terça-feira, 3 de janeiro de 2006

REFLEXÃO SOBRE AS PRESIDENCIAIS

Porque estamos cada vez mais próximos da data marcada para a eleição do futuro Presidente da República, porque o DIÁRIO DE NOTÍCIAS voltou hoje a apresentar novo texto laudatório do vencedor anunciado - e a única crónica anunciada na qual até hoje encontrei alguma qualidade é a “Crónica de uma morte anunciada” de Gabriel Garcia Marquez - vejamos onde erra o inefável Luís Delgado.

No artigo intitulado “Porque ganha Cavaco?”, contrariamente ao que pretende o autor, o passado de Cavaco Silva está muito longe de o engrandecer e ainda mais de o mitificar (de mitos e insubstituíveis estão os cemitérios cheios), a menos que de forma narcisista aquele utilize a sua própria dimensão como bitola comparativa (aí até eu sairia engrandecido) e a tonelagem de betão como indicador de desenvolvimento. O facto de muita gente referir o período do consulado cavaquista como época de ouro, deve-se a duas razões de ordem distinta: para uns reflecte o saudosismo de um período de abastança, fruto da política de grandes obras públicas e de grande aumento do emprego na função pública, enquanto para outros representa uma época de grandes e fáceis afluxos de fundos comunitários que muito contribuíram para o florescimento de uma classe de novos-ricos.

Uma apreciação mais analítica do período revela o desperdício de oportunidades de modernização e, principalmente, de qualificação técnica, em virtude da opção pelas obras faraónicas então empreendidas (auto-estradas, Centro Cultural de Belém, EXPO 98 e Ponte Vasco da Gama). Paralelamente o período conheceu o início do processo de desnacionalizações que pela forma como foi conduzido (negociação “particular” com os potenciais compradores) poder-se-á ter traduzido na maximização do ganho público (orçamental) mas raramente na criação de um tecido empresarial forte e orientado para objectivos de médio/longo prazo (facto perfeitamente entendível se analisarmos quem são hoje os proprietários das empresas então vendidas e ainda existentes) e foi, na época, alvo de críticas de vários sectores económicos e técnicos da sociedade portuguesa.

Tem razão o articulista quando afirma que Cavaco Silva não desmerece na comparação com os seus sucessores, mas há que ter em atenção que estes mais não fizeram que perpetuar as grandes linhas políticas que aquele iniciara; o socialista Guterres manteve o processo (concluiu a EXPO 98 e a Ponte Vasco da Gama, manteve a construção da rede de auto-estradas e lançou o processo para o Euro 2004) que Durão Barroso e Santana Lopes não continuaram por falta de fundos e por manifestamente terem preferido lançar o discurso da “tanga”. Sim, porque se há que procurar responsáveis pelo depauperado estado de desânimo nacional (como referem alguns dos nossos políticos e comentadores), eles encontram-se nas fileiras políticas que apoiam Cavaco Silva no actual processo eleitoral, dirigiram o PSD na última meia dúzia de anos e presidiram aos dois últimos governos.

Pelo que deixei escrito fácil se torna concluir que a credibilidade que Luís Delgado atribui a Cavaco Silva tem que passar a ser vista sob um ângulo diferente. Esta não resulta da qualidade do trabalho desenvolvido enquanto primeiro-ministro, cargo que aliás abandonou de forma quase cobarde ao furtar-se a submeter a sua política a um sufrágio eleitoral que sabia de antemão adverso, mas fundamentalmente de uma plêiade de comentadores, articulistas, jornalistas e outros bajuladores que ao longo dos últimos tempos têm surgido de forma regular (estranhamente regular) nos meios de comunicação louvando um putativo candidato que inteligentemente geriu - ou viu gerido - um novo tabu (há semelhança do que se dizia de Guterres, também aqui se poderia ter ouvido o candidato a pensar “não sei se vá... não sei se fique...”).

No que respeita à mensagem de Cavaco Silva, basta ler ou ouvir o que este tem dito ao longo do período da pré-campanha. Cavaco tem falado sobretudo daquilo que faria caso exercesse uma função executiva, esquecendo (ou talvez não) que a função a que se candidata é meramente fiscalizadora.

Com um perfil totalmente desadequado para a função (pelo menos é como tal que se tem apresentado), com um pensamento reconhecidamente economicista, profundamente anti-social e muito impreparado em matérias de política externa, política comunitária e defesa nacional, tem passado a mensagem de que se for para Belém, contrariamente ao que diz Luís Delgado, não teremos uma vida tranquila nem isenta de mais problemas.

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