Embora hoje seja um dia dedicado à reflexão dos eleitores, durante o qual é suposto não existirem acções de campanha e propaganda eleitoral, não podemos esquecer que houve candidatos que fizeram um apelo directo e específico aos seus apoiantes mais fervorosos que utilizassem este período para persuadir familiares, colegas de trabalho e vizinhos a acompanhá-los nas suas opções de voto.
Não será estranho que este tipo de apelo tenha surgido de duas candidaturas que nos últimos dias registaram resultados nas sondagens menos consentâneos com as respectivas aspirações ou com as informações que os seus seguidores mais directos iam disponibilizando.
Mas esta introdução não se destina a falar das presidenciais de amanhã, mas sim para criar ambiente a uma breve reflexão sobre processos eleitorais.
Entre estes, pela sua antiguidade e dimensão, ressalta o antiquíssimo processo de eleição papal de que tivemos em 2005 o mais recente exemplo. Esta estrutura religiosa procede à eleição do seu chefe supremo segundo um princípio mais restrito – o do colégio eleitoral, competindo ao conjunto dos cardeais, designado por conclave, proceder a uma eleição de onde resulta a escolha de um destes para a sucessão papal.
Tendo-se registado em meados de 2005 o último destes conclaves, do qual resultou a eleição do cardeal Ratzinger para o cargo da figura central do Estado Pontifício, e preparando-nos nós para a realização da eleição da principal figura do nosso Estado, parece-me adequado fazer aqui eco de notícias vindas a lume no final do ano passado sobre a eleição do papa Bento XVI.
Prevalece entre os católicos o conceito de que a eleição papal é um acto solene e carregado do simbolismo resultante de se atribuir a escolha à influência da inspiração divina de forma a garantir a nomeação do melhor entre os melhores. Este respeitável princípio tem vindo a sofrer profundos golpes na sua credibilidade e não deixa de ser interessante constatar que um dos mais fortes foi desferido pelo próprio Ratzinger quando em 1978, na qualidade de cardeal e de Perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé (nome pelo qual hoje em dia é conhecida a antiga Inquisição), afirmou que contrariamente à tese corrente na Igreja não é o Espírito Santo que dita a escolha papal. Não se pode por isso estranhar que o próprio Ratzinger tenha lançado uma verdadeira campanha eleitoral após a morte, ou se calhar ainda em vida, de João Paulo II.
Pelo menos é o que afirmou um dos cardeais brasileiros que integrou o último conclave. Apesar das pesadas sanções canónicas que pendem sobre quem quebrar o voto de silêncio relativamente ao processo de eleição papal (nada mais conveniente para “calar” bocas e consciências dos que integram um acto que já de si se rodeia de todo um cerimonial de mistério e secretismo que apelar às “penas dos infernos”), seria esperar demasiado destes tempos de rápida circulação de informação se nada transpirasse sobre o assunto. Por muito poderosa que ainda seja a máquina do Vaticano, o facto é que se tornou agora público que a eleição do cardeal Ratzinger resultou de uma campanha organizada onde além das qualidades do candidato também se recorreu à contra-informação (terá sido posta a circular a notícia de que o principal opositor, o cardeal Carlo Maria Martini, sofri da doença de Parkinson) para alcançar os fins desejados.
Rodeadas de óbvias dúvidas e incertezas, nem por isso as declarações do cardeal brasileiro (cujo nome o jornal “O GLOBO” não revelou) deixam de constituir um sério aviso à estrutura eclesiástica e motivo de justa reflexão de todos nós.
Se a eleição papal já se realiza (será que alguma vez foi de forma diferente?) em sistema de conluios e é objecto de processos negociados entre grupos de influência (no caso de Ratzinger foi apontada a “OPUS DEI” como a organização de suporte) o que sucederá naquelas em que nós participamos?
Serão os processos tão transparentes e isentos como muitos crêem e outros querem fazer crer?
Que fique claro, para não deixar qualquer tipo de dúvidas ou suspeitas sobre o acto em causa, que não me estou a referir à eleição (acto de votar exercido por cada um de nós) mas ao processo de constituição das candidaturas (presidenciais ou outras). Para recordar casos muito recentes lembro o que sucedeu com a generalidade das candidaturas não partidárias que formalizaram candidaturas ao acto eleitoral de amanhã. Das treze apenas seis lograram obter a aprovação do Tribunal Constitucional e destas apenas uma não beneficiou do apoio expresso de qualquer força partidária, elo comum com a totalidade das sete rejeitadas.
Sem estar em causa a legalidade dessa rejeição, o que fica claro são as dificuldades para a formalização de candidaturas de iniciativa não partidária, facto que constitui evidente limitação à livre expressão de ideias e demonstra a separação que existe entre a sociedade política e a civil. Adaptando livremente George Orwell poder-se-á dizer que «todas as candidaturas são iguais, mas umas são mais iguais que outras.»
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