segunda-feira, 29 de agosto de 2005

O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS. FATALIDADE, INEVITABILIDADE OU INTENCIONALIDADE?

«O preço do litro do gasóleo ultrapassou ontem um euro nas bombas da Galp, depois de as principais petrolíferas a operar em Portugal terem decidido aumentar novamente os preços dos combustíveis. A sobrevalorização recente do petróleo está na origem destes aumentos, explicam as petrolíferas.», noticiou no dia 19 de Agosto o Diário de Notícias que concluía: «Estes aumentos surgem depois de quatro sessões de desvalorizações do petróleo, que ontem estava a ser negociado a 62,50 dólares em Londres, a praça de referência para os europeus. Em Nova Iorque, o crude valia 63,39 dólares, mas chegou a ser negociado a meio da sessão a 62,25 dólares devido à especulação de que a escalada dos preços estava já a afectar a procura de petróleo. No final da sessão, os preços nos EUA subiram ligeiramente, devido a uma correcção técnica proporcionada pela forte venda de contratos de crude

Desde o choque petrolífero em 1974 que as economias ocidentais têm vindo a (con)viver com o fenómeno de regulares alterações (subidas) no preço do “crude”; habituámo-nos a ver alternar períodos de aumento com outros de descida dos preços e a fixar patamares de crescimento em função das expectativas dessas variações.

Especialistas internacionais, como Jude Wanniski ex-editor do “The Wall Street Journal”, associam os elevados preços do “crude” à instabilidade criada nos mercados mundiais pelo abandono, em 1971, do padrão-ouro e com o início da flutuação do dólar americano e mais recentemente à interrupção na política de novos investimentos no sector extractivo que ditaram uma quebra nas reservas disponíveis.

De um modo geral quase toda a gente associa a subida do petróleo à actuação da OPEP (cartel de países produtores de petróleo e onde pontificam os países árabes) e á instabilidade política em que vive a região do médio-oriente, por esta ser normalmente associada às reservas e explorações petrolíferas. Não sendo inteiramente falso, o médio-oriente constitui uma das principais reservas conhecidas de petróleo, há que também ter em conta, dizem outros analistas, a crescente procura de petróleo por parte das indústrias emergentes da China e Índia, que aumentando a procura estão a forçar a subida dos preços internacionais.

A explicação poderá estar em todo este conjunto de razões, cabalmente fundamentadas pelos respectivos defensores, mas creio que falta aqui adicionar mais dois ou três pormenores. Primeiro, a escassez de reservas de “crude” carece de confirmação uma vez que as previsões adiantadas pelos especialistas se baseiam nas áreas de produção já conhecidas e em actividade, deixando de fora vastas áreas do planeta, como sejam o continente africano e o asiático (há seguramente fortíssimas razões de natureza político-económica para um erro tão grosseiro). Segundo, a instabilidade no médio-oriente é, como todos bem sabemos, fomentada (fragmentação dos estados árabes por via da criação do estado judaico, invasões do Iraque, etc.) e não endémica, pelo que a esta não pode ser uma verdadeira explicação para o fenómeno. Terceiro, a política de flutuação do dólar (em resposta aos interesses da dívida americana), podendo ser a que melhor se aproxima do problema uma vez que introduz as componentes de aleatoriedade e especulação próprias dos mercados financeiros, deixa por explicar os acontecimentos de natureza geo-política anteriormente referidos, transformando-os em acontecimentos isolados e escamoteando outro importante facto: este fenómeno de acelerada subida dos preços do crude acontece após a conquista da administração norte americana pelo “lobby” do petróleo (perfeitamente personificada nos interesses da família Bush e da sua “entourage”, onde pontificam Dick Cheney, Donald Ramsfeld, Paul Wolfowitz e Condollezza Rice).

Sendo inegável que a política norte-americana é uma forte condicionante deste problema, quer na sua vertente interna – tentativa de poupança estratégica dos seus recursos petrolíferos como factor determinante para a sua capacidade de intervenção militar – quer na externa – apoio empenhado à política israelita de desestabilização do médio-oriente e fortíssimo empenho no controle directo das reservas ali localizadas – não é menos verdade que é crescente o peso que outros actores começam a ter (os estados produtores de petróleo da américa-latina e das ex-repúblicas soviéticas), bem como o crescente desejo dos países árabes (sabedores da profunda dependência do petróleo de que enfermam as economias ocidentais e da crescente apetência, por esse produto, de países enormemente populosos como a China e a Índia) verem aumentado o seu “quinhão” no negócio.

A toda esta envolvente do “negócio” falta adicionar outro conjunto de intervenientes que historicamente têm tido um papel igualmente relevante e que é integrado pelas grandes multinacionais do sector. As empresas petrolíferas que ainda mantém um elevado nível de cartelização deste mercado, em tempos personificado pelas sete irmãs (a Standard Oil, a Exxon, a Mobil Oil, aGulf Oil, a Texaco, a Shell e a BP), agora mais atomizado mas não menos relevante.
Mas o fenómeno da subida do preço dos combustíveis que os cidadãos portugueses suportam não deriva apenas da conjugação de todos estes jogos de interesses, outros “parceiros” existem, ao nosso diminuto nível, mas não menos ávidos de amealharem a sua fatia. A gasolineira nacional que apesar (ou graças a ela) da subida em flecha do preço do "crude" anunciou em princípios de Maio deste ano um aumento dos lucros, no primeiro trimestre, da ordem dos 500% (mais de 350% depois de descontado o efeito da venda da participação na Portgás) e o nosso bem-amado Estado que arrecada quase 70% do que pagamos por cada litro de combustível, fruto do efeito conjugado do ISP e do IVA.

Sejam quais forem as razões apresentadas para a subida do preço dos combustíveis, o certo é que esta situação nada tem a ver com os custos de extracção, transporte ou refinação e que as notícias que diariamente circulam, como a que hoje anunciava que o "crude" tinha ultrapassado a barreira dos 70 USD por barril no mercado norte-americano, depois do furacão Katrina ter forçado o encerramento das plataformas de exploração petrolífera no Golfo do México, mais não servem que os objectivos de especuladores e outros “lucradores” com um produto que a sociedade actual persiste em manter indispensável.

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