quarta-feira, 5 de agosto de 2009

NEGAR O INEGÁVEL

É impossível negar que, quando se preparam listas para as eleições autárquicas, algo como a condenação em tribunal de um presidente de câmara em exercício de funções tenha que ser notícia de primeira importância, e para mais quando o personagem em causa é alguém com o perfil e o percurso político de Isaltino Morais1, que foi considerado por muitos como um autarca-modelo

Por incrível que pareça e contra as expectativas gerais, o Tribunal de Sintra deu como provadas quatro das acusações – corrupção passiva para acto ilícito, abuso de poder, fraude fiscal e branqueamento de capitais – das sete que pendiam sobre o autarca de Oeiras e condenou-o a um cúmulo de sete anos de prisão e à perda do mandato para o qual foi eleito...mas, como é normal e seria de prever, o autarca anunciou de pronto a apresentação de recurso da sentença, acto que suspende o trânsito em julgado da sentença (fórmula jurídica para dizer que aquela ainda não é efectiva) e de uma penada assegura a manutenção em liberdade e a possibilidade de se recandidatar à Câmara de Oeiras.

Se o direito de recurso é algo de inalienável e directamente associado ao processo jurídico, já a morosidade do sistema judicial português tem permitido que do seu uso, e abuso, resultem as mais iníquas situações. Para todos os efeitos legais Isaltino Morais (e os seus apoiantes) não pode continuar a afirmar que nunca foi condenado e com a agravante de os crimes praticados respeitarem directamente ao cargo público que exercia e a que se volta a candidatar.

Este subterfúgio tem sido utilizado por outros autarcas, casos de Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras2, que se viram condenados noutros tribunais nacionais ainda que as penas de prisão aplicadas tenham sido suspensas.

Os três casos apresentam características comuns (além do facto de terem como condenados figuras do poder autárquico, todos têm em comum a prática de abuso de poder) embora com condicionantes específicas
3 e resultados distintos. Se Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras beneficiaram da suspensão da sanção, já Isaltino Morais se viu condenado a pena efectiva, facto que talvez tenha justificado a sua bombástica declaração de que estará a servir de bode expiatório para o conjunto da classe política4.

O que Isaltino não referiu nas declarações que a imprensa divulgou (ou pelo menos os jornalistas não lhe deram destaque nem o questionaram directamente sobre o assunto) é que o Tribunal deu como provados os crimes a que o condenou em face da sua incapacidade para explicar a enorme divergência entre os saldos da suas contas bancárias e os rendimentos que declarou ter recebido.

Segundo esta
notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS o saldo dos depósitos em bancos estrangeiros atingiria 1,157 milhões de euros enquanto os rendimentos declarados entre 1990 e 2002 se quedaram por 351 mil euros, divergência que Isaltino Morais explicou pela alienações de património próprio, investimentos, heranças e cerca de 400 mil euros de "sobras de campanhas", não sem antes ter assegurado que os valores depositado seriam na realidade propriedade de um sobrinho, taxista na Suíça...

De facto Isaltino Morais não se contentou em praticar os crimes que o tribunal deu como provados e pelos quais o condenou. Isaltino Morais mentiu de forma deliberada e consciente aos eleitores, quando anunciou a sua demissão do governo de Durão Barroso e ao próprio tribunal.
Isaltino Morais não só mentiu, quando procurou atribuir a titularidade do dinheiro a terceiros, como ainda teve o enorme desplante de afirmar em tribunal,
como se pode ler nesta notícia do PUBLICO, que cerca de 400 mil euros respeitariam a sobras de campanhas eleitorais e que nunca terá procedido à respectiva devolução porque nunca lho pediram...

Assim, não será de admirar que, segundo se pode ler nesta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS, o próprio tribunal o tenha “acusado” de «tentar negar o inegável», facto que não impediu que a sentença reconheça que «”não foi produzida prova segura e contundente", que desse como provado que todo o dinheiro das contas da Suíça do autarca tenham na sua origem pagamentos ou contrapartidas pela prática de "tratamentos de favor"...» embora tenha ficado uma certeza «quanto aos depósitos em numerário nas contas bancárias da Suíça: Isaltino Morais era mesmo o dono das verbas, apesar de "pretender ocultar ser o verdadeiro titular das mesmas", dizendo ser uma parte do sobrinho e da irmã».

Mas o problemas dos “autarcas-bandidos”5 não é novo, nem aparenta vir a conhecer solução em breve, pelo menos enquanto na própria imprensa continuarem a surgir opiniões como esta de José Leite Pereira6, o director do JORNAL DE NOTÍCIAS, que julga necessário dizer que «...o que os cidadãos de Oeiras vão escolher é um presidente de Câmara. Não vão decidir se Isaltino Morais é culpado ou inocente...», engrossando na prática o rol dos que julgam perfeitamente aceitável que em Portugal a gestão da coisa pública continue a poder ser exercida por aqueles que têm vindo a revelar poucas ou nenhumas condições de honestidade e de ética.

É evidente que todos sabemos que o que se pretende com um acto eleitoral é escolher os que julgamos mais aptos ou capazes para o exercício de um determinado cargo ou função, mas quando entre os candidatos parece grassar um sentimento do mais profundo desrespeito pelas regras básicas da honestidade e quando os padrões éticos parecem ter sido jogados às malvas por um grupo de arrivistas que se julga todo poderoso e acima de qualquer crítica ou julgamento, resta aos pobres eleitores, abandonados neste circo de feras, usar o seu voto para gritar bem alto: «”CANDIDATOS-BANDIDOS” NÃO, OBRIGADO!», varrendo os isaltinos, os valentins, as fátimas e quejandos para os baús do esquecimento político.
___________
1 Iniciou as lides políticas na JSD, ainda como aluno da Faculdade de Direito de Lisboa, e exerceu o cargo de magistrado do Ministério Público, enquanto foi singrando na secção de Algés do PSD, antes de vencer a eleição para a Câmara Municipal de Oeiras em 1985. Lugar que trocaria em 2002 pelo de ministro das Cidades, Ordenamento do Território e do Ambiente, no governo de Durão, e no qual permaneceu apenas um ano, pois logo em 2003 o EXPRESSO denunciou a existência de uma conta bancária na Suíça não declarada ao Tribunal Constitucional. Demitiu-se para não perturbar a “estabilidade” do Governo, não sem assegurar a falsidade das notícias, bem como a intenção de não exercer qualquer cargo público até ao esclarecimento da situação. Porém, logo em 2005 apresenta-se para concorrer ao lugar que deixara vago na Câmara de Oeiras, mas o PSD (então liderado por Marques Mendes) pretere-o a favor de Teresa Zambujo e força-o a concorrer como independente. Vence a eleição, com mais de 1/3 dos votos, e prepara-se agora para repetir a candidatura com o apoio do grupo de cidadãos, «Isaltino – Oeiras Mais à Frente», que fundou.
2 Embora sejam vários os casos de julgamentos envolvendo autarcas acusados de crimes praticados no exercício das suas funções, os de Valentim Loureiro e Fátima Felgueiras são dos mais mediáticos e deles resultou que em 2008,Valentim Loureiro fosse condenado pelos crimes de abuso de poder e prevaricação, a três anos e dois meses de prisão, com pena suspensa por igual período e à pena acessória de perda de mandato na presidência da Câmara Municipal de Gondomar; como é óbvio apresentou recurso que ainda decorre. No mesmo ano a presidente da Câmara de Felgueiras – Fátima Felgueiras – foi condenada a três anos e três meses de prisão com pena suspensa por igual período, pelos crimes de peculato, de peculato de uso e de abuso de poder.
3 Recorde-se que Fátima Felgueiras, envolvida num processo de financiamento político ilegal, protagonizou uma mediática fuga para o Brasil e que Valentim Loureiro é apenas uma das figuras envolvidas no muito conhecido processo do “Apito Dourado que envolve personagens do mundo do futebol e da política.
4 Isso mesmo serviu de título à esta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS.
5 Sobre esta questão talvez se justifique uma nova leitura dos “posts” que escrevi sobre o assunto das eleições autárquicas entre Setembro e Outubro de 2005: «PORTUGAL NO SEU MELHOR...», «PEDIDO DE DESCULPAS?», «AS AUTÁRQUICAS NA RECTA FINAL», «REFLEXÃO SOBRE O QUE NOS ESPERA» e «BALANÇO AUTÁRQUICO NACIONAL».
6 O artigo (editorial do dia 4 de Agosto) pode ser lido na íntegra aqui.

4 comentários:

Nuno Campilho disse...

Que enormidade de incongruências! Pelo menos saiba sobre o que está a escrever, ou, então, como até parece ser uma pessoa cuidadosa, ao ponto de recolher informações para melhor sustentar as suas opiniões, para a próxima vá ouvir o acórdão e não se baseie só no que lê nos jornais...nunca lhe disseram que é feio apontar o dedo?
Ainda vos hei-de ver a TODOS engolir estas (e outras) palavras infames quando, em outra instância, o senhor for, naturalmente, absolvido!

Anónimo disse...

Este país está "doente": Se o nosso sistema judicial não permitisse tantos recursos e a Justiça fosse mais célere, alguns casos de corrupção noticiados originariam penas pesadas o nunca aconteceu e que desconfio nunca acontecerá. Seriam precisos mais meios para investigar e julgar em tempo útil esses casos. Lembremo-nos do caso Manhoff que foi investigado, julgado e teve condenação em cerca de seis meses. Por cá os infindáveis recursos que o nosso sistema judicial permite, que apenas favorecem os ricos, com meios para os explorar, é o suficiente para paralisar a justiça e assim a única pena que atinge esta gente rica e poderosa será o facto de terem que gastar um pouco da fortuna acumulada sabe-se lá como para pagar a bons advogados que explorando todos as possibilidades do sistema judicial permitem manter os suspeitos em liberdade durante anos, lustros, décadas até que morram os lesados e o crime se esfume na memória dos tempos. Poderemos concluir que assim a justiça não é igual para todos, o que também é injusto e talvez até inconstitucional.

A culpa é nossa porque não somos capazes de desatar o "nó górdeo" que nos prende ao PS e PSD, partidos há demasiado tempo ligados ao poder que já não têm capacidade de regeneração e resolver o problema de forma honesta. Ambos reconhecem que é preciso fazer alguma coisa mas nunca é a hora oportuna: É preciso reduzir o nº de recursos possíveis, simplificar as leis, dotar de meios a investigação e Tribunais e aumentar as penas efectivas em vez da sua redução como tem acontecido ultimamente.

Concordo que não se pode condenar antecipadamente quem quer que seja antes do resultado do recurso final, mas, sem cortar a possibilidade de recurso, um condenado é um condenado e a partir daí o esse estatuto deveria impedir o exercício de funções públicas mesmo considerando a existência de recurso. Mais: A apreciação do recurso deveria ter prioridade máxima e implicar o aumento da pena em caso de confirmação, porque é frequentemente usado apenas como expediente para adiar o seu cumprimento.

Zé da Burra o Alentejano

Anónimo disse...

Zé da Burra...

O nome do megnata americano é MADOFF e não MANHOFF (perdão pelo erro)

A Xarim disse...

Em resposta ao leitor Nuno, sempre lhe digo que obviamente não li o acórdão (como provavelmente acontece consigo), nem esse facto retira o que seja ao essencial da minha observação, a saber:
Isaltino Morais mentiu aos cidadãos deste país em múltiplas ocasiões - quando se demitiu do governo e afirmou de livre e espontânea vontade que se iria abster do exercício de quaisquer funções públicas até ao julgamento, quando imputou a familiares a propriedade do dinheiro depositado no estrangeiro - e prepara-se para o continuar a fazer quando persiste em usar de um direito (o de se candidatar a sufrágio para um cargo público) como se de um cidadão impoluto e sem mácula se tratasse.
Isto é um dado inegável e indesmentível, mesmo que Isaltino Morais venha a ser ilibado (como espera e talvez já tenha assegurado)nunca poderá eximir-se ao epíteto de volúvel e mentiroso.