domingo, 9 de março de 2008

QUANDO O LEÃO ENTRA NO JOGO DO GATO E DO RATO

Quando há uns dias comparei o conflito israelo-palestiniano a um perigoso jogo de gato e rato estava a procurar transmitir a ideia de quão perigosa é esta disputa, mas que dizer então quando o leão também participa no jogo?

Alegoricamente esta pode bem ser a figura que sugere uma notícia incluída na última edição da revista VANITY FAIR[1] que afirma que a administração Bush montou uma operação secreta para afastar o Hamas do governo palestiniano. Para David Rose, o autor do artigo, os confrontos entre o Hamas e a Fatah ocorridos em Junho do ano passado e que ditaram o afastamento dos quadros e dos paramilitares da Fatah da Faixa de Gaza para a Cisjordânia e a existência nos dois territórios de administrações distintas (o Hamas controla a Faixa de Gaza enquanto a Fatah mantém o governo do território da Cisjordânia) não foram fruto da agenda política do Hamas mas consequência de uma iniciativa da Fatah fomentada pela administração Bush.

O extenso artigo descreve o ambiente geral numa Faixa de Gaza onde a Fatah procurava a todo o custo manter alguma autoridade que contrariasse o crescimento da influência do Hamas, mesmo recorrendo a práticas altamente condenáveis, e cita documentos confidenciais e fontes palestinianas que atribuem a George W Bush, à Secretária de Estado Condoleezza Rice e ao Conselheiro de Segurança Elliott Abrams a autoria de um plano que contava com a participação de Mohamed Dahlan[2], o homem forte da Fatah na Faixa de Gaza; na prática a ideia seria dotar a Fatah dos meios militares (armamento ligeiro e viaturas) que lhe possibilitassem enfrentar e derrotar o Hamas.

Conduzida de forma idêntica a outras operações secretas americanas, este plano agora revelado apresenta inúmeras semelhanças com iniciativas de outras administrações americanas e a comparação com acções como a que ficou conhecida pelo nome de «Irão-Contras» e consistiu na venda de armamento ao Irão, quando o Congresso norte-americano havia decretado um bloqueio económico ao regime dos ayatolahs na sequência do derrube do Xá e do ataque à sua embaixada em Teerão, e do uso dos fundos resultantes para financiar a oposição (contras) ao governo sandinista da Nicarágua, é tanto mais pertinente quanto um dos seus participantes, o conselheiro Elliott Abrams[3], também integrou o grupo de mentores de ambas.

Contando com apoio financeiro e logístico de alguns estados árabes, a administração Bush logrou treinar e equipar com armamento moderno um número elevado de novos membros para as forças de segurança da Fatah; porém as movimentações de armas e homens tornaram-se evidentes e antes que Mohamed Dahlan tivesse considerado reunidas as condições para o golpe, as forças do Hamas anteciparam-se e tomaram elas as instalações e o novo equipamento militar da Fatah.

Ironia do destino, novamente uma administração americana apostou no desenvolvimento de iniciativas à margem das regras do jogo (no essencial a intenção era afastar o Hamas do poder para o qual fora legitimamente eleito) e vê-se agora exposta ao ridículo de admitir a conspiração e o seu fracasso.

Embora as primeiras reacções da administração Bush tenham sido de negar os factos, os precedentes não jogam minimamente a seu favor e o pior de tudo é que esta revelou-se apenas mais uma das suas desastradas iniciativas no Médio Oriente, região onde parecem apostados a continuar a sua política de deitar gasolina no fogo. _____________
[1] A VANITY FAIR é uma publicação de artes, moda e política com grande divulgação nos EUA.
[2] Mohamed Dahlan, natural da Faixa de Gaza – nasceu no campo de refugiados de Khan Younis – foi um dos promotores da 1ª Intifada, ex-conselheiro para a segurança de Yasser Arafat e ministro de estado para a segurança de Mahmoud Abbas foi o líder do Preventive Security Service, a organização paramilitar de segurança da Autoridade Palestiniana. Após o afastamento da Fatah da Faixa de Gaza, o Hamas divulgou documentos encontrados em instalações daquele grupo que revelavam o envolvimento de membros da Fatah, e em especial de Mohamed Dahlan, numa conspiração para assassinar Yasser Arafat, tema que abordei neste post.
[3] Advogado de formação, de ascendência judaica, integra o grupo de neoconservadores que participou nas administrações republicanas de Ronald Reagan e de George W Bush; mentor da operação «Irão-Contras» foi condenado em 1991 por ocultação de informação na sequência do escândalo que envolveu aquela iniciativa; perdoado por George Bush (pai) veio a integrar a equipa de conselheiros de George W Bush (filho). Além do referido envolvimento no fracassado golpe para afastar o Hamas, é-lhe ainda atribuída a co-autoria do plano que conduziu à tentativa em 2002 (também fracassada) de afastar Hugo Chávez do governo da Venezuela.

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