quinta-feira, 28 de março de 2013

POLÍTICA SUBMARINA


A deslocação do presidente norte-americano ao Médio Oriente teve o óbvio efeito de fazer regressar a região às primeiras páginas das notícias. Mesmo esquecendo o facto da maioria das notícias referir apenas o óbvio e relegar para longe da vista os efeitos (e os factos) acessórios, a sucessão de acontecimentos e a sua concentração numa zona tão instável aconselham uma sua leitura integrada.

Por isso o mais natural seria associar aquela visita de estado à agitação económica e militar nas vizinhanças, mas o que a imprensa nos tem oferecido foram visões parcelares, desligadas e desgarradas dos factos. Salvo a directa associação à intervenção de Obama no pedido oficial de desculpas de Netanyahu a Erdogan (ver no PUBLICO: «Netanyahu pede desculpas a Erdogan por ataque a flotilha de Gaza»), ainda por causa do famigerado assalto aos barcos que tentaram furar o bloqueio à Faixa de Gaza em 2010, pouco se falou dos interesses judaico-americanos na crise Síria ou doutros possíveis interesses na origem da abordagem russa à crise de Chipre.

É claro que várias dezenas de milhares de milhões de euros depositados por interesses russos na banca cipriota constituem razão suficiente para justificar aqueles cuidados. Até as perspectivas de exploração do gás natural cipriota por capitais russos (fechando o elo de fornecimento à Europa) e a eventual concorrência com a projectada ligação submarina entre Ceyhan e Ashkelon (ver o «post» «TURISTA INTENCIONAL») terão tido o seu peso, mas outro factor deverá estar sob forte atenção de americanos e russos, e apesar das notícias de que a «Rússia nega planos de abandonar base de reabastecimento na Síria», a mudança de regime em Damasco ditará ou não o fim da base naval russa em Tartus?


Poucas vezes referida como parte importante da velha “aliança “ entre russos e sírios é a manutenção duma base naval da frota russa em pleno Mediterrâneo. Beneficiando duma estreita faixa de terra com acesso ao Mediterrâneo, a Síria tem proporcionado um ponto de projecção de força que a marinha russa não deve querer dispensar, tanto mais que lhe assegura uma invejável proximidade às manobras da NATO na região, sem esquecer a vizinhança com o território turco e a rede de oleodutos que asseguram o escoamento do petróleo do Cáucaso.

Tudo razões acrescidas para um olhar atento e integrado a notícias invariavelmente dispersas, mas tão significativas como as que dão conta de que a «Oposição a Assad escolheu sírio-americano para primeiro-ministro interino» (facto que levou a VOZ DA RUSSIA a escrever que, Ghassan Hitto, «Gerente dos EUA se tornou primeiro-ministro da oposição síria») de pronto seguida da notícia de que Ahmed Moaz al-Khatib, o moderado «Líder da coligação de oposição apresenta demissão» em sinal de protesto pela falta de apoio do Ocidente, apesar de sabermos que muito recentemente o secretário de estado norte-americano, John «Kerry foi a Bagdad pedir que o Iraque trave o envio de armas iranianas para a Síria», numa clara tentativa para enfraquecer as forças afectas a Assad, e de ser público que «França e Reino Unido querem armar rebeldes sírios, com ou sem acordo da UE», numa fase em que a própria situação interna da UE é muito mais que preocupante.

terça-feira, 26 de março de 2013

SINAIS DE CHIPRE


Enquanto na Casa Branca eram dados os últimos retoques na visita oficial a Israel do presidente Obama, eclodia no Mediterrâneo Oriental, bem próximo daquele país, novo episódio na já longa crise que atravessa a Zona Euro.

Depois dos acontecimentos de 2009 na vizinha Grécia, que ditaram um primeiro resgate e a aplicação da tradicional receita austeritária, a qual resultou na confirmação dos piores receios e teve que ser seguido em 2012 dum segundo resgate, de mais medidas de austeridade (não há como insistir em políticas comprovadamente falhadas para assegurar o fracasso final) e dum plano de perdão parcial da dívida acumulada, eis que um dos seus efeitos faz-se sentir agora na vizinha economia cipriota cujo sistema financeiro foi fortemente abalado pelo perdão acordado à Grécia.


Num pequeno território – dividido desde 1974 por uma disputa territorial com a também vizinha Turquia – com uma economia particularmente débil, geradora dum PIB de 18 mil milhões de euros, tem no turismo e num sistema financeiro fortemente alavancado as suas principais actividades – que fruto de legislação particularmente atractiva cresceu, ao que se diz à custa de elevados depósitos oriundos da Rússia, do Médio Oriente e do reino Unido, até equivaler cerca de 7 vezes aquele PIB –, exposto à especulação imobiliária e à dívida pública grega cujo abalo valeram a ameaça de colapso do seu sistema financeiro.

Perante a catástrofe e para socorrer os seus bancos, o governo cipriota pediu a ajuda a uma UE que, convicta do seu papel moralizador e sob o argumento de que a economia cipriota prosperou graças a um enorme esquema de lavagem de dinheiro russo e árabe (situação que em 2004 não condicionou a sua adesão à UE), respondeu através do Ecofin condicionando o resgate a um máximo de 10 mil milhões de euros e à imposição duma taxa sobre os depósitos bancários.

Reagindo em defesa dos pequenos depositantes (ou usando-os como pretexto) o parlamento cipriota recusou o acordo e novamente a UE recorreu a uma estratégia de chantagem, quando o «BCE lança "ultimato" a Chipre», confirmada uns dias mais tarde quando «Merkel avisa Chipre para não por à prova a paciência da troika». Mesmo agora, quando o «Eurogrupo aprova plano da troika que evita bancarrota de Chipre», numa versão mais orientada para a reestruturação do sector bancário (comprovando mais uma vez onde se situa a verdadeira origem da crise), garantindo a protecção dos depósitos até 100 mil euros (conforme as normas comunitárias) mas, novidade, impondo alguma penalização aos accionistas dos bancos (ver os «Oito pontos do acordo que garante o resgate do Chipre»), pode com esta decisão ter aberto um perigoso precedente e transformar-se facilmente num primeiro passo para a desagregação do projecto europeu.

Não bastando os preocupantes sinais de erosão do projecto europeu e na ausência de qualquer definição geoestratégica da UE, assiste-se a um jogo bem mais complicado do que nos querem revelar, pois enquanto num tabuleiro se desenrolava a meada tecida numa catastrófica reunião de ministros das finanças, jogava-se noutro, com a intervenção mais ou menos directa de Moscovo, uma parada bem mais elevada. E embora não tenha tardado a notícia de que a «Rússia recusa emprestar mais dinheiro a Nicósia», nem por isso deixou de se ouvir que a «Rússia lança ataques à UE por causa da crise no Chipre», fazendo crer na possibilidade de intervenção dum novo jogador, tanto mais possível quanto são conhecidos dois importantes factos na região: a existência de importantes jazidas de gás natural nas águas territoriais cipriotas (facto já abordado no «post» «ASSALTO CIPRIOTA») e uma possível alteração da geopolítica local que determine o encerramento da base naval mediterrânica que os russos mantêm em Tartus (Síria).

De forma ambígua e no auge da crise foi noticiado pelo EXPRESSO que Durão Barroso assegurou que «UE vai ouvir e ter em consideração preocupações russas»; enquanto aguardamos para conhecer outros pormenores, a mesma fonte indicia que tal estará a ser cumprido quando noticia que «Afinal os russos podem ajudar Chipre», mesmo que para já apenas se refira uma possível revisão das condições de antigos financiamentos e se desconheçam outras contrapartidas.

Em resumo bem se pode afirmar que o cenário europeu está aberto ao mais imprevisível dos desenvolvimentos, situação que partilha afinal com o vizinho Médio Oriente.

sábado, 23 de março de 2013

TURISTA INTENCIONAL


Será de estranhar que na semana em que se assinalou o décimo aniversário da invasão norte-americana do Iraque as atenções se tenham reorientado para aquela zona do Mundo?

A visita oficial (a primeira de sempre) de Obama a Israel terá sido ditada por uma possível agudização da crise nuclear iraniana ou pelo recrudescimento da violência na vizinha Síria (aliada tradicional do Irão), mas nunca pela velha questão palestiniana. Se há quatro anos Obama podia ser visto pela generalidade das populações palestinianas como possível agente de mudança no impasse israelo-palestiniano, hoje ocupa seguramente um lugar marginal nesse capítulo, tanto mais que «Obama visita Israel e Cisjordânia sem um plano de paz para o Médio Oriente», facto que levou Thomas Friedman, o conhecido editorialista do NEW YORK TIMES, a escrever no seu artigo «Mr. Obama goes to Israel» que “Obama pode vir a ser o primeiro presidente em exercício a visitar Israel como turista”.


Conhecida a fraca simpatia de Netanyahu por Obama (não esqueçamos o público apoio à candidatura de Mitt Romney) e excluída a que deveria ser a principal razão para este encontro, há quem nele anteveja uma cimeira de guerra, para cuja justificação poderá não bastar a agudização da crise síria, mas considerando a existência da questão iraniana e a crescente pressão dos grupos próximos de Israel, que justificarão o anúncio de que «Obama confirma” aliança eterna” à chegada a Israel» e pode já estar a frutificar em declarações como a de que a «Decisão sobre o ataque ao Irão é apenas de Israel», ou esta não passar afinal dum alijar de responsabilidades num eventual ataque preventivo israelita.

A posição americana sobre qualquer das três questões já afloradas, o conflito israelo-palestiniano, a situação na Síria ou a questão nuclear iraniana, tem ainda que ser entendida à luz da sua recente reorientação energética; não é pois de estranhar que numa fase em que os EUA estão empenhados em alcançar a auto-suficiência energética, logo numa redução drástica da sua dependência das fontes de hidrocarbonetos do Médio Oriente, a sua posição relativamente àquela região estratégica registe alguma quebra de interesse. Nada que deva preocupar de sobremaneira os amigos israelitas, pois o maior distanciamento dos americanos pode afinal constituir a vantagem decisiva que aqueles esperam e traduzir-se em apoio tácito à política de beligerância tão do agrado dos falcões do Likud (partido conservador israelita, liderado pelo primeiro-ministro Netanyahu).

Pela inversa, a redesenhada reorientação energética dos EUA pode abrir novas perspectivas de “negócios” numa região e numa “commodity” que continuam a ser estratégicos para a maioria dos estados com ambições geopolíticas – sem esquecer o importante projecto de ligação submarina ao largo de Chipre, entre o oleodutos azeri-turco de Baku-Tbilisi-Ceyhan e o israelita de Ashkelon-Eilat (ver a propósito os “posts” «A REALIDADE ALÉM DAQUILO QUE VEMOS», «DUBITANDO AD VERITATEM PARVENIMUS» e «O CARROSSEL SÍRIO») –, facto que ajuda a explicar o anunciado sucesso diplomático da deslocação de Obama através do anúncio de que «Netanyahu pede desculpas a Erdogan por ataque a flotilha de Gaza» enquanto aumenta a importância dos diferentes conflitos regionais (activos e latentes) e nos remete de imediato de volta à crise síria e à controversa crise cipriota, objectos dos “posts” seguintes.

terça-feira, 19 de março de 2013

ASSALTO CIPRIOTA


Escusado será dizer que o tema incontornável dos últimos dias tem sido a polémica solução proposta para o resgate a Chipre.

Quase todos os comentadores parecem unânimes em classificar a solução como perigosa, incluindo aqueles que sempre se mostraram apoiantes das soluções do tipo “austeridade expansionista”. O absurdo da proposta de taxação dos saldos dos depósitos bancários em Chipre é tal que até os mais ortodoxos monetaristas se mostram escandalizados com uma solução que põe gratuitamente em risco o sistema financeiro. Epítetos não têm faltado por essa imprensa fora, mas talvez o que melhor retrata aquele sentimento seja o que encontrei no THE ECONOMIST onde claramente se descreve a ideia de poupar uns 6 mil milhões de euros à custa dum imposto sobre os saldos das contas bancárias, como injusta, míope e autodestrutiva (Unfair, short.sighted and self-defeating) uma vez que reacende a delicada questão do contágio às restantes economias da Zona Euro e fomenta uma corrida aos levantamentos, exaurindo ainda mais os já muito desequilibrados balanços do sistema bancário.


Refira-se que a estratégia gizada foi defendida pelo Ecofin como via para “combater” o presumível uso dos bancos cipriotas para a lavagem de dinheiro originário da Rússia (asserção a que não deverá ser estranho o facto de até Fevereiro deste ano o país ter sido governado por um partido de pendor comunista, o AKEL), mas que em lugar de penalizar os accionistas dos bancos – afinal os últimos beneficiários dum eventual sistema de lavagem de dinheiro – optou por uma solução de esterilização dos rendimentos dos depósitos, que teve como primeira reacção conhecida uma «Corrida aos bancos no Chipre» e, comprovando que a famigerada crise do Euro é bem mais vasta e se joga em múltiplos tabuleiros, eis que, conforme noticia o EXPRESSO, o gigante russo do sector energético «Gazprom oferece-se para resgatar Chipre», a troco dum seguramente vantajoso contrato de exploração das reservas de gás natural nos mares cipriotas.

Depois das ensaiadas estratégias de desvalorização interna por via da redução de salários e pensões (há semelhança do aplicado na Grécia, Irlanda e Portugal), eis que os seus promotores resolveram inflectir o modo de abordagem e optaram agora por “desvalorizar” as poupanças. Independentemente de tudo indicar que o resultado desta opção não deverá diferir muito das recessões económicas que resultaram do primeiro, a medida agora anunciada e que ainda carece de aprovação parlamentar cipriota (sempre os malditos dos processos democráticos a interferirem nas ideias brilhantes), foi prontamente criticada por analistas e comentadores por, dizem, que irá abalar a confiança no sistema financeiro e que a nova «taxa pode levar à fuga de depósitos dos países periféricos».

Sem querer escamotear a dimensão da verdadeira enormidade que constitui o confisco (porque é disso que se trata) duma percentagem das poupanças cipriotas, mesmo quando se admite que o «Governo cipriota tenta alterar taxas sobre depósitos bancários», sempre recordo que os que agora rasgam as roupagens e arrancam os cabelos em sinal de indignação são os mesmos factótums que, se não aplaudiram, silenciaram idêntico abuso praticado sobre os rendimentos das famílias (através das reduções salariais aplicadas pelos governos grego, irlandês e português) às ordens dos mesmos que agora têm os cipriotas sob a mira.

Falar agora a propósito da taxa sobre os depósitos na quebra do contrato social ou deixar avisos, como fez Cavaco Silva, de que «A Europa “está a trilhar caminhos muito perigosos” em Chipre», quando idêntica ou pior medida incidindo sobre os rendimentos do trabalho (salários e pensões) foi aplaudida ou aceite em silêncio, não pode deixar de ser denunciada pela hipocrisia que encerra, nem criticada por ter aberto a via a este novo passo, tanto mais que constitui agora o duplo perigo de poder vir a ser aplicada aos que já sofrem reduções em salários e pensões (o I não se coibiu de escrever que «Portugal pode vir a pagar impostos sobre a poupança») e que nem a beatífica afirmação pelo Governador do Banco de Portugal de que os «Portugueses podem estar tranquilos porque taxa sobre depósitos não é transponível para outros países» pode se encarada como fiável.

sábado, 16 de março de 2013

FUMO NEGRO


Há muito desisti de contar o número de reuniões, cimeiras e demais conciliábulos organizados ou patrocinados pelos altos responsáveis europeus para debaterem e gizarem soluções para a actual crise.

Nem por influência de ventos soprando dos lados do Vaticano era expectável que da cimeira desta semana saísse qualquer fumo branco, tanto mais que antes do início era conhecido o seu objectivo minimalista de preparar a próxima cimeira de Junho. Por outras palavras, os líderes europeus reuniram-se em alegre convívio e não menos amena cavaqueira para combinarem o que voltarão a falar daqui por três meses.


É certo que o número de membros da UE torna cada vez menos exequível e prática a regra do consenso, mas não é menos verdade que parte importante dessa disfuncionalidade deriva também da patente inépcia das actuais lideranças que, oriundas de princípios egocêntricos e perdidas nas suas próprias contradições, dificilmente entendem o conceito de interesse comum.

Há muito que neste espaço venho levantando a questão da indispensabilidade da mudança radical de paradigma como via adequada para enfrentar a crise europeia. Talvez o discurso careça duma fluência que não possuo, mas o facto é que começa a ser cada vez mais regular ler na imprensa nacional outros autores a expressarem ideias análogas; destaque-se entre estes o recente artigo de Gustavo Cardoso no PUBLICO, no qual a propósito da ideia de «Resgatar o resgate», o autor conclui que «O modelo está esgotado e precisa de ser refeito e isso só pode ser realizado com pessoas que o assumam, que conheçam porque falhou e que estejam dispostos a criar os seus futuros e não por quem se sinta mais confortável com o regresso ao passado».

É claro que para os nossos governantes, vozes deste quilate não deverão chegar aos céus (felizmente a de Gustavo Cardoso lá consegue chegar a letra de imprensa) e pelo contrário o que importa é manter a integralidade do seu discurso dogmático, assegurando previamente que o esperado «Tom pró-economia na UE não inverterá rumo em Portugal», mesmo quando se confirma na reunião de Bruxelas que o «Conselho Europeu vai privilegiar “consolidação amiga do crescimento”», para mais quando recentemente nos foi dado ler no NEGÓCIOS que até já um «Estudo do FMI diz que austeridade pode fazer subir a dívida pública» ou que o «IFI[1] diz que recuperação económica da Grécia é difícil sem alívio de austeridade».

Que até sob os negros céus duma Europa fragilizada e errática se ouvem com maior frequência dúvidas sobre o método de abordagem da crise, comprova-se num comentário de Martin Taylor nas páginas do FINANCIAL TIMES, citadas pelo ECONÓMICO quando refere que «Ex-CEO do Barclays descreve crise portuguesa no Financial Times» dizendo que Portugal é «…um país onde os "residentes estão sem dinheiro", as auto-estradas "construídas com fundos comunitários estão desertas", com o tráfego desviado para as velhas estradas, sem portagens. É um país "onde tudo está à venda e ninguém compra nada"», nada que espante os que cá vivem nem tenha arrancado de quem nos governa, no decurso da cimeira, mais que uma vaga declaração de circunstância com aquela onde «Passos reconhece necessidade de medidas de curto prazo» para atenuar os efeitos da crise, talvez do género do «Impulso Jovem», programa que a coberto da oferta de estágios de formação mais não faz que fornecer mão-de-obra barata às empresas e que até o «Governo reconhece que programa Impulso Jovem teve um “desempenho deficiente” até agora».

Serão precisas ainda mais palavras sobre as fragilidades (pessoais e políticas) das elites europeias que nos governam, quando no rescaldo da última reunião do Eurogrupo (é verdade, em quase simultâneo com a cimeira decorreu uma muito pouco noticiada reunião dos ministros das finanças) surgiu o anúncio da aprovação duma linha de «Dez mil milhões para salvar o Chipre da bancarrota» - prontamente complementada pela notícia de que o «Resgate ao Chipre faz subir impostos sobre depósitos e empresas» mediante a aplicação duma taxa extraordinária sobre o saldo dos depósitos bancários, imposição do Eurogrupo a pretexto do combate ao branqueamento de capitais e à semelhança do anteriormente exigido à Grécia - apesar de ainda na passada semana o ministro cipriota das finanças, Michalis Sarris, ter manifestado publicamente a posição de «Chipre contra imposição de perdas a depositantes privados» e após aquele anúncio ainda não ter apresentado a sua demissão?


[1] Sigla do Instituto da Finança Internacional (IIF em inglês) é uma associação das instituições financeiras (espécie de órgão de “lobby” global do sistema financeiro) que esteve particularmente activa no recente processo de renegociação da dívida grega.

sexta-feira, 15 de março de 2013

ESPANTOS…


No preciso dia em que finalmente o ministro Vítor Gaspar anunciou que a «Troika dá mais um ano para cortar défice e despesa pública», ficámos a saber, espantados, que o «Governo agrava previsão de recessão deste ano para 2,3%», voltando a rever metas e objectivos que ainda há poucos dias jurava exequíveis. Assim, prevê agora que a «Economia começa a crescer no quarto trimestre e desemprego pode chegar aos 19%», repetindo uma vez e outra a miragem dum crescimento que a conjuntura europeia contradiz.


Mas o maior espanto do dia nem sequer foi o anúncio de mais um exercício de contorcionismo orçamental do governo, antes o de que o «Eurostat chumba ANA e défice de 2012 sobe». A decisão, esperada por muitos observadores mas estoicamente ignorada pelo governo, implica que o «Défice português ficou nos 6,6% em 2012» e que, novamente, se constata uma total divergência entre os piedosos anúncios do executivo e a verdadeira motivação das medidas tomadas.

Como tantas vezes denunciado e sem espanto, o verdadeiro objectivo da política de privatizações não é a redução de défices ou de despesas, antes a transferência de lucros para o sector privado, com a criminosa agravante no caso da ANA da alienação total duma actividade estratégica e potencialmente vital para a segurança nacional como o é a dos serviços aeroportuários.

E agora, além da pronta notícia emitida de Bruxelas de que o inefável «Passos Coelho desdramatiza chumbo da concessão da ANA» ou da pronta declaração do seu ministro das finanças de que «o programa de privatizações é para progredir», quem virá ainda a terreno continuar a defender a imprescindibilidade da medida? O Miguel Relvas?

quarta-feira, 13 de março de 2013

DO GULASH AO GULAG


Não bastando a longa sequência de acontecimentos e de falsas soluções para os problemas da UE para justificar o estado de catatonia em que vive, eis que os recentes desenvolvimentos em torno duma revisão constitucional na Hungria trazem para o centro das atenções dúvidas e questões pertinentes sobre os limites da democracia.

Mas será verdadeiramente estranho que apesar das manifestações populares e das reacções de responsáveis da UE e dos EUA «Parlamento da Hungria vota emendas à Constituição sob pressão internacional» ou que a «Maioria exime Governo à fiscalização e ao controlo» quando vários países da Europa atravessam ambientes verdadeiramente limitadores das liberdades e garantias dos seus cidadãos? Haverá alguma dúvida que as soluções ensaiadas na Grécia e na Itália de governos não-eleitos (cautelosamente designados de tecnocráticos) ou de governos, como o português, que aplicam políticas absolutamente contrárias aos programas com que se fizeram eleger, não são claros sinais de suspensão da democracia?

No fundo tudo isto será consequência natural do desânimo das populações, fruto do descrédito dos arrivistas que têm tomado de assalto o poder, ou resultado dum bem arquitectado plano de aterrorização das populações para facilitar o recurso a soluções antidemocráticas e assegurar a perpetuação dos ganhos das minorias influentes?

Serão os Monti, os Van Rompuy, os Barrosos, os Passos Coelho ou os Viktor Orban, por esse mundo fora, os verdeiros responsáveis pelo descrédito das instituições que representam ou meros títeres, parcos de vontade própria?


No caso deste último, que arrisca ficar para a história como o homem que mudou o gulash[1] em gulag[2], talvez pouco mais se possa dizer além de que terá passado à prática a tímida solução da suspensão temporária da democracia em tempos proposta por Manuela Ferreira Leite, então líder do PSD e abrindo caminho (na linha do protagonizado aqui por Gustavo Cardoso) à democracia zombie.

A lamentável situação dos húngaros deve ser acompanhada de perto, não apenas pelo que ela pode apresentar de premonitório para outros estados europeus mas principalmente para se avaliar a reacção e a capacidade dos líderes da UE, os tristes Van Rompuy e Durão Barroso, para fazerem respeitar os princípios democráticos que dizem nortear ainda a união económica que dirigem.


[1] Nome dum prato tradicional húngaro, que consiste num guisado de carne cortada em cubos, alourada em gordura e a que se junta farinha, cebola e especiarias.
[2] Designação pela qual ficaram conhecidos os campos de trabalhos forçados e de reeducação política a que, especialmente no período estalinista, eram condenados os oposicionistas na antiga União Soviética.

segunda-feira, 11 de março de 2013

AINDA FUKUSHIMA


Fukushima será hoje uma das referências mais lidas na imprensa, ou não se assinalasse o 2º aniversário dum fenómeno sísmico que culminou num desastre nuclear de proporções ainda turvas.

Fukushima ficará para a história como anos antes ficara Chernobil, significando um acidente nuclear de grandes proporções… tão grandes que ainda permanecem por estabelecer. Mais que o número de vítimas (já registadas e as que a seu tempo ocorrerão), parece continuar por esclarecer as responsabilidades a montante do sismo e do tsunami que no dia 11 de Março de 2011 atingiram aquela região do Japão.


Os dias que se seguiram (e as imagens que correram Mundo através das cadeias de televisão) poderão ter marcado um sério processo de reavaliação do uso da energia nuclear mas muito escassamente aquela que poderá ser a principal razão para a dimensão da catástrofe: um sistema regulador permissivo, a par com uma perigosa associação entre o interesse geral (a produção de energia a custos reduzidos) e o interesse particular (a maximização do lucro por via da redução dos custos) dos accionistas da empresa responsável pela exploração do complexo de Fukushima.

Muito se poderia dizer em abono e em desabono da energia nuclear, mas pouco tem vindo a público sobre o jogo de interesses e de cumplicidades que no sector energético japonês estiveram na origem do agravamento da catástrofe; desde as primeiras reacções de negação da dimensão (ver a propósito o que na época escrevi no “post” «QUÁDRUPLA CATÁSTROFE») e das suas potenciais consequências, até ao culminar na nacionalização da empresa TEPCO (eximindo o ónus dos erros à iniciativa privada e atirando para a esfera pública os custos da sua reparação).

Claro que o debate em torno do uso (e do abuso) da energia nuclear não se deve resumir a Fukushima, a Chernobil (central nuclear russa onde ocorreu em 1986 um acidente que lançou na atmosfera radiações equivalentes a 400 bomba atómicas similares à lançada sobre Hiroshima) ou até a Three Mile Island (central nuclear norte-americana que registou em 1979 uma fuga radioactiva devido a uma fusão parcial de um dos núcleos), pois além de incluir a inevitável discussão de natureza técnica deve ainda incluir uma séria reflexão sobre os mecanismos de controlo associados e sobre o modelo de gestão das instalações, embora isso, na actual conjuntura de sobrevalorização dos interesses económicos, se afigure difícil ou até condenado ao insucesso.

sábado, 9 de março de 2013

O CALDINHO…


Depois de termos assistido à sistemática repetição do chavão preferido da dupla Passos Coelho/Vítor Gaspar “nem mais tempo, nem mais dinheiro”, eis que o “mais tempo” parece pertencer a um passado ignoto e que o novo sinal da crença é o de que a «União Europeia aceita “ajustar” duração de alguns empréstimos a Portugal», dando assim mais tempo ao país para a aplicação do PAEF, enquanto Coelho, Gaspar & Cª se preparam para prolongar no tempo a estratégia que não tem parado de arruinar o País.


A questão nem é apenas a duma economia onde o «Desemprego dispara, défice derrapa, dívida cresce e crescimento encolhe», mas a duma sociedade na qual, como afirmou há dias Boaventura Sousa Santos ao ECONÓMICO, «“A coesão social em Portugal está fortemente ameaçada”», tudo isto enquanto a agência de notação de risco «S&P sobe risco da dívida portuguesa de negativo para “estável”», alegando que assim o programa de redução do défice é mais sustentável.

O que ninguém parece disposto a dizer (e ainda menos o reformado de Belém) é que o simples aumento do prazo, sem redução da taxa de juro nem do montante da dívida, se traduz afinal em maiores ganhos para os detentores da dívida pois irão receber mais juros durante mais tempo.

O “caldinho” que Vítor Gaspar e o seus pares do Ecofin estão a preparar aos cidadãos de Portugal e dos restantes países europeus sob intervenção da “troika” ou em vias de o ficarem, é o prolongamento das políticas de austeridade, acompanhadas do sobejamente conhecido cortejo de desemprego, falências, aumento do défice e contracção da economia (tanto mais evidente quando em simultâneo ficámos a saber que «Novas encomendas à indústria caem 12% em Janeiro»), que longe de aliviarem os cidadãos comuns funcionam em claro benefício dos credores, ou seja dos “banksters” e do sistema financeiro global

quarta-feira, 6 de março de 2013

UNS REFERENDAM, OUTROS SONDAM…


Não deixa de ser curioso que num momento em que no interior do espaço da UE cada vez se levanta mais a questão dos efeitos da actual crise no sistema democrático, cheguem da vizinha Suíça sinais da clara vitalidade do seu modelo de democracia participativa, expressos na realização dum referendo de iniciativa popular, da qual resultou que a «Suíça aprova limites para salários abusivos dos patrões».


Na prática os helvéticos foram chamados a pronunciar-se sobre uma questão que desde a extensão da crise do “subprime” à economia real tem ganho relevância particular e em especial sempre que são noticiados os prémios anuais dos CEO’s das grandes empresas e fizeram-no não por iniciativa dos seus representantes políticos mas em resultado duma iniciativa particular.

Não fosse a possibilidade constitucional de grupos de cidadãos poderem despoletar processos de referendo e a sua nomenclatura política, à semelhança das congéneres vizinhas, manter-se-ia indiferente à questão e indisponível para afrontar aqueles que cada vez mais se perfilam como os interesses que os movem.

Mais importante que o assunto referendado – e ateste-se a sua relevância quando na passada semana foi notícia que a «UE acorda limitação dos bónus na banca» – parece-me de destacar a importância da existência legal de formas concretas de participação política dos cidadãos e apetece mesmo deixar uma questão: como seria em Portugal se uma pequena parte das centenas de milhares de manifestantes (quantificação propositadamente vaga para não alimentar a polémica dos números) que no último Sábado engrossaram as manifestações contra a política do actual governo, subscrevessem uma proposta de alteração de política?

A ausência de tal hipótese, a par como tudo o que nas últimas décadas foi feito para desmobilizar e desmotivar a participação política activa dos cidadãos, é, como facilmente se demonstra, do rigoroso interesse das elites políticas (e dos interesses que estas representam), pois ao coarctar qualquer iniciativa popular assegura, automaticamente, a dupla finalidade de perpetuar no poder as mesmas elites e de desmotivar qualquer veleidade de oposição não organizada nos moldes tradicionais. O pior é que a solução não resolve afinal a mobilização popular alimentada por genuínos sentimentos de revolta, que os poderes estabelecidos receiam de sobremaneira e que no extremo pode até converter-se no pesadelo extremo duma sublevação popular.

Isso mesmo poderá já integrar, subliminarmente, a mensagem dirigida por Marcelo Rebelo de Sousa ao governo de Passos Coelho, quando no rescaldo das manifestações da véspera, aquele disse perante as câmaras da TVI que o «Governo “vai ser obrigado a mudar de política”», o mesmo se podendo dizer dos resultados duma sondagem sobre a questão da Reforma do Estado, realizada pelo CESOP/UCP, para o DN, JN, Antena 1 e RTP e da qual se conclui uma completa oposição às medidas tomadas e anunciadas pelo actual governo.

Basta aliás olhar para o gráfico onde se comparam as diversas opções para o corte dos anunciados 4 mil milhões de euros (o tal número mágico que nem o Governo nem a “troika” parecem capazes de explicar a origem e a dimensão) …


…para se concluir que a esmagadora maioria dos entrevistados manifesta opinião absolutamente contrária à que tem sido a estratégia do governo de Passos Coelho.

Claro que as sondagens têm um valor muito relativo face aos referendos, mas ainda assim merece que se destaque o facto dos inquiridos se manifestarem claramente a favor da fixação da idade da reforma entre os 60 ou os 65 anos (80% escolheram uma das duas hipóteses) e contra a privatização integral dos sistemas de protecção social; apenas 5% defenderam semelhante hipótese, contra os 54% que declararam que esta se deveria manter exclusivamente na esfera pública.

Em jeito de conclusão bem se poderia dizer que uns referendam, proporcionando maior intervenção e responsabilidade aos cidadãos, enquanto outros sondam…


...(até quando das sondagens resulta que «Portugueses querem referendo para decidir reforma do Estado») e assim continuarem a servir interesses espúrios!

sexta-feira, 1 de março de 2013

SORRISO AMARGO


Conhecidos os resultados das eleições em Itália é geral o sentimento de impasse que estas ditaram, a ponto do PUBLICO asseverar que «Ninguém ganha o Senado nem a Itália».

Além da sensação de “déjà vu” que levou, por exemplo, Ricardo Costa a interrogar-se no EXPRESSO se não será a «Itália já a Grécia?», numa analogia com o ocorrido no ano passado na Grécia quando umas inconclusivas eleições levaram à realização de novo sufrágio, fica um claro sentimento de derrota das principais formações políticas quando se constata que o partido mais votado foi o neófito MoVimento 5 Estrelas, de Beppe Grillo, com cerca de 25,5% dos votos, pois os 25,9% que deram a vitória na Câmara dos Deputados ao Partido Democrático e a Pier Luigi Bersani resultam duma coligação com o partido Esquerda, Ecologia e Liberdade e com outras pequenas formações, e os 29,1% da segunda formação, resultam das votações no partido Povo da Liberdade, de Silvio Berlusconi, coligado com a Liga Norte.

Se é verdade que parecem existir poucas razões para sorrisos, quer no campo de Bersani quer no de Berlusconi, no campo de Mario Monti, o líder do anterior governo de cariz tecnocrático que recebeu um claro apoio dos seus pares europeus, apenas deverão restar esgares e um ainda menor sentido de humor perante um resultado duns quase insignificantes 10,5% que lhe retiram qualquer ambição que pudesse ter tido de arbitrar o diferendo entre Bersani e Berlusconi.


Com a clara rejeição das políticas contraccionista personificadas e aplicadas por Monti, que bem justificaram que se dissesse que «Italianos votam em massa contra a austeridade», o papel de possível árbitro fica assim entregue ao movimento de Beppe Grillo e isso é ainda mais preocupante pois os seus apoiantes apresentam-se maioritariamente como contestatários ao “establishment” partidário que tem alternado na condução política da Itália e há até observadores que não deixaram de assinalar que o sucesso do MoVimento 5 Estrelas pode ter sido consequência da falta de renovação política no Partido Democrático e que se o seu líder fosse Mateo Renzi, o jovem presidente da câmara de Florença, talvez este tivesse captado boa parte daquele voto de protesto.

Desde o final da II Guerra Mundial que a Itália habituou a Europa e o Mundo a um clima de instabilidade governativa, bem expressa nos 62 governos registados nos últimos 65 anos), facto que agora até poderá constituir uma boa plataforma de trabalho para um comediante como Beppe Grillo (o homem cujo movimento promete uma vassourada na classe política tradicional) e para o seu grupo de contestatários.


O verdadeiro problema – e é isso que na realidade tanto aterroriza nos resultados destas eleições – é que a classe política não pode confiar em algo tão inconfiável como um movimento quase inorgânico, desprovido de fundamentadas linhas programáticas e cuja única razão de existência é um real sentimento de descrença nas restantes forças políticas. Beppe Grillo e os seus apoiantes podem ser vistos quase como o “buraco negro” que poderá tudo engolir à sua volta e o pior é que dele não se poderá dizer que não possui legitimidade democrática, como por cá tanto gostam de referir os apaniguados dum governo eleito sobre mentiras. Certo é que nem as aparentes boas notícias, como a de que a «Itália fecha 21012 com défice de 3%», deverão compensar a instabilidade política que o país atravessa, pois o cenário onde o presidente Giorgio «Napolitano afasta novas eleições em Itália e Bersani descarta coligação com Berlusconi» significará mais um governo de curta duração e a continuidade das políticas que estão a minar a Europa.