Foi hoje notícia de primeira página no PUBLICO a possibilidade do Millennium BCP vir a transferir o fundo de pensões dos seus trabalhadores para a Segurança Social.
A hipótese de o Estado ver os activos da Segurança Social aumentados em 4 mil milhões de euros é seguramente uma perspectiva muito aliciante para qualquer ministro das finanças, mais ainda se aqueles valores puderem servir para contabilizar como redução do deficit público.
Mas, o que levará o Millennium BCP a assumir uma atitude tão benemérita?
Não será seguramente um gesto altruísta de Paulo Teixeira Pinto, presidente do grupo, para resolver a situação de crise da Segurança Social!
A haver alguma vantagem neste processo será seguramente em benefício do BCP, nunca do Estado e ainda menos dos trabalhadores do banco.
De mais a mais é particularmente curioso como, cerca de um ano volvido, se volta a recolocar a hipótese (apetecia-me mesmo dizer a certeza) de transferir fundos de pensões sustentáveis da esfera privada para um organismo público que à saciedade já demonstrou a sua incapacidade para manter uma actividade (gestão de pensões) equilibrada.
Desconheço se o fundo de pensões do Millennium BCP não apresentará, por trás de uma imagem de perfeita solidez e sustentabilidade, alguma fragilidade habilmente “maquilhada” (recordo que muitos fundos de pensões norte americanos viram há uns anos o seu valor reduzido a próximo de zero, fruto das aplicações concentradas em activos de elevado risco), mas admito que não seja esse o caso.
Facto é que, sinceramente, começo já a lamentar o futuro muito cinzento que aguarda os milhares de trabalhadores, que hoje se vêm esbulhados das suas poupanças/aplicações (parte significativa do valor a transferir resultou dos descontos mensalmente praticados sobre os vencimentos desses trabalhadores) e no futuro poderão não chegar a beneficiar da reforma para a qual contribuíram ao longo da sua vida de trabalho.
Para quem pense que estou a pintar um cenário particularmente carregado, recordo que essa foi a perspectiva que há uns anos determinou a constituição de fundos de pensões por empresa, e é agora a perspectiva algumas vezes avançada pelos nossos governantes quando referem a insustentabilidade da actual Segurança Social e a necessidade da introdução de medidas correctivas, das quais a mais recente foi o aumento da idade mínima de reforma para os 65 anos.
Voltando à questão dos benefícios que o BCP pode retirar desta transferência é o próprio artigo do PUBLICO que a explica: «…a responsabilidade do pagamento das pensões dos aposentados e actuais trabalhadores do BCP passará para o Estado, e o banco verá eliminados os riscos associados ao actual sistema de reformas dos bancários (mercados, metodologia e pressupostos actuariais, longevidade e crescimento dos salários)», levando-a mesmo um pouco mais longe quando afirma que a «…integração dos bancários no regime público tem sido uma medida reclamada pelos banqueiros portugueses, que alegam que a sustentabilidade do sistema de pensões dos seus trabalhadores está em causa, pois os reformados do sector ultrapassam já os activos totais e as metodologia e pressupostos actuariais estão desajustados».
Por explicar, naturalmente, têm ficado as razões que levam a administração do BCP (e da generalidade da banca em Portugal) a “empurrar” para programas de reforma antecipada larguíssimas centenas de trabalhadores. No entanto, o mesmo BCP nunca se esquece nos seus relatórios de actividade de referir a baixa média etária dos seus quadros e propagandear isso como se de um argumento de qualidade se tratasse.
Analisadas algumas das vantagens do BCP para a concretização da transferência e o prejuízo que dela resultará para os trabalhadores do banco, falta ainda avaliar essa mesma medida do ponto de vista do Estado. Para esta entidade a ideia é particularmente atraente no curto prazo, na medida em que poderá contribuir para a resolução de dois dos seus problemas mais graves: a falta de sustentabilidade da Segurança Social (normalmente traduzida na incapacidade de continuar a pagar pensões num futuro mais ou menos próximo) e o crónico deficit público. Porém, a médio prazo será a Segurança Social a confrontar-se com o problema do desfasamento entre o número de trabalhadores activos e aposentados (o tal que dizem está a ditar a falência do sistema e que a administração do BCP classifica como um risco que quer eliminar).
A confirmar-se esta boa notícia, José Sócrates e o seu ministro das finanças, Teixeira dos Santos, podem de imediato começar a pensar onde gastar (perdão, queria dizer aplicar mas… fugiu-me a boca para a verdade) este maná caído dos céus; têm é que pensar igualmente na forma de retribuir ao BCP tão grande favor. Como o irão fazer? Talvez “esquecendo”, ou ajudando a esquecer, aquele caso há pouco tempo falado sobre práticas pouco legais associadas a branqueamento de capitais e fraudes fiscais; talvez assegurando a manutenção das directivas à Inspecção de Trabalho para que nada, nem ninguém, perturbe o aumento de produtividade alcançado à custa dos prolongamentos dos horários de trabalho (naturalmente não remunerados); talvez um qualquer outro “negócio” ainda em preparação…
Por último, para além do natural aviso aos trabalhadores do resto da banca, gostava de recordar que tudo isto remonta ao famigerado mês de Dezembro de 2004 quando o governo de Santana Lopes, numa estratégia desesperada para colmatar um deficit que teimava em crescer, decidiu, com a natural conivência da administração Caixa Geral de Depósitos e a habitual inconsequência das estruturas sindicais nacionais, proceder à transferência do fundo de pensões dos trabalhadores daquele banco da para a Caixa Geral de Aposentações (a congénere da Segurança Social para os trabalhadores da função pública).
1 comentário:
Pelos vistos não é só o Estado que gere mal, mas quando convém...
No limite, o que o BCP está a a fazer é assumir a sua incompetência para gerir um fundo de pensões sustentável.
Afinal em que é que ficamos ?? Agora já não é o todo poderoso "mercado" que dita as regras ???
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