sexta-feira, 14 de outubro de 2005

ORÇAMENTO DE ESTADO

O governo decidiu adiar para a próxima segunda-feira a apresentação da proposta de Orçamento para 2006 (OE) que deveria ter sido hoje conhecido.

Não falta, porém, muita informação (e se calhar outro tanto de especulação) sobre o futuro OE. Os que se ficaram por anunciar a apresentação de um documento de contenção e onde o grande objectivo será a redução do deficit, terão fortíssimas probabilidades de acertar. Os que quiserem ir um pouco mais além e apontarem aqueles que serão os sectores mais atingidos pela política restritiva correrão riscos directamente proporcionais ao grau de precisão que utilizarem.

Não conheço, como é óbvio, a proposta do governo mas arrisco que esta irá contemplar:
  • a maior contenção possível nos gastos com a administração pública (leia-se salários e pensões da função pública);
  • o aumento de impostos específicos e politicamente correctos (IA, tabaco e ISP);
  • novas privatizações (as mais “faladas” são a EDP, a GALP e a REN);
  • mais alienações de imóveis;
  • menos investimento;

isto é, cortar onde for mais fácil e de resultados mais rápidos na expectativa que com estas medidas se consiga alcançar o tão desejado equilíbrio orçamental.

Não quero ser aqui o “arauto da desgraça”, mas ou estou muito enganado ou estas foram, mais ou menos, as medidas propostas por anteriores governos e que se saldaram pelo tal deficit alarmante que Vitor Constâncio, Governador do Banco de Portugal, nos veio revelar no início do ano.

Estando completamente fora de questão a necessidade de reduzir o deficit público nacional, recordo que a isso somos obrigados pela nossa participação na moeda única europeia, estou muito longe de convencido pelas medidas que espero sejam propostas. Embora isso não seja função de um OE seria desejável esperarmos a aplicação de medidas que efectivamente reduzam a fuga e a fraude fiscais – estas sim, grandes responsáveis por desequilíbrios orçamentais, na medida em que existe riqueza criada fora do sistema de redistribuição que é geradora de crescentes desigualdades sociais e potenciadora da falta de investimentos de modernização e inovação (para quê inovar se o “velho” sistema gera acréscimos de lucros ao donos das empresas e com a inovação correr o risco acrescido de poder ter que sair de um sistema ilegal mas altamente rentável) – de forma a aumentar a receita pública.

A fuga fiscal descaradamente praticada por parte significativa do tecido produtivo (os únicos excluídos desta verdadeira benesse são os trabalhadores por conta doutrem) não é apenas um problema de moralidade, mas também uma questão eficiência económica, sendo por isso espantoso que todos os “gurus” da economia nacional louvem as vantagens da economia de mercado e da livre iniciativa e se esqueçam, ostensivamente, que o maior entrave ao livre funcionamento do mercado, que tanto prezam, é precisamente a co-existência no mesmo mercado entre produtores com custos significativamente distintos resultantes da sua maior ou menor capacidade para tornear as regras fiscais ou do grau da sua desfaçatez social.

Os cidadãos deste país não podem continuar a aceitar pacificamente que políticos ineptos (normalmente apoiados pelos já referidos “gurus”) continuem a prometer a resolução de problemas com a aplicação das mesmas rotineiras medidas, já comprovadamente ineficientes, e ainda menos esperar que os problemas se venham a resolver com o aparecimento de um qualquer salvador… Mesmo para os de memória menos curta recordo que também nos anos 20 do século passado surgiu um salvador que evitou a bancarrota (era o drama financeiro da época, o de agora é o deficit) para que o país parecia caminhar, deixando-o quase meio século depois com os cofres do Banco de Portugal a abarrotar de ouro, mas com uma população maioritariamente analfabeta, mal nutrida e despojada de um tecido produtivo digno desse nome.

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