Orador hábil, o actual presidente americano continua a usar essa sua capacidade em proveito daqueles que nos últimos anos criaram uma das grandes confusões mundiais – o aparelho industrial-militar norte-americano, e contribuíram, a par com os grupos radicais islâmicos, para o afastamento entre os povos de diferentes credos.
Usando regularmente citações da Bíblia, do Corão e da Torah (os livros sagrados das três religiões que conheceram as suas origens no Médio Oriente), Obama procurou mediante um processo de síntese atingir o denominador entre o Ocidente, o Islão e Israel, sem deixar de enfatizar as sete questões que entende primordiais: a violência extremista, o conflito israelo-palestiniano, o armamento nuclear (numa referência ao Irão), a democracia, a liberdade religiosa, os direitos das mulheres e o desenvolvimento económico.
Navegou águas revoltas quando procurou deixar clara a ligação e o apoio dos EUA a Israel sem descurar o reconhecimento dos direitos palestinianos; deixou algumas bóias de sinalização no conflito entre aqueles dois povos enquanto apelava à necessidade de conjugação de esforços para a erradicação do extremismo quando afirmou que «[q]uanto mais depressa os extremistas forem isolados e desacreditados no interior das comunidades islâmicas, mais depressa todos estaremos mais seguros».
Reafirmou a sua convicção na solução dos dois estados para o conflito israelo-palestiniano, lembrando que de um lado e do outro existe que defenda essa solução, e apelou ao fim da violência e da expansão dos colonatos. Reafirmou a sua confiança nas vantagens da democracia, mas sem que «…nenhum sistema de governo seja imposto a uma nação por outra» e no aprofundamento do diálogo que conduza a uma solução de não-proliferação nuclear, distinguindo o seu uso militar do civil.
Na abordagem à escaldante questão religiosa (tanto mais que o discurso foi apresentado na segunda mais antiga universidade do mundo[1], a qual integra uma mesquita), Obama refugiou-se cuidadosamente na tradição islâmica de tolerância, enquanto a propósito dos direitos das mulheres lembrou que «não é coincidência que países onde as mulheres obtém melhor educação têm mais hipóteses de alcançar a prosperidade».
Abordadas as questões mais polémicas, Obama fechou com o tema do desenvolvimento e da cooperação económica o que lhe permitiu deixar as habituais promessas e mensagens de esperança.
Muito aplaudido, ao que refere de forma geral a imprensa ocidental, o discurso de Obama mereceu seguramente profundas análises, muitas delas mais abalizadas que a que eu poderei fazer, das quais destaco a do republicano John Boehner, líder da minoria no Senado norte-americano que, citado pela BBC NEWS[2], disse: «[p]arece ter apontado igual responsabilidade aos israelitas e aos palestinianos...Isso preocupa-me porque o Hamas é uma organização terrorista, criada pelos sírios e pelo iranianos. Quando continua a dizer que irá negociar com os iranianos sem condições prévias, acho que nos está a colocar numa posição de fraqueza aos olhos daqueles governantes», cuja linha se insere rigorosamente no teor das intervenções, opiniões e decisões da pandilha neoconservadora dos tempos de George W Bush.
Em qualquer caso, embora reconheça que nos próximos tempos Obama estará condenado a limpar a porcaria que herdou de Bush, nem por isso partilho a ideia de que no plano internacional a sua intervenção seja recebida com a mesma euforia e esperança que tem recebido no plano interno, facto tanto mais espantoso quanto as diferenças até parecem bem mais substanciais no plano externo – retirada das tropas do Iraque, opção por uma postura e um discurso bem menos agressivo relativamente ao Irão e ao conjunto da comunidade internacional – que no interno, onde a sua equipa económica se tem limitado a recorrer aos mesmos desgastados métodos de injecção de dinheiro dos contribuintes nas mega-corporações atolando-se nos mega-problemas que elas próprias criaram.
Embora aparentemente contraditório este fenómeno é facilmente explicado pelo facto da administração Obama manter, há semelhança das que a precederam, a fixação na ideia da existência de um inimigo externo (real, imaginário, ou por ela própria criado[3]) que importa combater, mesmo quando agora revela a inteligente manobra de o tornar mais acessível através deste discurso e da clara tentativa de separar o conjunto dos fiéis islâmicos dos seus segmentos mais radicais.
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[1] A mais antiga é a de Karueein, localizada na cidade marroquina de Fez e data do século IX; a de Al-Azhar, também conhecida como Universidade do Cairo foi fundada no século X.
[2] Este e outros comentários podem ser lidos aqui.
[3] Importa não esquecer que continuam a surgir com regularidade notícias e análises que envolvem a CIA e diversas administrações norte-americanas na origem de figuras como Osama Bin Laden; entre as mais recentes destaquem-se estas do jornal paquistanês Daily Times e da agência Sify News.
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