Após as muitas vicissitudes que este processo conheceu nos últimos dias, em torno da autorização israelita para o funcionamento de assembleias de voto em Jerusalém-Este, da participação do Hamas e das delicadas negociações entre facções da Fatah que acabaram por acordar na apresentação de uma lista conjunta.
As notícias que hoje circulam têm dado conta de um clima da relativa euforia com que a população palestiniana viveu o processo de votação. Dividida na escolha entre a Fatah – organização que controla a Autoridade Palestiniana (espécie de governo local), de que foi líder Yasser Arafat e que actualmente atravessa uma divisão algo profunda entre os membros mais antigos (onde se destacam Mahmud Abbas e Ahmed Qurei) e os representantes das novas gerações profundamente empenhadas na Intifada (onde pontua como líder Marwan Barghuti, a cumprir uma pena de prisão perpétua em Israel) – e o Hamas, que após o assassinato pelos israelitas do Sheikh Ahmed Yassin, o seu líder histórico, e de Abdel Aziz al-Rantissi apresenta Mahmoud Al-Zahar como líder.
A estratégia israelita de impedir a realização de campanha eleitoral em Jerusalém-Este pelo Hamas e a ameaça de impedir mesmo a realização do acto eleitoral naquele território (parcialmente apoiada pelos EUA e pela UE), a par com as crescentes acusações de corrupção aos principais líderes da Fatah terá estado na origem das primeiras notícias que atribuíam grande favoritismo àquele grupo.
Porém, o acordo de última hora alcançado entre a velha guarda e a nova guarda da Fatah, que permitiu a apresentação de uma única lista encabeçada pelo carismático Barghuti, tem vindo a nivelar essa tendência.
Organismos internacionais têm produzido sondagens que atribuem agora a vitória à Fatah com cerca de 40% dos votos contra 30% para o Hamas. Estes dados que têm em conta o facto de ao acto eleitoral se apresentarem um total de 11 listas, parecem-me ser de encarar com a máxima precaução, tanto mais que perante um cenário de possível vitória do Hamas as autoridades israelitas até autorizaram as cadeias de televisão Al-Jazeera e Al-Arabiya a realizar entrevistas na prisão a Barghuti e personalidades ocidentais como ex-presidente americano Jimmy Carter participaram em apelos ao voto ao lado dos dirigentes da Fatah.
Jimmy Carter, que integra o grupo de 450 observadores internacionais às eleições palestinianas, não teve qualquer prurido em fazer campanha por aqueles que considera preferíveis para manter o processo de negociação com Israel.
A população de eleitores deve rondar cerca de um milhão e meio de palestinianos (os cerca de 4 milhões de refugiados ficam de fora), distribuídos pelos territórios da Faixa de Gaza e Cisjordânia; em Jerusalém-Este, com uma população de eleitores estimada em cerca de 100.000 palestinianos, apenas poderão votar cerca de 6.000, pelo que os restantes 94.000 terão que se dirigir aos territórios ocupados.
Neste ambiente caótico e num clima de profunda ansiedade o governo israelita poderá ver-se a braços com a necessidade de negociar com o Hamas (movimento que conseguiram ver integrado na lista patrocinada pela administração norte-americana das organizações terroristas mundiais), situação que os seus representantes não excluem completamente, apesar de do seu programa original constar a necessidade da supressão do estado de Israel.
De uma forma ou outra as potências ocidentais e a respectiva imprensa têm abordado o problema das eleições palestinianas numa perspectiva idêntica à que abordariam um processo semelhante em qualquer outra parte do mundo (veja-se o que aconteceu no final do ano passado com as eleições iraquianas), esquecendo que:
- a prática eleitoral, no sentido que lhe é dado no ocidente, é algo de totalmente estranho para as populações do médio-oriente;
- a Palestina não é propriamente um estado, no sentido ocidental ou em qualquer outro, mas sim um somatório de territórios militarmente ocupados por uma potência regional e onde não é permitida a livre circulação nem a livre associação de cidadãos.
Que diria a administração americana, campeã da defesa dos direitos humanos, se o governo chinês organizasse um processo eleitoral no Tibet?
Também enviaria consultores para realizar sondagens e encorajaria ex-dirigentes seus a participar em campanhas de apelo ao voto?
Qualquer que seja o resultado das eleições palestinianas a esmagadora maioria da população vai continuar a viver em condições extremamente precárias (do ponto de vista económico) e permanentemente sujeita aos abusos e arbitrariedades das forças israelitas (do ponto de vista militar e de segurança) enquanto o seu real problema não for resolvido – a constituição de um estado palestiniano auto-suficiente e livre da “pressão” do vizinho Israel – algo que só será possível quando a comunidade internacional exigir dos seus governos uma política de aplicação e cumprimento da resolução da ONU de 1947 que estabeleceu as fronteiras entre os dois estados – Israel e Palestina.
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