O Hamas venceu as eleições palestinianas e com maioria absoluta. Quem tenha lido o meu “post” de ontem terá ficado com a ideia que a participação daquele grupo no futuro executivo palestiniano era, para mim, um dado adquirido, principalmente pelos sinais de “nervosismo” que israelitas e americanos vinham dando. A hipótese de vitória com maioria absoluta é que me pareceu pouco realista.
Consumado o facto, o que irá mudar nos territórios palestinianos?
O chefe do executivo Ahmed Qorei já apresentou a sua demissão ao presidente da Autoridade Palestinina, Mahmoud Abbas, que a aceitou e anunciou que irá pedir ao vencedor das eleições para formar novo governo. A abordagem muito cautelosa que os principais líderes do Hamas estão a revelar, com destaque para as declarações iniciais que apontavam para a intenção de constituição de um governo em conjunto com a Fatah, poderá não ter sequência em virtude da decisão deste grupo de recusar participar num governo de coligação.
Perante um cenário de governo do Hamas, pelo seu historial de trabalho e apoio às populações será de esperar que este se venha a revelar mais preocupado com as situações de grandes carências que a generalidade dos palestinianos vive nos territórios ocupados (a ocupação não tem que ser de carácter militar, a construção de barreiras à circulação de mercadorias e pessoas e a imposição de um quase bloqueio generalizado é uma forma de ocupação tanto ou mais eficaz que a militar), facto que constituirá uma segura razão para a escolha que as populações realizaram.
Se no plano interno (directamente ligado à qualidade de vida) a resposta se revela relativamente fácil, nos planos da segurança e das relações externas a questão pode revelar-se bem mais complicada. Na qualidade de grupo predominantemente militar o Hamas deverá encontrar grandes dificuldades para assegurar uma rápida e eficaz governação (os problemas de natureza logística e técnica não são pequenos), facto que deverá conseguir ultrapassar com o tempo se para tal receber a colaboração de que carece.
É neste capítulo que tudo se poderá tornar muito mais difícil, uma vez que os EUA e a UE já fizeram saber a sua pouca vontade de agir nesse sentido; chega mesmo a falar-se na suspensão da ajuda externa e já hoje o presidente Bush anunciou que a sua administração não estará disponível para negociar, nem auxiliar, grupos que não defendam o reconhecimento dos «aliados israelitas» (usando mesmo a expressão «os palestinianos terão pagar pela escolha que fizeram»). Concomitantemente com a posição americana, também o governo israelita já anunciou que não negociará com qualquer governo palestiniano que integre elementos do Hamas.
Tudo indica que vamos voltar a viver um clima de tensão (os dirigente do Likud israelita – partido com que Ariel Sharon chegou ao poder – já se manifestaram pelo endurecimento das medidas de defesa e de hipotética retaliação sobre os palestinianos, enquanto o governo israelita, agora liderado por Ehud Olmert, convocou para esta tarde uma reunião de emergência para debater questões de segurança interna), dependendo a sua amplitude da capacidade de diálogo de todos os intervenientes.
Os países da UE vão procurando fazer sentir ao novo poder palestiniano a necessidade deste abandonar as teses mais radicais (extinção do estado de Israel) e a luta armada, enquanto os órgãos de comunicação vão continuando a recordar que o Hamas integra a lista das organizações terroristas mundiais.
A bem da paz e de uma tentativa séria de resolução do problema palestiniano, parece-me que a nível interno a Fatah necessita de rever a sua rejeição à proposta de partilha do poder apresentada pelo Hamas (esta seria um boa opção de actuação diplomática para a UE, mesmo que para isso tenha que utilizar o argumento da sua contribuição financeira para o estado palestiniano), proporcionando assim algum tempo para este grupo se ir ajustando a uma postura menos bélica relativamente a Israel, enquanto vai actuando na melhoria da qualidade de vida dos palestinianos e eliminando os focos de corrupção interna que justificaram a opção popular contra a Fatah.
O governo israelita precisa de ser limitado nas suas acções de intervenção militar e de cerceamento da liberdade de movimentos dos palestinianos, acção que apenas poderá ser alcançada pela pressão dos EUA. A administração americana precisa de entender que para problemas no médio oriente já lhe chegam os que criou no Iraque, que a persistência na sua política pró-israelita apenas conduzirá à eternização da instabilidade na região e continuará a fornecer argumentos aos grupos islâmicos radicais, o que só deverá ser possível mediante uma mobilização da opinião pública mundial.
A UE, não pode alinhar nas teses americanas (que há semelhança das aplicadas no combate à Al-Qaeda se continuam a revelar de um primarismo muito perigoso), devendo representar uma efectiva alternativa ao posicionamento anti-palestiniano que a administração Bush pratica, sustentando a viabilidade do estado palestiniano, colaborar no sentido de eliminar o radicalismo do Hamas, mas sem esquecer que este foi escolhido pelo povo palestiniano para assegurar o seu governo.
Numa palavra a UE não pode, de modo algum, validar a tese americana de que as eleições só são boas quando os eleitos são os amigos.
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