quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

A OBRA E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Não foi por acaso que retomei hoje o “ESTRANHO CASO DAS CARICATURAS” nem devido à atitude provocatória de um membro do governo italiano, mas sim por ter lido uma notícia segundo a qual a OPUS DEI terá “pedido” à Sony Columbia (empresa produtora de filmes) que retire algumas cenas da versão cinematográfica do “Código Da Vinci”.

Para quem não tenha ainda lido o muito falado romance homónimo de Dan Brow, informo que um dos personagens da obra é um monge, membro da OPUS DEI, que por instruções do principal responsável da “Obra” (é assim que esta associação é conhecida entre os seus membros) vai procedendo à eliminação física de todos quantos possam contribuir para a divulgação do “grande segredo”: Maria Madalena terá sido a mulher de Jesus Cristo, deles terá havido descendência cuja linhagem perdura até aos nossos dias, a qual tem sido protegida ao longo dos séculos por uma sociedade secreta.

Conhecendo o argumento literário, a pretensão da OPUS DEI (citada pelo DIÁRIO DIGITAL) de que os produtores eliminem do filme as cenas que possam «ferir os católicos» uma vez que o texto original «oferece uma imagem deformada da Igreja Católica», parece-me particularmente difícil (até pelos exíguos três meses que faltam para a estreia). As poucas ideias que me ocorrem implicam uma relocalização de toda a acção (para um qualquer país asiático ou do médio-oriente) e a substituição do monge católico por um membro de uma seita (“hashishin” ou “ninja”) e da religião católica por outra, na qual a união sexual do seu fundador não constitua heresia.

Apenas por esta via seria possível “agradar” à OPUS DEI e anular a sua advertência de que muitas pessoas se sentem ofendidas pela falta de respeito que representa para as crenças dos cristãos a versão original do romance. Apesar de tudo, magnanimamente, a “Obra” não tenciona interpor acções contra o filme, por não alimentar desejo de polémica, nem promover qualquer boicote, confiando na sensibilidade dos produtores para «evitar a ofensa, quando ainda é possível».

É espantosa a forma melíflua como a “Obra” pretende que os produtores auto censurem uma obra literária, é como se os herdeiros de Monsenhor Escrivá de Balaguer estivessem a tentar reinstituir o sistema da Inquisição sem a figura do inquisidor, dando à vítima a “gloriosa” oportunidade de se auto flagelar antes de se imolar pelo fogo.

Podem descansar os mais radicais dos “mulahs” e outros “ayatholas” islâmicos. Se deixarem de persistir nos seus anátemas anti americanos e anti globalização, muito terão a aprender numa futura confraternização com os mais iluminados dos membros da “Obra”. Pelo exemplo referido, as formas de coarctar a liberdade de expressão e de opinião, neste ocidente tão democrático e livre, atingem aqui requintes de malvadez, que os sequazes de George W Bush e do seu secretário de estado da defesa, Donald Rumsfeld bem andariam se as utilizassem em substituição das técnicas de interrogatório praticadas em prisões como Guantanamo e Abu Ghraib.

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