumprimento, actuação de que é exemplo a questão da limitação do número de mandatos autárquicos.

 

Só quem integre as nomenclaturas partidárias, ou ignore completamente a forma como funciona o País, se poderá espantar ver publicado que «Dos 249 arguidos condenados por corrupção em Portugal apenas 14 foram presos»! Só uma profunda mudança de valores e a exigência de líderes que coloquem o interesse geral acima dos seus interesses pessoais é que poderá, com o tempo, inverter a lamentável situação em que vivemos.

domingo, 16 de junho de 2013

A ILUSÓRIA BONANÇA

A notícia recentemente divulgada pelo NEGÓCIOS de que o «Banco Mundial corta previsões para a economia mundial» está longe de se poder considerar sensacional por quem tenha acompanhado a evolução global. Assim, a aparente sensação de tranquilidade transmitida pelos mercados financeiros continua a ser regularmente abalada pela publicação de notícias que indiciam o retorno de cenários recessivos, às quais os países estão a responder com diferentes estratégias. Enquanto uns parecem conduzidos pelo desespero, outros estão a revelar capacidades de adaptação a um mundo em mudança.


Contrariamente ao pretendido, a crise global despoletada pelo rebentamento da bolha do “subprime” norte-americano ainda não foi ultrapassada uma vez que a economia real nunca se recompôs do choque da sua conjugação com a crise de liquidez do sistema bancário que se lhe seguiu. Quando a Europa regressa a uma situação de recessão, aquando o «Banco Mundial revê em baixa previsão de crescimento da China em 2013» devido às exportações darem sinal de abrandamento e já público que a «Produção industrial nos EUA fica aquém do esperado» no último mês, bem se pode antever o regresso a um cenário de recessão mundial, facto que transparecerá melhor quando se observa o Global Leading Indicator produzido pela Goldman Sachs:


Esta expectativa estará já a ser incorporada nas estratégias dos principais agentes sendo já detectáveis dois grandes grupos de opções estratégicas. Um, que repete os modelos tradicionais, está a ser seguido pelo sector financeiro que com a agilidade que se lhe conhece anuncia bons resultados trimestrais (mecanismo habitualmente seguro para a atrair novos investidores ou segurar os actuais) ou a alienação de activos líquidos, mediante significativas reduções nas reservas de ouro, como revela esta notícia do website ZERO HEDGE sobre o JP Morgan.

Enquanto nos corredores da alta finança já se estarão a antecipar ventos procelosos e a recorrer aos habituais mecanismos de salvaguarda – fazendo aumentar uma tensão agravada por uma conjuntura política onde sobressai a tendência para os estados reduzirem as prerrogativas dos paraísos fiscais (campo privilegiado de actuação do sector financeiro e seu importante gerador de ganhos) em busca dos rendimentos de que desesperadamente carecem – recorrendo a estratégias meramente preventivas que terão estado na origem de notícias como a de que o «Preço do ouro deve bater mínimo de três anos no próximo mês», outros intervenientes, como a China, estão a aumentar as suas importações do metal amarelo no que poderá ser entendido como sinal duma estratégia personalizada que poderá desembocar num reforço do papel internacional da sua moeda (e numa redução das suas reservas em dólares e euros) quando é bem conhecida a intenção dos BRICS (potências emergentes) de se libertarem das divisas fortes, de irem aumentarem a sua relevância no plano internacional e virem a criar o seu próprio banco de desenvolvimento.

Este pode até ser mais importante enquanto sinal duma estratégia inovadora perfeitamente consentânea com a abordagem duma crise sistémica e diferenciador dos que a abordam numa perspectiva conservadora (em especial a velha Europa) que não poderá senão fracassar.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O ERRO DO FMI

Após um primeiro, tímido, arrepiar de caminho, quando o «FMI reconhece que calculou mal o impacto da austeridade na economia» (ver o “post” «OFICIAIS E POPULARES») e desde que estalou a polémica em torno do “erro de Rogoff” (explicada no “post” «ACONTECE») que dificultou a sustentação do dogma da virtuosidade da austeridade-expansionista, eis que novamente o «FMI admite "erros graves" no resgate à Grécia».

Apesar do esforço para circunscrever aquela apreciação ao caso grego – como sucedeu com um entrevista radiofónica (conforme noticiou o EXPRESSO) onde o economista-chefe do FMI «Olivier Blanchard admite perda de tempo com resgate da Grécia» dificilmente a opinião pública deixará de estabelecer comparações com outros estados da Zona Euro.

E faz bem, porquanto o que se assistiu na abordagem da crise da Zona Euro foi à aplicação dum modelo de actuação que pouco se distinguiu dos casos anteriores que mereceram a intervenção do FMI. Sem querer voltar aqui ao histórico das suas actuações, sempre recordo que desde 1990 estas se têm pautado pela adopção do chamado Consenso de Washington – conjunto de medidas composto por dez regras básicas: disciplina fiscal; redução dos gastos públicos; reforma tributária; livre formação das taxas de juro e de câmbios; abolição de barreiras comerciais (pautas aduaneiras); eliminação de restrições ao investimento estrangeiro directo; privatização das empresas públicas; desregulamentação (afrouxamento das leis económicas e trabalhistas); direito à propriedade intelectual, formulado por economistas do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos EUA e fundamentadas num texto do economista John Williamson, do Peterson Institute for International Economics – que passou a constituir a receita para promover o "ajustamento macroeconómico" dos países em desenvolvimento que atravessassem dificuldades.

Embora de quando em vez a imprensa refira a existência de algumas divergências entre os membros da “troika”, o certo que estes sempre afirmaram o primado dos princípios neoliberais subjacentes à prática do FMI, pelo que até as divergências que parecem ressaltar quando o comissário europeu Olli «Rehn acusa FMI de querer "sacudir a água do capote"» ou, o ex-presidente do Eurogrupo, Jean-Claude «Junker admite erros no resgate à Grécia» devem ser encaradas com as devidas reservas.

No essencial o erro do FMI – e dos restantes parceiros da “troika” – não se reduz ao caso grego nem ao simples facto de não terem de imediato optado por uma solução de renegociação daquela dívida, nem a uma submissão a ditames políticos (como parecem sugerir as declarações de Blanchard de que «a Grécia deveria ter estado disposta a renegociar a dívida à partida, poder sair da crise mais facilmente, mas no contexto europeu da época, as condições não estavam ainda reunidas para isso...»); o erro resulta de duas origens diversas, a saber: a natureza dogmática das opções neoliberais e a incapacidade para entenderem que o cerne do Consenso de Washington – uma política de desvalorização cambial – era inaplicável num quadro macroeconómico onde a economia a intervencionar não dispõe de moeda própria.

A debilidade técnica dos especialistas da “troika” é confrangedora ao ponto do mesmo Olivier Blanchard ter começado por reconhecer a ausência de pragmatismo na abordagem da situação grega para mais tarde argumentar que «Fizemos o nosso melhor no nosso tempo, não aplicamos uma doutrina no FMI, aplicamos pragmatismo a uma realidade extraordinariamente complexa», mas sem nunca reconhecer que a opção por uma política de desvalorização salarial, em alternativa ao clássico recurso a políticas de desvalorização cambial impossível de aplicar no seio duma união monetária, resultou numa quase asfixia económica, que agora recusam admitir e encarar.



Se a esta situação adicionarmos o histórico de fracassos económicos e sociais associados às intervenções do FMI e o erro na estimativa do efeito recessivo das políticas de consolidação orçamental (a já referida subavaliação dos efeitos do multiplicador orçamental) teremos um quadro mais completo da confrangedora ausência de competência e de seriedade dos “técnicos” e dos “políticos” a quem se tem entregado a condução dos destinos dos 500 mil milhões de cidadãos europeus.

Considerando que a sua principal tarefa continuará a ser a de assegurar o máximo retorno para os credores internacionais, poderão ser tentados a enfileirar na linha que tem vindo a defender como medida alternativa a renegociação das dívidas no que continuará a constituir um logro, pois a simples renegociação (incluindo ou não perdão parcial da dívida) não representará uma solução – como se pôde comprovar pelo reduzido efeito na economia grega do perdão parcial acordado em 2012 – se não incluir uma completa redefinição dos termos de funcionamento da moeda única e a consagração do BCE como principal financiador dos orçamentos dos estados da Zona Euro.

sábado, 8 de junho de 2013

O BILDERBERG DEMOCRATIZA-SE?

Encerra-se este fim-de-semana a sessão anual do Clube Bilderberg, o selecto “clube” que reúne a elite mundial que se propõe (segundo a sua página oficial) debater este ano os seguintes temas:

      Podem os EUA e a Europa crescer rapidamente e criar emprego?
      Emprego, direitos e dívidas
      Como a grande informação está a mudar quase tudo
      Nacionalismo e Populismo
      A política externa dos EUA
      Os desafios de África
      A guerra cibernética e a proliferação de ameaças assimétricas
      Principais tendências na pesquisa médica
      A educação online: promessa e impactos
      Política da União Europeia
      Desenvolvimentos no Médio Oriente

Para o efeito rodearam o Hotel Grove, em Watford no condado de Hertfordshire e a uns escassos 32 km de Londres, das habituais medidas de segurança que levou o DN a escrever, numa clara alusão aos meios envolvidos, que «Contribuintes poderão pagar reunião do grupo Bilderberg» e o THE GUARDIAN (um dos jornais que anualmente costuma destacar-se no acompanhamento destas reuniões) a descrevê-la assim: «A área em volta do hotel está bloqueada: os moradores têm que mostrar os seus salvo-condutos (a referência é retirada desta notícia dum jornal local, o WATFORD OBSERVER) para chegar às suas casas. É demasiado emocionante para os delegados. O CEO da Royal Dutch Shell vai sair da sua limusine exultante por passar três dias inteiros em negociações políticas com o chefe do HSBC, o presidente da Dow Chemical, os ministros das finanças europeus preferidos e os chefes da espionagem dos EUA. A conferência é o destaque do ano de cada plutocrata e assim tem sido desde 1954» quando se reúnem em locais mais ou menos luxuosos para ouvirem, outros (poucos) para serem ouvidos e um terceiro grupo para ser “reconhecido”.

Isso mesmo ficou um pouco mais claro quando o ECONÓMICO noticiou há dias que haverá «Quatro portugueses na reunião do clube Bilderberg» e o sempre muito bem informado EXPRESSO (não fosse Francisco Pinto Balsemão uma das figuras de proa do clube) a anunciar a participação de «Seguro e Portas na Bilderberg»; a participação do líder da oposição insere-se na lógica de apresentação de candidatos credíveis (honra correspondida com a notícia de que «Seguro diz que pagar o que se deve é questão de honra e rejeita perdão de dívida»), há semelhança das anteriores de José Sócrates, Pedro Santana Lopes, Durão Barroso (que agora repete na qualidade de presidente da Comissão Europeia) e António Guterres (todos candidatos confirmados a chefiar governos) ou de Ferro Rodrigues, António Costa e agora Paulo Portas (os que não alcançaram o Olimpo).

É claro que o objectivo da reunião está muito para além destas “investiduras” e o facto é que embora agora um pouco menos “secreta”, já que este ano, segundo a mesma notícia de THE GUARDIAN, «haverá muito mais "escrutínio público" sobre o Bilderberg. A pressão dos jornalistas e activistas resultou em concessões da organização: pela primeira vez em 59 anos, haverá no local uma assessoria de imprensa não oficial, composta por voluntários…», nem por isso os seus membros deixarão de continuar a influenciar, para o melhor e o pior, os destinos dos milhares de milhões de cidadãos do planeta a quem continuam a recusar o direito de fazer ouvir as opiniões e de cumprir as vontades.

Segundo informa o mesmo THE GUARDIAN, para o conseguirem (porque o custo duma organização desta natureza é directamente proporcional ao estatuto e qualidade dos participantes) beneficiam do apoio duma «…instituição de caridade registada oficialmente como a Associação Bilderberg…» que felizmente «…recebe regularmente quantias de cinco dígitos de dois gentis apoiantes dos seus benevolentes objectivos: a Goldman Sachs e a BP». Dúvidas sobre o verdeiro objectivo duma cimeira que junta a nata da finança e da indústria mundial com os seus dilectos representantes (os políticos que fazem, ou querem fazer, eleger pelas populações) e alguns jornalistas (criteriosamente seleccionados e ligados aos influentes The Economist ou do Financial Times) para ouvirem gurus como Henry Kissinger (ex-secretário de estado de Richard Nixon e Gerald Ford, membro da Comissão Trilateral) ou Robert Zoellick (ex-administrador do Goldman Sachs, ex-secretário de estado de George W Bush e ex-presidente do Banco Mundial), são tanto mais justificadas quanto é espesso o manto de silêncio que tem coberto as anteriores iniciativas.


Distantes parecem os tempos em que escrevi nos “posts” «BILDERBERG 2009» e «TENHAM MEDO... MUITO MEDO...» sobre os “segredos” que então se tentavam preservar através do elitismo dos participantes e das densas cortinas de desinformação e segurança policial que rodeavam o “clube”, adensando a ideia de que este pretenderá esconder mais do que candidamente deixa transparecer; situação que se mantém na actualidade, bastando recordar que alguns dos seus membros regulares e mais proeminentes participam noutras organizações – como a já referida Comissão Trilateral – e em “think tanks” com reconhecidos papéis interventivos na definição das grandes linhas da política mundial (como é o caso do conceituado Council on Foreign Relations), pelo que as anunciadas medidas de abertura e transparência não deverão passar de mera manobra de contra-informação.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

O LABIRINTO SÍRIO

A grave situação que atravessa o país e a UE não pode constituir razão para esquecermos outros acontecimentos, tanto mais quando estes ocorrem nos seus limites naturais.

É certo que o velho Mare Nostrum romano deixou há muito de constituir o centro do Mundo, mas para a Europa ele ainda é uma das suas principais fronteiras naturais e via estratégica para a projecção de força da Rússia que a ele acede a partir das bases no Mar Negro e através do Mar de Marmara, pelo que a situação nos países que o bordejam constitui, e constituirá, fonte permanente de atenção e preocupação.

Quando se avizinha uma crescente actividade diplomática em torno da Conferência sobre a Síria (apesar do recente anúncio de que terá sido «Adiada conferência de paz sobre a Síria») e depois da UE ter entreaberto a porta ao fornecimento de armas a grupos sírios que se opõem ao presidente Bashar Al-Assad, eis que novos acontecimentos se vêem juntar na região.


Depois da eclosão da contestação popular na Turquia eis que a REUTERS divulga a notícia que o «Parlamento do Egipto é considerado ilegal, mas não será dissolvido» (que pode ser confirmada no Huffington Post e no DN), deixando claro o reabrir do confronto entre o poder o legislativo e o judicial.

Embora de natureza aparentemente diferente – os protestos turcos e a reacção egípcia prendem-se sobretudo com os delicados equilíbrios internos entre forças e organizações laicas e religiosas a par da crescente denúncia pública da proliferação de casos de corrupção (veja-se o excelente “post” de Craig Murray «Talking Turkey») – não pode deixar de se assinalar a coincidência destes acontecimentos com a situação interna na Síria, território que parece cada vez mais palco de lutas de interesses alheios aos desejos sírios. Além da incontornável questão curda (recorde-se que o território há muito reivindicado por esta nação sem Estado se encontra maioritariamente fragmentado entre a Turquia, o Iraque e a Síria) outras se colocam num país cujas fronteiras foram definidas ao sabor dos interesses e conveniências de franceses e ingleses, as mesmas nações que hoje voltam a influenciar determinantemente o seu futuro próximo.

Como se não bastassem as sequelas das práticas coloniais, a Síria apresenta-se hoje como mais um palco para o confronto de interesses globais e regionais onde as populações locais sofrem na pele as respectivas consequências. A simples hipótese duma possível escalada em consequência do fornecimento de armamento europeu a grupos escolhidos da oposição ao regime de Bashar Al-Assad (posição defendida pelo eixo Paris-Londres, tema do “post” «ARMAS PARA A SÍRIA», em grande parte sustentada na utilização de armas químicas pelo regime sírio que registou recentemente a notícia de que a «ONU denuncia crimes de guerra e França confirma uso de gás sarin», mas sem especificar a qual dos beligerantes atribuir a responsabilidade) foi prontamente respondida através do empenho activo das forças do Hezbollah, movimento xiita libanês e pró-iraniano, numa contra ofensiva governamental que levou ao reequilíbrio de forças na região de Homs (um dos bastiões da revolta) e redundou na notícia de que o «Exército sírio conseguiu entrar em Qusair, um dos bastiões dos rebeldes», mais recentemente confirmada com o anúncio de que o «Exército sírio retoma controlo de cidade estratégica de Qusair».

A questão das divisões no interior da nação árabe não constitui fenómeno recente (na realidade remonta à divergência histórica, de natureza religiosa, entre sunitas e xiitas e nos tempos mais recentes, ao domínio e desmantelamento do Império Otomano e à presença da França e do Reino Unido enquanto potências coloniais) que nem por isso deixa de continuar a ser explorado e manipulado por quantos têm pretendido controlar uma região estrategicamente importante pelas suas reservas de hidrocarbonetos, facto que tem constituído um factor de instabilidade político-militar e reduzido ou nulo efeito para a melhoria das condições de vida das populações locais. Todos estes factores contribuem afinal para que uma possível revolta contra um regime impopular, quiçá pouco hábil até a gerir as contradições religiosas entre xiitas e sunitas, as contradições regionais entre Irão, Israel e Turquia e as contradições globais entre as potências ocidentais (EUA e UE, com ou sem a participação da NATO), as potências emergentes (Rússia e China), se tenha transformado afinal num cenário apocalíptico para as populações sírias (de qualquer credo) originando um êxodo de «Mais de 1,6 milhões de refugiados sírios em países vizinhos», muitos dos quais numa Turquia cujo estado de convulsão política poderá transformá-la num santuário pouco recomendável.

sábado, 1 de junho de 2013

O GATILHO DE GASPAR

A persistência nas notícias e alguma precisão entretanto incluída, justifica o regresso ao tema da redescoberta do investimento em Portugal.

A avaliar pelo empenho que os ministros das Finanças e da Economia revelaram na conferência de imprensa onde anunciaram que o «Governo quer inaugurar nova era com “super” apoio ao investimento» e pelo especial ênfase posto na afirmação de que «"Chegou o momento do investimento"», dir-se-ia que assistimos a uma espécie de exorcismo da crise e que de agora em diante nada voltará a ser terrível como foi.

Segundo notícia do DN, e com o nível de detalhe e precisão a que Vítor Gaspar já nos habituou, o «…ministro anunciou ainda um novo Reforço do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, o Alargamento dos Benefícios Fiscais ao Investimento de Natureza Contratual, Redução do Prazo de Resposta de Informações Vinculativas e a Criação do Gabinete Fiscal do Investidor Internacional, tudo medidas que faziam parte do plano apresentado há um mês por Álvaro Santos Pereira», o plano que dias depois o mesmo Gaspar veio esfrangalhar quando apresentou o DEO (Documento de Estratégia Orçamental) ao qual o «Conselho Económico e Social critica ausência de políticas de relançamento da economia», naquilo que, conforme noticiou o I, o ministro classificou como «…o "gatilho" que conduzirá à recuperação do investimento privado, já com resultados visíveis este ano».


Seria francamente bom para todos que Vítor Gaspar não esteja tão errado quanto as suas habituais previsões; porém, a realidade deverá a voltar ser particularmente madrasta com o ministro e além dos evidentes sinais contraditórios que o Governo está a transmitir – anunciando “cortes” no rendimento disponível para conter a despesa pública e redução de receita para promover o investimento –, também o prazo se afigura desmesuradamente optimista. Tanto mais optimista quanto são amplamente conhecidas duas realidades: a profunda contracção do mercado interno, originada na política de reduções de salários e pensões, e a historicamente reconhecida demora na produção de efeitos económicos em resultado de estímulos de natureza fiscal.

Já para não referir o que de pior encerra a proposta alemã – que Viriato Soromenho-Marques bem descreveu no artigo  «Diplomacia de caridade» como: «A boa vontade da iniciativa alemã apenas sublinha que passámos, na Europa, da lógica multilateral entre Estados iguais para a lógica bilateral da balança de poder entre potências desiguais. O federalismo, sempre evitado por retirar poder aos governos para o conceder aos cidadãos, deu lugar à diplomacia de caridade da potência hegemónica para com os seus protectorados» e no que revela de incapacidade para a compreensão dum fenómeno sistémico como a crise global onde se insere a crise da Zona Euro.

Mesmo que Vítor Gaspar esteja a contar já com o efeito dinamizador da decisão de Berlim levando a que «Banco estatal alemão empresta até 10 mil milhões a PME ibéricas» ou com o mais recente anúncio originado de Paris assegurando que a «França ajuda Portugal a criar nova agência pública financeira», afirmar que tal será sentido até final do ano é um puro absurdo científico, inadmissível num técnico com a sua reputação. A chegada ao tecido empresarial duma pequena fracção dos 10 mil milhões (valor destinado não apenas a Portugal mas ao conjunto da Península Ibérica e quase certamente alargado à Grécia) demorará tanto mais quanto esse tecido apresenta níveis de fragilidade – descapitalização e quase inexistência de mercados –, factores que os bancos (alemães ou nacionais) não deixarão de ponderar e que desaconselham qualquer acréscimo de endividamento.

O único verdadeiro sinal de esperança em tudo isto é a notícia de que estará o «Banco estatal alemão disposto a conceder crédito e entrar em capital de empresas portuguesas», uma vez que revela algum sentido da verdadeira dificuldade do tecido empresarial português – a já referida escassez de capitais próprios – e, quiçá, essa intenção possa despertar outras iniciativas no âmbito do capital de risco em detrimento do recurso ao ineficaz sistema tradicional de crédito.

Mesmo assim, sabendo-se que o crescimento (jargão que volta a ser moda, por via da evidente degradação das economias europeias ou quando já se antecipa que a «Zona euro é a maior ameaça à recuperação da economia mundial») numa economia não resulta apenas da existência de capitais disponíveis ou de incentivos fiscais, antes da conjugação daqueles factores com a percepção que as empresas fazem da evolução do mercado e da sua capacidade para remunerarem esses capitais adicionais, é de recear que o gatilho de Gaspar tenha voltado a disparar tiros de pólvora seca.