sábado, 1 de agosto de 2009

EMPRESÁRIOS MAIS RICOS DE PORTUGAL EST(AR)ÃO... MAIS POBRES?

Este é o título que deveria ter o artigo da VISÃO dedicado à análise da situação das maiores fortunas nacionais, caso ao jornalismo que geralmente se pratica nos principais meios de comunicação restasse alguns resquícios de dignidade e de rigor informativo.

A fonte da notícia é a revista EXAME
1 que no essencial apresenta uma lista dos mais ricos e da evolução das respectivas fortunas que resume, dizendo que «[a]s 25 grandes fortunas em Portugal caíram 8,5% em 2009, para os 17,7 bilhões de euros (R$ 47,2 bilhões), uma quebra registrada pelo segundo ano consecutivo».
A leitura e a publicação destes números exige um mínimo de rigor sobre o assunto para que no final não resulte o absurdo da ideia de que os infelizes ricos nacionais estão mais pobres. Assim, deve-se ter em linha de conta que a valorização das fortunas (sejam medidas em unidades portuguesas ou brasileiras2) se reporta em grande medida a capitalizações bolsistas, facto que por si só introduz grandes desvios nas valorizações devido à volatilidade e ao grande peso de factores extra-económicos, como a especulação, na formação daquela cotação.

Outro factor não menos importante é o facto das grandes fortunas serem objecto de processos de gestão mais ou menos sofisticados, incluindo o parqueamento de activos (mobiliários e imobiliários) em “offshores3, aumentando ainda mais o já elevado grau de dificuldade na respectiva avaliação.

Mesmo esclarecendo estes primeiros pontos, outros permanecem obscuros ou subentendidos, salvo a já referida ideia do rápido empobrecimento dos infelizes ricos. Entre estes destaque-se a forma acrítica como é expressa a ideia da depreciação das fortunas, sem nunca se equacionar o próprio método de avaliação e ainda menos os valores que elas terão apresentado no passado, esquecendo que aqueles valores estariam sobreavaliados4.

Outro factor não desprezível numa análise que se pretenda séria e ajustada prende-se como facto da utilização do valor de cotação dos activos induzir um novo desvio, pois aquele valor não tem em consideração (materialmente impossível) o impacto que teria sobre os mercados e a formação dos preços a formalização da mera intenção de venda dos patrimónios avaliados. Por outras palavras, o elevado volume das acções que compõem as carteiras induziria um inevitável movimento de queda nas cotações caso fosse sugerida a respectiva venda e esta só se concretizaria por valores inferiores à cotação que foi utilizada para efeitos de cálculo.

Assim, seria mais correcto dizer-se que a fortuna de Américo Amorim ou de Belmiro de Azevedo (para citar apenas dois dos mais ricos e mais conhecidos) seria de 2 mil ou de 1,4 mil milhões de euros numa determinada data e se houvesse quem se mostrasse disposto a pagar semelhantes valores.

Esta chamada de atenção justifica-se não apenas para desmistificar em parte a enormidade das grandes fortunas, mas também para reduzir a uma expressão mais próxima da realidade as notícia que por vezes se lêem sobre os grandes ganhos e as grandes perdas bolsistas. Correctamente os ganhos e os prejuízos só devem ser calculados como a diferença entre o preço de compra e o de venda, nunca entre o preço de compra e a cotação numa determinada data, pois este é apenas um ganho ou um prejuízo potencial.

Da mesma forma estimar valores para as grandes fortunas com base nas cotações dos mercados de capitais não passa de um mero exercício académico e de uma actividade para “criar” notícias.
Se assim não fosse estou em crer que os critérios de avaliação usados seriam mais rigorosos (é sempre possível recorrer ao uso do conceito de cotação média em substituição da cotação diária) e as conclusões apresentadas de forma mais ponderada. Quando por exemplo se diz os «
Mais ricos perderam 8,5% das fortunas», dever-se-ia aproveitar a oportunidade para chamar a atenção para o facto de haver mercados de capitais que registaram quebras muito superiores5, mas principalmente para recordar que o verdadeiro grande prejuízo e real empobrecimento não afecta quem viu um património de mais de 3 mil milhões de euros reduzido em 35%, mas quem, reduzido ao património do seu trabalho se vê desempregado e sem perspectivas de obter novo emprego a curto prazo.

Pobres não são os que terão deixado de ganhar alguns milhões, são os que, empurrados para o desemprego, estão a perder a própria dignidade.
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1 A revista EXAME é uma publicação luso-brasileira, especializada na área da gestão e da economia que, tal como a VISÃO, integra o universo editorial da IMPRESA. Este grupo editorial teve origem em 1972 na criação do jornal EXPRESSO, por Francisco Pinto Balsemão, e afirma-se hoje, sob a mesma direcção, como o maior grupo de comunicação social em Portugal com um volume de negócios próximo os 270 milhões de euros e uma actividade dividida em várias áreas de negócio e com interesses que abrangem uma estação de televisão (SIC), canais por cabo, o referido jornal Expresso, uma extensa carteira de revistas e incluindo a área de distribuição de publicações.
2 A referência justifica-se quando no corpo da notícia se misturam milhares de milhões com “bilhões” (designação que não existe em Portugal e não corresponde, como poderia parecer, a biliões mas sim a milhares de milhões), confusão que resulta do facto de Portugal usar a escala longa (comum na maior parte dos países europeus) e o Brasil a escala curta (seguida nos países anglo-saxónicos). Para uma informação mais aprofundada ver a página na WIKIPEDIA.
3 A este propósito recorde-se aqui esta notícia do DN que, em meados de Maio, assegurava que «Portugal é o país da UE que mais investe em “offshores».
4 Esta ideia integra-se perfeitamente nos modelos de formação do valor nos mercados de capitais, pois nestes pressupõe-se que o preço (cotação) de cada activo é resultado de duas variáveis, o valor contabilístico do activo e aquele que o “mercado” aceita pagar para o adquirir. Nesta óptica a desvalorização é nem mais nem menos que o ajustamento de uma ou daquelas duas variáveis.
5 Este facto é referido naquela notícia do DN quando a autora cita um comentário de Patinha Antão lembrando que «a crise global atingiu particularmente o sector bolsista, segmento a que as pessoas com maiores rendimentos dedicavam uma parcela significativa dos seus investimentos, a par do imobiliário».

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