quarta-feira, 30 de novembro de 2005

A AUTONOMIA DAS ESCOLAS

De acordo com notícias recentes prepara-se o governo para dar início a um processo que se encontra legislado desde 1998, mas que até esta data não registou qualquer desenvolvimento.

Declarações recentes da ministra Maria de Lurdes Rodrigues apontam no sentido de o próximo ano lectivo vir a ficar para a história recente do ensino em Portugal. Não sei se este marco ficará registado pelas melhores se pelas piores razões, uma vez que a própria ministra parece ciente das muitas dificuldades que este processo pode registar, referindo entre outros a criação de clientelismos e a existência de profundas desigualdades entre os diferentes estabelecimentos de ensino.

Fruto de uma permanência durante vários anos em Associações de Pais e no contacto com as Escolas (Conselhos Executivos, Órgãos de Escola, Professores e Auxiliares de Educação), com Direcções Regionais de Educação e Autarquias e da interacção com Alunos e Encarregados de Educação, parece-me que as dificuldades enunciadas pela ministra estão aquém da realidade.

Não existindo a mínima dúvida que o processo de autonomia escolar pode constituir um passo importante para a melhoria global do ensino, também é verdade que a qualidade dos resultados vai-se revelar muito mais dependente da qualidade dos gestores (Conselhos Executivos) do que no actual modelo.

Nunca encontrei um Conselho Executivo cujos elementos se não lamentassem da falta de autonomia para a resolução de problemas, mas também é verdade que raramente encontrei órgãos directivos que assumissem plenamente a parca autonomia de que dispunham.

Provavelmente por razões de natureza cultural, dificilmente os membros de um Conselho Executivo aplicarão medidas indispensáveis que se revelem lesivas dos interesses da classe sócio-profissional que integram. Ao longo dos anos pude coleccionar múltiplas situações de que passo a dar alguns exemplos:

- a elaboração de horários que normalmente privilegiam os interesses de docentes em prejuízo dos alunos;

- a organização de actividades lectivas fora dos estabelecimentos de reduzidos efeitos pedagógicos;

- o funcionamento deficiente (raiando algumas vezes a total falta de democraticidade) dos órgãos escolares (Assembleia de Escola e Conselho Pedagógico);

- o pouco cuidado/interesse na promoção da participação dos Encarregados de Educação nas actividades de gestão das escolas;

sendo que a falta de resolução de muitas delas, não se revestindo de um elevado grau de dificuldade, apenas pode ser explicada por inércia ou falta de interesse.

Apesar das muitas dificuldades que antevejo este processo deve ser implementado, acarinhado e dinamizado para que possamos vir a ter melhores escolas, melhor ensino e melhores cidadãos.

Porém, do que pude ler sobre o assunto parece-me evidente a existência de uma lacuna neste processo, uma vez que se admite que o actual modelo de constituição dos Conselhos Executivos não irá sofrer qualquer alteração, sendo assim de esperar maiores dificuldades na sua implementação.

Como tem demonstrado a experiência próxima e passada, processos de mudança desta natureza (e este pode assumir características profundamente radicais) implicam uma de duas abordagens: ou se conquistam os intervenientes para o processo ou então há que proceder à sua total renovação. Não sendo expectável que nenhuma destas duas hipóteses venha a ser contemplada o que provavelmente vai acontecer na hora do balanço será a confrontação com resultados decepcionantes.

É aqui que surge a oportunidade para contemplar a hipótese de ensaio de novos modelos de organização e de gestão das escolas, os quais não poderão deixar de passar por uma maior participação dos Encarregados de Educação (é certo que ela está prevista na legislação em vigor, mas como sabemos com efeitos profundamente mitigados porque inserida em estruturas colegiais onde o seu peso específico é muito reduzido), das Autarquias e do tecido produtivo local.

Se autonomia significar (como desejo) maior responsabilidade então os corpos docentes das escolas terão que alterar significativamente alguns dos seus comportamentos habituais – veja-se o que recentemente tem acontecido com a questão do prolongamento dos horários no primeiro ciclo do ensino básico – e principalmente ao nível dos Conselhos Executivos, os quais entendo que deveriam ser também integrados por “gestores” (tanto quanto sei, lamentavelmente, não existe formação académica específica para gestores escolares), não com o objectivo de transformar as escolas em “linhas de montagem” mas sim no de introduzir conceitos mínimos gestão num meio onde normalmente apenas se ponderam questões de natureza pedagógica.

Este modelo de gestão mais abrangente e participado que preconizo deverá, no caso das escolas do ensino secundário (ou que ministrem aquele grau de ensino), integrar também alunos daquele nível de forma a maximizar a sua integração na escola e na sociedade e a levá-los a sentir o “espaço” e os seus problemas como uma tarefa colectiva.

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