quinta-feira, 30 de julho de 2009

REALIDADES E FANTASIAS

Na sequência de animadoras notícias provenientes do mercado imobiliário norte-americano1 e da recente publicação pelo INE do Índice de Custos de Construção, rapidamente a imprensa nacional (escrita e audiovisual) escreveu coisas como: «Preço das casas em Portugal regista primeiro aumento desde 2007» ou «Valor das casas sobe pela primeira vez desde 2007», esquecendo de forma conveniente que os dados fornecidos por aquele organismo público referem especificamente um aumento do valor médio da avaliação bancária de Habitação.
Por outras palavras, enquanto as notícias originadas do outro lado do Atlântico referem uma aparente inversão na tendência de quebra dos preços da habitação, com o NEW YORK TIMES a escrever que «após três anos em queda, as casas parece terem-se tornado suficientemente baratas para atrair compradores, o que está a contribuir para a estabilização dos preços e a gerar esperança que o mercado imobiliário esteja a começar a recuperar», os títulos nacionais referidos anunciam uma subida dos preços no sector, escamoteando que a fonte de informação não se refere aos preços de mercado mas sim aos de avaliação bancária para efeitos de crédito. E o mais interessante é que ambos os títulos foram originados em publicações de natureza económica (o JORNAL DE NEGÓCIOS e o ECONÓMICO, respectivamente) já que os jornais generalistas, como o DIÁRIO DE NOTÍCIAS ou o PUBLICO são bem mais precisos ou comedidos quando optaram por escrever que «Bancos: 1ª subida das avaliação das casas desde 2007», ou «Portugal e EUA travam descida nos preços na habitação».

Esta chamada de atenção parece-me amplamente justificada porque nem a situação dos mercados imobiliários nacional e americano é comparável, nem a informação disponibilizada pelo INE permite concluir que aquele mercado nacional esteja a recuperar.

E as razões para isso são múltiplas.

Primeiro; o indicador fornecido pelo INE revela apenas que os bancos estarão a subir os valores de avaliação que praticam, o que não significa que o valor das habitações esteja a subir, nem que aquele valor de referência possa e deva ser utilizado como tal pelos agentes do mercado. O valor de avaliação por m2 praticado pelos bancos que deveria reflectir um valor justo (de equilíbrio entre oferta e procura) para o imobiliário, reflecte normalmente uma de duas realidades: o anseio de ver aumentados os montantes do crédito contratado (por via do acrescido valor da garantia – o imóvel – a ele associado) ou o receio de ver o valor dos bens executados insuficiente para a cobertura dos créditos malparados.

Segundo; ao contrário do que ocorreu com o mercado imobiliário norte-americano, que desde 2006 já registou uma quebra nos preços superior a 30%, no mercado nacional (cuja crise é anterior à crise iniciada com o “subprime” e deriva de um claro desajustamento entre a quantidade oferecida e a procurada) a descida nos preços, se a houve, passou quase despercebida, pelo que o indispensável ajustamento entre a oferta em excesso e uma procura descapitalizada continua por alcançar.

Terceiro; a razão para a aparente melhoria deriva, principalmente, da necessidade do sector financeiro nacional apresentar um melhor rácio de cobertura para o crescente crédito malparado e assim reduzir as necessidades de mais capital para provisionar aqueles riscos.

Uma primeira conclusão que se pode tirar de tudo isto é que a imprensa económica precisará de notícias animadoras! Mas será só isso? ou as notícias são afinal mais um sinal do grande estado depressivo da nossa economia e da ineficácia das políticas de recuperação ensaidas?

É óbvio que existem múltiplos e poderosos interesses em ver reanimar o sector da construção civil, a começar pelas próprias empresas do sector – que além dos problemas criados pela estagnação do mercado poderão ainda vir a enfrentar os resultantes do abrandamento das promessas das grandes obras públicas – continuando pelos sectores económicos mais ligado ao imobiliário – nomeadamente o da banca – e concluindo com o partido no governo que além do mais enfrenta eleições para breve.
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1 Entre outras destaquem-se esta do THE NEW YORK TIMES ou esta do WASHINGTON POST que davam conta de sinais de retoma no mercado imobiliário norte-americano.

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