quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A EUROPA DOS EGOÍSTAS


Com quase uma semana de atraso, devido ao agravamento da situação no Mali e ao assalto a uma refinaria na Argélia, e com um conteúdo sobejamente conhecido, o primeiro-ministro britânico, o conservador David Cameron, lá acabou por pronunciar o discurso muito orientado para o eleitorado britânico e onde «promete referendo sobre a UE depois de 2015»… se continuar como primeiro-ministro.


A imprensa teve acesso aos principais pontos do discurso e ainda não tinha sido formalmente pronunciado já circulavam comentários sobre o seu conteúdo, como o de Martin Schulz, o presidente do Parlamento Europeu, sob o título «O lar europeu da Grã-Bretanha» onde este recorda que a anunciada intenção «…de recuperar mais soberania pode resultar bem junto dos órgãos de comunicação social britânicos e de alguns sectores do Partido Conservador, notoriamente eurocépticos, mas questiono se, a longo prazo, esta posição será realmente do interesse do Reino Unido», para concluir que «…Cameron está a jogar um jogo perigoso motivado por razões internas, puramente tácticas. Acredito no que ele diz quando afirma que pretende que o Reino Unido continue a ser membro da UE. No entanto, Cameron assemelha-se cada vez mais ao aprendiz de feiticeiro, incapaz de domar as forças que conjurou – forças que pretendem sair da UE por razões ideológicas, em detrimento do povo britânico».

Tal como Schulz, também o ex-ministro alemão dos negócios estrangeiros, Joschka Fischer, defende no artigo «O eclipse da razão britânica» que existe uma deriva «pela fantasia ideológica do Partido Conservador de que certos poderes da UE podiam e deviam ser devolvidos à soberania britânica», quando é uma realidade que os «…interesses nacionais do Reino Unido não mudaram e, no seio da UE, não se registaram quaisquer alterações fundamentais contrárias a esses interesses. O que mudou foi a política interna da Grã-Bretanha», crítica que em boa medida foi subscrita pelo ministro finlandês dos assuntos europeus, Alexander Stubb, quando afirmou que «O Reino Unido é "uma noiva um pouco hesitante"».

Em comum todos concordam que europeus e britânicos precisam uns dos outros – análise que é partilhada por Bernardo Pires de Lima quando na crónica «Obrigado, Cameron» assegura que «…a última coisa que ele (Cameron) quer é tirar o Reino Unido da UE» , opinião que em certa medida também Peter Sutherland, ex-comissário europeu e director-geral da Organização Mundial do Comércio, subscreve no artigo «A Némesis europeia de David Cameron» onde destaca a importância da corrente eurocéptica conservadora mas termina lembrando que a fórmula escolhida «…longe de tranquilizar qualquer um (incluindo os conservadores eurocépticos), a atitude de Cameron anuncia uma nova era de turbulência e de incerteza para a Grã-Bretanha e para os seus parceiros europeus».

A generalidade dos comentadores parece fundamentalmente preocupada com o efeito desagregador que uma proposta de revisão nos termos da participação britânica poderá ter no projecto europeu; excepção feita a Bernardo Pires de Lima que vê na posição britânica uma oportunidade para debater o funcionamento da UE e em especial a de «…vincular a integração europeia a um mandato democrático». A fácil constatação de que a generalidade das decisões no seio da UE carecem do mais elementar suporte democrático (além dos membros do Parlamento Europeu, nenhuma outra estrutura resulta de qualquer processo de consulta aos cidadãos) parece sustentar aquela leitura; porém, vindo a iniciativa dum país que desde a primeira hora e em múltiplas ocasiões tem funcionado mais como entrave que como parte interessada na coesão europeia – basta lembrar a permanente colagem às teses americanas, a recusa na integração da Zona Euro e a quase permanente estratégia de bloqueio – para que não se questione a “honestidade” e a “bondade” da proposta.

É evidente (e aqui partilho quase integralmente o ponto de vista de Bernardo Pires de Lima) de que os ingleses estão conscientes que a sua saída da UE representará a perda de «…dimensão continental na política comercial, promoveria desconfiança nos aliados de Leste, retiraria peso à relação com os EUA e esvaziaria a influência de Londres na defesa europeia, deixando a França com demasiada soltura», mas isso apenas reforça a ideia de que a iniciativa de David Cameron deverá ser avaliada com muito maior cuidado e que esta constituirá, na prática, não uma louvável iniciativa tendente a devolver a opinião aos cidadãos (necessária, mas não apenas para este tema) mas tão-somente mais uma achega para atrasar o aprofundamento do processo de integração europeia, esse sim a verdadeira Némesis dos fracos políticos que por essa Europa fora têm sido eleitos e que egoisticamente continuam a fazer prevalecer os seus interesses pessoais e os nacionais (por esta ordem) ao mais geral interesse comunitário.

sábado, 26 de janeiro de 2013

DAVOS JÁ NÃO É O QUE ERA...


Cumpridas as formalidades festivas próprias de cada fim-de-ano, rapidamente se lhe segue no calendário da liturgia informativa a reunião anual do Fórum Económico Mundial, popularmente conhecido como o Fórum de Davos (nome da localidade suíça onde anualmente se reúne a elite económica mundial), que depois de nos anos anteriores ter tido as suas reuniões marcadas, segundo a BBC, pela incerteza económica, pelas críticas ao sistema financeiro mundial e pela crise global (que os participantes nunca reconheceram formalmente), eis que este ano a nota dominante parece ser, segundo o NEGÓCIOS, a imagem de que «Davos já não é o que era, mas nunca recebeu tantos chefes de Estado». A evidente politização da iniciativa está bem traduzida nas conclusões que vão chegando ao grande público, onde abundam as divergências de opiniões que de salutares rapidamente evoluem para um diálogo de surdos face à notória incapacidade dos políticos para qualquer iniciativa que possa beliscar o seu futuro eleitoral.

Com as atenções monopolizadas por políticos (pelo menos é o que transparece de notícias como: «Merkel "amacia" austeridade em Davos ou «Cameron diz que empresas devem pagar a quota-parte de impostos») manietados pelas suas limitações – que vão desde o terror atávico ao desapossamento do poder até à notória incompetência –, já nem se estranha quando o «Relatório do Fórum Económico Mundial aponta para défice de competitividade da Europa», como se a sua simples recuperação – para mais nos termos propostos pelos participantes que repetem a aposta na inovação e empreendedorismo, na mobilização de talentos e na melhoria da eficiência dos mercados –, fosse solução milagrosa, tanto mais improvável quanto a ideia da eficiência através da liberalização dos mercados foi a grande responsável pela deslocalização industrial e pela destruição em massa de postos de trabalho, que hoje condicionam o crescimento do mercado interno europeu e a própria sobrevivência de assalariados e pequenos patrões.


É claro que para os governantes e para os grandes patrões o problema não é tanto como irão as populações sobreviver nesta nova realidade, mas principalmente como irão agir por forma a parecer que estão mesmo a fazer algo para mudar uma situação da qual são principais responsáveis e continuam a ser os grandes beneficiados.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

EM QUE FICAMOS?


Depois de termos ouvido meses a fio a ladainha governativa de que «Não pediremos mais tempo nem mais dinheiro», isto porque a estratégia governativa era a correcta e as políticas de austeridade (leia-se a política de redução de salários, pensões e prestações sociais, porque o resto da despesa pública pouco ou nada tem sido revista) estavam a dar resultados, eis que fomos surpreendidos com a notícia de que durante a última reunião do Eurogrupo, concertado com a Irlanda, «Portugal pediu alargamento do prazo do empréstimo» e que aquele «Eurogrupo vai “estudar problemas” potenciais de aumento dos prazos dos empréstimos a Portugal». No caso concreto, da tranche de 26 mil milhões suportada pelo FEEF, pois os 26 mil milhões suportados pelo MEEF serão objecto de idêntico pedido nos próximos dias e sobre os restantes 26 mil milhões suportados pelo FMI nada foi adiantado.

Não menos interessante que a confirmação que afinal sempre seria necessário rever os prazos de maturidade dos financiamentos, é a constatação que esta iniciativa apenas ocorre «…para evitar "picos de refinanciamento" quando o país regressar aos mercados» (Vitor Gaspar na notícia do EXPRESSO «Portugal pede mais tempo para pagar à troika») mesmo quando ainda se ignora se a alteração comportará ou não agravamento nos juros. Por outras palavras e para que não restem dúvidas sobre quais os interesses que o actual Governo serve e protege, o próprio «CDS diz que pedido é importante para regresso aos mercados», donde se infere que a protecção e o interesse dos portugueses nunca constituíram preocupação digna de menção.


Logo que conhecida a “novidade” foram auscultados os opinantes do costume e assim, lesto, o DINHEIRO VIVO transcreveu a opinião de Medina Carreira de que «“isto não é um acordo de perdão” […apenas…] “ganhamos mais tempo para arrumar a casa”, mas isto pode não significar mais dinheiro para a economia, já que “o mesmo dinheiro vai sair mais tarde”» (asserção apenas verdadeira para a amortização de capital, já que os juros aumentarão mesmo sem penalização); já Silva Lopes começou por lembrar «…que a diferença será mínima e que “não é por ganharmos mais tempo que vamos ter menos austeridade” acrescentando que «…“se houvesse um aumento do prazo para pagar e ao mesmo tempo uma suspensão dos juros era muito mais favorável porque aí sim a economia poderia receber maior financiamento”», o que acaba por confirmar que a actuação correcta é a de exigir uma renegociação que inclua prazos, montantes e taxa de juro, da dívida.

Nesse mesmo dia o PUBLICO escrevia que «Portugal prepara emissão de dívida a cinco anos» enquanto o EXPRESSO assegurava que «Portugal tem que financiar 110,6 milhões entre 2014 e 2016», acentuando assim a ideia de que estamos a ser governados em benefício alheio, pois o famigerado regresso aos mercados não ocorre para colmatar necessidades próprias. Isso mesmo foi hoje confirmado quando se começou a noticiar o sucesso da operação, como o fez o ECONÓMICO, dizendo que a «Procura rasga os 10 mil milhões, juro deve ficar abaixo de 5%», como se pagar um juro 40% superior ao cobrado pela “troika” (a taxa média do empréstimo ao abrigo do PAEF é da ordem dos 3,5%, valor que quando comparado com a taxa de 0,75% a que o BCE financia os compradores da dívida pode ser qualificado de agiota) fosse em quaisquer circunstâncias um bom sinal para a economia portuguesa.


É claro que ainda mal se tinha iniciado o processo de operação sindicada (o regresso aos mercados não se fez segundo o modelo do leilão mas antes através dum duma operação previamente negociada) e já se faziam ouvir as primeiras loas à excelência e à visão do ministro das finanças (na edição de ontem do PUBLICO, Manuel Carvalho concluía assim o seu artigo «O dito, o não dito e o reiterado»: «Critique-se o ministro por alegadamente estar a destruir a economia ou por ser insensível aos custos materiais e humanos da austeridade. Pode-se até sublinhar que o prazo para o ajustamento, que exige sacrifícios aos cidadãos em nome do cumprimento do défice, não sofreu qualquer discussão ou pedido de renegociação. No que se refere à crucial necessidade de conquistar credibilidade internacional para promover um regresso de Portugal aos mercados, porém, Gaspar continua com a sua ficha técnica praticamente imaculada»), continuando sempre por aludir aos investidores em dívida pública, os verdadeiros beneficiados neste processo, que a julgar por este resultado devem concordar a 100% quando lêem que «Ribeiro e Castro diz que regresso aos mercados foi “movimento de mestre” de Gaspar».

Enquanto os meios de comunicação divulgam as loas e os aplausos dos investidores e especuladores nos mercados de capitais e silenciam as suas mais óbvias consequências, traduzidas num encarecimento do serviço da dívida por via dos juros mais elevados e num aumento do endividamento público (precisamente no mesmo dia em que é noticiado que a «Dívida pública portuguesa é a 3ª mais alta da UE», tendo atingido 120% do PIB no 3º trimestre de 2012), escapando apenas uma referência quase humorística quando se lê que o banco holandês «ING diz que emissão de Portugal coloca pressão sobre agências de "rating"»; como se isso tivesse qualquer efeito prático sobre a origem do problema – desadequação do modelo europeu de financiamento público que obriga os estados-membros a financiarem-se junto do sector financeiro em lugar do BCE – ou sobre a persistente dilação na solução: criação dum mecanismo de política orçamental e fiscal comum no seio da Zona Euro e a conversão do BCE no financiador dos défices públicos.

Até lá... continuamos, como ou sem “regresso aos mercados”, sem saber onde ficamos.


terça-feira, 22 de janeiro de 2013

LA GRANDE BOUFFE


Como apreciador de cinema (que me julgo) o título da última crónica do Prof César das Neves, «Estão a ver o filme?», despertou-me mais que a habitual curiosidade semanal (o autor publica às segundas-feiras no DN) e foi com acrescido interesse que iniciei a sua leitura, na expectativa de ver que comungávamos de interesses comuns além da recusa ao novo Acordo Ortográfico.

Confesso a minha decepção quando constatei que a referência do título era meramente figurativa e que o “filme” do Prof. era tão-somente o famigerado e amplamente vilipendiado estudo do FMI produzido para que aceitemos pacificamente mais uma redução, agora duns módicos 4 mil milhões de euros, na despesa pública.

Diga-se em abono da verdade que o Prof. César das Neves não se fica pela confortável posição de subscrever o teor do documento, reconhecendo que «[c]ortar 4000 milhões de euros de forma permanente à despesa pública não é a solução» e que «…quem recusa tem de apresentar cortes alternativos de valor equivalente. Senão diz só uma tolice ociosa de quem não está a ver o filme». O busílis da sua argumentação (comum a quase todos os apoiantes das políticas neoliberais em curso) é que além de defender um número sem fundamentação adicional para a sua dimensão pretende ainda que, ao contrário do que no seu dizer afirmam os detractores da medida, «… grande parte dos supostos direitos não foram de todo adquiridos, mas atribuídos irresponsavelmente com dinheiro alemão», afirmação que volta novamente a não fundamentar o que justifica prontos reparos.

Primeiro; considerando que parte significativa das medidas até agora tomadas e das já anunciadas se traduz na redução dos encargos com pensões de aposentação e que estas (excepção feita aos regimes extraordinários dos cargos políticos) resultam dos descontos efectuados pelos actuais beneficiários durante a sua vida activa, só com manifesta aleivosia e um completo desconhecimento técnico é que poderão ser apelidados de direitos não adquiridos.

Segundo; desconheço (situação de ignorância em que não estou seguramente isolado) em que dados estatísticos se baseou o Prof. César das Neves para apontar peremptoriamente a nacionalidade dos fundos, pois excepção feita aos 78 mil milhões atribuídos ao abrigo do PAEF acordado com a “troika” e parcialmente financiado através de fundos dos estados europeus (a Alemanha poderá ser a maior contribuinte mas não é seguramente a única) o restante da dívida pública portuguesa estará nos balanços do sector financeiro e este, como é do conhecimento geral, além de privado não tem nacionalidade.

Terceiro; contrariamente ao afirmado, muitos dos críticos da opção pelas políticas de austeridade em vigor têm apontado alternativas, pelo que recordo aqui que para alcançar a poupança dos inexplicados 4 mil milhões bastaria reduzir os encargos com o serviço duma dívida pública que só em 2012 ultrapassou os 8 mil milhões de euros. A verdade é que se propostas deste jaez não chegam ao grande público isso deve-se tão somente ao facto dos meios de comunicação escolherem criteriosamente a quem dão voz.


Posto isto, e para manter o registo no âmbito cinematográfico com que foi iniciado, a pergunta que deixo a todos é se tudo isto não lhes lembra não um qualquer filme, mas especificamente A GRANDE FARRA (alegoria onde quatro personagens de meia idade e bem sucedidos na vida resolvem terminar os seus dias a comer, filmada em 1973 pelo italiano Marco Ferreri, com o título original «La grande bouffe») onde uns poucos se arrogam o direito de “comer tudo” enquanto a restante maioria “morre de fome”…

domingo, 20 de janeiro de 2013

INICIATIVAS PARA A REFORMA

Dificilmente a notícia nacional da semana poderia deixar de ser a conferência sobre o Estado Social, promovida por uma ex-dirigente do PSD e subordinada ao lema «Pensar o futuro - um Estado para a sociedade», não tanto pelo tema ou pelos intervenientes convidados, antes pelo facto da organização ter decidido que decorreria aquele «Debate sobre reforma do Estado condicionado à comunicação social», como se o tema não interessasse afinal à generalidade dos cidadãos mas tão só a uma privilegiada plateia de especialistas.


Não espanta que prontamente tenham surgido comentários, como o subscrito por Manuel Carvalho no PUBLICO, lembrando que a organização «[a]o exigir que a divulgação de opiniões dos participantes seja sujeita a autorização prévia transformou um exercício que reclama transparência e honestidade num conclave maçónico onde a reverência do salamaleque e a cobardia do segredo imperam. A discussão sobre o que deve ou tem de ser o Estado é uma discussão que interessa à comunidade nacional e nada do que for reflectido ou dito lhe deve ser cerceado ou censurado. Esta conferência é, por isso, um insulto», epíteto ainda mais justificado se considerarmos o que escreveu Viriato Soromenho-Marques no DN, onde resumiu o debate à simples necessidade «…de perguntar onde é que o nosso débil "Estado social" pode ser (ainda mais) sangrado para se atingir o desiderato de reduzir quatro mil milhões de euros na despesa.».

Quase em simultâneo com esta iniciativa oficial (onde não faltaram Carlos Moedas na abertura e Passos Coelho no encerramento) anódina e condicionada aos desejos de quem nos governa, decorreu um encontro aberto à sociedade para apresentação do balanço do primeiro ano de actividade (o relatório pode ser lido aqui) e debate sobre a continuação dos trabalhos de elaboração duma Auditoria Cidadã à Dívida, que não apresentando contributos para a redução dos tais quatro mil milhões de euros nem apregoando os malefícios da despesa pública em saúde, educação e segurança social, não poderia justificar mais que pequenas notícias de rodapé ou esta referência no PUBLICO.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O QUE É QUE ELE DISSE?


A triste realidade nacional (e europeia) há muito nos habitou a uma clara degradação na qualidade daqueles que vão sendo chamados a funções de governo; primeiro começou por ser notória a falta de preparação técnica, seguiu-se-lhe a política, resultando num crescente populismo de pacotilha.

Nos tempos em que Santana Lopes foi cooptado para substituir o fugitivo Durão Barroso (já então com o beneplácito interesseiro de Paulo Portas) pensou-se ter atingido o grau mais baixo na escala, mas como bem lembra o ditado popular «atrás de mim virá que de mim bom fará», a desgraça estava para continuar. Se Sócrates acabou o seu mandato num estado de desnorte e quase delírio, vemos agora que Passos Coelho além de impreparado se vem revelando um mentiroso de mão cheia, capaz de suplantar o que de pior teve o seu antecessor, ameaçando transformar-se rapidamente numa espécie de mentiroso compulsivo e o pior chefe de governo da III República.

Apodar assim o primeiro–ministro em exercício é o mínimo que se pode fazer ao ler no PUBLICO que este afirmou em Paris que «Ninguém aconselhou os portugueses a emigrarem» e, para que o despautério não possa ser relegado para o campo dos lapsos de linguagem, continuou assegurando que «…está a trabalhar “intensamente” para criar oportunidades em Portugal», realidade que, na forma distorcida como ve a realidade, só o mais vil e empedernido dos opositores se atreverá a contestar, tantas e tão variadas são as iniciativas e os investimentos para assegurarem a redução duma taxa de desemprego que entre os mais jovens ultrapassa os 38% (cf. notícia da RTP), mas que contra tais esforços persiste em manter-se.

Tantas têm sido as descaradas mentiras que até o sempre moderado DN acompanhou aquela notícia duma outra mostrando «Como Passos e outros governantes apelaram à emigração», tudo isto no mesmo dia em que escrevia que a «Emigração cresceu 85% entre 2010 e 2011» e especialmente na faixa etária entre os 25 e os 29 anos.

O desânimo instala-se no país, os mais novos emigram e o Governo assobia para o lado quando não tenta desviar as atenções com o espantalho duma crise política (pelo menos é o que sugere a notícia sobre o debate quinzenal no Parlamento onde «Passos avisa CDS e Cavaco sobre instabilidade política»), como se a prática política do seu governo constituísse um modelo de estabilidade social e uma plataforma para o desenvolvimento económico do país.

Refira-se que mesmo em terras estrangeiras Passos Coelho e os membros do seu governo conseguem alcançar o mesmo tipo de recepção e, depois da celebrizada campanha em torno do “slogan” «Vai estudar, Relvas!», começa a tornar-se norma serem recebidos com apupos e manifestações de contestação, que neste caso ficou marcado por um incidente quando «Dois emigrantes insultam e perseguem Passos Coelho».

Que a realidade nacional é bem diversa da difundida nos delírios governativos não deverá suscitar grande dúvida, não só por constituir matéria para chiste de caricaturistas...


...como por, no próprio local, ter merecido réplica do presidente francês que, embora especificando o contexto, não se coibiu de dizer «…que Portugal não é exemplo a seguir».

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

ÁFRICA EMERGENTE… MAS NÃO MUITO


Notícias como a de que «França envia tropas para combater islamitas no Mali» e a leitura do artigo de opinião «ÁFRICA EMERGENTE», que Bernardo Pires de Lima ontem assinou no DN, justificam um outro olhar sobre aquelas realidades.


Diga-se em jeito de introdução que é impossível que a mera referência ao Mali não lembre de imediato o mítico nome de Tombuctu, uma das cidades malianas atingidas pelos efeitos do conflito armado e local privilegiado para conhecer por todos os que sonham com um contacto directo com locais que marcaram a evolução da História Mundial (não foi seguramente um acaso o seu reconhecimento pela UNESCO como património mundial), deveria bastar para impedir que sobre este soprassem os ventos da guerra, já que o mesmo não se consegue relativamente aos ventos e às areias do Sahara que ameaçam soterrá-la.

A nostalgia duma Tombuctu soterrada pelas areias ou a raiva de ver destruído (em nome da intolerância e do fanatismo religioso) mais um marco histórico, constitui apenas uma das abordagens possíveis e a menos pragmática. Envolvida na luta entre o governo sediado em Bamako e os separatistas do Azawad (território do norte do Mali, maioritariamente constituído por tuaregues e onde, depois de ter afastado o histórico MNLA – Movimento Nacional para a Libertação do Azawad, pontifica o movimento islamita Ansar al-Dine, normalmente conotado com a Al-Qaeda), Tombuctu vê assim ampliado o nível de ameaça que sobre si pende, a ponto de já há meses ter sido notícia que «Combatentes islamitas estão a destruir os mausoléus de Tombuctu» e tema do “post” «BARBÁRIE», justificando-se entender os interesses que se movem por detrás das tendências separatistas e da reacção francesa.

A região do Sahara-Sahel (território que inclui além dos países do Norte de África atravessados pelo Sahara uma faixa de território a sul que se estende do Atlântico ao Mar Vermelho) é apenas outra onde persistem os mais que óbvios problemas originados no desenho administrativo de fronteiras por potências colonizadoras, no qual ciclicamente ocorrem pequenos conflitos, que na actualidade e fruto da inventada guerra contra o terror estão a ganhar novos contornos. Quando a isto se juntam outros factores, como a recente queda do regime líbio do coronel Kadhafi e a proliferação de armamento distribuído durante aquele conflito, a emergência de novos “interesses” na região (como é o caso de petromonarquias como a qatari que foi a grande financiadora do movimento anti-Kadhafi) e o reconhecido interesse estratégico duma região próxima doutras onde abundam petróleo, gás, urânio, e fosfatos, para além do mais estratégico dos minerais, o coltan (mistura de dois minerais, columbita e tantalita, originando um metal de alta resistência térmica e electromagnética indispensáveis na fabricação de mísseis e dos modernos aparelhos de comunicação e de orientação portátil).

Na presença de semelhante prémio não será de estranhar o interesse de franceses, americanos e chineses (principal parceiro económico dos países africanos desde 2009), nem sequer o interesse estratégico – partilhado entre ocidentais e qataris – de isolar a Argélia e o seu mentor, a rival Rússia.

Qualquer que seja o desfecho no Mali (e o lógico é esperar uma vitória francesa) e as contrapartidas assim ganhas para as respectivas economias, o certo é que continuarão por resolver as naturais ansiedades do povo tuaregue, pelo que se manterão todas as razões de fundo para a repetição do cenário que agora se vive nesta, como noutras regiões africanas (veja-se o flagrante exemplo do Congo) abundantes em recursos minerais de alto valor estratégico, razões que sustentam a ideia que embora seja expectável a continuação dos cenários de crescimento dalgumas das principais economias do continente, o seu desenvolvimento deverá continuar a ser profundamente desigual e ao sabor doutros interesses.

sábado, 12 de janeiro de 2013

OFICIAIS E POPULARES


A divulgação dum relatório do FMI, intitulado «RETHINKING THE STATE» (disponível apenas em inglês), teve a óbvia consequência de ter morto à nascença o debate sobre a reforma do Estado – se é que na verdade o Governo alguma vez o tencionou realizar – pois este passou a esconder-se atrás de vontades externas e reduziu-se a um mero processo de redução de gastos.


Para folclore ou não (note-se que até o ex-presidente da CIP «Francisco van Zeller acredita que Governo mandou publicar relatório do FMI»), registe-se que até «Membros do Governo desentendem-se sobre relatório do FMI», com o centrista Mota Soares, ministro da Solidariedade e Segurança Social, a afirmar publicamente que o «Relatório do FMI tem “pressupostos errados”» e o secretário de estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Carlos Moedas, a declarar numa conferência de imprensa convocada após a sua divulgação que este «Relatório é muito bem feito e envolveu consultas ao Governo», opinião tanto mais abalizada quanto na mesma conferência de imprensa assegurou (segundo esta notícia do ECONÓMICO) que «…o Executivo só hoje recebeu a versão final do documento…».

Mesmo sem as polémicas entre centristas e sociais-democratas, de que regularmente nos é dado conhecimento, não é difícil inserir mais este episódio na já usual estratégia terrorista de Passos Coelho & Associados; acobardado atrás do escudo da “troika”, confortado no respaldo da “tecnicidade” dos estudos do FMI (recorde-se a reputada fiabilidade dos modelos econométricos e o “flop” da estimativa dos multiplicadores fiscais, recentemente “confessada” por Olivier Blanchard, o economista-chefe do FMI, noutro relatório denominado «Growth Forecast Errors and Fiscal Multipliers») e de verdades absolutas que não conseguem escamotear que feitas as contas às propostas dos “especialistas” do FMI os «Cortes valem mais do triplo do pedido pela troika», como escreveu o I, o actual governo prepara-se para aplicar nova machadada naqueles que têm sido os seus alvos de eleição: os assalariados (em especial os da função pública) e os reformados.

Embrulhado no melhor economês, o que na realidade ressalta deste último estudo do FMI é que continuará por realizar qualquer esforço de redução nos gastos intermédios do Estado (entre os quais se contam os famosos e principescamente remunerados trabalhos de consultoria e acessória técnica, as adjudicações directas e as comprovadamente duvidosas transferências ao abrigo das parcerias público-privadas) para novamente fazer recair os custos sobre os alvos do costume.

A constante denúncia dos pressupostos e dos objectivos reais dos que ainda insistem em defender a justeza das políticas que a pretexto de combater uma crise económica mais não têm feito que degradar as condições de vida da maioria dos cidadãos e que a aplicarem-se mais estas agora propostas pelo FMI apenas aumentarão o evidente abuso que vem sendo praticado, pode e deve ser consubstanciado em mais que na simples denúncia de muitos dos erros, desvios, contradições, lapsos ou manipulação que o relatório do FMI comporta. O estudo e proposta de alternativas constitui um importante contributo para uma melhor compreensão do alcance das propostas oficiais e é isso mesmo o que se propõem o promotores de iniciativas como a Auditoria Cidadã à Dívida que realizará no dia 19 o seu 1º Encontro Nacional, sob o lema “Crises não Pagam dívidas” e no qual serão apresentadas as conclusões do primeiro ano de trabalho e debatidas as orientações para a sua continuação.

Esta iniciativa, como outras já referidas em “posts” anteriores (caso da Alternativa Democrática) constituem sinais da existência de alternativas às políticas oficiais e da vitalidade popular, mesmo quando a comunicação social persiste em lhes atribuir pouca ou nenhuma visibilidade e tudo a sua actividade se resume quase à difusão do discurso oficial.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

VIOLÊNCIA SÍRIA


A crise síria conheceu no passado fim-de-semana um novo desenvolvimento com o anúncio em Damasco duma proposta do regime para pôr termo ao actual conflito, imediatamente seguida da notícia que a «Oposição síria rejeita “solução política “ de Assad», tanto mais que nesta cresce a convicção numa vitória militar próxima.

É claro que quando «Assad acusa inimigos de serem “fantoches do Ocidente”», subordinando uma proposta de negociação com a oposição e a elaboração duma nova constituição ao cessar-fogo e ao fim do apoio ocidental às facções armadas, não ignora que está a apresentar uma proposta quase irrealizável. A confirmá-lo está a pronta reacção do Departamento de Estado dos EUA afirmando que a «Solução de Assad está “desligada da realidade”» enquanto repetia o apelo à demissão do presidente sírio.

O agravamento da crise e o aumento do sofrimento das populações, consequência imediata da escalada dos confrontos, continua a ser a menor das preocupações de ambas as partes. Embora no Ocidente não se perca a menor oportunidade de fazer desfilar pelos noticiários televisivos as imagens de morte e destruição na Síria (invariavelmente atribuídas a acções do exército sírio) a opção por uma solução que apenas contempla interesses imediatistas – derrube de Bashar Al-Assad e enfraquecimento da influência iraniana na região – revelar-se-á catastrófica a prazo.


Por mera estratégia imediatista, o Ocidente e os seus aliados árabes locais insistem numa rápida substituição de Bashar Al-Assad esquecendo não apenas os mais recentes desenvolvimentos no processo da chamada “Primavera Árabe”, mas principalmente as lições da História; assim, o Ocidente em geral e a Europa em particular, no afã de reduzirem a influência iraniana esquecem que a organização político-administrativa da região foi “desenhada” entre as duas guerras no conforto dos gabinetes das grandes potências e no mais completo desprezo pelos interesses e características das populações locais, não sendo pois de estranhar a dificuldade hoje acrescida para a constituição de alternativas sólidas e credíveis aos regimes autoritários que têm assegurado a estabilidade social e política de territórios onde proliferam interesses políticos, étnicos e religiosos muito diversificados.

A estratégia, digna dum elefante numa loja de porcelanas, implementada pelos EUA com as invasões do Afeganistão e do Iraque e continuada no apoio mais ou menos activo à “Primavera Árabe”, redundará no caso da Síria na substituição do regime alauita por outro de matriz sunita que, mais cedo que tarde, originará um problema de perseguição às diversas minorias que integram o intrincado xadrez étnico-religioso da região, no qual se incluem curdos, turcos, arménios, drusos, xiitas (de que os alauitas são um ramo) e cristãos ortodoxos.

A queda de Assad e uma mais que provável subida ao poder da facção wahabita (a mais radical e melhor organizada dentro da maioria sunita) dará origem a notícias de novas perseguições no território sírio e então veremos se o Ocidente reagirá com a mesma veemência e empenhamento que o actualmente usado contra os alauitas.

sábado, 5 de janeiro de 2013

ENTRE OS PINGOS DA CHUVA


Entre críticas e aplausos lá chegou finalmente a notícia que «Cavaco envia Orçamento para o Tribunal Constitucional», como se tal constituísse panaceia para os problemas e não uma mera estratégia para tentar protelar o inevitável.

Cavaco tem perfeita consciência que o resultado da consulta representará uma fragilização do executivo de Passos Coelho e Paulo Portas sem representar qualquer solução ou inversão de estratégia na política de austeridade. Uma vez mais o primeiro magistrado do País volta a prestar um péssimo serviço a todos, insistindo na habitual política de “sacudir a água do capote” quando decidiu promulgar um OGE que depois afirma suscitar-lhe dúvidas; Cavaco Silva não está apenas a passar o ónus político para aquele tribunal (como defende o constitucionalista Bacelar Vasconcelos) mas também a fixar um prazo de validade ao Governo.


Sabendo-se que «Cavaco Silva não pediu prioridade ao Tribunal Constitucional», que a crer no mesmo constitucionalista a «Lei prevê que Tribunal Constitucional tome decisão no espaço máximo de três meses», que já existe o precedente dum acórdão daquele Tribunal declarando inconstitucional parte do OGE de 2012 mas sem efeitos práticos, tudo indica que estaremos perante mais uma inqualificável manobra política dum Presidente e dum Governo que desrespeitam os cidadãos em completa impunidade.
A quase certa coincidência da publicação do acórdão do Tribunal Constitucional com o relatório trimestral da UTAO, que adicionará à confirmação da inconstitucionalidade de parte do OGE de 2013 mais um desvio face às previsões que serviram de base à sua elaboração, serão usadas por Vítor Gaspar para o anúncio de mais outro (já perdi a conta ao número) pacote de medidas de austeridade que assegurem o pagamento aos credores.

Quando à comprovada desadequação do poder político, evidente na incompetência de Passos Coelho (e do seu tecnocrático ministro Vítor Gaspar) a que se junta um presidente tíbio e comprometido, se acrescenta um poder judicial tergiversante e uma oposição que se limita a esperar pela demissão do governo (veja-se a entrevista à RDP onde «Ferro Rodrigues espera que Passos se demita se normas do Orçamento forem chumbadas» ), só resta que quem pouco ou nada já tem a perder se faça ouvir, ocupando as ruas do País e exigindo ser governado por quem efectivamente apresente soluções para a espiral recessiva (Cavaco Silva dixit) em que vivemos.

Lá nos encontraremos… porque ao contrário de Cavaco Silva não tenciono tentar passar entre os “pingos da chuva”.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

SOLUÇÃO?


Quem tenha tido o cuidado (ou a curiosidade) de ler as últimas opiniões e previsões dos mais conceituados analistas e comentadores nacionais e estrangeiros concluirá facilmente que em geral as perspectivas se afiguram pouco animadoras., havendo mesmo quem não hesite em “pintar” 2013 em perfeita queda.

Aliás, bastará olhar para a situação económica e social na Europa e para a generalizada previsão de recessão, para os evidentes sinais de abrandamento económico nos BRICS (onde vão os tempos das taxas de crescimento anual de dois dígitos), para o recrudescimento da tensão político-militar no Médio Oriente, ou para a confrangedora situação da ainda maior economia do globo, os EUA, enredada nas malhas e nas contradições do jogo político característico dum bipartidarismo de pura fachada, para se concluir que o novo ano vai precisar desesperadamente dum cordial.


Duvido é que as elites governantes, em geral, tenham um mínimo de consciência da situação e reúnam condições de saber e de querer capazes de enfrentarem os problemas em que nos enredaram, pelo que quase seguramente o jovem 2013 atingirá o seu ocaso num estado de torpor etílico igual ao apresentado pelo velho 2012. 

E vai um copo para o caminho?