domingo, 30 de dezembro de 2012

DESTAQUE EM 2012


Inevitavelmente, o calendário aproxima-se do final de mais um ano e sucedem-se os balanços aos acontecimentos dos últimos doze meses.

Sem pretender ombrear com quem propõem extensas listas de factos e personalidades que se terão destacado pela positiva e pela negativa, uma vez que durante o período grande parte dos “posts” que aqui fui deixando tiveram por base a delicada situação económica que atravessa a Zona Euro e o país em especial e porque sinto extrema dificuldade em escolher o pior entre as principais figuras nacionais – vejam só o que seria escolher entre um presidente inepto, um primeiro-ministro impreparado e arrivista, um “cobrador do fraque” travestido em ministro das finanças, um líder da oposição tíbio e um parceiro de coligação esquivo – opto por dar relevo a algo que sem dúvida se destacou no ano que agora finda.

Refiro-me claro à grande manifestação de contestação às políticas do governo de Passos Coelho, que um grupo de jovens convocou sob o lema «QUE SE LIXE A TROIKA! QUEREMOS AS NOSSAS VIDAS» e que trouxe para a rua cerca de um milhão de cidadãos (só em Lisboa terão sido cerca de meio milhão) distribuídos por diversos pontos do país, que não tendo sido a única foi seguramente a de maior dimensão e prova irrefutável do claro divórcio entre governantes e governados.


Mais, tendo a iniciativa partido dum grupo de jovens deixou claro que ao contrário da voz corrente os jovens interessam-se pela “coisa pública” e revelam capacidades de mobilização superiores às dos mais velhos.

A eclosão do movimento transnacional dos “Indignados” tem que ser entendida como uma clara afirmação da vontade dos mais novos (já que os mais velhos parecem gastos e desanimados) em retomar as bandeiras e as lutas que os pais deixaram (trocando-as, ou não, pela aparência de bem-estar) inacabadas.

É claro que perante um quadro desta natureza, cientes de que o agravamento da crise é inevitável e servirá para mobilizar ainda mais a contestação, os poderes estabelecidos não se têm cansado de denunciar a desorganização e as profundas clivagens entre os que protestam, não perdendo ocasião para lembrar a altíssima falibilidade dos movimentos inorgânicos – como se as bem organizadas estruturas políticas existentes (partidos e sindicatos) estivessem a revelar-se actores dinâmicos e eficientes porta-vozes –, num evidente afã para controlarem e abafarem a revolta que lavra activamente.

Como muito bem escreveu Baptista-Bastos em «Sobre os “indignados”», «Este tipo de iniciativas, sem fórmulas nem linhas regulamentadas, pode fazer despertar os nossos adormecimentos e as nossas fatigadas indiferenças. E repor em causa as origens dos poderes que dominam os valores morais, e nos causam desgraça, infelicidade e medo», o que constitui razão mais que suficiente para o destaque que julgo merecerem e para que da sua continuação, representando mais que a reafirmação dum espírito de insatisfação, germinem as ideias e as iniciativas que conduzam a melhores soluções que as até agora aplicadas.

Porque nunca é demais recordar personalidades que tenham marcado positivamente a existência dos seus semelhantes e porque este será o último “post” antes dum Novo Ano que se adivinha ainda mais dramático, no lugar da fórmula habitual aqui deixo a mensagem que Raul Solnado popularizou: «Façam o favor de ser felizes!»

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

LOGROS


Muito se tem escrito nos últimos dias, na imprensa e na blogoesfera, a propósito dum personagem que a coberto do cargo de coordenador dum Observatório Económico e Social das Nações Unidas para a Europa do Sul apareceu na televisão, na rádio e na imprensa defendendo a ideia que «Portugal deve renegociar já parte da dívida», tanto mais que parte dela resultou da obrigatoriedade da comparticipação do Estado português nos programas europeus de coesão económica.

Desmascarado dias depois, levou um dos responsáveis pela sua divulgação – Nicolau Santos, director-adjunto do EXPRESSO –, a difundir um pedido formal de desculpas em «O Expresso e Artur Baptista da Silva», enquanto as opiniões se dividiam entre a crítica, a chacota ou até o aplauso.

Entre as que até esta data li encontrei críticas ao facilitismo próprio do jornalismo que actualmente se pratica, ao oportunismo do falso especialista, uma ou outra referência ao maior ou menor desacerto do discurso do burlão, mas nenhuma referência a um facto bem mais prosaico e merecedor de atenção. Seria que um cidadão anónimo – por exemplo o Sr. Artur B. Silva – que proferisse aquelas afirmações mereceria o mesmo tipo de atenção e de divulgação?


É que muitos são (e alguns com currículos confirmáveis) os que, de forma mais ou menos isolada, dizem sensivelmente o mesmo, sem receberem a atenção que prontamente foi dada a um pretenso coordenador dum observatório da ONU, o que me leva a concluir que continuamos a atribuir demasiado valor ao que as pessoas afirmam ser, em detrimento da qualidade do que elas pensam e pior, quando no caso vertente ganhou relevo não o debate em torno das ideias defendidas por um cidadão mas antes o sensacionalismo da crítica fácil a quem lhe deu a oportunidade das tornar públicas.

Em resumo, o logro em que caiu Nicolau Santos (quiçá reflexo de habitualmente convidar para o seu programa televisivo opinadores diversos dos tradicionais) traduz-se num mero reflexo duma sociedade onde mais vale parecer que ser… e onde existe sempre espaço para quem oportunisticamente se coloque em “bicos dos pés”.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

REESCREVENDO O CONTO DO NATAL


Desde que, percebendo as rápidas mudanças a que assistia, Luís Vaz de Camões escreveu no já distante século XVI que “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”, que todos deveríamos estar particularmente atentos e preparados para enfrentarmos um Mundo em rápida evolução, mesmo quando esta envolve organizações e matérias particularmente pouco flexíveis.

Espanto dos espantos, assistimos recentemente a uma revisão oficial da ortodoxia imagética do Vaticano e ficámos a saber que no futuro as “estórias” de Natal não poderão continuar a contar com o naipe de personagens tradicional, pois os investigadores do Papado concluíram, sem mais margem para dúvidas, que no pouco esclarecido episódio da natividade e à revelia da convicção popular nenhum representante do reino animal teria assistido ao acto.


Decretada a expulsão do burro e da vaca do popular presépio, a abertura desta brecha numa ortodoxia que persiste na subalternização do papel da mulher (recusando-lhe o acesso à ordenação e até o mais prosaico direito ao planeamento familiar) cria lugar e justificação para uma reinterpretação mais profunda e mais adequada aos actuais tempos de vacas magras da tradicional fábula natalícia.

Assim, se o Vaticano decidiu expulsar os pobres e pacíficos quadrúpedes, tenho para mim que se exige uma nova exegese e, no mais estrito respeito dos valores actuais, que também os reis magos sejam retirados da “estória”, pois seguramente o avoengo homónimo do Gaspar ter-se-á apossado de todo o ouro, mirra e incenso transportado pelos companheiros, tornando inútil a jornada para consumação da visitação. Se o fez a mando ou por influência do Herodes, isso não altera a essência do abuso nem justifica os actos do descendente que se pretende estribado nos ditames duma “troika”.

Mesmo reduzido à sua essência mais simples, o episódio natalício – pretexto milenar para festividades originalmente organizadas para celebrar o renascimento do Sol – vai continuar a alimentar a imaginação dos mais novos, enquanto aos mais velhos restarão apenas algumas recordações dos Natais passados…

sábado, 22 de dezembro de 2012

DESCOLAGEM ABORTADA


Por incrível que possa parecer e contrariando algumas previsões, o Solstício de Inverno de 2012 aconteceu e nem o Mundo acabou nem a TAP foi vendida.

Contrariando as teses mais catastrofistas, não se conhece data fixa para a implosão (ou que quer que seja que ocorra) do nosso planeta, nem a privatização de activos públicos (em especial dos mais estratégicos e rentáveis) constitui uma qualquer solução miraculosa para os problemas nacionais. Isso mesmo foi especialmente referido em múltiplas intervenções pelos partidos da oposição e em diversos órgãos de comunicação, deixando cada vez mais claro o muito de nebuloso que rodeia a urgência na venda.

O próprio argumento invocado à última da hora para o adiamento da operação – ausência de garantias de capacidade financeira do promitente-comprador para assegurar a recapitalização da TAP –, agrava em vez de dissipar as suspeitas, pois significa que todo o processo terá sido conduzido para que este se concretizasse como um “negócio entre amigos” no lugar duma bem estruturada e avaliada decisão estratégica.


Enterradas ou não as perspectivas do “raider” Efromovich (o ECONÓMICO assegura que «Efromovich dá negócio da TAP como “morto”» enquanto o EXPRESSO garante que «Efromovich diz que não fecha a porta a nova proposta pela TAP»), com a reafirmação de que o «Governo mantém intenção de privatizar a TAP» embora admitindo que um «Novo processo de privatização da TAP terá modelo diferente» não deixarão de existir fortíssimas razões para continuar a afirmar que o “negócio” será de reduzida rentabilidade e profundamente lesivo dos interesses do país.

Além de se manterem válidas a maioria das objecções à venda – das quais se destacam: o ridículo do preço, a falácia do empolamento do endividamento enquanto se escamoteia na avaliação o valor dos activos, a ocultação da importância da TAP nos resultados globais do sector exportador que é o turismo – o desenrolar de todo o processo desaconselha qualquer optimismo do tipo do manifestado por Marques Mendes quando afirma que «Isto sim é que é transparência», recomendando mesmo um acréscimo de atenção ao próximo passo: a venda da ANA.

No conjunto a TAP e a ANA representam duas importantes peças para um governo que queira implementar uma efectiva política de soberania económica, já de si gravemente ferida com as anteriores privatizações de empresas estratégicas como a GALP e a EDP (no sector das energias) e a PT (no sector das comunicações), e é por isso que a opinião pública se deve manter especialmente informada e activa.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A BATATA QUENTE


Segundo relatou no passado fim-de-semana o sempre muito bem informado EXPRESSO, o douto, probo e ininfluenciável Cavaco Silva preparar-se-á para anunciar a mais salomónica das suas já proverbiais decisões: promulgará o OE para 2013, sob o patriótico argumento de assim obstar a que o País mergulhe no caos indissociável da ausência de documento vital à sua sobrevivência económica e social, enviando-o depois para fiscalização ao Tribunal Constitucional.

Espantoso? Não, nada a que um presidente permanentemente enredado nos seus tabus e na sua inépcia não nos tenha já habituado!


Senhor dum permanente processo de silêncios e compromissos, incapaz de alguma vez tomar uma decisão que eventualmente possa beliscar o seu futuro (o que quer que tal signifique num septuagenário que cumpre um último mandato como Presidente da República, sem nunca ter merecido sequer o primeiro), Cavaco Silva vai voltar a mimosear o País que o elegeu com mais uma peça da sua proverbial hipocrisia. Incapaz de afirmar publicamente que concorda com um OE aprovado pelos deputados do PSD e CDS que nem sequer conseguiram esconder o seu desconforto, encontra na dúbia fórmula – aprovo mas outros que decidam se deve ser aplicado ou não – um processo airoso de alijar responsabilidades e cujo resultado final deverá ser análogo ao verificado este ano, quando o Tribunal Constitucional proferiu o doutíssimo acórdão (353/2012) declarando inconstitucionais alguns pontos do OE 2012 (relativos à suspensão dos subsídios de férias e de Natal), mas acrescentando que esta declaração de inconstitucionalidade não se aplique à suspensão do pagamento dos subsídios relativos ao ano de 2012.

Depois desta peça (perfeitamente inserida na linha humorística do “é proibido, mas pode fazer-se…”, popularizada pelos “Gato Fedorento”) será ainda de estranhar que Alberto João Jardim, outro inefável personagem do pior que o quadro político partidário nacional produziu, tenha sido o primeiro a sair a terreiro para declarar que a anunciada decisão, daquele que em tempos apodou depreciativamente de “Sr. Silva”, de «Promulgar OE e só depois enviá-lo para TC é “inteligente”», ou tudo não passa afinal da mera confirmação da reduzidíssima qualidade da generalidade daqueles a quem tem sido sucessivamente confiada a responsabilidade pela liderança do País.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

LÁGRIMAS, APENAS…


O mais recente episódio dum massacre numa escola norte-americana, poderá não constituir mais que nova oportunidade para ecoarem os lamentos e as desculpas hipócritas dum sistema político incapaz de controlar a verdadeira aberração que constitui o princípio constitucional do direito de porte de arma.

Quantos mais cidadãos de todas as idades desse país continental serão condenados ao sacrifício no altar dum alegado princípio civilizacional?


A ideia da consagração do direito ao porte de arma data dum período da história dos EUA em que esta antiga colónia britânica lutava com os meios disponíveis para assegurar o desejo de independência dos seus cidadãos e quando a inexistência dum sistema de justiça apelava à necessidade de cada um assegurar a sua própria defesa; actualmente invocar semelhante direito constitui não apenas uma tremenda hipocrisia – alimentada financeiramente pela poderosa indústria do armamento através da NRA (National Rifle Association), um dos maiores “lobby” nacionais – mas uma perigosa idiossincrasia que não é estranha à imagem do “cowboy” espalhada por onde quer que o exército americano tenha passado.

É evidente que o problema não se resume a uma simples proibição na venda e posse de armas militares, pois além disso haverá ainda que alterar a mentalidade daqueles que mais facilmente ensinam os filhos a atirar que a valorizar a vida humana; a dimensão do problema (e a constante repetição de episódios mais ou menos sangrentos) é tal que Washington trata-o como matéria muito sensível e embora já tenha sido tornado público que o presidente «Obama defende “mudança” para evitar novos massacres», não o fez de imediato pelo que só o tempo confirmará se se trata duma verdadeira intenção, potenciadora duma nova frente de confronto com o Partido Republicano, ou de mera retórica fúnebre.

domingo, 16 de dezembro de 2012

ABSURDOS EUROPEUS


No mesmo dia e no mesmo jornal onde li a notícia que comentei no “post” «O GRANDE SALTO», encontrei outra (a notícia pode ser lida aqui) igualmente merecedora de atenção: um deputado francês pretende fazer aprovar uma lei que retire a nacionalidade francesa a quem ostensivamente mude o seu domicílio por razões fiscais.

A iniciativa surge em reacção à expatriação do conhecido actor francês Gérard Depardieu (que o PUBLICO também já noticiou dizendo que «Depardieu quer deixar França por causa dos impostos»), que trocou a sua “amada” França pela vizinha (e fiscalmente menos exigente) Bélgica. Nada disto pode constituir novidade, nem em França nem em qualquer outro país da UE (ou do Mundo), nem seria merecedor de grande relevo, não fosse uma vez mais a evidente desproporcionalidade da proposta de solução para o problema.


Na essência perante a opção dum cidadão por fixar residência noutro estado da UE (acto legal e impossível de condenar à luz da liberdade de movimento dos cidadãos no interior do espaço Schengen) em reacção ao diferencial da imposição fiscal entre estados, giza-se uma solução – para o deputado francês do PS e para tantos outros exímios legisladores que pululam pelos diversos parlamentos europeus – que passa por castigar o cidadão em lugar de procurar eliminar a origem da motivação: o diferencial fiscal.

Numa UE que se pretende equilibrada e onde os seus responsáveis tanto falam na necessidade de políticas promotoras de convergência (entre nós é recorrente ouvir-se falar na necessidade de revisão e adaptação de quadros legais tendo em vista conformá-los à legislação comunitária) estranha-se que até esta data nada de concreto tenha sido ensaiado no capítulo da harmonização fiscal, permitindo-se assim que alguns estados-membros continuem a beneficiar de injustificadas vantagens comparativas.

sábado, 15 de dezembro de 2012

O GRANDE SALTO


No preciso dia do acontecimento o LE MONDE escrevia num editorial intitulado «O GRANDE SALTO EM FRENTE NA UNIÃO BANCÁRIA» que:

«A Europa esforça-se para seguir os caminhos aparentes da tecnocracia. A Comunidade Europeia do Carvão e do Aço em 1950, podia parecer um obscuro acordo entre os donos das siderurgias europeias. Tratou-se dum grande salto político que tornou a guerra entre a França e a Alemanha "fisicamente impossível" e começou uma integração europeia irreversível.

O mesmo sucede com a união bancária decidida na madrugada de quinta-feira, 13 de Dezembro, pelos ministros das Finanças dos 27. Esta decisão marca um salto em frente, que pretende tornar impossível, não a guerra, mas a morte do euro.

Depois da criação, em 2010, do Fundo Europeu de Solidariedade para resgatar os estados em dificuldades, os europeus apenas corrigiram uma segunda falha na construção do Tratado de Maastricht: a vulnerabilidade da União Económica e Monetária às crises bancárias.

Na época, ninguém esperava que a interpenetração dos mercados financeiros e instituições de crédito atingisse uma proporção que permitiria a um país que representa 2% da riqueza da União - Grécia - a afundar o todo Zona Euro.

De resgate em resgate, a Europa entrou em um círculo vicioso: após a falência do Lehman Brothers, em 2008, os estados tiveram de se endividar para recapitalizar os bancos; os bancos, endividados e cépticos da liquidez dos parceiros, adquirem as obrigações emitidas pelos Estados sobreendividados. Adicione a isso a bolha imobiliária os défices públicos e de competitividade europeus: in fine, ninguém sabia se seria reembolsado.

Quando na Primavera de 2012 os bancos espanhóis ameaçaram falir, impôs-se a ideia de uma união bancária: para se salvarem, os europeus poupados pela crise resgate tinham de financiar directamente as instituições em falência. Os alemães exigiram, com razão, uma avaliação prévia dos bancos pelo Banco Central Europeu (BCE). Esta primeira etapa acaba de ser atingida. A partir de 1 de Março de 2014 todos os bancos europeus serão supervisionados pelo BCE, e os que foram resgatados sê-lo-ão desde 2013.

A supervisão é apenas um prelúdio, que deve ser acompanhado dum mecanismo europeu para a gestão de crises e resgates. Esta segunda etapa também será difícil de implementar. Incluindo para a França: se Paris aceita a autoridade do Governador do Banco de França, quando exige a fusão de dois bancos franceses que tenham cometido erros, não é certo que concorde com a mesma facilidade quando a decisão for tomada em Frankfurt. Amanhã, o caso Kerviel-Société Générale, será regulado em Frankfurt. Isto constitui um passo significativo.
A terceira etapa consiste em estabelecer uma garantia europeia de depósitos. Isso seria o desejável corolário da união bancária, mas rejeitada por Berlim é remota; tão distante como a União Federal.»

Oferecendo aos seus leitores uma descrição da crise que grassa pela Europa, que não esquece nem escamoteia uma das principais razões – a crise ganhou dimensão depois que os Estados aceitaram sobreendividar-se para resgatarem os seus financiadores – porém, peca por deixar de fora da explicação o verdadeiro círculo vicioso em que os decisores políticos europeus aceitaram mergulhar os seus próprios países, preferindo acentuar a versão, cara ao sistema financeiro, da necessidade de recuperação da confiança perdida.


Como noutras ocasiões tenho referido neste espaço e a própria formulação do LE MONDE indicia, o círculo vicioso só poderá ser eficazmente quebrado quando o financiamento público deixar de depender exclusivamente dum sistema financeiro que há muito privilegia a especulação pura (e dura) em detrimento daquela que historicamente constituiu a sua razão de ser e núcleo da actividade – a recolha de depósitos para financiamento criterioso da economia – e, dentro de critérios adequados ao interesse geral e ao saudável funcionamento das economias, passar a ser assegurada pelo BCE.

O acordo agora alcançado, importante no contexto do funcionamento do sistema financeiro europeu mas limitado ao reduzido número de bancos incluídos, é, ao contrário do que sugere a generalidade dos políticos e dos comentadores, quase irrelevante para se alcançar uma efectiva solução para uma crise que cada vez mais se revela como meramente destinada a alcançar uma redução geral dos custos do factor trabalho em exclusivo benefício do factor trabalho.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

NÓS PAGAMOS O ESTADO SOCIAL


Numa palestra proferida na Ordem dos Economistas e intitulada «A crise económica portuguesa: diagnósticos e soluções», o chefe de missão do FMI, Abebe Aemro Selassie, assegurou peremptório que «Portugal pode ter estado social, mas tem de o pagar», afirmação que segue de muito perto outras proferidas por governantes e opinantes da mesma linha de pensamento.

Dita por quem foi, perante uma plateia de especialistas e não tendo havido contestação (a julgar pelas notícias que sobre isso nada adiantam) poderia pensar-se que a afirmação não permite contestação e que constituirá, como se pretende, verdade absoluta.


Porém, a crer noutros analistas – entre os quais alguns dos colaboradores no ensaio «QUEM PAGA O ESTADO SOCIAL EM PORTUGAL?» coordenado por Raquel Varela – que depois de estudaram diversas economias concluíram que na generalidade os sistemas de natureza social são auto-sustentados pelos seus utilizadores, permito-me deixar aqui um gráfico extraído do portal PORDATA relativo à Segurança Social…


…que comparando a evolução das receitas e despesas da Segurança Social (medidas em percentagem do PIB) aos longo das três últimas décadas, demonstra que, contrariamente ao que nos é repetidamente assegurado, afinal as receitas excedem regularmente as despesas.

Esta conclusão, mesmo considerando os cuidados a ter na sua leitura por não se conhecer na íntegra a composição das duas rubricas, desmente cabalmente a patranha que insistem em repetir-nos, talvez na expectativa de que acabemos por a aceitar como axioma indesmentível e tomemos como válidas e indispensáveis as políticas que afinal apenas visam reduzir os encargos que possam colocar entraves ao crescimento dos lucros empresariais.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

INCONGRUÊNCIA OU PREMEDITAÇÃO?


Enquanto a UE mergulha numa crise de contornos estranhos mas de consequências claras, os seus líderes rejubilam com a atribuição do Nobel da Paz (há falta de algo melhor Durão Barroso assegura que «UE vê Nobel da Paz como estímulo para ultrapassar a crise»...) e os líderes dos seus estados-membros parecem atravessar uma fase de profundo catatonismo, ainda há quem procure alertar-nos para incongruências bem mais prosaicas.


É assim que o professor César da Neves lembra na sua mais recente crónica que a discussão em torno da despesa pública (seja ela com a educação, a saúde ou a segurança) se deveria ater ao princípio de reduzir aquela despesa ao nível dos impostos cobrados; outra forma de apresentar o princípio do orçamento de base zero (assim designado por implicar uma reapreciação anual de todas as rubricas), tão caro aos defensores do rigor orçamental, consiste afinal em pretender reduzir a intervenção do Estado na economia à estrita medida das receitas próprias (ou seja, dos impostos cobrados), não sendo por isso estranho que entre os seus principais defensores se encontrem precisamente aqueles que defendem uma maior liberalização da economia.

É matematicamente correcto (para seguir a mesma linha de argumentação daquele artigo) dizer-se que ninguém pode (deve) gastar acima das suas receitas, mas isso é simultaneamente uma forma ardilosa de limitar o poder de intervenção do Estado e uma linha de raciocínio particularmente cara aos modernos neoliberais  que esquecem na sua argumentação (e esperam que todos façam o mesmo) que se nas últimas décadas as receitas dos impostos têm diminuído isso deve-se à aplicação prática das suas teses de benefício na redução da carga fiscal sobre os maiores rendimentos e sobre as empresas, sob o estafado argumento da fuga de capitais (que César das Neves descreve dizendo que «...se abusarmos desse expediente quem beneficia é a Espanha e Inglaterra, para onde irão os nossos ricos, aumentando a nossa miséria... [e também] ...as empresas não podem ser sobrecarregadas de tributação se quisermos criar emprego e crescimento...») enquanto esquece que a fuga de capitais só corre devido à inexistência duma harmonização fiscal na UE e à manutenção dos paraísos fiscais, medidas a que os neoliberais se opõem em nome duma estranha forma de liberdade.

Um pormenor há que César das Neves não aborda no seu raciocínio aritmético e não é um pequeno pormenor, pois os mais de 8 mil milhões de euros que actualmente saem do OGE para o pagamento dum serviço da dívida que os “nossos amigos credores” se encarregaram de aumentar em 78 mil milhões do dia para a noite quando nos impuseram um programa de recuperação financeira constituem a maior fatia da despesa pública actual.

Mas embalados nesta discussão sobre a dimensão do Estado e a sua anunciada reforma estrutural (entenda-se a privatização a preço de saldo das poucas empresa públicas que ainda restam), em vez de olharmos para a origem do problema europeu e de procurarmos construir uma resposta europeia – única via para resolver um problema criado pela incompetência dos dirigentes europeus – estamos a permitir que dirigentes nacionais, tanto ou mais incompetentes que os congéneres europeus, ampliem o problema até o tornarem insolúvel.

sábado, 8 de dezembro de 2012

CORRUPTOS… NÓS?


A recente publicação do Corruption Perceptions Index 2012, pela TRANSPARENCY INTERNATIONAL (ONG que tem como principal objectivo a luta contra a corrupção) que coloca Portugal entre os países europeus mais corruptos (na Zona Euro apenas a Itália e a Grécia obtêm classificação inferior) não constituindo surpresa, não pode ser encarado como apenas mais um indicador das insuficiências nacionais.


Mesmo tratando-se duma avaliação de natureza meramente qualitativa (os 63 pontos alcançados resultam da média de 7 observações que atribuíram pontuações entre os 59 e os 67 pontos) e centrada sobre a percepção de funcionamento da função pública, o resultado é bem revelador do fraco desempenho, especialmente quando de 2011 para 2012 descemos um lugar na classificação e se constata que nem uma ligeira melhoria (de 61 para 63 pontos) se traduziu em melhor classificação; por outras palavras, mesmo que tenhamos melhorado um pouco, outros houve que melhoraram mais.

Esquecendo a tentação de desculpar o resultado nacional com o algoritmo usado no cálculo do resultado final – os ensaios que efectuei indiciam que aquele resultado é obtido a partir da média aritmética das duas pontuações extremas, método que penaliza os países com maior número de observações por não ter em conta a respectiva distribuição – o que fica é a classificação de «Portugal entre os mais corruptos da União Europeia» ou de que estamos, «Como em tudo, piores que a Irlanda, iguais a Espanha e melhores que a Grécia».

A página Internet da antena nacional da TRANSPARENCY INTERNATIONAL, escreve a propósito do resultado que Os investidores e observadores estrangeiros que compõem o Índice de Percepção da Corrupção continuam a não ver progressos visíveis em Portugal. A tendência de estagnação – e até de retrocesso – é a imagem de marca do nosso país no combate à corrupção e isso tem reflexos negativos na nossa capacidade de atrair investimento estrangeiro que nos ajude a sair da crise”, para concluir que “Depois de uma década sem progressos, é altura de mudar as regras do jogo. Temos de garantir que os próximos dez anos serão anos de progresso no combate à corrupção. E cabe à sociedade civil fazer pressão sobre os nossos líderes nesse sentido, o que além de reafirmar a ideia do muito que continua por fazer, confirma a percepção geral de que estamos a regredir ao invés de melhorarmos uma situação que longe de se dever à crise instalada parece beneficiar dela para se perpetuar.

Além das reacções de João Cravinho, o ex-ministro das Obras Públicas e figura do PS há muito ligado à problemática do combate à corrupção, que denuncia que continua o «Governo sem plano para combater a corrupção», e do presidente do Tribunal de Contas e do Conselho de Prevenção da Corrupção, Guilherme d’Oliveira Martins que de manifestou «insatisfeito com situação da corrupção», pouco mais se fez ouvir enquanto continua por estabelecer a correcta associação entre duas das práticas mais lesivas para o país, como são a corrupção e a evasão fiscal.


Notícia recente, que se faz eco dum estudo independente da Tax Research UK, pedido pelo grupo Aliança Progressista de Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu, assegura que em Portugal o «Governo perde todos os anos 12 mil milhões em fuga aos impostos», valor que corresponde à estimativa do peso da economia paralela (cerca de 23%) na receita fiscal e que representa quase o triplo do montante que Vítor Gaspar pretende reduzir na despesa pública entre 2013 e 2014, com a agravante de, a crer nesta notícia do ECONÓMICO, virem a ser a Segurança Social e a Educação a suportar 85% daquele valor.

A existência duma relação entre corrupção e evasão fiscal comprova-se quando se observa que entre os países europeus mais afectados pela corrupção se contam precisamente aqueles onde cresce a prática da evasão fiscal (Portugal, Espanha Itália e Grécia) e onde continuam por aplicar medidas efectivas ao seu combate, pois não basta lerem-se bonitas declarações, como a proferida pelo primeiro-ministro grego, de que a «Evasão fiscal é um dos problemas estruturais da Grécia», quando o que se assiste diariamente é ao “assalto” aos rendimentos de quem trabalha enquanto os rendimentos do capital continuam a beneficiar de grandes isenções, das quais a maior é a impunidade com se furtam às suas responsabilidades e ao risco das economias donde são originários, a ponto de já se ler que o «FMI alerta que fuga de capital da periferia para o centro da Europa agrava instabilidade».

Mas tudo isto pouco ou nada deverá afectar as figuras que todos conhecemos e que beneficiando da complacência do sistema político e da inconsequência do sistema judicial instalado, continuarão a perguntar candidamente: Corruptos… nós?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

PORTUGAL (AINDA) NÃO É A GRÉCIA


A cada novo sobressalto na delicada conjuntura da Zona Euro (e em especial nos países onde grassam os efeitos duma crise de contornos muito pouco claros) é comum ouvir-se algum governante nacional recordar que “nós não somos a Grécia”, quando infelizmente todos os sinais apontam para que isso seja apenas uma questão de tempo, que nem a habitual subserviência do actual governo e dos paladinos nacionais do austeritarismo conseguirá contrariar.


A subserviência – fenómeno há muito tempo popular entre as elites políticas dominantes – tem alastrado que nem o mais contagioso dos vírus, enfileirando hoje entre as principais explicações para o vazio do debate de ideias, de que é exemplo o discurso da “ausência de alternativas”, e para aberrações como a da aprovação parlamentar dum OGE por deputados que tendo manifestado claras dúvidas sobre a sua exequibilidade, abdicaram das respectivas consciências para acatarem as ordens dos “chefes”.

Desprovidos de ideias próprias, os políticos que conduzem os destinos nacionais obrigam-se a oscilar entre vontades alheias, transmitindo a mais triste das imagens; senão, veja-se o recentemente sucedido a propósito de mais uma renegociação no processo de resgate grego. Imediatamente após o anúncio dos novos termos, pôde ler-se no EXPRESSO que Vítor Gaspar, o todo-poderoso ministro das finanças, assegurou no rescaldo da aprovação parlamentar do Orçamento para 2013 que «Portugal e Irlanda vão ter igualdade de tratamento face à Grécia»; o pior é que uns dias depois instalou-se o espanto originado pela notícia de que estaria o «Eurogrupo indisponível para estender condições da Grécia a Portugal», justificando a dúvida sobre o teor dos contactos e conversações que dizem manter uns com os outros.

O cinismo dos nossos parceiros europeus (traduzido no desrespeito da regra comunitária da igualdade de tratamento) e o afã de protegerem os respectivos sistemas financeiros da contabilização de novas imparidades, expresso na notícia de que «Alemanha e França desaconselham Portugal a pedir condições iguais às da Grécia», raia o inadmissível e atinge proporções de completa falência moral quando envereda pela quase chantagem de afirmar que «Pedir condições iguais à Grécia "seria um sinal terrível"». Mesmo considerando que as vantagens concedidas à Grécia – uma ínfima redução nos encargos e uma dilação no prazo de amortização – poderão nem sequer constituir grande benefício, a afirmação dos ministros francês e alemão só poderia merecer uma resposta, do primeiro-ministro português; não fosse este – e o seu governo – um mero representante dos credores e em vez de, lesto, assegurar que «Portugal não quer tratamento igual ao da Grécia», teria vindo a público afirmar o poder do devedor (e um estado devedor detém perante os credores um poder medonho) e até em nome do “bom cumprimento” do programa de ajustamento, exigir condições melhores que as concedidas à Grécia.

O servilismo e a ânsia de “agradar” da equipa de Passos Coelho e Vítor Gaspar é tal que os seus membros desdizem-se e contradizem-se com igual facilidade e ainda esperam que os cidadãos se mostrem agradecidos pelas migalhas que lhes deixam em troca do muito que lhes levam, incluindo o seu próprio orgulho.

domingo, 2 de dezembro de 2012

O LABIRINTO JUDAICO


Sempre que ocorre algum recrudescimento de tensão na região do Médio Oriente, de pronto regressam à memória os muitos e graves confrontos que a região regista desde os finais da II Guerra Mundial e da criação do estado de Israel.

Consequência duma declaração unilateral judaica e de vários conflitos com os estados árabes vizinhos, Israel continua hoje mergulhado num labirinto onde se confronta com a resistência dos anteriores ocupantes do território – os palestinianos – aos quais não reconhece o direito de retorno nem igualdade de direitos cívicos e a insaciável ânsia por mais terras dos grupos judaicos mais radicais.


Apresentado pelos seus indefectíveis como a pátria para todos os judeus, nem por isso deixam de se ouvir opiniões que contestam esse idílio, mesmo entre os cidadãos de ascendência judaica. Entre estes um dos mais conhecidos é o escritor Sami Michael (nomeado para um Nobel da literatura e presidente da ACRI - Association for Civil Rights in Israel) que afirmou, numa conferência proferida em Junho deste ano na cidade de Haifa, que Israel é o estado mais racista do mundo industrializado (Israel is the most racist state in the industrialized world), lembrando a propósito a grande disparidade entre os primeiros colonos judeus que eram oriundos da Europa Central e Oriental – designados por asquenazim – e os mizrahim, os judeus oriundos dos países árabes vizinhos.

Mas não é apenas a voz de Sami Michael que se faz ouvir, pois muitos continuam a ser os que, dentro e fora do Estado de Israel, se questionam sobre o modelo e a sua forma de funcionamento; entre estes, destaque para o ex-presidente do Knesset (o parlamento israelita), da Agência Judaica e da Organização Sionista Mundial, Avraham Burg, que em 2007 sugeriu numa entrevista ao jornal Haaretz (entrevista que pode ser lida aqui, em francês), uma alteração à Lei do Retorno (a que ainda hoje continua a atribuir automaticamente a cidadania israelita a quem prove ascendência judaica) e defendeu que a manutenção da definição do Estado de Israel como um estado judaico seria a origem do seu fim.

No campo dos que do exterior de Israel também acompanham a evolução geopolítica da região, refira-se Dominique Moïsi, analista político francês de ascendência judaica, que num muito recente artigo no PUBLICOVisão para a cegueira israelita») destacava a miopia política e social judaica que conduziu a que os árabes israelitas (25% dos cerca de 8 milhões de habitantes do país) sejam vistos como cidadãos de segunda classe e arredados da menor hipótese de mobilidade social. Isto num país que além de rodeado de estados árabes com quem mantém relações diplomáticas tensas e regularmente pontuadas por conflitos abertos, continua a ser objecto de contestação directa pela população palestiniana, estimada em cerca de 12 milhões de pessoas e distribuída entre a Cisjordânia (aproximadamente 2,5 milhões), a Faixa de Gaza (cerca de 1,5 milhões) e os 6 milhões de refugiados na vizinha Jordânia, cujo regresso aos seus territórios de origem continua a impedir e cuja sobrevivência como povo procura condicionar por todas as vias.

Se a tudo isto juntarmos o afã com que associações judaicas radicadas no Ocidente se encarniçam contra todos os que ousam erguer a voz na defesa da causa palestiniana ou na denúncia das arbitrariedades regularmente perpetradas sobre as populações palestinianas nos territórios ocupados – a Cisjordânia e a Faixa de Gaza continuam sujeitas senão à ocupação militar a uma clara política de bloqueio e segregação – fica ainda mais claro o efervescente caldeirão em que se tornou a Palestina.