domingo, 16 de agosto de 2009

ESPERANÇA E REALIDADE

Momentos há em que as notícias ainda conseguem surpreender-nos. Talvez porque, sendo a sua generalidade negativa, quando de quando em vez ocorre alguma mais animadora, a tendência possa ser a de “embandeirar em arco” convém manter a frieza e não deixar de observar a novidade segundo os mais variados ângulos.

Tudo isto para introduzir a novidade que representa a eleição de Marwan Barghouti para o Comité Central da Fatah, o principal agrupamento que integra e dirige a OLP.

Para os menos avisados em matéria do Médio Oriente recordo que Marwan Barghouti é o líder da Fatah e uma figura emblemática associada ao movimento da Intifada palestiniana, que actualmente se encontra preso em Israel a cumprir uma pena de prisão perpétua1. Para a generalidade da população palestiniana Barghouti é também o rosto visível da oposição a Mahmoud Abbas e a maior esperança na renovação da velha liderança palestiniana cada vez mais abertamente acusada de corrupção.

Mais do que profundamente simbólica esta eleição poderá significar alguma efectiva esperança de resolução do velho conflito israelo-palestiniano?

Para tentar responder a esta questão é indispensável alargar a percepção do problema muito além de uma mera questão de liderança palestiniana (com tudo o que esta possa ter de renovação e de aumento de influência de um grupo mais jovem e profundamente ligado aos territórios ocupados da Cisjordânia ou da Faixa de Gaza2), dos sucessivos e fracassados planos de paz patrocinados por americanos e europeus e até do actual clima de fraccionismo entre a Fatah e o Hamas.

Do congresso da OLP resultou uma solução visivelmente contraditória – o reforço da liderança do tradicional Mahmoud Abbas (sucessor do histórico e carismático Arafat) mas também a ascensão de uma nova geração de líderes locais, profundamente empenhados na resistência e com claros apoios entre a população) – que terá que ser avaliada em toda a sua extensão antes da formulação de qualquer juízo válido. A manutenção de Abbas e o afastamento de outros líderes tradicionais, como Hamed Qorei (companheiro de Arafat e conhecido negociador do Acordo de Oslo que numa página do YNET NEWS não poupa críticas ao processo eleitoral) pode constituir, ainda assim, um importante passo no sentido de uma reaproximação com o Hamas (embora entre os novos eleitos se conte com Moamhed Dahlan o ex-homem forte da Fatah na Faixa de Gaza e apontado pelo Hamas como envolvido em conluios com Israel para a eliminação de Yasser Arafat3), indispensável para o relançamento da causa palestiniana.

Facto a assinalar, para já, é que a eleição de Marwan Barghouti, um estratega da Intifada conhecido pela sua moderação e capacidade de negociação com o Hamas e com os israelitas4 pode significar um novo fôlego para o processo negocial ainda que levante óbvias dúvidas entre os sectores mais radicais judeus ou palestinianos, com os primeiros a salientarem o seu papel no planeamento de atentados contra Israel e os segundos a duvidarem da sua possível “corrupção” pelos israelitas. De uma forma ou outra é para já difícil deixar de recordar o enorme paralelismo entre Barghouti, o preso da cela 28, e o célebre “Preso 46664” que conduziu a resistência negra contra o “apartheid” sul-africano.

No actual contexto internacional, especialmente depois da chegada de Barack Obama à Casa Branca e do seu discurso do Cairo5, é admissível esperar algum desanuviamento das tensões na região, facto que poderá servir como janela de oportunidade para alicerçar novas tentativas de entendimento entre palestinianos e israelitas. É certo que haverá ainda um longo caminho a percorrer, pois mesmo que o discurso de Netanyahu em resposta ao de Obama pudesse ser considerado como moderado e animador6, os seus termos e as suas limitações são de tal monta que só uma fortíssima pressão americana sobre Israel poderá permitir o acalentar de alguma ténue esperança na solução dos dois estados.

Isto mesmo é opinião corrente em círculos americanos e expressa num artigo do THE NEW YORK TIMES que claramente chama a atenção para o facto da proposta dos dois estados deixar muita coisa por resolver7, mesmo quando a entrada em cena do mais mediático e popular dos presos palestinianos possa introduzir alguma novidade e, quiçá, alguma nova dinâmica numa das situações de conflito regional mais espinhosas e mais duradouras.

Mesmo para quem não deposite muitas esperanças numa solução do tipo “dois povos-dois estados”, a perspectiva de algum apaziguamento no Médio Oriente e de alguma melhoria nas condições de vida das populações palestinianas não pode deixar de ser motivo de regozijo... se se confirmar.
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1 Mais correctamente, Barghouti foi julgado como responsável por vários ataques suicidas contra Israel, dos quais resultaram algumas dezenas de mortos, e condenado a cinco penas de prisão perpétua. Este processo judicial encontra-se envolvido em enorme polémica e contestação local e internacional. Desde o facto de Marwan Barghouti ter sido capturado pelo exército israelita em zona fora da jurisdição judaica (o que automaticamente o transforma em prisioneiro de guerra o que ao abrigo da Convenção de Genebra deveria ter inviabilizado a sua transferência e julgamento em território israelita), até às fundadas dúvidas sobre a indispensável imparcialidade dos juízes que o julgaram, pois quando logo no início do julgamento Barghouti contestou a legalidade do tribunal que o julgava, apresentando-se como um lutador pela liberdade dos povos palestiniano e judaico contra a opressão de um governo sionista, uma das juízas do colectivo invectivou-o dizendo que quem luta pela liberdade não assassina pessoas, deixando bem clara a existência de um prévio juízo sobre os factos a julgar e uma evidente falta de imparcialidade nos juízes.
2 Talvez se justifique aqui recordar que desde a fundação da OLP, por Yasser Arafat, que este movimento palestiniano sempre foi liderado por grupos de refugiados (muitos deles organizados em países árabes) e orientado para responder ao seu mais natural anseio: o regresso à Palestina. Quem sabe a eleição de uma nova geração de militantes oriundos dos territórios ocupados, como Mohamed Dahlan e Jibril Rajoub (homens ligados à segurança) ou Saeb Erekat (professor de ciência política e membro habitual da comissões negociadoras palestininas desde a décad de 1990), possa trazer algo de novo a um movimento demasiadamente desgastado pelas consequências locais dos Acordos de Oslo e pelo exercício de um poder sem efectiva independência e liberdade.
3 Esta questão foi oportunamente abordada no “post”«NOVAS IDEIAS PARA A PALESTINA», mas não foi a única vez que o nome de Mohamed Dahlan apareceu enolvido em algum tipo de polémica; também no “post” «QUANDO O LEÃO ENTRA NO JOGO DO GATO E DO RATO» referi o seu envolvimento com a administração de George W Bush (denunciado na publicação norte americana VANITY FAIR) num plano para combater e eliminar o Hamas.
4 Recorde-se que embora detido em Israel, Marwan Barghouti foi um dos grandes mediadores para o encontro celebrado, em Junho de 2003 na cidade jordana de Aqaba, entre George W Bush, Ariel Sharon e Mahmoud Abbas e também desempenhou um papel de relevo para o acordo alcançado em Fevereiro de 2007 em Meca, entre a Fatah e o Hamas.
5 Sobre o conteúdo e a importância deste discurso ver o “post” «DO ALTO DESTAS PIRÂMIDES...».
6 Sobre o conteúdo e a respectiva apreciação ver o “post” «SEGUNDO NETANYAHU».
7 O artigo «The Two-State Solution Doesn’t Solve Anything» pode e deve ser lido enquanto fonte de informação sobre o essencial do problema palestiniano num ponto de vista quase ocidental, ou não fosse um dos seus autores, Robert Malley, director do Programa para o Médio Oriente no International Crisis Group, e antigo assistente de Bill Clinton para o conflito israelo-árabe entre 1998 to 2001.

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