segunda-feira, 10 de outubro de 2005

BALANÇO AUTÁRQUICO NACIONAL

Por sempre ter entendido que cada acto eleitoral tem um significado diferente consoante a sua finalidade não perfilho o movimento geral de condenação do governo em função dos resultados de ontem.

Não porque entenda que este tem andado minimamente bem, mas porque creio que muitos eleitores terão optado pela lógica adequada ao acto: a escolha do candidato que entendiam melhor adaptado à função da gestão autárquica.

Esta lógica terá porém que ser entendida com algum cuidado, para que ninguém retire a conclusão que candidatos como VALENTIM LOUREIRO, ISALTINO MORAIS e FÁTIMA FELGUEIRAS foram escolhidos por o eleitorado dos concelhos a que se candidataram os julgar magnificamente talhados para a função. Não nego que alguns tenham votado convictamente neles (seguramente os que esperam recolher dividendos pessoais da opção), mas creio que a maior parte foi simplesmente condicionada para o fazer.

Veja-se o “timing” perfeito que rodeou a encenação do regresso de FÁTIMA FELGUEIRAS; até a juíza foi particularmente “atenciosa”, libertando a “pobre senhora” a tempo de efectuar a saída do tribunal à hora dos telejornais nacionais – que maravilhoso sentido do dramático tem a nossa justiça.

No seu global todos os «candidatos-bandidos» mostraram um perfeito sentido da utilização da televisão (ou não fosse este o grande meio de difusão de mensagens publicitárias), tendo utilizado em seu benefício a atenção excessiva que lhes foi dedicada, até porque é sempre fácil repetir até à exaustão declarações de inocência perante “pacíficos” repórteres e operadores de câmara (a propósito, recordam-se da polémica que se viveu neste país a propósito da aplicação, ou da sua ausência, do princípio do contraditório aos programas televisivos de Marcelo Rebelo de Sousa e de António Vitorino) que em momento algum os confrontaram de forma directa com os crimes cometidos, ou mais simplesmente, os invectivaram pela ausência de outro tema que não a sua famigerada inocência.

Pelo contrário pouca, muito pouca, atenção foi dedicada pelas direcções dos grandes partidos a este fenómeno.

Em jeito balanço (é esse o mote) restarão para a história três factos:
  • a percentagem de abstenção continua elevadíssima, com percentagens da ordem dos 40%;
  • a eleição dos «candidatos-bandidos» nos círculos em que se recandidataram (só AVELINO FERREIRA TORRES falhou ao trocar Marco de Canavezes por Amarante);
  • voltámos a assistir a uma campanha autárquica onde se discutiram (mal) alguns problemas nacionais e poucos ou nenhuns dos (muitos) problemas que afectam as comunidades locais;

a reacção do primeiro-ministro que não encontra na “derrota” do seu partido motivos para abandonar o governo, alegando (e bem) que a acção será julgada no seu tempo, nas próximas eleições legislativas e uma conclusão:


na clamorosa falta de sentido ético de bom número dos nossos políticos, há que introduzir alterações à legislação em vigor que minimize a hipótese de se voltar a repetir o fenómeno (quero continuar a crer que se tratou de um caso sem exemplo) de permitirmos a candidatura de indivíduos indiciados, arguidos e condenados por crimes de relacionados com o exercício de cargos públicos.


Felizmente já se começam a fazer ouvir algumas opiniões nesse sentido. João Cravinho defende isso mesmo num artigo no Diário de Notícias de hoje onde preconiza que a abordagem do problema não se quede pelas autarquias e se estenda a todos os níveis da vida pública nacional, embora me pareça que a hipótese de melhorar a situação mediante a introdução de maior celeridade processual neste tipo de processos judiciais peca por manifestamente optimista.


Por último uma referência para o primeiro-ministro José Sócrates que escolheu a opção correcta (distinguindo eleições autárquicas de eleições legislativas, mesmo sabendo que se fez sentir o efeito de desagrado pela sua política e em particular das medidas de austeridade que conforme o habitual continuam a recair sobre os sectores mais afectados pelo clima económico, das decisões contraditórias, como o lançamento de grandes investimentos simultâneos com a já referida política de austeridade, e ainda as relativas ao excessivo número de nomeações politicamente contestáveis), apenas lamento que fruto da promiscuidade existente na política nacional o primeiro-ministro também tenha participado na campanha autárquica (diz que na qualidade de secretário geral do PS), quando, para fazer valer o princípio que defende dela se deveria ter abstido.

Sem comentários: