No momento em que nos órgãos de comunicação social se começa a falar da hipótese da escolha de Ramos Horta para substituir o actual secretário-geral da ONU, Kofi Annan, talvez se justifique uma reflexão sobre a forma como se alcança aquele lugar.
A ONU resultou na transformação da antiga Sociedade das Nações no período que se seguiu à II Guerra Mundial. Até esta data já conheceu oito secretários-gerais nomeados após um processo de negociação entre os países membros da organização. Neste processo de escolha, tal como em todas as decisões, os cinco estados com assento permanente no Conselho de Segurança (EUA, Rússia, França, Grã-Bretanha e China) dispõem de direito de veto.
A indicação do nome de Ramos Horta como possível futuro secretário-geral é uma mera manifestação de intenção, tanto mais que o próprio ainda não anunciou a sua disponibilidade (estará a aguardar os desenvolvimentos das conversações em curso), que para obter sucesso terá que contar com o apoio das nações com direito a veto.
Para se ter uma melhor noção do que isto significa recorde-se que Kurt Waldheim (5º secretário-geral de 1971 a 1981) viu nesse ano recusada a hipótese de um terceiro mandato quando a China o vetou e que o mesmo sucedeu a Boutros Boutros-Ghali em 1996 quando os EUA o vetaram para um segundo mandato. Kofi Annan também não verá atribuído um terceiro mandato, pelo que as conversações para a sua substituição já terão começado.
Independentemente do apoio que o ministro dos negócios estrangeiros português, Freitas do Amaral, já deu a conhecer (o peso de Portugal neste processo é diminuto) Ramos Horta poderá beneficiar de dois factores importantes na corrida: o relativamente bom relacionamento entre a administração americana e o governo de Timor-Leste, no qual exerce o cargo de ministro dos negócios estrangeiros, e o facto de ser de origem asiática.
Após um primeiro período de tempo em que os secretários-gerais eram de origem europeia (1945 a 1961), desde U Thant (de nacionalidade birmanesa) que conclui o seu segundo mandato em 1971 que o cargo não é ocupado por nenhum asiático. Desde 1992 que este tem sido desempenhado por africanos (o egípcio Boutros Boutros-Ghali e o ganês Kofi Annan), pelo que poderá haver boas hipóteses de desta vez voltar a ser uma personalidade do continente asiático.
Para além destas razões Ramos Horta pode ainda apresentar alguns outros argumentos a seu favor, como seja o facto de ter passado um longo período (entre 1975 e 1999) nos EUA na qualidade de representante da Fretilim, defendendo a causa da independência do território e da cessação da ocupação indonésia, e de ter sido um dos laureados com o Prémio Nobel da Paz em 1996 (conjuntamente com o bispo Ximenes Belo).
O passado de luta e de defesa do direito dos povos à autodeterminação de Ramos Horta, associado com a sua longa passagem pelos EUA e por algumas das suas escolas e instituições públicas, onde exerceu a prática de lobying, a par com um perfil moderado poder-lhe-á granjear algumas hipóteses, num momento em que a administração americana procura um sucessor para uma personalidade que lhe criou alguns embaraços, nomeadamente quando não apoiou a invasão americana do Iraque em 2003, a qual chegou mesmo a qualificar de invasão e ocupação ilegal.
Enquanto os representantes das principais potências vão analisando dossiers e pesando prós e contras de um conjunto de candidatos, com o fito de vir a ser escolhido o novo secretário-geral da ONU, nós continuamos condenados a assistir a este processo, que tem de tudo menos de democrático, do qual resultará uma nomeação para a ocupação de um cargo de direcção, importante para grande parte da população mundial, uma vez que é a ONU que assegura o funcionamento de um sem número de agências e organismos de assistência e apoio às populações vítimas de desastres naturais e conflitos, logo com maiores carências.
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