quarta-feira, 16 de novembro de 2005

A ECONOMIA PORTUGUESA (I)

O DIÁRIO DE NOTÍCIAS apresenta hoje como tema a situação da economia portuguesa e particularmente a questão da divergência que esta vem registando nos últimos anos relativamente à UE.

Entre as variáveis que explicam este resultado o DN destaca, pela voz de César das Neves, o consumo interno e o déficit externo; ao consumo interno tem cabido a principal responsabilidade pelo crescimento da economia, enquanto o déficit externo (por via do seu crescimento) tem funcionado em sentido contrário.

Em termos mais prosaicos qualquer economia está dependente de variáveis como o consumo interno (normalmente associado ao consumo das famílias), o investimento das empresas e do Estado (dependente, a primeira, dos níveis de poupança das famílias e a segunda do equilíbrio entre o volume de impostos cobrados e o nível de despesas gerais da administração pública) que determinando o nível de produção interna influenciam, inversamente, o volume de importações e o correspondente déficit externo ou comercial.

Abordando a questão do funcionamento da economia de forma pragmática constata-se que existem três grandes agregados em torno dos quais tudo funciona: as famílias, as empresas e o Estado.

Das primeiras espera-se que disponibilizem a sua força de trabalho, às empresas (ou ao Estado), a troco de um salário, com o qual pagarão os seus impostos, adquirirão os bens e serviços de que necessitam e guardarão o excedente (a poupança).

Às empresas compete a produção dos bens e serviços que a famílias utilizarão (nacionais ou estrangeiras), o pagamento dos impostos devidos e a remuneração dos capitais investidos na actividade (sejam eles dos proprietários ou resultado da poupança das famílias).

O terceiro interveniente tem um papel particularmente importante (e talvez por isso sempre envolto em polémica) que consiste em prestar ao conjunto dos cidadãos (famílias e empresas) serviços de natureza colectiva e muitas vezes intangíveis, tais como as funções legislativas e de segurança nacional. Para financiar esta sua actividade deverá usar os impostos pagos pelas famílias e as empresas, porém esta fonte financiamento é normalmente insuficiente para suportar todas as despesas públicas, na medida em que estas ultrapassam em muito as anteriormente referidas.

E aqui começam todos os problemas. Os defensores das correntes mais liberais entendem que o Estado deve reduzir o seu papel ao de mero espectador da actividade económica, entregando ao mercado (entidade superestrutural, que se auto regula e é infalível) o exercício de todas e quaisquer actividades à qual possa ser atribuído um valor; na inversa os seus mais acérrimos opositores defendem que o mesmo Estado deve ter um papel interventivo no regulamento e funcionamento do mercado. É a disputa entre os apologistas do Estado-liberal e os do Estado-social.

Teoricamente tudo estaria bem se o Estado lograsse cobrar o montante de impostos necessário à cobertura das suas despesas (fossem elas as específicas de um Estado-liberal ou as próprias de um Estado-social), as empresas lograssem obter os meios financeiros indispensáveis ao seu funcionamento (incluindo a modernização de equipamentos e o desenvolvimento de novos produtos) e as famílias lograssem satisfazer as suas necessidades (habitação, alimentação, educação, saúde, lazer, etc.) e realizar alguma poupança com os rendimentos disponibilizados pelas empresas.

Sucede que, no mundo real, ocorre uma situação que tem determinado um crescente desfasamento deste com o mundo teórico que tentei descrever de forma muito sucinta – NINGUÉM PARECE CONSEGUIR DISPOR DE RECEITAS SUFICIENTES PARA A COBERTURA DAS SUAS DESPESAS.

Deste paradoxo, inexplicável para o grupo dos acérrimos defensores das virtualidades do mercado, resulta que os parceiros mais fortes têm imposto a sua vontade em detrimento dos mais fracos. Senão vejamos, partindo da actual situação da economia portuguesa que resumiria assim:

- fraco, ou nulo, crescimento económico;
- reduzida capacidade de investimento;
- elevado endividamento das famílias
- déficit comercial (importamos mais do que exportamos);
- déficit orçamental (o Estado gasta mais que o que recebe);

a principal preocupação dos nossos governantes e dos seus múltiplos conselheiros para os assuntos económicos centra-se na resolução dos déficits (comercial e orçamental), propondo-se aqueles aplicar a panaceia universal – aumentar as receitas (leia-se impostos) e reduzir as despesas (leia-se políticas redistributivas de natureza social) – própria de quem detém o poder discricionário de “determinar e mandar publicar”.
Analisando o mesmo problema de uma óptica diversa, poder-se-ia chegar à conclusão que se o Estado não obtém as receitas de que necessita será porque o produto originado na economia é escasso, logo gerador de fracos impostos, porque o rendimento das famílias é baixo, também gerador de fracos impostos, ou porque o Estado é ineficaz a cobrar impostos. Em qualquer dos casos não será o aumento da carga fiscal a resolver este problema, mas sim alterações na política de rendimentos e na prática simplista de só cobrar impostos aos rendimentos originados pelo trabalho ou resultantes de transacções comerciais.

Se o rendimento das famílias é baixo será, como pretendem os sectores mais liberais, resultado da baixa produtividade do trabalho (produzido pelos mesmos trabalhadores que a operarem em unidades produtivas geridas segundo cânones adequados revelam produtividades iguais ou superiores às alcançadas noutros países da EU, como recentemente se verificou com a AUTO EUROPA) ou da fraca dotação de capital das empresas (que persistem no recurso a maquinaria desactualizada e envelhecida) e do reduzido investimento em áreas reconhecidamente inovadoras e produtoras de mercadorias com aceitação nos mercados?

Os exemplos conhecidos (como é o caso da indústria de moldes e principalmente o da Auto Europa, por ocorrer no próprio território nacional) indiciam claramente que o cerne da debilidade da economia nacional não radica nas famílias mas fundamentalmente nas empresas e no Estado.

Nas empresas porque os seus proprietários e/ou gestores persistem numa prática produtiva baseada em baixos salários e não em produtos de ponta e tecnologicamente desenvolvidos, com capacidade de concorrência nos mercados mundiais; a esta visão estreita da realidade acresce o facto da indústria orientada para a procura interna se confrontar com as dificuldades próprias da reduzida dimensão do mercado (número reduzido de compradores e, pior ainda, com reduzido poder de compra) e da concorrência dos congéneres europeus tecnologicamente mais evoluídos.

No Estado porque até esta data continua a aplicar, de forma autista, as políticas que poderão melhor servir alguns interesses (nomeadamente os dos sectores importadores e da finança), que não seguramente os da maioria da população; a confirmá-lo temos o facto de ano após ano ouvirmos repetir o mesmo discurso – a necessidade de realização sacrifícios em prol do saneamento financeiro das contas públicas e do crescimento económico – sem até hoje termos logrado reduzir de forma aceitável o diferencial de bem-estar que mantemos para os restantes parceiros da EU.

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