Não tinha pensado abordar, para já, os recentes acontecimentos em Jericó. Não porque estes não tenham importância ou não sejam reveladores daquela que é (tem sido ao longo do tempo de existência do estado de Israel) a estratégia dos sucessivos governos israelitas e o incondicional apoio, de que sempre tem disposto, de americanos e seus aliados, porém um artigo assinado por Ruben de Carvalho e hoje publicado no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, que passo a transcrever
«A nudez e as armas
Os jornalistas não se enganaram: os jornais de todo o mundo preenchem as primeiras páginas com as fotos dos presos palestinianos de Jericó.
Para o universo das sociedades que viram estas fotografias, a nudez tem referências idênticas: é simultaneamente símbolo de pureza, de afirmação do corpo humano, de beleza admirada e transgressora, tal como é a imagem mesma da vulnerabilidade, do despojamento da mais simples protecção - a roupa que disfarça ou protege a vulnerabilidade do corpo. A justificação para a exigência dos soldados protagonistas da agressão israelita - evitar que os presos trouxessem explosivos disfarçados nas roupas - é de um ignóbil e fantasioso marketing: homens presos, encerrados numa prisão, claro que devem ter nas suas celas quilogramas de dinamite!
A agressão é, de resto, especialmente revoltante: as guarnições que teriam a obrigação de defender e guardar a prisão - americanos e ingleses - retiram-se antes. Os bravos soldados israelitas têm à sua frente um "inimigo" constituído por homens por definição desprovidos de qualquer defesa - estão presos. A foto do DN de ontem é particularmente brutal: os presos em humilhantes cuecas contrastam com os completamente equipados militares de Israel, ao mesmo tempo que a violenta nudez da pele e da carne contrasta com a violência, tecnológica e metálica, do blindado em segundo plano. É obscena a justificação de toda esta operação: não passa, afinal, de uma mesquinha iniciativa de propaganda eleitoral que conceda a um candidato enfraquecido pelo desaparecimento de Ariel Sharon uma imagem de dureza que satisfaça os ultras sionistas. Na democracia israelita as eleições não se ganham com cartazes e ideias, mas com soldados e violência. Os presos de Jericó eram indivíduos que a sociedade palestiniana considerava passíveis de condenação pelos seus actos - ou cumprindo já penas por eles. Depois das fotos criadas pela acção israelita, passaram a ser o quê para qualquer palestiniano? Réus? Condenados? Não. Palestinianos apenas. Nus. Vítimas de mais uma humilhação.
Israel é uma sociedade doente. Que vive na violência e no ódio, gera cada dia mais ódio num doentio contágio insensato e grotesco. Ussama ben Laden não exigiria mais. Isto chega-lhe.
Ruben de Carvalho [rubencarvalho@mail.telepac.pt] – Jornalista»
fez-me mudar de ideias e optar por deixar já aqui o meu repúdio por mais uma acção gratuita de humilhação.
Ao que tudo indica a acção israelita foi devidamente consertada com americanos e ingleses (nações de origem dos responsáveis pela segurança da prisão de Jericó, nos termos de acordos firmados entre palestinianos e israelitas) e ocorreu pouco após estes terem abandonado as instalações por alegada falta de segurança (hipocritamente nenhum daqueles governos mencionou a origem das ameaças e dos perigos), deixando os poucos guardas palestinianos e os seus presos à mercê do assalto que se seguiria.
Mais do que a violência envolvida na operação, ficou patente à comunidade mundial a dura realidade de um presidente palestiniano, Mahmud Abbas, com a sua capacidade de manobra da cada vez mais reduzida (muito por opção e responsabilidade dos israelitas) e a imagem de debilidade e abandono do povo palestiniano, perfeitamente traduzida na sobranceria com que Ehud Olmert, primeiro-ministro israelita, se vangloriou do facto de nenhum estado ter criticado ou condenado a acção militar que ordenara.
A propósito de imagens, como refere e bem Ruben de Carvalho, as que foram divulgadas falam por si da desproporção de meios, do quase total abandono a que a comunidade internacional tem votado o povo palestiniano e da revolta que vai gerar.
Não é admissível que assistamos, impávidos e serenos, à destruição lenta, sistemática e organizada de um povo regularmente acossado até que se revolte, justificando novas “acções punitivas”) e cujo único crime parece ser o de existir no local e no tempo errados.
Não há petróleo ou holocausto judaico que justifique este processo de lenta asfixia moral, cultural e física de um povo a que sobreviventes daquele holocausto e seus descendentes sem vêm entregando perante o silêncio cúmplice de todos nós. Quando tiverem liquidado o último palestiniano qual o povo que passará a ser o alvo desta moderna máquina de extermínio?
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