terça-feira, 26 de junho de 2018

FALTAM CAPITAIS


Na abertura da 7ª Conferência da Central de Balanços do Banco de Portugal, o seu governador, Carlos Costa, referiu-se à questão do financiamento às empresas e à crónica falta de capitais próprios defendendo a necessidade «...de um quadro fiscal e creditício que transforme a empresa num projeto comum de proprietários, gestores e trabalhadores».

Estivéssemos nós no Paraíso (ou em qualquer outro lugar ficcional) e esta referência até poderia ser entendida como positiva ou bem intencionada. Sucede, porém, que vivemos num país onde esta deficiência além de crónica é histórica, tendo atravessado sucessivas soluções governativas, desde a Monarquia à República e passando pelo Estado Novo. Remonta aos primórdios da introdução da manufactura (realizada sob a protecção ou o beneplácito do poder), transferiu-se para o processo de industrialização (tardio e invariavelmente orientado para produtos com reduzido valor acrescentado) e arrastou-se até aos nossos dias graças á política de monopólios estatais com que a Monarquia procurou suster a sua queda e ao condicionamento industrial do Estado Novo que o que fez foi proteger os lucros de umas quantas grandes famílias.

À boa maneira portuguesa (ou latina, se preferirem) o capitalismo nacional cresceu (pouco) mediante o recurso a expedientes e ao crédito bancário, solução que a crise sistémica, despoletada com a falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, quase inviabilizou quando fez desaparecer da noite para o dia os colossais activos que a banca mundial afirmava possuir e afinal pouco ou nada valiam.

Nada disto parecerá estranho para quem tenha acompanhado a situação das empresas nacionais nos últimos anos e no já distante ano de 2009 escrevi no post «O PROBLEMA É O CRÉDITO» a propósito da forma como os bancos centrais dos EUA e da UE estavam a tentar contrariar a crise que a «...redução das taxas directoras não está a ter o desejado efeito de relançamento da economia porque, contrariamente ao afirmado por muitos especialistas o verdadeiro problema não está na falta de liquidez (ou até de confiança), mas sim no excessivo endividamento dos Estados, das empresas e das famílias, processo que foi suportado e alavancado em pressupostos de valorização irreal dos activos (empresas e imóveis)», pois estes sinais eram evidentes há muito tempo.

A forma de ultrapassar esta situação não é naturalmente fácil, mas substancialmente complicada quando o próprio tecido empresarial nacional (maioritariamente constituído por PME e microempresas) persiste em não enfrentar o problema. A crónica escassez de capitais próprios nunca será resolvida mediante o aumento do recurso ao crédito, como se pretende fazer crer o sistema financeiro e o governador do Banco de Portugal.

Se a realidade mostra que raros foram os casos de sucesso e que essa ideia apenas tem conseguido o aumento dos lucros do sistema financeiro, será de procurar uma solução diferente, para o que serão necessárias novas abordagens. Entre estas conta-se a ideia da transformação do crédito num bem público, ou seja, a de minimizar aquela que actualmente é a sua principal função: a de acumulação e concentração da riqueza.

Se houvesse melhor distribuição da riqueza anualmente gerada em cada economia e o crédito fosse fundamentalmente utilizado enquanto instrumento de desenvolvimento – aplicado em projectos efectivamente rentáveis e de interesse geral, a taxas suportáveis e geradores de mais bens e serviços e da consequente melhoria das remunerações salariais – e desnecessário enquanto meio para suprir necessidades de consumo, nem as famílias ou os Estados estariam na situação de sobreendividamento que hoje conhecemos, nem muitas das PME e microempresas viveriam uma situação de asfixiante dependência financeira.


Esta ideia, que nada tem de revolucionário, choca com o discurso neoliberal que defende a justiça da ambição e do egoísmo pessoais e coloca o enriquecimento individual e a qualquer preço como a prova suprema do sucesso social, escondendo que a riqueza desmesurada usufuída por uma minoria rodeada de miseráveis não é apenas socialmente condenável (há até quem simplesmente lhe chame pornográfica) como será insustentável a prazo...

terça-feira, 19 de junho de 2018

MARKETING POLÍTICO


O mês em curso registou dois importantes areópagos: mais uma cimeira do G7 e o encontro entre Donald Trump e Kim Jong-Un.

De ambos sobraram tonitruantes declarações trumpianas mas pouco ou nada de verdadeiramente concreto e importante. Da reunião do G7 (grupo que supostamente reúne as sete maiores economias mundiais, já incluiu a Rússia, afastada a pretexto da questão ucraniana e da anexação da Crimeia, mas exclui a China que disputa o primeiro lugar com os EUA) quase só ficou a polémica em torno da declaração final e do comentário insultuoso de Trump.

Já da muito aguardada, cancelada e reagendada reunião com o líder norte-coreano, depois da troca de elogios (que se seguiu à troca de insultos dos últimos tempos) terá resultado um acordo muito vago e semelhante a outros que no passado acabaram por falhar, mas nada que tenha impedido Trump de anunciar uma grande vitória, nem de voltar a gabar as suas conhecidíssimas capacidades negociais.

Para além do exacerbado ego de Trump, o verdadeiro ganhador foi, na realidade, a China que assim acalma a tensão na sua fronteira do sul, deixa o Japão e os EUA militarmente mais vulneráveis enquanto cimenta a sua estratégia para o disputado mar do Sul da China (rico em hidrocarbonetos e por onde passa um terço do comércio marítimo mundial), que deixou “brilhar” o seu truculento vizinho, que vai agora à China explicar as negociações com Trump, e ofereceu uma pouco dispendiosa acção de propaganda interna ao errático presidente norte-americano.


A troco de muitas promessas e de uma mão-cheia de nada, Trump conseguiu a propaganda que necessitava para fins internos, quando o balanço da sua política doméstica se revela cada vez menos positivo, a sua estratégia de guerra comercial parece cada vez menos defensável e quando se aproximam eleições intercalares de cujo resultado depende completamente para a continuação da sua famigerada política isolacionista do «America first».

quarta-feira, 13 de junho de 2018

A QUESTÃO DEMOGRÁFICA


Ainda que não se entenda completamente o porquê, eis que de repente a luta política trouxe para a ribalta das atenções mediáticas a questão demográfica.

Organizaram-se grandes debates em universidades e demais locais de grande concentração de informação e conhecimento sobre o tema? Não! Apenas o maior partido da oposição, o PSD, quer pagar aos portugueses 10 mil euros por cada filho, ao longo dos primeiros dezoito anos de vida.


Esta ideia, de aparente aumento do universo abrangido, traduzir-se-á, de acordo com alguns especialistas na matéria, num efeito praticamente neutro – quando substitui outras formas de apoio às famílias como o velho abono de família – ou até negativo por não prever qualquer mecanismo de progressividade em função do rendimento familiar. Para os mais críticos, cumprirá mesmo o objectivo de financiar as famílias de maiores rendimentos a expensas das de rendimentos mais baixos.

Por outro lado a ideia centra-se particularmente na ideia de combater a diminuição da população – uma questão demográfica – mediante o aumento da natalidade e isto são questões muito diversas, pois a primeira é influenciada pelo saldo migratório (diferença entre o número de emigrantes e de imigrantes) e o chamado saldo natural (diferença entre o número de nascimentos e de óbitos), enquanto a natalidade é apenas e tão só o número de nascimentos. Numa economia como a portuguesa, onde o número de emigrantes (os que saem, com a agravante destes seram maioritariamente jovens) é superior ao de imigrantes (aqueles que entram no país) e o dos óbitos ao dos nascimentos, actuar apenas sobre um dos factores produzirá seguramente poucos resultados. Isto mesmo é confirmado quando os próprios especialistas que estiveram na origem da proposta avisam que só com subsídios não vamos ter mais filhos, quanto mais uma inversão na tendência de redução da população.

E será que o aparentemente desejado aumento da população faz sentido quando são cada vez mais evidentes as limitações dos recursos e quando a redução do número de nascimentos parece, principalmente, fruto da associação de dois outros factores: uma opção cultural e uma reacção às condições de instabilidade no mercado de trabalho, como o próprio ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social já salientou.

É que a manter-se a actual conjuntura de instabilidade no emprego ou sem uma melhoria de condições essenciais, como a redução das horas de trabalho e o aumento dos salários, não haverá político ou santo-casamenteiro que nos valham!

segunda-feira, 11 de junho de 2018

O DESCRÉDITO DE TRUMP


É do senso comum que a maioria das cimeiras multilaterais são enfadonhas e de pouca ou nula importância, até quando parece suceder o contrário, como aconteceu em 2009 com a cimeira do G20 onde se anunciou o acordo ao fornececimento de estímulo económicos e empréstimos aos países com os problemas criados pela crise financeira, que ao menos desempenhou algum papel para ajudar o mundo a evitar uma completa repetição da década de 1930, ou em 2010, quando em contraste, se formalizou uma viragem para uma política de austeridade que atrasou significativamente a recuperação económica e que se revela agora responsável pelo o aumento do extremismo político.

Inédito terá sido ver agora a tradicional encenação, do entendimento e da concórdia entre os líderes das maiores economias, abalada pela passagem de Donald Trump pelo Quebec, onde até se poderia esperar um discreto anúncio do iníco duma guerra comercial, ou no limite o despontar do colapso da aliança ocidental, mas não o pedido norte-americano de readmissão da Rússia para o grupo ou a exigência de abolição das tarifas praticadas sobre as exportações americanas, quando a própria administração norte-americana reconhece que a Europa pratica uma tarifa média da ordem dos 3%.


Interessante – e revelador da sua ignorância e da dos conselheiros de que se rodeia – foi saber que Trump confunde taxas comerciais com impostos sobre o consumo (como é o caso do IVA europeu), para criticar os seus parceiros económicos e parecer o paladino do «America first»; esta táctica poderá agradar aos rednecks (expressão usada nos EUA para designar o estereótipo do habitante do interior, tradicionalista e com baixos rendimentos; o equivalente ao saloio nacional) com que encheu os seus comícos eleitorais mas dificilmente trará outro resultado aos EUA além do ridículo.

A guerra comercial declarada pela administração Trump poderá acabar por custar mais aos EUA que aos seus parceiros e talvez para o esconder – ou simplesmente porque é essa a estratégia de qualquer vendedor de banha da cobra – ele tente falar mais e mais alto que os restantes, mas o que não conseguiu disfarçar foi a estranha coincidência de interesses com a Rússia (para mais numa cimeira eminentemente económica) nem o evidente mal-estar de ter que conviver com quem não o adula.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

REFLECTIR SOBRE O CRESCIMENTO


Foi com esta imagem que há uns dias O ECONÓMICO deu conta que a desacelaração europeia põe Portugal na cauda do crescimento económico.


É comum dizer-se que uma imagem vale mil palavras e a daquela notícia é forte, mas alguém no jornal parou um pouco para pensar o que estava a dizer, ou simplesmente fez coro com a ideia que o crescimento está ao alcance de todos e é o melhor que pode acontecer?

Nas modernas economias, moldadas pela Revolução Industrial e pela Globalização, onde tudo se resume ao valor monetário, a resposta será obviamente que o PIB avalia adequadamente a evolução e o crescimento das economias. Mas será a resposta correcta, quando dispomos de recursos naturais (superfície arável, recursos minerais e hídricos) finitos?

Os principais teóricos e divulgadores da moderna economia parecem apostados em manter imagens idílicas ou, no mínimo, tranquilizantes para o comum dos cidadãos. Não ignorarão a futilidade das suas teorias e das suas afirmações, mas anseiam porque a maioria as tome como válidas e adequadas para enfrentarmos os problemas que nos escamoteiam.


Enquanto gastarmos tempo e energias e debater como iremos fazer crescer o PIB de cada economia, quando vivemos num mundo onde os ganhos de uma economia serão os prejuízos doutra – lembram-se a falaciosa da ideia salvífica do crescimento das exportações nacionais que afinal não passava de tentar vender mais barato por via da redução dos custos salariais – e as matérias-primas são cada vez mais escassas para as necessidades, em lugar de procurarmos formas de produção social e ambientalmente mais sustentáveis, estaremos apenas a gravar o retrocesso que nos aguarda.