domingo, 6 de novembro de 2005

VAMOS BRINCAR À CARIDADEZINHA

Ao acabar de ler um artigo de opinião, no Diário de Notícias de hoje, assinado por Helena Sacadura Cabral, concluído com esta magistral frase: «Em Portugal esta óptica conduz à compulsão de gastar e ao medo de investir. De ousar ser rico. Porque, sob o manto diáfano de uma legislação pretensamente igualitária, o que se visa é castigar e denegrir a riqueza. Esquecendo que, se ela não for fomentada, nada haverá para distribuir por aqueles que nada têm!» veio-me logo à memória aquela antiga canção do José Barata Moura «Vamos brincar à caridadezinha».

É que o problema da autora reside na sua aparente (ou real) incapacidade de nos transmitir o que lhe vai na alma, ou seja ela acha que o problema atávico nacional é o facto de não demonstrarmos vontade em sermos ricos. Helena Sacadura Cabral acha que “temos vergonha” na obtenção de riqueza e logo cerceamos todas as potencialidades daqueles que o poderiam ser.

Por uma questão cultural os potenciais ricos portugueses transformam-se simplesmente em perdulários porque o Estado (aquele vil monstro sugador de riquezas) insiste em cobrar impostos sobre os ricos, quando, no seu entender (não escrito, mas perfeitamente implícito), o que devia era proporcionar-lhes as melhores condições para o enriquecimento.

Branqueando o comportamento de sectores da população que exercendo actividades liberais ou desenvolvendo negócios, praticam na realidade uma despudorada fuga ao fisco (são publicamente conhecidos muitos casos de declarações de IRS onde os ditos personagens pouco mais declaram de rendimento que o triste salário mínimo nacional) com total beneplácito das forças políticas instaladas no poder e, consequentemente, responsáveis da generalizada prática de tais abusos.

Vai mais longe Helena Sacadura Cabral quando afirma que «…a "persecução" visa, sobretudo, a poupança e o investimento, o que não deixa de ser bizarro. Se alguém fizer um depósito a prazo de 20 mil euros ao miserável juro de 2% paga, logo à cabeça, para o Estado, 20% de imposto. Porém, quem o gaste - na maioria dos casos em sectores que nada interessam ao desenvolvimento do País - não é incomodado. Quando muito, é invejado!», sugerindo que o Estado deveria isentar ainda mais os rendimentos de capital, porque só assim haveria meios para o desenvolvimento do país.

Que haja quem defenda a aplicação das mais convictas teses do neo-liberalismo económico, eu entendo, agora que haja quem despudoradamente confunda neo-liberalismo com o funcionamento de uma sociedade onde apenas os trabalhadores por conta de outrem paguem impostos e aqueles que auferem rendimentos mensais de 20.000€ (para usar o mesmo exemplo da autora) tenham o “direito” de os “aplicar” e “fazer frutificar” sem qualquer ónus fiscal raia o insulto.

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