sexta-feira, 18 de novembro de 2005

MORTE NO AFEGANISTÃO

Os meios de comunicação nacional fazem hoje particular eco da morte de um soldado português no Afeganistão.

Facto já de si triste, a morte de qualquer pessoa em consequência de um conflito de duvidosa natureza é ainda mais triste por a aproximar da inutilidade.

O ministro da defesa, Luís Amado, e as chefias militares nacionais apressaram-se a lamentar o acontecido e a reafirmar a continuidade da presença militar portuguesa no território.

Numa notícia de contornos pouco claros, fica no ar mais do que a dúvida sobre a forma como ocorreu o incidente (o termo explosão que foi empregue presta-se a muitos tipos de acto bélico, inclusive a de acidente no manuseio do próprio equipamento e o próprio comunicado do EMGFA que refere um «…um engenho explosivo colocado no itinerário…» acaba por não ser muito mais esclarecedor) a informação sobre a situação que se vive em território afegão.

Pensadas a quente (o óbito do sargento português ocorreu há pouco mais de 12 horas) estas questões podem parecer brutais e desadequadas para o momento em que todos deveríamos “chorar” esta morte (aliás políticos de diversas correntes já vieram público manifestar a sua “dor” e discursar sobre os elevados desígnios morais da missão que as tropas nacionais e dos restantes países ocidentais desempenham no Afeganistão) que resulta de uma evidente falta de reflexão sobre o acto que determinou a presença de militares estrangeiros naquele país.

Sendo óbvio que persiste o sacrifício de vidas humanas (afegãs e estrangeiras) no território afegão, apesar do silêncio dos meios de informação ocidentais, este infausto acontecimento estará a ter o mérito de trazer para o noticiário nacional a existência de uma guerra (obviamente de contornos não tradicionais) no Afeganistão. Ao longo dos meses que decorreram desde a declaração de vitória de George W Bush que para a imprensa nacional o Afeganistão deixou de existir, facto que poderá ter levado muita gente a pensar que a guerra era um fenómeno do passado (recente mas encerrado) e que a principal acção dos militares ocidentais presentes no território consistiria em meras tarefas manutenção da paz (expressão que tem vindo a ser popularizada pelas administrações americana e inglesa como eufemismo para situações de conflito não aberto com resistentes dos diversos territórios ocupados).

Assumido que existe uma situação de conflito no Afeganistão (contrariamente aos discursos oficiais) permanece a questão de entender as respectivas origens.

Para quem conheça minimamente a história da região, a recordação da derrota infligida ao exército soviético na última década do século passado e a longa tradição de resistência à ocupação estrangeira (os ingleses conheceram no século XIX as dificuldades de lidar com uma região que desde os tempos áureos da rota da seda sempre constituiu um território cobiçado mas dificilmente controlado) deveria ter constituído motivo suficiente de reflexão antes do lançamento de uma vasta operação militar (eivada de contornos policiais) visando a captura de Osama bin Laden e a extinção da Al-Qaeda, presumíveis culpados pelo ataque às Torres Gémeas.

Declarado oficialmente encerrado o conflito (quem já esqueceu as poderosas imagens de um sorridente chefe de estado, a bordo de um magnífico vaso de guerra, fazendo uma jactante declaração de vitória e auto-louvor à capacidade bélica), apeado do poder um regime (taliban) declarado bárbaro, instalados novos senhores na capital tudo parecia correr novamente de feição para os soberanos interesses norte-americanos, salvo o facto pouco significativo de bin Laden nunca ter sido localizado e, de acordo com a opinião de alguns especialistas, a Al-Qaeda pouco mais ter sido afectada que pela necessidade de instalação de novas bases noutros territórios.

A coligação ocidental instalou em Cabul um governo amigável, oficialmente liderado por um tal Hamid Karzai, por muitos apontado como ex-conselheiro da petrolífera norte-americana UNOCAL e que após uma tentativa falhada de assassínio (em Setembro de 2002) vive entrincheirado num “bunker” em Cabul, deixando a gestão do território entregue aos diferentes “senhores da guerra”, divididos pela respectiva origem étnica (o Afeganistão conta com uma dezena de etnias, onde pontificam os “pashtuns”, com uma representatividade idêntica à dos “tajiques”, “uzebeques” e “azaris” em conjunto) e muito mais interessados nos proventos da comercialização do ópio que na reconstrução do país.

Temos, assim, um cenário perfeito para a manutenção de uma situação de rebelião, sendo crescentes os sinais do aumento da influência “taliban” cujos elementos pressionados pelos bombardeamentos aéreos norte-americanos terão procurado refúgio nos países vizinhos (Paquistão, Irão, Turquemenistão, Uzbequistão e Tajiquistão) e estão agora a regressar aos seus territórios de origem. A força militar estrangeira instalada no território (estimada em cerca de 10.000 homens) será, em pouco tempo, manifestamente insuficiente para garantir a manutenção do regime pró ocidental actualmente no poder, tanto mais que estamos em presença de uma região onde existe uma evidente dicotomia de valores religiosos, éticos e morais, profundamente arreigados na população, com aqueles que agora se procuram instalar. É facto histórico que os afegãos sempre eliminaram as diferentes tentativas de dominação que outros povos e culturas lhes tentaram impor, e esta não deverá ser uma situação nova nem aparenta condições para ultrapassar a milenar resistência a influências estrangeiras.

Honestamente creio, e receio, que a notícia de hoje possa ser apenas a primeira de outras.

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