No dia 3 deste mês o DIÁRIO DE NOTÍCIAS dedicava o seu editorial à “Guerra da Energia” a propósito do recente diferendo que opôs russos e ucranianos sobre a questão do preço do gás natural fornecido pela GAZPROM, que chegou à interrupção de fornecimentos àquele país.
Esta decisão, criticada pelos países europeus que apresentam também eles uma grande dependência daquele tipo de produtos, tem que ser entendida numa lógica perfeitamente actual (a GAZPROM apenas reivindicava a aplicação de preços de mercado à produção que vende à Ucrânia) onde parece ser dominante o conceito de liberalismo económico, do qual é indissociável o livre funcionamento do mercado.
Numa dimensão diferente, também entre nós se tem registado um ambiente particularmente agitado em torno das questões energéticas. Não que o governo Sócrates tenha decidido implementar uma nova política energética orientada para o aproveitamento de fontes alternativas de produção de energia (solar, eólica ou marés), mas porque estava em causa o controle accionista GALP e da EDP (empresas dominantes nos sector dos combustíveis e da energia eléctrica em Portugal). Chumbada por Bruxelas a hipótese de troca de participações da empresa italiana ENI na GALP pela EDP, havendo o risco daquela exercer uma opção de compra que lhe permitiria concentrar quase 50% do capital da petrolífera nacional e a participação da espanhola IBERDROLA no capital da EDP, procurou o actual governo negociar uma solução que assegurasse (até quando) algum controle nacional sobre um sector tão importante quanto o energético.
Parecendo ultrapassada para já a questão, com os italianos da ENI a abdicarem do aumento da sua participação na GALP e os espanhóis da IBERDROLA a não fazerem grande questão na sua representação no Conselho Superior da EDP, parece-me que a importância que o governo atribuiu a esta questão justifica alguma reflexão sobre o seu futuro.
Ninguém discordará do princípio que o sector energético (combustíveis e electricidade) é, e será, um sector determinante para o crescimento económico mas igualmente relevante enquanto vector de defesa e identidade nacionais. Não se trata de um sentimento patriótico serôdio ou balofo, mas sim da constatação que nenhum estado-nação poderá exercer a sua autoridade e soberania numa situação de dependência energética. Este fenómeno, ou melhor a necessidade de garantir o acesso nas melhores condições às fontes energéticas mundiais, tem determinado a generalidade dos conflitos registados desde a resolução da partilha dos mercados coloniais alcançada com a I Guerra Mundial.
O segundo grande conflito mundial opôs um conjunto de países que pretendiam melhorar a sua posição relativamente ao acesso às reservas petrolíferas então conhecidas (a Alemanha deslocou-se para leste em direcção às jazidas a sul da União Soviética e em direcção ao Médio-Oriente, enquanto o Japão se orientou para o sudoeste asiático e a Austrália) e conclui-se com uma posição de dominância das potências aliadas no controle dessas mesmas reservas.
O que desde então tem ocorrido no Médio-Oriente (instalação de um estado judaico pró-americano, ao qual os franceses ajudaram a alcançar tecnologia nuclear, o controle franco-britânico do Canal do Suez, o clima de conflito israelo-árabe e as recentes invasões do Afeganistão e do Iraque), juntamente com as guerras da Coreia e Vietname – pretensamente para evitar a expansão do comunismo nessa região mas na realidade necessárias ao controle estratégico de rotas marítimas – e as acções americanas no Panamá e nas Honduras, tiveram sempre subjacente o problema do controle e acesso às reservas de hidrocarbonetos.
Nesta conjuntura a posição portuguesa é algo menos que marginal, até porque a própria União Europeia não conseguiu ainda apresentar uma estratégia comum. Entre os seus membros contam-se países produtores, como o Reino Unido, e importadores, os restantes, que ao longo do tempo foram firmando acordos com países produtores extra comunitários.
No caso português, que se abastece de gás natural da Argélia, que dispõe de alguns meios de refinação próprios (complexos petroquímico de Sines e Matosinhos) e se apresta a ver instalada uma nova unidade da zona de Sines, a dependência das ramas árabes é uma realidade pelo que faz todo o sentido o estudo do reposicionamento estratégico face a esta problemática da energia.
Com vista a uma progressiva “libertação” da dependência do petróleo e uma vez que o país dispõe de boas condições naturais, há muito tempo que se devia ter iniciado um processo de investimento em energias renováveis, traduzido na produção de electricidade a partir de turbinas eólicas, redes de painéis solares e centrais de aproveitamento da energia das marés, conseguindo-se por esta via não só a redução da dependência dos países produtores de petróleo mas também a redução dos níveis de emissão de gases com efeito de estufa resultante da substituição das centrais térmicas.
O lançamento de um programa de investimento nesta área deve implicar, conjuntamente com a questão da titularidade da gestão de empresas como a GALP e a EDP, a discussão em torno da lógica que presidiu à privatização daquelas empresas, fruto da qual resultaram os problemas de gestão anteriormente referidos e o debate em torno da dependência face a Madrid, bem como uma evidente deterioração da capacidade de intervenção estratégica do Estado no sector, por forma a evitarem-se os erros cometidos no processo de privatizações iniciado durante os governos de Cavaco Silva e mantido por todos os que lhe sucederam.
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