domingo, 5 de fevereiro de 2006

O NUCLEAR E O MÉDIO ORIENTE

A recente decisão do Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atómica de apresentar o dossier iraniano ao Conselho de Segurança da ONU constitui o mais recente desenvolvimento do “braço de força” que tem oposto o Irão aos EUA e à UE. Enquanto aquele estado árabe pretende desenvolver um programa nuclear para produção de energia, as potências ocidentais pretendem impedi-lo sob o argumento de que o mesmo se destina à produção de armamento nuclear.

Após um período em que este programa foi desenvolvido com o apoio dos EUA e da Alemanha (durante a vigência do deposto Xá Reza Pahlevi), conta agora com o apoio técnico da Rússia e tanto quanto é do domínio público tem-se inserido nos termos do Tratado de Não Proliferação Nuclear e sob a vigilância da AIEA.

O agravamento da crise no Médio-Oriente, a política americana para a região, a dimensão que tem vindo a atingir o movimento fundamentalista islâmico (de que o regime de Teerão é um dos principais pilares) e a radicalização do discurso do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejd, têm contribuído para transformar esta matéria numa das mais importantes na agenda mundial.

Talvez que os EUA, após o aparente insucesso da estratégia utilizada para tentar impedir a Coreia do Norte de também integrar o “clube nuclear”, pretendam garantir maior sucesso contra um estado árabe que poderá alterar significativamente o equilíbrio estratégico naquela região. Só assim se entendem as recentes declarações do presidente George W Bush à REUTERS, nas quais se mostrou disponível para aumentar o apoio militar a Israel (estado que nunca subscreveu o Tratado de Não Proliferação Nuclear e dispõe de armamento daquele tipo) e até contemplou a hipótese de recurso ao uso da força (eufemismo para descrever um cenário de mais uma invasão) contra o Irão.

Não sendo um cenário expectável a curto prazo uma vez que continuam a existir conversações entre as partes, apesar do Irão já ter anunciado a suspensão de inspecções não autorizadas da AIEA, o Conselho de Segurança só se virá a pronunciar em Março e do sentido do seu voto ainda não estar completamente esclarecido, não deixa de merecer referência o facto de o Irão e a Síria constituírem alvos preferênciais há muito definidos pelos “falcões” norte-americanos.

Há porém alguns dados neste cenário que importa recordar. Os EUA têm vindo a encontrar maiores dificuldades no Iraque que as inicialmente previstas e a situação no Afeganistão (invadido após o 11 de Setembro) também se encontra longe da estabilização que tantas vezes se procura noticiar, a tal ponto que jornais norte americanos já vão fazendo referência às dificuldades que a administração Bush está a encontrar para conseguir “refrescar” as suas forças militares deslocadas naqueles países. Segundo um estudo encomendado pelo próprio Pentágono o nível de recrutamento em 2005 ficou aquém do indispensável e este efeito já se começa a sentir nas tropas nos cenários de conflito, forçadas a prolongar os seus tempos mínimos de permanência.

Perante este cenário, não me custa a crer que a estratégia das duas partes (EUA e Irão) seja a de fazer subir o tom dos discursos oficiais com vista a melhorar as respectivas posições para um processo de negociação que parece inevitável. A confirmar esta mesma tese vejam-se as declarações do governo russo que continua a manifestar-se disponível para firmar um acordo para o enriquecimento do urânio iraniano no seu território e assim minimizar as hipóteses da sua utilização para fins militares.

De momento restará aguardar até Março para conhecer a decisão do Conselho de Segurança da ONU, sem nunca esquecer que várias têm sido as suas resoluções por cumprir naquela região, nomeadamente as respeitantes a condenações do estado israelita por violação de resoluções sobre limitações territoriais e ocupação de Jerusalém Oriental, e que a solução adoptada pela Autoridade Palestiniana sobre a composição e política do seu novo governo (com ou sem uma clara presença do Hamas e com ou sem o reconhecimento formal de Israel) também constitui importante dado para esta questão.

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