quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FELIZ 2010 (NA MEDIDA DO POSSÍVEL...)

Poder-se-ia encerrar o ano de 2009 sem voltar ao tema recorrente da crise?

Podia! Mas não era a mesma coisa... pois estaríamos a escamotear aquela que foi (e será) a grande questão dos tempos mais próximos: como sair da crise?

A acreditar nas vozes optimistas que não tardaram em embandeirar em arco aos primeiros sinais de alguma melhoria no panorama económico mundial e para os quais um simples redução na taxa de crescimento negativo das economias já é um excelente sinal de recuperação, nada do que a seguir surgirá fará o menor sentido, ou antes, apenas poderá ser entendido como manifesta atitude derrotista. Porém, estou em crer que 2010 pouco nos trará de verdadeiramente novo.

Todos os indicadores apontam para o triste facto da crise aberta pela falência do “subprime” norte-americano, mas fruto de um conjunto de concepções erradas sobre o funcionamento das economias, se encontrar longe de resolvida. A opção, adoptada pela administração norte-americana e prontamente copiada pelos europeus, de injectar biliões de unidades monetárias num sistema financeiro cuja cupidez mais não fez que ampliar os efeitos de uma grave crise económica poderá ter evitado a falência global daquele sistema, mas de modo algum resolveu o problema de fundo que é o da manifesta dissonância entre os sectores produtivos da economia e o sector financeiro e ainda menos os problemas originados aos tecidos económicos nacionais pelas absurdas políticas de deslocalização industrial e de redistribuição da riqueza.

Que a crise global continua por resolver é um facto assente e tanto mais evidente quanto após a intervenção estatal em defesa do sistema financeiro são agora os próprios Estados que estão ser colocados no centro da tempestade.

Os recentes acontecimentos no Dubai[1] e as reacções e os comentários à situação na Grécia são disso um sinal claro e um exemplo do que nunca deveria ter ocorrido.

Embora tratando-se de casos distintos (a situação do Dubai resultará fundamentalmente da incorrecta opção por uma estratégia de desenvolvimento sustentada na expansão imobiliária e de uma ligação demasiadamente estreita entre os capitais pessoais da família real e a economia da região, enquanto o caso grego parece resultar fundamentalmente de utilização inadequada dos fundos comunitários da UE que deveriam ter financiado a modernização do seu tecido produtivo) a situação de quase incumprimento do Dubai e a do possível incumprimento grego têm sido tratadas pela imprensa e pela generalidade dos analistas como se de casos iguais se tratasse, fenómeno a que não deverá ser estranho o elevado peso que os “especialistas” de Wall Street e da City ainda têm nesta área.

Analisada da forma correcta, a questão do excessivo peso do endividamento grego não passa de um fogo de vista quando comparado com as monumentais dívidas acumuladas pelos EUA, Grã-Bretanha, situação que aliás um dos “especialistas” na matéria, o Credit Suisse reportava já em Março deste ano.

Descontando o já conhecido caso islandês, constata-se que o trio seguinte é constituído pelos EUA, pela Grã-Bretanha e pela Espanha, com a Grécia a surgir apenas após a Irlanda; embora no caso daquela seja claro o elevado peso da dívida pública no cômputo global, facto que pouco altera a ideia de que muito do “ruído” produzido em torno da questão se deverá principalmente à intenção de criar um cenário de diversão que torne menos problemática a situação americana e inglesa.

Ao longo do ano que agora termina não faltaram na imprensa generalista e na especializada notícias que não visavam mais do que desestabilizar a moeda da UE, primeiro com o famigerado risco bancário dos países da Europa de Leste e agora com a questão da dívida grega.

Mesmo sem querer acompanhar a leitura que os analistas do LEAP fazem da situação[2] para concluir que a “crise grega” pode até constituir um sinal positivo, tanto mais que a situação da economia portuguesa e da sua dívida pública é em muito idêntica, nem por isso me parece menos digno de denúncia e de alerta para esta quase grosseira manipulação da realidade.

É que se as economias mediterrânicas apresentam claros sinais de fragilidade e um evidente sobre endividamento público, não é menos verdade que boa parte do recente agravamento se ficou a dever à desastrada decisão de socorrer os banqueiros que agora se arrogam o direito de “penalizar”[3] aquelas economias pelo papel de intervenção que tiveram.

Já não é apenas uma questão de dualidade de critérios, é uma manifesta má-fé que rodeia e empola todo este processo, em abono do qual se deve dizer que não constituirá senão um terceiro passo[4] no sentido de um bem mais que provável agravamento da crise.
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[1] Ver a propósito o “post” «NAUFRÁGIO À VISTA?»
[2] Ver a propósito o Relatório de Dezembro de 2009.
[3] Sobre esta questão e sobre a situação do endividamento português, ver o “post” «MERGULHO PÚBLICO»
[4] Recorde-se que o primeiro passo foi a crise do “subprime”, despoletada nos EUA, e o segundo a crise de liquidez que se lhe seguiu e em que mergulhou grande parte do sistema financeiro mundial.

domingo, 27 de dezembro de 2009

SAHARA LIVRE

Por incrível que possa parecer o final de cada ano e o hábito de proceder a balanços e à formulação de novas expectativas, tende a trazer à luz do dia (ainda que pelo breve período de uma notícia ou de um “flash” televisivo) um ou outro problema que se arrasta no tempo. Entre estes destaque-se a situação da antiga colónia espanhola do Sahara Ocidental.
Desta vez a questão foi presença regular nas notícias por um período bem superior ao habitual e tudo por causa de um incidente e da força de espírito de uma militante saharauí – Aminatou Haidar – que no regresso ao território ocupado por Marrocos lhe viu recusada a entrada por não aceitar declarar no formulário administrativo outra nacionalidade que a sua: saharauí.

Expulsa do território marroquino foi transportada para Espanha (Lanzarote) onde iniciou uma greve de fome até que o seu regresso fosse aceite. Ao cabo de 32 dias de greve de fome o governo marroquino acabou por aceitar o seu regresso a Layounne (capital do território saharauí), naquilo que, segundo esta
notícia da BBC NEWS, a própria Aminatou classificou como «…um triunfo das leis internacionais, dos direitos humanos, da justiça internacional e do Sahara Ocidental…».

Sucede porém que esta vitória pessoal de Aminatou pode muito bem ter marcado um profundo revés para os anseios de liberdade do seu povo, isto, a confirmar-se que, como noticiou o PUBLICO, que «
Espanha e França reconheceram autoridade de Rabat no Sara para resolver crise de Haidar».

Este pode ser tido como mais um exemplo dos malefícios da chamada “realpolitik
[1], pois o que na realidade se terá passado é que uma vez mais o Estado espanhol mostrou a sua incapacidade (ou total falta de vontade) para enfrentar um problema que ele próprio criou quando, em 1975, abandonou a sua antiga colónia sem previamente ter assegurado o respeito pela vontade do povo que colonizou. Abandonado à sua sorte e sem meios para resistir aos seus poderosos vizinhos, em especial Marrocos que explora de forma predatória os seus recursos naturais (fosfatos e os ricos bancos de pesca), a República Saharauí continua a ser mais um dos exemplos da ineficácia de organizações como a ONU (entidade que reconhece oficialmente a existência do Estado Saharauí) e uma vergonha para o conjunto da comunidade internacional.

As responsabilidades do Estado espanhol nesta questão são ainda maiores quando se constata que o mesmo preferiu uma vez mais não hostilizar o vizinho marroquino, com quem mantém importantes laços comerciais, de quem depende na luta contra a emigração ilegal e o tráfico de haxixe e de quem teme represálias sobre os enclaves de Ceuta e Melilla. Mas os espanhóis não foram os únicos a errar nesta matéria, pois franceses e argelinos (país que acolhe o governo no exílio da República Saharauí e tem utilizado este e a Frente Polisário
[2] como arma de arremesso na sua velha rivalidade com a monarquia marroquina) também pouco têm contribuído para resolver a situação.

Em resumo, bem se pode dizer que a justa vitória a pessoal de Aminatou Haidar bem pode ter custado a última esperança de independência para os sahrauís.
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[1] A expressão deriva do alemão (“real“, realístico, prático ou actual e “Politik“, política) e aplica-se à política ou diplomacia baseada principalmente em considerações de natureza prática em detrimento de noções ideológicas., partilhando aspectos com abordagens filosóficas como o realismo e o pragmatismo. A expressão é muitas vezes usada no sentido pejorativo, significando políticas coercivas, amorais ou maquiavélicas, mas na realidade é uma teoria política que se centra em considerações de poder e não em princípios ideais ou morais.
[2] Designação do movimento político-revolucionário que luta pela separação do Sahara Ocidental, antigo Sahara Espanhol ou Rio de Oro, actualmente sob domínio de Marrocos, para o que conta com o apoio da Argélia. Após um período de confrontos o exército marroquino retirou-se para uma zona restrita do deserto, mais próxima da sua fronteira e constituindo o chamado "triângulo de segurança", que compreende as duas únicas cidades costeiras e a zona dos fosfatos, onde construiu um imenso muro de betão armado, por trás do qual os soldados marroquinos vivem entrincheirados, protegendo a extracção do minério. Marrocos e a Frente Polisário selaram um cessar-fogo em 1988. Um plebiscito é marcado para 1992, que não se chega a realizar porque não há acordo sobre quem tem direito a votar: Marrocos quer que seja toda a população residente no Sahara Ocidental, mas a Frente Polisário só aceita que sejam os habitantes contados no censo de 1974. Isso impediria o voto dos marroquinos emigrados para a região em disputa depois de 1974.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

“ESTÓRIA” DE NATAL

Tivesse eu engenho e arte e estaria a escrever uma espécie de Conto de Natal onde ao invés de mostrar a dura realidade que nos rodeia conseguisse cruzar ao correr da pena um Pai Natal, um “facilitador”, um “sucateiro”, um robalo, talvez um palhaço e seguramente um “autarca-bandido”.

Como a “estória” teria de se localizar algures seria, por hábito ou tradição, quase certamente num lugar mágico e, por desconhecer outro com melhores características, este seria pobre e triste; o lugar seria mágico, porque as “estórias” (sobretudo as que incluem figuras mitológicas) só podem ocorrer em lugares assim, triste, porque essa é a realidade que todos bem conhecemos, e pobre porque qualquer lugar onde coabitam “facilitadores” com “sucateiros” e com “autarcas-bandidos” não pode ficar senão pobre… cada vez mais pobre!

Numa “estória” para animar as criancinhas e, portanto, carregada de valores morais o Pai Natal traria no seu saco os presentes que todos os personagens mais precisassem: ética e decoro para os “facilitadores”, lucros proporcionais à capacidade de gestão dos “sucateiros”, sentido de protecção e salvaguarda da coisa pública para os “autarcas-bandidos”, moderação e sentido de dever público para os “palhaços” e, por fim, talvez um enorme aquário para o robalo (que é o único dos personagens sem grande papel activo).

Numa “estória” para os adultos que ainda acreditam no Pai Natal, talvez este trouxesse um presente igual para todos (excepto o robalo, porque continuava a ser o único personagem sem grande papel activo): uns bons anos de pura e dura prisão a que se seguiria uma interdição de exercício de qualquer actividade pública e empresarial (a final condenar alguém a viver do seu trabalho nem será uma pena assim tão severa, pois a grande maioria de nós sofre-a há gerações) … mas isto seria no caso de eu ter engenho e arte para a escrever.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O QUE ESCONDEU COPENHAGA

Terminada a Cimeira de Copenhaga, que reuniu entre 7 e 18 de Dezembro para debater estratégias sobre as alterações climáticas e contou com mais de 15.000 delgados, entre os quais 110 chefes de Estado e de governo, de 192 países, qual o balanço a fazer? Louvar os resultados ou lamentar o que ficou por fazer e o muito que ficou por dizer?

Contrariando o sentimento de catastrofidade e urgência que a generalidade da imprensa mundial tem procurado transmitir a propósito das questões climáticas, a Cimeira desenrolou-se num clima de aparente conflito entre os interesses dos países ricos e dos países pobres perfeitamente evidente quando as questões objecto de discussão foram de natureza financeira (transferências a fazer dos países ricos para os países pobres) e não as de natureza verdadeiramente ambiental.

Antecedendo a Cimeira e todo o folclore que a rodeou (nomeadamente as grandes manifestações autorizadas e as pequenas manifestações não autorizadas, mas cujos objectivos não deixaram de ser atempadamente anunciados por forma que as forças policiais e os jornalistas marcassem presença) foi divulgado o conteúdo de um conjunto de ficheiros informáticos transmitidos entre os grandes apólogos da tese do aquecimento global, na maioria cientistas e membros do Painel Intergovernamental de Alterações Climáticas (IPCC), os quais revelavam uma possível manipulação dos dados em que se basearam para as conclusões apresentadas.

Sem querer entrar na grande polémica em torno da questão da dimensão e do carácter catastrófico que muitos tentam atribuir ao problema, até porque não é matéria sobre a qual possuo grande formação, sempre julguei mais adequado observar o tema de forma o mais desapaixonada possível, tanto mais quanto vejo pulular à sua volta um número considerável de “apóstolos” e “profetas” fanáticos.

Aconselhando o bom senso e os mais recentes desenvolvimentos uma abordagem mais ponderada, parece-me de todo em todo útil recordar aqui algumas questões que julgo pertinentes.

Se para quase toda é gente será inegável a necessidade de introduzir alterações nos procedimentos que têm rodeado o desenvolvimento da Humanidade, principalmente desde o período da Revolução Industrial, e em particular a forma como usamos e abusamos do Planeta em que todos vivemos, sempre entendi que a abordagem de problemas como o do aquecimento global, das emissões de CO2 e do resultante efeito de estufa ou o da subida do nível dos oceanos merecia uma perspectiva equilibrada e tão científica quanto possível. Depois do chamado “Climagate”[1] e da inevitável quebra na confiança fiabilidade da informação, talvez esta seja uma boa oportunidade para uma adequada recentragem do debate.

A própria mudança na linguagem dos indefectíveis do cataclismo, que apressadamente substituíram o conceito de aquecimento global pelo de alterações climáticas pode constituir um primeiro passo significativo no sentido de uma nova abordagem que, em vez de diabolizar os combustíveis fósseis e o seu consumo (paradigma no qual assenta todo o desenvolvimento económico e social desde o século XIX) passe a contemplar as vias para uma real redução dos seus efeitos, mas principalmente para uma exploração racional dos recursos naturais.

Se as alterações climáticas são um fenómeno conhecido na evolução do nosso planeta (quem ignora, por exemplo, que a actual região semidesértica da Mesopotâmia, situada entre os rios Tigre e Eufrates, já foi uma zona de clima subtropical e berço da civilização ocidental), o que deveria orientar a comunidade científica era a pesquisa e a formulação de alternativas energéticas, ecologicamente mais adequadas e economicamente viáveis. Paralelamente os governos deveriam preocupar-se prioritariamente com questões como sejam o combate à poluição dos aquíferos e ao tratamento dos resíduos, em vez de entregarem essa actividade a empresas cujo objectivo não é a melhoria das condições ambientais mas sim a maximização dos seus lucros.

E de lucros foi o que realmente se tratou na capital dinamarquesa, pois a panaceia proposta para o mal (inexistente ou de muito menor dimensão que a anunciada) é o alargamento do mercado de uns tais derivativos sobre o carbono.

Apresentados como um processo de compensação em que os mais poluidores pagarão aos menos poluidores (mediante o conhecido processo financeiro de compra e venda de direitos), trata-se no essencial de um mecanismo em tudo idêntico àquele que recentemente conduziu o sistema financeiro à beira do colapso. Á frente deste colossal embuste encontra-se o JP MORGAN (empresa de serviços financeiros que integra o universo JP MORGAN-CHASE, que foi a “criadora” dos “Credit-Default Swaps[2] e negoceia cerca de 90 biliões de dólares em produtos derivados), pois foi dos seus quadros de pessoal que saiu a “invenção” do tal mercado de direitos.

Com tantos milhares de milhões de dólares para ganhar não espanta que a questão do aquecimento global tenha atingido as proporções que atingiu, nem que tantos políticos ocidentais se tenham prontamente convertido em tão preocupados e intervenientes defensores do “clima”... em benefício dos grandes especuladores de Wall Street.
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[1] Nome pelo qual ficou conhecido o escândalo resultante da divulgação dos mails reveladores da manipulação dos dados “científicos” utilizados pelos defensores de teses como a do aquecimento global.
[2] Credit Defualt Swaps, também conhecidos pela sigla CDS, são contratos de “swap” (troca) em que o vendedor assegura ao comprador (mediante um pagamento inicial) que assegurará o pagamento de outro contrato (normalmente um empréstimo ou uma obrigação) em caso de incumprimento deste; por outras palavras deverá funcionar como mecanismo de cobertura de risco no caso do comprador ser também o detentor do crédito ou da obrigação. Porém a maioria dos contratos não se destina a assegurar aquele tipo de risco, funcionando antes como mero instrumento de especulação.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

BLAIR, O SICOFANTA

Depois de malograda a tentativa de ascensão ao topo da hierarquia da UE, O ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair, volta a ser notícia na imprensa depois das declarações proferidas à BBC One, justificando a invasão do Iraque independentemente da existência ou não das famigeradas armas de destruição em massa.

Estrategicamente realizada umas semanas antes da sua comparência na comissão criada para debater a participação da Inglaterra na invasão daquele país, Blair apresentou-se para justificar à opinião pública inglesa a decisão que lançou americanos e ingleses numa aventura de consequências finais ainda por esclarecer.

Embora não subsistam grandes dúvidas sobre a qualidade de muitas das decisões que os dirigentes políticos assumem diariamente um pouco por todo o lado, nem constitua especial novidade ver qualquer deles desdizer o que antes dissera com maior das naturalidades e desfaçatez, não é todos os dias que algum dos “grandes líderes” mundiais faz afirmações como as que Tony Blair agora produziu; a gravidade de tiradas como aquela em que, segundo esta notícia da BBC NEWS, afirmou: «Não acho que estivéssemos melhor com ele [Saddam Hussein] e com os seus dois filhos a mandar, mas é muito difícil [...] por isso é que compreendo as pessoas que foram contra [a guerra] por boas razões e continuam a opor-se agora, mas eu tinha que tomar uma decisão», não pode deixar de ser denunciada, pois o que se deduz das suas palavras é que ele e Bush já teriam decidido avançar contra Saddam qualquer que fosse o pretexto necessário invocar.

Esta hipótese é confirmada por esta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS, que refere como fonte as declarações do antigo embaixador inglês nos EUA, Christopher Meyer, perante a comissão de inquérito que decorre, confirmando que Blair voltou a mentir a toda a gente pois ele e Bush terão tomado a decisão de invadir o Iraque em 2002 (um ano antes da acção) e bem antes da campanha de desinformação sobre as armas de destruição em massa. Corroborando esta tese e dando ênfase a toda a maquinação em torno da questão iraniana, a notícia refere ainda que segundo uma afirmação da ex-secretária de estado de Bush, Condoleezza Rice, a administração Bush considerou desde o 11 de Setembro a hipótese de invasão do Iraque.

Se ainda houvesse dúvidas sobre o facto da dupla Bush-Blair ter deliberadamente mentido aos cidadãos dos respectivos países (e por extensão ao Mundo inteiro), acresce a gravidade da sua decisão ter arrastado outros estados para uma guerra de todo em todo evitável e que nem as características do regime de Saddam, por si só, justificavam[1]. Que ambos estavam bem cientes da mentira que forjaram e da insustentabilidade prática da sua vontade de mergulhar o Médio Oriente em mais um conflito, pode ser confirmado pelas declarações de Hans Blix, o responsável da missão de inspectores da ONU que procurou apurar se existiam no Iraque armas de destruição em massa, ao DAILY MAIL[2] e nas quais comparou o duo com os caçadores de bruxas do século XVII.

Conclui-se assim que, se Blair pretendeu esclarecer alguma coisa com a entrevista tudo o que terá conseguido foi enraizar a convicção que muitos já tínhamos de que a guerra foi justificada (se é que alguma vez existe verdadeira justificação para qual quer agressão) por um monumental embuste e que este foi levado a cabo de forma premeditada.

Da mesma forma importa que em todo este processo não seja esquecido o papel dos órgãos de comunicação (jornais e televisões) que alinharam de forma cega e acrítica em toda esta manigância.

O desmascaramento de Bush, de Blair e dos seus comparsas Aznar e Durão Barroso, deverá ser acompanhado de outras medidas, nomeadamente o cabal esclarecimento das campanhas de intoxicação informativa e das verdadeiras perseguições de que foram alvo as vozes mais credenciadas que na altura se manifestaram contra a iniciativa, como foi o caso do polémico “suicídio” do ex-inspector de armamento David Kelly.
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[1] Isso mesmo é referido nesta notícia do DN, que citando o jornal londrino “The Guardian” recorda «...que, em Julho de 2002, o procurador-geral britânico Lord Goldsmith explicara a Blair não ser a invocação de mudança de regime fundamento jurídico no plano internacional para o recurso à acção militar
[2] O artigo do DAYLI MAIL pode ser lido aqui.

sábado, 12 de dezembro de 2009

MERGULHO PÚBLICO

Por uma ou outra razão, a questão do endividamento dos estados está na ordem do dia. Como se não bastasse o abalo provocado pelo constante avolumar de notícias relativamente à situação financeira do Dubai – como era de prever já não se trata apenas do conglomerado DUBAI WORLD, mas do conjunto da actividade económica daquele estado profundamente abalada pela periclitância deste gigante com pés de barro – este acontecimento trouxe à evidência a situação das finanças públicas de outros países.

Entre estes contam-se alguns europeus, como é o caso da Grécia (o que parece estar em pior situação), da Espanha, da Irlanda e de Portugal que no conjunto apresentam um cenário macroeconómico em que o endividamento público se aproxima perigosamente dos 100% do respectivo PIB.

Esta situação, pela sua importância e delicadeza, merece ser abordada de forma cuidada, tanto mais que os seus reflexos que já se começam a tornar visíveis nos mercados financeiros internacionais o que é bem expresso na notícia do PUBLICO que assegura que «Finanças públicas sob suspeita agravam juros da dívida do Estado», devendo ser separada em três grandes áreas de observação: o plano financeiro (nacional e internacional), o papel das finanças públicas nas economias modernas e o papel do sistema financeiro.

No campo estritamente financeiro, o crescente endividamento dos estados é uma situação tendencialmente preocupante, não apenas pela evidência das dificuldades dos respectivos governos, mas também pelas dificuldades que as próprias economias atravessam. Sendo ambos factores que contribuem para o aumento da incerteza, associada ao risco de não pagamento do serviço da dívida, terão como consequência rápida a subida dos “spreads” que estados e empresas se verão obrigados a pagar para se financiarem.

Esta é a perspectiva em que funcionam os mercados nacionais e internacionais de capitais e (até ver) não haverá solução milagrosa que possa alterar um quadro ao qual se adiciona a intervenção das chamadas agências internacionais de “rating”. Bem pode um ou outro jornalista, ou analista, mais atento lembrar a falta de qualidade do trabalho evidenciado por aquelas agências internacionais aquando o rebentamento da bolha do imobiliário, ou perguntar-se o cidadão comum o que tem a dívida pública portuguesa ou a dívida de empresas como a PT, a GALP ou a EDP a ver com as dificuldades do Dubai, que para todos a resposta é tão simples quanto absurda: tem tudo e nada a ver.

Tudo, porque funcionando o nosso país e os seus parceiros comerciais (aqueles que nos compram e vendem mercadorias e aqueles que nos emprestam dinheiro ou a quem nós emprestamos) num sistema de economia onde as mercadorias e o dinheiro circulam de forma mais ou menos livre, tudo tem a ver com tudo; mas também se pode argumentar que a relação será mínima ou nenhuma na medida em que os fluxos de bens e de dinheiro entre Portugal e o Dubai são muito reduzidos.

O raciocínio seria mais ou menos simples no caso de uma comparação bilateral (Portugal – Dubai), mas o “busilis” é que conglomerados como o DUBAI WORLD têm uma vasta e diversificada rede de investimentos que acabará por produzir consequências um pouco por todo o lado.

Para ampliar ainda mais este efeito temos a já referida reacção das empresas de “rating” que, cientes do medonho fiasco que constituiu a sua actuação laxista na avaliação do risco de empresas e produtos financeiros, procuram agora recuperar parte da credibilidade perdida mesmo correndo o risco de voltarem a errar, agora por excesso.

Como se não bastasse esta conjugação de factores há ainda que acrescentar a isto o modelo de funcionamento dos mercados e das empresas financeiras, que no essencial acabam por rapidamente ampliar os efeitos de choque (positivos ou negativos) por adoptarem como princípio de funcionamento o mimetismo[1] em detrimento da análise fundamentada das economias e das empresas.

Escusado será dizer que sendo esta a realidade de funcionamento dos mercados financeiros qualquer perturbação, real ou imaginária, provoca uma reacção inevitavelmente ampliada pelo efeito de pânico. Foi assim que logo às primeiras notícias da situação no Dubai se começou a ouvir (e a ler) que algumas economias europeias apresentavam uma situação igualmente preocupante e que nos últimos dias não têm parado de “chover” notícias sobre as medidas tomadas pelos governantes gregos e irlandeses para tentarem inverter a situação, sendo que a mais espectacular delas é a que refere que a «Irlanda vai cortar salários a funcionários do Estado».
E aqui será o momento oportuno para todos nos questionarmos sobre o papel das finanças públicas nas economias modernas.

Mesmo sabendo que o tema é altamente polémico e por si só suficiente para a produção de vários “in-folio”, arrisco alguns breves comentários, não sem antes lembrar que existe uma antiga polémica entre os economistas sobre as virtualidades das finanças públicas. Enquanto para os seguidores das correntes mais liberais e monetaristas o endividamento público é o exemplo claro da ineficiência da gestão pública e o responsável pela redução dos lucros das actividades produtivas (por via dos impostos cobrados sobre as transacções e os lucros das empresas), para os seguidores das correntes keynesiana (defensores menos intransigentes do primado do mercado) ou mais orientados para a faceta social da economia, o endividamento público pode ser uma forma de estimular a economia e de realizar alguma forma de compensação para as políticas redistributivas que sobrelevam a remuneração do factor capital.~

Por tradição a Europa tem privilegiado em certa medida o chamado papel social do Estado (ao contrário da maioria dos países, os europeus beneficiam em geral de melhores sistemas de segurança social e de assistência médica), opção que obviamente implica maiores orçamentos públicos e inevitáveis acréscimos na carga fiscal. O delicado equilíbrio entre estes factores e a inevitável influência que as decisões de carácter meramente político[2] têm nesta matéria resultam, na maioria dos casos, na elaboração de orçamentos públicos onde o volume das despesas é superior ao das receitas.

Partindo desta explicação muito simplista para a origem dos déficits públicos, rapidamente se entende como se origina o endividamento (a parte das despesas do orçamento que as receitas não conseguem cobrir) e como sucessivas decisões políticas ou até necessidades específicas (como pode ser entendida a actuação de um governo para combater os efeitos mais gravosos de um crise económica) o podem conduzir aos valores que actualmente registam. Mas a grande questão é como conciliar as necessidades com os recursos, e a habitual resposta dos governos recai invariavelmente na redução da componente da despesa directamente ligada aos custos do funcionalismo público, seja através de medidas de redução de pessoal ou de contenção salarial, e raramente é fruto de um trabalho de avaliação de desperdícios[3] e de efectivo saneamento financeiro.

Mas mesmo que, por um qualquer passe de mágica tivessem chegado ao governo da nossa República algumas figuras capazes de executar semelhante arrojo, permaneceria apor resolver o terceiro vértice do triângulo: o papel do sistema financeiro.

Aqui reside, talvez, o mais delicado do problemas a resolver pois os próprios mercados financeiros são sustentados pelo sistema financeiro e funcionam segundo as regras e a lógica deste, as quais se encontram nos antípodas dos princípios de funcionamento em prol da comunidade que deveriam balizar a gestão da coisa pública e do respectivo orçamento.

Assim, mesmo que lográssemos a reintrodução de rigorosos critérios de gestão estes apenas fariam total sentido caso de verificasse um profunda modificação no paradigma de funcionamento do sistema financeiro, deixando de privilegiar um sistema creditício onde os banqueiros, por serem detentores do monopólio da criação da moeda, são os únicos que lucram a expensas dos contribuintes.
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[1] Recorde-se que os agentes de Mercado, forçados a tomar decisões em períodos conturbados e com prazos mínimos, usam como mecanismo de defesa fazer o que vêem fazer; algo de parecido ao mecanismo de defesa das manadas de herbívoros que, quando acossadas por um predador, tendem a correr em grupo e na mesma direcção, na expectativa de confundir o adversário ou mais prosaicamente de verem “comido” o distraído que escolheu a direcção oposta.
[2] Recorde-se a propósito a habitual “norma nacional” que assegura maiores aumentos para a função pública e aumento de outras despesas em anos eleitorais, para se compreender a real influência que as opções meramente políticas têm nesta matéria.
[3] A par com o sentimento comum da exorbitância de gastos ministeriais com consultores, assessores e adjuntos e mesmo entendendo-a com as devidas reservas, a notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS que refere que o «Ensino Superior português podia produzir o mesmo com metade do dinheiro» pode servir de exemplo para a avaliação dos tais desperdícios.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

SOLUÇÃO DESPREZADA OU DESESPERADA?

A propósito do debate em torno da solução para a crise económica, escreveu o Prof. César das Neves, iniciando a sua última crónica no DN que «[e]xiste uma unanimidade estrutural dos diagnósticos e em grande medida das terapêuticas. Claro que há contestatários, como se impõe na sociedade mediática, mas aqueles que interessa ouvir dizem o mesmo».

Assim, “tout court” o eminente economista resume o debate à simplérrima dicotomia entre “os que interessa ouvir” e os “outros”. Qual “deus ex-machina” o professor da Universidade Católica lança para o limbo do squecimento as opiniões que lhe não agradam ou não lhe interessam ouvir, não sendo por isso de estranhar que se faça eco das teses apresentadas por Vítor Bento e resuma a questão à simples aplicação das cinco medidas a saber:
  • restaurar a competitividade;
  • redireccionar o investimento público e os incentivos ao investimento privado a favor do sector transaccionável;
  • redireccionar os incentivos à produção, também a favor deste sector;
  • flexibilizar o funcionamento da economia e nomeadamente do mercado de trabalho;
  • reduzir, complementarmente, a procura interna para um nível mais sustentável.
Estas caracterizam-se, ou não proviessem de quem provêem, por camuflar o essencial (a flexibilização do mercado de trabalho e a redução da procura interna) com medidas acessórias que no geral não merecerão uma crítica tão directa.

Nenhum economista minimamente consciente pode deixar de reconhecer que do aumento da competitividade deverá resultar um aumento do produto e do rendimento, nem reconhecer as óbvias vantagens do investimento ser canalizado para os sectores geradores de receita; porém, a realidade económica é bem mais complexa que os subscritores desta estratégia pretendem fazer crer, porque além de existir mais que uma forma de aumentar a competitividade – e a mais eficaz e menos utilizada em Portugal é a do investimento na modernização e automação dos aparelhos produtivos – que não só a simplista redução dos custos do trabalho, também a realidade do tecido industrial nacional é bem diversa da dos países industrializados que Vítor Bento e César das Neves usam como modelo comparativo. Na prática o apelo que estes fazem ao investimento público é a clara confissão daquilo que procuram escamotear – a insuficiência do investimento privado.

Se numa economia desenvolvida e com um tecido empresarial financeiramente sólido pode fazer sentido que o investimento público privilegie os sectores não produtivos (saúde, segurança, etc.), já em economias como a portuguesa este tende a substituir os capitais privados inexistentes ou que os seus detentores preferem canalizar para os “off-shores” enquanto os paladinos da livre concorrência e dos equilíbrios financeiros, esquecendo (ou fingindo esquecer) esta realidade pugnam pela redução dos já de si parcos recursos canalizados pelo Estado para as áreas sociais, privilegiando o conceito neoliberal do “trickle-down economic[1], algo de parecido com o que no tempo do Estado Novo era popularmente designado como a “caridadezinha”.

Na actual conjuntura nacional, onde pontifica a estagnação e o desemprego é crescente, apelar a medidas anti-recessivas que se pautem pelo agravar do rendimento real de quem trabalha em benefício de quem pouco mais investe que os benefícios que recebe do Estado não é apenas uma mistificação técnica do processo económico, é uma indignidade social.

Como o próprio Prof. declarou à revista VISÃO (nº874 de 3 de Dezembro de 2009) a questão salarial não é apenas uma questão de natureza económica mas fundamentalmente de natureza política, ficando assim o problema do aumento da competitividade (nos termos em que foi colocado) resumido à flexibilização do mercado de trabalho (que em linguagem corrente significará aumento na taxa de desemprego, com a consequente degradação das condições de vida de um número crescente de famílias, e aumento do trabalho precário), pelo que não será despiciendo pensar que os próprios autores estarão perfeitamente conscientes dos reais objectivos das suas teses, as quais apontam em última análise para a continuação de uma política orientada para a abertura incondicional das economias domésticas aos mercados internacionais e, consequentemente, a quem o condiciona.

Como a definição das regras de funcionamento daqueles mercados é determinada pelas grandes empresas e pelos seus accionistas (os grandes grupos económicos e umas poucas famílias financeiramente poderosas), forçoso se torna concluir que as teses neoliberais (as tais dos que interessa ouvir, na opinião de César das Neves) mais não fazem que submeter o interesse nacional (e o daqueles que cuja única mercadoria que dispõem é a sua própria força de trabalho) àqueles interesses colocando-nos a todos numa situação de mísera dependência.

Porque, cúmulo do cinismo, os economistas que interessa ouvir (ainda e sempre segundo a abalizada opinião de César das Neves) têm razão quando apontam os inconvenientes das políticas que nos têm conduzido a uma situação em que o endividamento público já se situa em 100% do PIB, mas as soluções que propõem são em tudo idênticas às práticas que nos conduziram àquele estado.

É que mesmo argumentando, como o fazem, de que o investimento público no sector transaccionável deverá gerar os meios para fazer face ao pagamento dos juros da dívida originada pelo investimento, esquecem duas realidades:

  1. estão a aconselhar a realização de investimentos em sectores e empresas em que o Estado deteve significativas participações e de cujas privatizações eles mesmos foram acérrimos defensores;
  2. a principal razão para o endividamento público arrastar qualquer economia para situações como a que a nossa atravessa é o facto dos tomadores dessa dívida serem maioritariamente as mesmas empresas financeiras a quem em tempos os estados entregaram o monopólio da criação de moeda;

que por si só demonstram as insuficiências e contradições de uma solução que não pode ser senão desesperada e, pior, ineficaz.
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[1] A teoria do “trickle-down economic”, particularmente cara às correntes neoliberais e monetaristas, pressupõe que as reduções nos impostos e nas taxas que beneficiem as empresas e os rendimentos mais elevados acabarão por beneficiar indirectamente a generalidade das populações; esta teoria baseia-se no princípio de que as classes de rendimentos mais elevados apresentam maior propensão ao aforro e ao investimento e que este gerará empregos e alimentará o conjunto da economia, enquanto as classes mais baixas, por terem maior propensão ao consumo não gerarão qualquer efeito benéfico.

sábado, 5 de dezembro de 2009

OLD BLOOD AND GUTS[1]

Após longa e madura ponderação sobre a delicada questão da intervenção norte-americana no Afeganistão, eis que esta semana o presidente Obama, o mais recente prémio Nobel da Paz, anunciou a sua decisão de reforçar o contingente com mais 30.000 soldados e apelou aos restantes aliados da NATO para que reforçassem os seus contingentes[2].

Tanto bastou para reacender a polémica em torno da guerra que a administração de George W Bush iniciou em 2001 a pretexto de perseguir a capturar o presumido responsável pelo atentado do 11 de Setembro, que já custou a vida a mais de 900 soldados norte-americanos, e da qual pouco mais resultou que o aumento da instabilidade na região.

Como se não bastasse o completo fracasso na pretensão de captura de Bin Laden[3], a acção militar teve como principal reflexo a implantação de um novo regime altamente fragilizado e cada vez mais apontado como corrupto, além de ter disseminado a área de influência dos “talibans” para lá da fronteira com o vizinho Paquistão.

Deficientemente preparada e pior organizada, a intervenção no Afeganistão (mesmo considerando o facto desta ter sido organizada a partir de uma estrutura supranacional como é o caso da NATO) teve o condão de evidenciar as ligações do movimento “taliban” com o regime (ou pelo menos com a estrutura militar) do vizinho Paquistão[4] e coloca hoje à administração de Obama mais um problema de resolução complicada, numa região que, ao invés da acalmia precipitadamente anunciada por Bush, regista um recrudescimento de violência que ameaça já a sustentação do próprio governo paquistanês.

A absurda ideia de implantação de democracias mediante o uso da força militar regista não só mais um revés (de que a recente reeleição reconhecidamente fraudulenta de Hamid Karzai é apenas o episódio mais recente) como os efeitos adversos arriscam espalhar-se e envolver os países vizinhos.

Exemplo disso é o recrudescimento da actividade dos extremistas islâmicos na província paquistanesa do Waziristão (estado muçulmano estrategicamente importante por ser detentor de um arsenal nuclear e com conhecido historial de instabilidade política, pois desde a sua fundação tem alternado períodos de ditadura militar com tentativas de consolidação de regimes civis), com o exército de Islamabad a revelar grandes dificuldades na sua contenção a ponto do governo indiano (a outra potência regional com armamento nuclear) já ter começado a transmitir alguns sinais de preocupação, que poderão evoluir até a um maior envolvimento na situação.

Outro factor não menos importante é o facto da produção e distribuição de ópio a partir do Afeganistão ter registado um assinalável acréscimo desde a chegada das forças militares ocidentais.

De um modo geral a questão que a estratégia defendida pelo general Stanley McChrystal coloca é a de saber se o simples aumento do número de soldados será suficiente para resolver a questão afegã.

É que se inicialmente a invasão ordenada por George W Bush era apontada contra a Al Qaeda e o regime “taliban”, a oposição àquela presença militar é hoje principalmente assumida pela etnia “pashtun” (a mesma que conjuntamente com os “taliban” se opôs à invasão soviética iniciada em 1979), facto que poderá estar na origem da reorientação da estratégia norte-americana: dotar “pashtuns” e “tajiques” (o segundo grande grupo étnico) dos meios e da vontade para se oporem com eficácia a uma possível tentativa de recuperação do poder por parte dos “talibans”.

Esta estratégia é tanto mais delicada quanto o próprio Obama lhe fixou um período máximo de vida – 18 meses – findos os quais se deverá iniciar o processo de regresso das tropas americanas.

Mesmo considerando que a fixação de uma data limite foi uma estratégia para consumo interno e principalmente destinada aos opositores à presença militar no Afeganistão, nem por isso esta deixará de ser visto como o erro fatal da nova estratégia. É que mesmo que o prazo venha a ser alargado (como tudo o indica que acontecerá), bastará aos “talibans” resistir até aquela data para poderem reivindicar uma vitória e verem assim reforçada a sua imagem junto dos possíveis apoiantes.

A absoluta falta de liderança na UE e os primeiros sinais de pronta subserviência dados pelos membros europeus da NATO asseguram para já a continuidade à solução decidida por Obama, assim resta-nos esperar para vermos dentro de ano e meio se os EUA e Obama mantém intactas a vontade e a capacidade financeira para suportar o esforço militar, pois os cerca de 100.000 mil soldados norte-americanos que então deverão estar estacionadas no Afeganistão, custarão anualmente ao debilitado orçamento americano 100 mil milhões de dólares. Então veremos se os EUA e os seus financiadores (com a China à cabeça) terão capacidade (ou interesse, atendendo ao facto da presença militar americana na Ásia Central constituir um óbvio entrave à expansão dos interesses regionais da Rússia, do Irão e da própria China) para manter o esforço...
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[1] Alcunha pela qual era conhecido entre os seus soldados o general George S. Patton, comandante do 3º Exército dos EUA durante a II Guerra Mundial, como qual realizou a Operação Cobra e liderou o avanço aliado sobre Berlim.
[2] Embora nas primeiras reacções só se tivesse registado a posição inglesa, mais recentemente a BBC já referia o envio de mais 7.000 soldados; o DN refere mesmo que «PORTUGAL DUPLICA FORÇAS NO AFEGANISTÃO», enquanto cita a opinião do general Loureiro dos Santos que assegura que o país tem capacidade para enviar mais um batalhão de 300 ou 400 homens.
[3] Questão que, conforme esta notícia da FOX NEWS, nos últimos tempos conheceu novos desenvolvimentos depois do Comité de Relações Externas do Senado norte-americano (presidido pelo senador e ex-candidato presidencial John Kerry) ter publicado um relatório que atribui a fuga de Bin Laden a uma má preparação do assalto às montanhas de Tora Bora, organizado pelo então secretário de estado da defesa, Donald Rumsfeld, e pelo comandante militar, o general Tommy Franks.
[4] Para entender este fenómeno bastará recordar que durante o período da invasão soviética, foi através do Paquistão (e principalmente por intermédio dos seus serviços secretos) que os EUA e a CIA canalizaram a ajuda económica e militar aos resistentes afegãos (na época os “talibans” e Bin Laden eram aliados fiéis, quando não criações, da CIA e do SIS).

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A NOVA DIMENSÃO EUROPEIA

A avaliar pelas notícias dos últimos dias, muito se falará ainda das recentes nomeações para as cúpulas da União Europeia.

Não é só a questão da nomeação de dois perfeitos desconhecidos, como van Rompuy e Catherine Ashton, para duas importantes funções, como a forma de governância que resulta da entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

Como se não bastasse termos um tratado que por decisão da nomenclatura política não foi objecto da ratificação popular (e no caso em que a tal foi sujeito, a votação teve que ser repetida a fim de se obter uma aprovação), ainda temos um texto cujos princípios orientadores de marcada tendência neo-liberal se vêem cada vez mais contestados pela realidade político-económica que ajudaram a criar.

E a atestar pelas declarações de Durão Barroso hoje reproduzidas pelo DN, nas quais o actual presidente da Comissão Europeia afirma que o «…Tratado de Lisboa coloca os cidadãos no centro do projecto europeu. Congratulo-me com o facto de termos agora as instituições correctas a funcionar e um período de estabilidade, para podermos concentrar todas as nossas energias na resolução das questões com um interesse primordial para os nossos cidadãos», confirma-se que a nomenclatura política europeia ainda revela a estultícia de comemorar este conjunto de alarvidades e de atropelos democráticos, como se de um grande feito democrático se tratasse.

Enquanto isto, a crise económica mundial continua a dar evidentes sinais de agravamento (veja-se o caso sucedido com a poderosa DUBAI WORLD ou as notícias que dão conta da recente revisão em baixa das perspectivas de crescimento do PIB norte-americano) e as forças políticas mundiais posicionam-se para o que já se antevê como o redesenho da correlação de forças que emergirá após a crise.

Mais do que nunca este é o momento em que a UE precisava de uma liderança esclarecida e objectiva, para disputar com os EUA e a China os termos que o Mundo irá funcionar, mas o que os inqualificáveis dirigentes europeus (aqueles que de uma ou outra forma obtiveram os votos necessários para se alcandorarem nas cadeiras do poder) nos propõem é que aceitemos pacificamente as suas manobras de bastidores e que sujeitemos os legítimos interesses europeus aos seus pequenos prazeres de poder pessoal.

E a melhor prova da incapacidade e falta de qualificação dos van Rompuy, das Catherine Ashton, dos Durão Barroso e, por extensão, da generalidade dos líderes europeus, é que o cada vez mais fragilizado Barack Obama não sentiu a mínima necessidade de articular com os seus parceiros europeus os temos da sua recente deslocação à Ásia para negociações com a China.

Nem o evidente fracasso da iniciativa norte-americana pode servir para esconder a dura realidade que é a do decrescente reconhecimento da importância política duma UE dilacerada pelas suas contradições internas (ainda mais agravadas numa época de crise económica), frágil nas suas estruturas organizativas e quase inexistente na sua representação política.

Quando o mais importante para os principais actores mundiais é a definição de áreas de influência e a marcação de territórios económicos (seria mais correcto falar em mercados dependentes), quando a luta entre a desgastada hiper-potência e as candidatas China, Índia, Rússia e Brasil se agudiza é que a UE, de moto próprio ou por influência exterior, abdica voluntariamente de se fazer representar por alguém dotado das qualidades e da estatura política correspondente à verdadeira dimensão e importância da Europa.

Já não se tratará apenas de uma questão de prestígio, pois decerto ninguém de bom senso acredita que um rato poderá arbitrar (ou decidir) a luta entre dois leões…


...trata-se antes de anunciar ao Mundo que a UE abdica do estatuto internacional que o seu poder económico lhe deveria conferir.

Esta realidade é de tal forma evidente que nem sequer será necessário esperar pelo julgamento das gerações vindouras, pelo que podemos desde já começar a homenagear os nossos dirigentes da forma que eles bem o merecem: com uma monumental pateada…