quarta-feira, 30 de outubro de 2013

TU QUOQUE SEDES


A apresentação duma polémica proposta de OE – tão polémica que já a imprensa especializada assegura que o «Governo fica mais isolado após críticas das elites» e até a ministra «Maria Luís Albuquerque admite "melhorar" a proposta de Orçamento do Estado para 2014», como se o erro técnico de que enferma (ver o “post” «ERROS CRASSOS») fosse possível de corrigir sem uma reformulação completa do documento – parece ter servido de catalisador para fazer ouvir vozes da área social e política do Governo.

o reconhecimento dum fanatismo como aquele que o governo de Passos Coelho tem regulamente demonstrado, poderá justificar que uma associação com um perfil discreto como o da SEDES venha a público dizer «que já "ninguém confia" no Governo» ou que «é um “erro grave” pensar que tudo é aceitável porque o Estado está “falido”»; embora enfatizando a ideia que aliás serve de título ao documento publicado, de que o que importa é «Acabar com a incerteza» que deteriora a confiança e o clima económico, não é menos importante a afirmação de que a «…ideia de que o Estado está falido e, como tal, tudo é aceitável é, e tem sido, um erro grave: o acordo com a troika fez- se exactamente para evitar essa falência», princípio que contradiz abertamente a tese oficial da inexistência de alternativas.


O que a SEDES veio fazer foi uma clara demonstração de que até no campo político-social que tem sustentado o actual Governo já grassa algum desconforto com a “solução” que este propõe. Sinal semelhante foi dado pela afirmação do presidente do CES (Conselho Económico e Social), proferida no discurso que fez na cerimónia comemorativa do 35.º aniversário da UGT, de que o «poder político em Portugal foi capturado pelo poder financeiro».

As preocupações reveladas pelas SEDES e pelo CES merecem especial atenção pelo significado que comportam – até já os aliados tradicionais da família política no poder se rebelam contra este – mas não deixam de constituir nas soluções que preconizam pífias alternativas à situação que atravessamos. Seja porque afinal mais não representam que matizes diferentes da mesma linha de pensamento (assinale-se que sem enfatizar até ao ridículo a ideia da necessidade de empobrecimento nacional nem por isso se opõem frontalmente ao modelo da “austeridade expansionista”, com a SEDES a defender os “cortes verticais” ao invés da solução dos “cortes horizontais” adoptada por Passos Coelho) os presidentes da SEDES, Luís Campos e Cunha, e do CES, Silva Peneda, expressam ideias que, devendo ser incorporadas no debate nacional, deixam de fora o essencial do problema centrado no facto da actual crise ser uma questão de âmbito e dimensão europeias, que o Prof. António Sampaio da Nóvoa expressou há dias aos microfones da TSF: «"Se a Europa não conseguir repensar-se, é o seu fim"».

E o mais lamentável é que o debate no espaço europeu continua cativo das agendas dos diferentes partidos políticos e, como Jurgen Habermas eloquentemente expressou na sua fugaz passagem pela Gulbenkian, os «partidos europeus optam pelo oportunismo perante um desafio histórico» e assim arriscamos desperdiçar uma oportunidade de construir algo maior que nós.

domingo, 27 de outubro de 2013

…ERROS CRASSOS

Já com o debate do novo orçamento em curso surgiu o anúncio pelo EUROSTAT que «Portugal termina 2012 com o quarto maior défice e a terceira maior dívida na UE» e que apesar dos aturados esforços de Passos Coelho e dos excelsos conselhos da “troika«Portugal foi o país da zona euro onde a dívida pública mais se agravou entre 2010 e 2012» o que podendo pressagiar, na linha do que vem sendo feito, a confirmação de que aqueles resultados longe de denunciarem o fracasso das políticas implementadas apenas confirmam a necessidade de intensificar a linha de actuação seguida, acabou por se resumir à afirmação por Maria Luís Albuquerque que o «Governo espera baixar impostos em 2015».

Mas atenção, desiluda-se quem pense tratar-se duma correcção do rumo, duma inversão de estratégia ou apenas da confirmação doutra afirmação da “Senhora Swap”: a de que «Não é intenção do Governo torturar os portugueses».

Primeiro, porque na realidade todo o tempo e dedicação são insuficientes para concretizar a verdadeira intenção do Governo que é mesmo, e tão só, a de assegurar uma melhor distribuição da riqueza em benefício do capital; segundo, porque 2015 – coincidência das coincidências – será o ano das próximas eleições legislativas (…se o Governo se aguentar até lá!), ou seja, se Cavaco Silva mantiver a sua linha de actuação (algo que se pode considerar garantido) e a UE aceitar transformar o “segundo resgate” – segundo o Goldman Sachs «Portugal precisa de 2º resgate de 30 mil milhões» de euros – num “programa cautelar” – nas palavras de Carlos Moedas, o secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro, «Portugal não vai ter novo empréstimo mas sim um “seguro”» –, opção que depende do Tribunal Constitucional alemão (aquele que, segundo escreveu Daniel Oliveira em «Programa cautelar: é a política, estúpido!», é formado por juízes e não por “activistas”, como o nosso), cuja opinião é definitiva para, nas palvras de Viriato Soromenho Marques em «Programa cautelar», a «...nossa possível passagem de um "protectorado" no inferno do resgate para outro no purgatório cautelar».

Mas, a acreditar na proposta de OE para 2014 (que aqui pode ser consultada na íntegra), o erro do governo de Passos Coelho não é apenas ideológico – a insistência num modelo comprovadamente desadequado, reflectido na pretensão, conforme imposição da “troika”, de encerrar aquele exercício com um défice de 4% do PIB, para o que terá de reduzir os gastos em 1,9% – ou conceptual – a escolha dos pressupostos externos e internos –, revela-se logo na própria elaboração técnica do documento.

O Governo, para atingir o objectivo proposto parte das seguintes perspectivas externas:
  • um crescimento da procura externa de 3,5%;
  • um preço do Brent (petróleo) situado nos 102,8 dólares por barril;
  • uma taxa de câmbio do euro fixada em 1,35 dólares;

a que junta uma previsão para a economia doméstica de:
  • um crescimento da economia de 0,8%;
  • um aumento dos preços de 0,9%;

para finalizar com a estimativa dum PIB da ordem dos 168.000 milhões de euros para 2014; aplicando a este valor os 190pp que se pretende reduzir ao défice conclui-se que a despesa pública terá que ser reduzida em 3.200 milhões de euros.

Ao contrário do que tem feito a imprensa nacional, debatendo o volume e a natureza dos “cortes”, a questão central na proposta apresentada e na elaboração de qualquer cenário macroeconómico continua a ser a do cálculo do efeito multiplicador sobre o orçamento. Se este for, como em tempos pretendeu o FMI (ver o “post” «O ERRO DO FMI») e agora insiste a ministra das Finanças, de 0,8 (ou seja a cada euro retirado corresponderia uma redução de 80 cêntimos no produto), então o valor final do PIB será o prometido na proposta de Orçamento e pouco haveria a discutir sobre o assunto, além dum pormenor ou outro em torno dos pressupostos já referidos.

Porém, como próprio FMI já o admitiu, o efeito daquele multiplicador situa-se muito acima dos inicialmente previstos 0,8, quedando-se por uns consideráveis 1,5 (significando na prática que por cada euro “poupado” no OE a economia decrescerá um euro e meio) e havendo mesmo quem estime, como é o caso neste estudo do Banco de Portugal, o efeito nuns “enormes” 2.

Assim sendo, se considerarmos um multiplicador de 1,5 o efeito contraccionista da redução dos 190pp ultrapassará largamente os 4 mil milhões de euros (4.800 milhões, números redondos) e o PIB sofrerá a correspondente redução para menos de 166 mil milhões, o que significa uma recessão de 0,5% no próximo ano; já no caso de se confirmar a hipótese mais pessimista (multiplicador igual a 2) a redução da despesa pública implicará um efeito de quase 6,5 mil milhões de euros e uma quebra no PIB de 1,5%.

Num claro exercício de manipulação e de pura desonestidade intelectual a Proposta de Orçamento para 2014 apresenta um simulacro de análise de sensibilidade que em momento algum questiona o sacrossanto valor daquele multiplicador. Admite cenários desfavoráveis na evolução dos preços do petróleo e das taxas de juro, no crescimento das economias europeias (principais destinos da exportações nacionais), vai ao extremo de admitir efeitos adversos na deterioração dos activos bancários e no processo de desalavancagem do sector financeiro, na procura interna, mas sem nunca questionar o dogma do multiplicador orçamental, que como se viu significa a continuação do ciclo recessivo da economia.

Isso, aliás, entende-se melhor nas múltiplas declarações de Maria Luís Albuquerque, à imprensa e aos deputados, onde nunca responde à questão, escondendo-se por detrás de afirmações dúbias, na recusa do debate sobre a dimensão dos multiplicadores orçamentais ou na mera reafirmação das suas convicções (em tudo análogas à “fezada” que a ministra da Agricultura invocou em tempos de seca).

Não fosse a Assembleia da República maioritariamente constituída por “apparatchiks” e seguramente o destino duma proposta de orçamento ferida de erros técnicos básicos seria um rotundo chumbo.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

RISCOS INADMISSÍVEIS…


Apenas em jeito de anedota se pode conceber a ideia dum chefe de governo que na apresentação dum documento com a importância dum Orçamento de Estado «admite que Orçamento tem "vários riscos"».


Semelhante afirmação confirma a impreparação duma equipa governativa incapaz de eliminar aqueles riscos, substituindo-os por medidas alternativas, ao mesmo tempo que comprova a opção deliberada por uma estratégia de confronto com a lei fundamental do país que pretendem governar.

E o pior é que o governo dirigido por Passos Coelho parece conseguir reunir tudo o que de pior foi revelado pelos seus antecessores e à efabulação que tantas vezes denunciaram em Sócrates estão a juntar doses acrescidas de arrivismo e de oportunismo, a menoridade política dos tempos de Durão Barroso (nada de especial se lembrarmos que em comum contam com a presença não displicente do malabarista Paulo Portas), a ineficácia do hesitante Guterres, o dogmatismo espúrio de Cavaco Silva, sem esquecer uma pitada do diletantismo de Santana Lopes e da bonacheirice de Soares.

Mas o maior risco do OE não é a declaração de inconstitucionalidade – que Passos Coelho teme, a ministra das Finanças admite e que Cavaco Silva já garantiu só ocorrerá lá para meados de 2014 (de preferência após o encerramento do programa da “troika”) –, antes os evidentes erros técnicos de que enferma e que serão objecto do próximo “post”.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

ASTÉRIX DE VOLTA



É amanhã o lançamento da mais recente epopeia duma saga iniciada em 1959 por René Goscinny e Albert Uderzo, que marcará a terceira fase das populares figuras de Astérix e Obélix.

A primeira terminou em 1977 com a súbita morte de Goscinny, o genial argumentista criador de figuras como Humpá-pá e Jean Pistolet (com desenhos de Uderzo), Iznogoud (com desenho de Tabary), Petit Nicolas (com desenho de Sempé), autor dalguns dos melhores argumentos de Lucky Luke (figura criada e desenhada por Morris) que iniciou a carreira como desenhador mas rapidamente se concentrou no que melhor sabia fazer: escrever argumentos plenos de observação, humor e crítica tanta vezes mordaz quanto certeira.

A segunda, começou em 1979 quando Albert Uderzo assegurou a dupla função de desenhador e argumentista e prolongou-se até esta data. Menos prolífera, mas sobretudo bem menos cativante que a era de Goscinny, Uderzo procurou assegurar a continuidade faltando-lhe o “toque” especial do seu compincha de longa data.

Ainda assim Astérix (e o resto da galeria de personagens, muitos apenas aparentemente secundários) sobreviveu e apresta-se agora a iniciar uma nova vida sem nenhum dos seus criadores.

Mais que a expectativa por uma nova obra goscinniana, o dia de amanhã revelará afinal se o argumentista Jean-Yves Ferri e o desenhador Didier Conrad estão à altura da tarefa. Veteranos de revistas como Spirou ou Fluide Glacial possuirão condições e qualidades que levaram a Éditions Albert René (editora proprietária da obra) a escolhê-los, mas confesso que receio a leitura que me aguarda.

Não tanto no plano gráfico – Uderzo sempre se mostrou um desenhador ecléctico que englobável na chamada escola da Marcinelle (grupo de desenhadores contemporâneos de Hergé mas que não seguiram a sua “linha clara”, engloba nomes como Jijé, Franquin, Morris, Peyo, Will, etc.) nunca se deixou rotular especificamente – onde a diferença deverá ser superficial (parece que Uderzo colaborou ainda no desenho da figura específica de Obélix) mas principalmente no plano do argumento e depois de na segunda série (a integralmente assinada por Uderzo) termos assisto à confraternização de Astérix com extra-terrestres.

Mesmo sabendo que, tal como Goscinny, Ferri também realizou alguns trabalhos como desenhador (essa dupla qualidade foi muito bem explorada pelo primeiro que chegava a enviar aos desenhadores com que trabalhava, “drafts” do efeito visual que pretendia para o desenrolar dos gagues que criava), declarações suas dadas à estampa no LE MONDE deixaram-me apreensivo. Ler que ele disse que «Asterix, ainda é um bom brinquedo.”Um dos melhores que estão na nona arte. Mas também um dos mais difíceis de “imitar” - porque esse vai ser o objetivo - apesar da sua fluidez narrativa duma aparente simplicidade.» (in LE MONDE, «Astérix: Jean-Yves Ferri, ou comment faire du Goscinny» pode pressagiar uma confrangedora tentativa de imitação, seguramente votada ao fracasso.




A dúvida deverá ser resolvida com a leitura de «Astérix entre os Pictos», para a qual conto partir em breve, que outra afirmação de Jean-Yves Ferri (no artigo já citado): «“Astérix é como a política e o Dom Pérignon: cada um com a sua opinião” [...] “Não se trata apenas de banda desenhada, mas de património”» aconselha a encarar de mente aberta.

domingo, 20 de outubro de 2013

SILÊNCIOS CONVENIENTES…


A voragem dos acontecimentos (tantas vezes invocada para justificar o muito que deixamos por realizar) levou-me a deixar passar sem referência especial uma notícia que o conteúdo da proposta de OGE para 2014 me fez recordar e segundo a qual «Na Grécia aconteceu o pior: desapareceram 10 mil milhões do dinheiro para pensões»

Alega-se hoje que não existem mais condições para suportar os encargos com as reformas e pensões de outrora. Diz-se que os sistemas de segurança social roçam a falência… diz-se que os sistemas, face aos elevados encargos com as actuais reformas e pensões, não são sustentáveis… diz-se que as receitas são insuficientes para suportar os encargos, pelo que há que proceder a urgentes (e crescentes) reduções nas pensões de reforma e noutras prestações sociais.


Diz-se tudo isso e alguns, pressurosos, até avançam com sonantes justificações de equidade social, mas o que raramente se diz é que o sistema de reformas e pensões se baseia no chamado princípio de contributivo (os descontos realizados por trabalhadores e empresas, devidamente capitalizados durante a vida activa, deverão suportar os pagamentos a realizar no período de vida inactiva) e não, como se pretende fazer crer, no chamado princípio redistributivo (no qual os descontos suportados pelos trabalhadores no activo seriam distribuídos pelos reformados).

Se tal hoje acontece só se poderá dever ao facto de também entre nós se terem volatilizado alguns milhares de milhões de euros dos sistemas de previdência, seja por acção directa dos governos que, no afã de reduzirem os défices anuais, transferiram sistemas privados para a esfera pública, seja porque os seus gestores procederam a aplicações de elevado risco (BPN, BPP, Madoff e afins) das quais resultaram prejuízos significativos.

Mas disto ninguém quer falar…

sábado, 19 de outubro de 2013

QUESTIONANDO A DIRECÇÃO...


Como tantas vezes aqui tenho referido, sendo a questão do endividamento público um problema agravado pelo modelo de funcionamento da Zona Euro (que ao excluir os estados do financiamento directo do BCE os abandona ao arbítrio dos mecanismo do mercado) a sua solução depende da concertação entre estados-credores e estados-devedores. Mas isso não implica que no âmbito nacional nada possa ser feito para minorar as situações mais dramáticas que atravessam a Grécia, a Irlanda, Chipre e Portugal.

Colocados numa situação de extrema dependência, parte da solução deverá ser despoletada internamente, enquanto, de forma concertada com aqueles países e os que se encontram à beira de idêntica situação (Espanha, Itália, Bélgica, França), externamente se deveriam estar a construir os alicerces duma estratégia conjunta orientada para a origem do problema.


As dificuldades crescem quando internamente os responsáveis políticos adoptam (por convicção ou criminoso compadrio) as teses caras aos países-credores e rejeitando os fundamentos da sua própria função – a defesa dos interesses e do bem-estar dos cidadãos que os elegeram – aplicam soluções que longe de minimizarem o problema o agravam. É disso claro exemplo as políticas seguidas na Grécia e em Portugal (para citar apenas os casos extremos, porque na realidade estão a ser aplicadas até em países como a Holanda) que aproveitando a necessidade de contenção da despesa pública estão na realidade a aplicar políticas de que ao reduzirem a sua função redistributiva da riqueza nacional mais não visam que concentrar ainda mais a riqueza numa faixa reduzida de privilegiados.

Se assim não fosse as pretendidas poupanças na despesa não deveriam ter como objectivo as reduções de gastos na Educação, na Saúde e na Segurança Social, que a par com a redução de salários mais não tem feito que depauperar as classes menos favorecidas. Se o verdadeiro objectivo do governo Passos e Coelho e Paulo Portas fosse realmente a contenção da despesa as primeiras medidas que deveriam ter sido anunciadas seriam aquelas que, podendo representar sacrifícios, só incidiriam marginalmente nos pilares fundamentais do Estado Social, a saber:
  1. a redução substancial dos gastos com a Assembleia da República e com a Presidência da República;
  2. a eliminação do mecanismo das Subvenções Vitalícias dos políticos;
  3. a redução das despesas com o “staff” dos políticos;
  4. a redução substancial das subvenções dos partidos políticos;
  5. uma redução efectiva dos apoios e benefícios fiscais às fundações;
  6. uma redução no número de vereadores nas autarquias;
  7. uma renegociação efectiva dos contratos das PPP;
cujo valor global já foi estimado na ordem dos dois mil milhões de euros.

A par destas, outra – a da redução drástica do número de viaturas de luxo no Estado e nas Autarquias – poderia gerar poupança na manutenção e substituição ainda gerar receita em resultado da sua venda imediata.

Do lado da receita, se em vez do aumento dos impostos directos e indirectos se tivesse começado por lançar medidas:
  1.  de combate eficaz à economia paralela;
  2.  para recuperação dos milhares de milhões de euros do erário público que foram injectados no BPN e no BPP;
  3. de fusão de empresas públicas (particularmente na área dos transportes) que conduzissem à redução dos custos com a proliferação de “Administrações”;

poderiam já se ter contabilizado receitas superiores a vinte milhões de euros.

Mas isto era se tivéssemos um governo empenhado em contribuir para resolver os problemas dos cidadãos em vez de assegurar a continuação da concentração de riqueza.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O SEGUNDO RESGATE VEM A CAMINHO…

É recorrente ouvir-se dum ou doutro membro do Governo que o segundo resgate dependerá das decisões do Tribunal Constitucional, como se este órgão de soberania devesse pactuar com as opções à margem da lei em que insiste a equipa de Passos Coelho e Paulo Portas.


Esta estratégia, além da clara desresponsabilização que ensaia visa ainda justificar aos olhos da opinião pública as privatizações e os cortes nos serviços públicos e nas prestações sociais incluídas na proposta de Orçamento de Estado para o próximo ano, enquanto vai instalando nos cidadãos a ideia de inevitabilidade da continuação da actual estratégia de governação para lá de 2014.

Cada vez que ouvirmos Passos Coelho, os ministros do seu Governo ou algum dos muitos comentadores apaniguados, lembremo-nos que:

1)  o insucesso do famigerado “regresso aos mercados” não é consequência doutra coisa que do excessivo endividamento (a dívida pública já representará cerca de 130% do PIB), duma estrutura económica frágil e dum sector financeiro debilitado, factores que estão na origem e sustentam (por muito que tal custe a Cavaco Silva e a Passos Coelho) a firmação de que a dívida pública é impagável;
2)   a estratégia da “austeridade expansionista”, preconizada pela “troika” e fielmente aplicada pelo Governo PSD/CDS, mais não tem feito que agravar aqueles desequilíbrios; a destruição dos serviços públicos e a desregulamentação das relações de trabalho (as principais vias escolhidas) não estão a funcionar como solução para sair da crise, pois esta estratégia apenas agrava a fragilidade do tecido económico e, caso não seja invertida conduzirá a uma situação em que o aumento da desigualdade social será o único resultado;
3)   ao contrário do sistematicamente afirmado existem alternativas à “austeridade expansionista”, as quais passam maioritariamente pela renegociação da dívida, a alteração ao modelo de financiamento público (com o BCE a financiar directamente os Estados) e a implementação de políticas de promoção do emprego e de alteração do modelo de redistribuição da riqueza capazes de relançar o mercado interno e a criação de maior riqueza;

e por muito que os meios de comunicação social repitam o desgastado chavão da necessidade do País cumprir os seus compromissos, lembrem-se que:

1)   a exigência da renegociação é um direito e foi ao longo dos tempos o único mecanismo efectivamente capaz para de combater a aniquilação dos devedores ao sabor dos interesses dos credores;
2)  contrariamente ao que é afirmado, tarde ou cedo os “investidores” estrangeiros terão de voltar a financiar os Estados que recusarem o pagamento pois essa é única via possível para rentabilizar o capital de que dispõem;
3)   a redução/perdão da dívida, especialmente se sustentada num fundamentado processo de auditoria cidadã, pode, em última instância, até ser do interesse dos credores pois o processo de sangria financeira em curso nem sequer assegura que a dívida crescente venha a ser paga;
4)   o modelo de financiamento público em vigor na Zona Euro, que sujeita os Estados à agiotagem do sector financeiro (bancos, companhias de seguros e fundos de investimento), não é apenas imoral pelo facto implicar o pagamento de juros superiores ao que os bancos pagam para se financiarem junto do Banco Central, mas também criminoso por constituir um meio de concentração da riqueza.

Como tantas vezes tenho referido, a solução não se pode resumir à denúncia do Memorando de Entendimento com a “troika”, nem a um simplista “NÃO PAGAMOS”. O problema resulta em grande medida da arquitectura da própria moeda única (a famigerada limitação do financiamento público directo através do BCE) pelo que a sua solução não se resume à actuação isolada de nenhum dos estados-membros, antes a uma solução concertada entre todos que, tendo que ser despoletada pelos estados mais atingidos, não exime nem desresponsabiliza os restantes.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

OBAMA E O BURACO NEGRO

Não era necessária a notícia que «Japão e China pressionam EUA para resolver crise política» para se ter a noção que a crise aberta em Washington com a não aprovação do orçamento federal era, desde o início, um problema de dimensão internacional. É claro que a principal preocupação das duas economias asiáticas, que se contam entre os principais credores dos EUA, será a aprovação de novo limite à dívida norte-americana que assegure a liquidação atempada da actual.

Este receio é tanto mais compreensível quanto são vários os sinais reveladores do crescente enfraquecimento do gigante norte-americano. Começando pela debilidade que o seu sistema financeiro revelou com o eclodir da crise do “subprime” (e de que, cinco anos volvidos, ainda não recuperou completamente) e pela incapacidade de recuperação duma economia desmembrada e deslocalizada ao sabor dos interesses do processo de globalização e concluindo no fracasso na abordagem questão síria (encerrada quando «Estados Unidos e Rússia chegam a acordo sobre a Síria»), os EUA têm acumulado claros sinais de desagregação do seu poderio imperial, facto que sem ser reconhecido pelos actores políticos internos estará a extremá-los ainda mais.

O arrastar do braço-de-ferro que em Washington opõe os extremistas republicanos do Tea Party à administração democrata constitui óbvio factor de instabilidade – tanto mais que contrariamente ao ocorrido em 2011 quando a divergência se centrava na questão concreta do défice, o problema agora invocado (o Obamacare) é puramente ideológico – que associado à tendência de subida das taxas de juro das T-bonds (títulos de obrigações a 10 anos) – prenúncio das crescentes dificuldades da Reserva Federal (o banco central norte-americano, também designado por FED) para a continuação da sua política de estímulos económicos (eufemismo utilizado para designar as regulares injecções de liquidez com que o FED tem procurado disfarçar a quase estagnação da economia norte-americana) – e ao disparar dos “yields” das obrigações municipais (também designadas por MUNIS) desde que foi conhecida a notícia de que «Detroit declara bancarrota».

Quando a esta complicada situação interna norte-americana se adicionam outros factores de instabilidade, como a duma Europa que tarda em recuperar os indicadores de crescimento económico, a do Médio Oriente onde persiste um clima de instabilidade política e social (para não referir o “eterno” problema palestiniano) e onde se encontra em curso uma verdadeira guerra pela hegemonia regional ou os recentes sinais de fragilidade das economias emergentes (com um Brasil em clara convulsão social, uma Índia em vias de mergulhar numa crise cambial enquanto a «China continuará a abrandar e economia global crescerá menos»), parecem reunidas as condições para a ocorrência dalgo tão surpreendente que até já na imprensa se pode ler que a «Bancarrota nos EUA pode gerar uma crise pior que a de 2008».

Episódio altamente improvável (tanto mais que até se noticia que os «Republicanos avançam com solução temporária para crise da dívida» e o presidente «Obama diz que teve "boa reunião" com os republicanos mas impasse continua»), nem por isso deixa de ser revelador do estado de espírito com que muita gente encara a situação que se vive no país que até há pouco tempo se apresentava (e era reconhecido) como o “polícia do Mundo” e torna realista a imagem dum presidente que enfrenta um verdadeiro “buraco negro”...


…algo que nenhum dos seus antecessores (nem a maioria dos seus contemporâneos) se atreveriam a imaginar.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

APELOS E BUMERANGUES


Como cidadão sempre empenhado no aprofundamento do debate sobre a “res publica” não enjeitarei o apelo que o primeiro-ministro deixou no discurso na sessão de abertura do congresso da Ordem dos Economistas para que o «…ajudem a reposicionar as expectativas dos portugueses pois o OE pode criar um novo choque» (in PUBLICO - «Execução de medidas de austeridade pode gerar novo "choque de expectativas", diz Passos»), algo mais que provável face às medidas de austeridade reiteradas e já conhecidas para 2014. Mesmo sem falar na anunciada equiparação do subsídio de almoço para os trabalhadores do sector empresarial do Estado e da função pública ou na manutenção das medidas extraordinárias, bastaria lembrar que «Cortes nas pensões de viuvez abalam Portugal», para dar uma ideia do sentimento geral dos cidadãos perante quem os governa.

Incapaz de explicar a inexplicável opção por uma “austeridade expansionista” que mais não tem feito que agravar o problema da dívida, ouvir agora que «Passos diz ser preciso evitar "choques de expectativas"», soa à mais despudorada das hipocrisias da parte de quem não fez outra coisa que defraudar as expectativas que nele foram depositadas, além das promessas eleitorais com que ludibriou o País. Não se estranhe pois que, qual efeito de bumerangue, o sentimento de injustiça e insatisfação seja tal que de nada servirá ouvi-lo dizer que a sua política de “austeridade expansionista” tem sido apresentada «…de uma forma que contraria as expectativas da generalidade dos agentes, em vez de recentrar o debate no cumprimento dos objectivos do programa», programa que ele nunca admitiu poder ser objecto de revisão ou reformulação.


Ouvido isto, parece que forte no seu dogma nem sequer o resultado das recentes eleições autárquicas o terá feito reflectir nem rever a actuação cínica e dissimulada (como se pode comprovar recentemente com a chegada ao conhecimento público que o seu colega de partido «Marques Mendes diz que o Governo vai encerrar 50% das repartições de finanças» e que a medida só não foi apresentada antes da autárquicas para não “espantar a caça”) que tem constituído a trave mestra da actuação do seu governo.

O apelo à comunidade de economistas (e ao País) poderia fazer sentido se Passos Coelho alguma vez tivesse revelado um mínimo de capacidade de compreensão e de atenção aos muitos avisos, conselhos e apelos – alguns do interior do seu próprio partido – para que ponderasse outras soluções em vez de optar por uma permanente estratégia de malabarismo, anunciando num dia a medida que dias antes recusara veementemente, ou do mais puro ardil (na esteira do colega de coligação Paulo Portas) quando apresenta mais medidas de austeridade como tratando-se de verdadeiras benesses ou de medidas da mais elementar justiça social e económica.

Um governo que tem primado por privilegiar a defesa dos mais fortes em detrimento dos mais fracos, que é composto por personalidades que regularmente dizem uma coisa e o seu contrário (e não estou a lembrar-me apenas do inenarrável Portas que da noite para o dia se converteu dum irrevogavelmente demissionário ministros dos Negócios Estrangeiros num ufano vice primeiro-ministro, mas também duma ministra das Finanças que desconhecia a existência de “swaps”, até se ficar a saber que na qualidade de técnica do IGCP os aprovara implicitamente ou dum ministro da Educação que num dia anunciou a suspensão das aulas extracurriculares de inglês para o 1º ciclo, para, perante a reacção da comunidade, se converter daí a uns dias no paladino da sua inclusão obrigatória no programa curricular), que na sanha de agradar aos credores não tem hesitado na proposta de medidas à margem da lei (não me refiro sequer à violação de regras não escritas pois várias têm sido as medidas julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional) ou contrárias aos interesses dos País e dos cidadãos que asseguram defender, não pode esperar, por manifesto demérito, que uma comunidade de intelectuais probos se transforme em arauto de “amanhãs radiosos”.

Ao apelo de Passos Coelhos para que seja encontrada «…uma forma de colocar de lado as falsas ideias – e ajudar a um reposicionamento das expectativas dos portugueses…» respondo lembrando o comentário dum seu correlegionário, ex-ministro e economista, João Salgueiro, quando há pouco mais dum ano afirmou «que Passos Coelho não estava preparado para tomar conta do poder». Assim não fora e talvez hoje estivéssemos agora a discutir outros passos que não as alternativas para minimizarmos o desastre que está a ser a política conduzida pelo actual Governo.

sábado, 5 de outubro de 2013

PIEGAS, MASOQUISTAS E A REPÚBLICA


No dia que pela primeira vez no último século deixou de ser feriado nacional comemorativo da Implantação da República, acto praticado por um governo dirigido por alguém que a propósito da contestação à sua comprovadamente ineficaz política de “austeridades-expansionista” apelidou os seus concidadãos de “piegas”, com a cobertura complacente do primeiro magistrado da República que não merece e que agora, num registo de insulto equivalente ao anterior, resolveu que «É "masoquismo" dizer que a dívida não é sustentável», deixo uma imagem clara da “gaiola das doidas” em que estão a transformar este País.


No seu lugar deveria ter deixado uma referência e uma lembrança aos que tombaram pelo ideal republicano, cientes de que o fizeram sem sonharem sequer que os poderes agora estabelecidos os aviltariam desta e doutras formas – lembrem se os casos de Miguel Relvas, de Maria Luís Albuquerque, de Rui Machete (incluindo o recente desenvolvimento do “affaire” angolano e de mais uma sucessão de mentiras e meias verdades) –, sem esquecer o ainda por explicar caso dos submarinos que já originou a condenação dos corruptores na Alemanha mas que persiste sem conhecer e condenar os corrompidos em Portugal. Os primeiros merecem o respeito de quem figura nas páginas da História, coisa que dificilmente os segundos alcançarão, pois apenas lhes restará a memória do ridículo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

SHUTDOWN


A notícia da semana é, sem dúvida, a situação de paralisia financeira, verdadeiro apagão financeiro, que vive o governo da principal potência mundial: os EUA.

Desprovidos dum mecanismo automático de orçamentação por duodécimos, a tentativa suicida do Partido Republicano para fazer depender a provação do orçamento da suspensão da entrada em vigor do “Obamacare” (programa que alarga as franjas mais desfavorecidas da população o acesso aos seguros de assistência na saúde e que tem a designação oficial de Affordable Care Act), redundou num impasse que se traduz agora no encerramento dos serviços federais não essenciais, algo que os americanos designam de “shutdown”.

Resumir que o que este braço-de-ferro encobre é, além da velha sanha da facção republicana radical conhecida como Tea Party contra Obama, fruto do desespero político e reduzi-lo à afirmação que «Guerra contra Obamacare é "medida extrema" para não perder eleitores», esconde mais que o que revela. As mutações (ou a falta duma verdadeira adaptação) do modelo bipartidário norte-americano atingiram um estado onde uma minoria num dos partidos pode transformar em refém todo o sistema, incluindo a maioria do seu próprio partido; se a isto somarmos o peso da institucionalizada prática de “lobbying” e o facto dos congressistas viverem em permanente estado eleitoral (o sistema eleitoral norte-americano é tão complexo que é um dado adquirido para qualquer político que a campanha de reeleição tem de ser iniciada no dia imediato à eleição), bem se pode afirmar, como o fez o influente colunista do THE NEW YORK TIMES, Thomas Friedman, que a democracia americana está em risco e que o «Presidente Obama não defende o sistema de saúde. Está a defender a saúda da nossa democracia e cada americano que preze isso deve apoiá-lo».



Assim, fruto dum sistema bipartidário que caminha para ao bsurdo, duma conjuntura política onde cada um dos partidos lidera uma das câmaras (a dos Representantes é liderada pelos Republicanos e o Senado pelos Democratas) e da crescente irracionalidade dos extremistas (sim, nos EUA também existem extremistas…) da facção republicana conhecida como “Tea Party”, que levou o próprio presidente Obama a dizer que a paragem do Governo se deve a uma "cruzada ideológica", da noite para o dia e sem qualquer racionalidade cerca de 800 mil americanos – o quadro nacional de funcionários federais terá cerca de 2 milhões, mas os restantes integram os chamados serviços essenciais (militares, segurança, guardas prisionais, controladores aéreos, serviços secretos, incluindo os membros do Congresso, facto que, a par com as manifestações populares de desagrado, já motivou a notícia que alguns «Congressistas abdicam de salário durante 'shutdown'») pelo que deverão continuar a trabalhar sabendo que registarão atrasos nos salários – acordaram na madrugada do dia 1 de Outubro na pouco invejável situação de empregados sem remuneração.

Com o passar dos dias, o custo do encerramento de departamento federais começará a produzir efeitos crescentes no conjunto da economia norte-americana, que apesar das notícias recentes de que cresceu 2,5% no segundo trimestre ainda se encontra longe de poder afirmar-se saudável e capaz de absorver uma estimativa de custos que aponta para que o «Estado fechado custa mais por mês que o Katrina», a tempestade tropical que varreu o sul dos EUA em 2005 e terá originado prejuízos superiores a 80 mil milhões de dólares; mais concretamente uma estimativa apresentada pela consultora IHS aponta para que o crescimento trimestral do PIB norte-americano possa ser afectado em 0,2% (mais de 3 mil milhões de dólares), por cada semana de paralisação.

Mas não são apenas as consequências de natureza económica interna que devem merecer atenção neste momento (sem esquecer a particularidade de se saber que o «Pentágono gastou 5 mil milhões na véspera de administração encerrar», num verdadeiro frenesim de assinaturas em 94 novos contratos com empresas privadas para aumentar os arsenais e as capacidades dos vários ramos das forças armadas), pois a manutenção deste braço de ferro, agora que o «Prazo para aumentar tecto da dívida pública está quase a terminar» e até já se avisa que uma situação de «Bancarrota nos EUA pode gerar uma crise pior que a de 2008», deverá inviabilizar também a aprovação dos novos financiamentos necessários à liquidação de parte da dívida (começa a vencer-se a partir do dia 18) e o consequente incumprimento, situação que já levou o presidente Obama a alertar para o efeito do shutdown na dívida americana enquanto na Europa se faz sentir o efeito com a subida do euro para máximos de oito meses.

O sistema político/legislativo norte-americano é de tal forma sui generis que não está excluída a hipótese da crise se poder resolver rapidamente ou a de se arrastar durante duas penosas semanas. Admitindo que nas vésperas da data fatídica (18 de Outubro) os representantes republicanos e democratas continuam sem alcançar um entendimento, já começaram a ser desenhadas as alternativas que restarão à Casa Branca para evitar o “default”: ordenar, à revelia da limitação, a emissão de nova dívida, optar pela suspensão dos pagamentos correntes ou não pagar a dívida. O interessante nesta polémica académica (os EUA nunca irão deixar de amortizar a dívida vencida) é que alguns especialistas norte-americanos defendem que é obrigação constitucional do presidente violar a limitação orçamental e nunca reduzir a despesa, ponto de vista que deste lado do Atlântico se pretende ver aplicado precisamente ao contrário.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

DEVER CÍVICO


Concluído mais um processo eleitoral, iniciado com o tradicional cerimonial da presença televisiva do primeiro magistrado do País apelando à participação dos eleitores, e depois dos analistas extraírem como principal conclusão a vitória do PS e onde até a «Imprensa estrangeira destaca pesada derrota do PSD», ficará para os próximos dias uma avaliação mais cuidada dos efeitos práticos sobre a conturbada coligação que governa o país.


Mesmo correndo o risco de me repetir a cada novo acto eleitoral e contrariando a ideia transmitido pelo PUBLICO que «Os votos de protesto foram os brancos e os nulos, que duplicaram este ano», retorno à famigerada questão da escolha pela abstenção que os eleitores nacionais parecem preferir cada vez mais às que as formações políticas (ou as desavenças internas personificadas em pseudo candidaturas independentes) lhes propõem. Repetir que «Nunca tantos portugueses ficaram em casa como nestas autárquicas» e que tal se deverá à fraca qualidade dos candidatos além de redundante parece cada vez menos sustentável, tal é a velocidade de crescimento do fenómeno e a sua generalização a qualquer dos tipos de acto eleitoral; recorde-se que nas última presidenciais (reeleição de Cavaco Silva) a taxa de abstenção atingiu os 53,5% depois de cinco anos antes se ter quedado pelos 38,5%, ou nas legislativas ter crescido apenas 1,6% entre 2009 e 2011.

Se tudo isto acontece quando a população portuguesa regista as mais elevadas taxas de formação de sempre, será porque as estruturas políticas não têm respondido com uma equivalente melhoria na qualidade da informação ou porque, intencionalmente, àquela escolaridade não correspondem níveis de formação cívica equivalentes. 

Onde nos levará esta situação que a nenhum político parece preocupar? Ao ridículo de dentro de algum tempo termos eleitos por 20% ou 30% dos eleitores (como quase aconteceu nestas eleições, quando no concelho de Cascais se registou uma taxa de participação da ordem dos 38%), ou ao absurdo dos candidatos se elegerem entre si?

Nem a canhestra tentativa de justificação ensaiada pelo Presidente da República quando afirmou que a «Legislação prejudicou esclarecimento dos eleitores» justifica a conclusão que «Este foi mesmo o pior resultado de sempre do PSD»; certo é que se o PS (o partido mais votado) terá alcançado um total nacional na ordem dos 36%, facilmente se constata que pouco mais de metade (52,6% para ser mais preciso) dos eleitores inscritos se deram ao incómodo de se deslocarem à sua assembleia de voto. Este resultado foi ainda pior que o de há quatro anos quando a taxa de abstenção atingiu os 40,99%, valor máximo alguma vez registado em eleições locais e apenas ligeiramente inferior aos 41,9% registados nas legislativas de 2011.