domingo, 31 de janeiro de 2010

O PREÇO CERTO

Para quem tenha acompanhado, ou não, o desenrolar da mais recente saga afegã, iniciada com a invasão de tropas ocidentais após os acontecimentos do 11 de Setembro e com o objectivo fixado na captura de Osama Bin Laden, recomendo a leitura da crónica do embaixador britânico, Alexander Ellis, no último número do EXPRESSO, que faz uma interessante descrição da recente cimeira de interessados que reuniu em Londres, apresentando-a como «…um Programa de Paz e de Reintegração, que oferece alternativas económicas para aqueles que queiram renunciar à violência, cortar laços com o terrorismo, e prefiram abraçar o processo democrático».

Esta simples transcrição (típica de um diplomata de carreira) significa, nem mais nem menos, que os países ocidentais alinharam em assinar mais um cheque a Hamid Karzai, o presidente afegão que desde o desembarque das tropas da NATO se tem visto regularmente envolvido em fortes suspeitas de corrupção e cujo processo de reeleição é apenas mais um.

Esta realidade fica bem mais clara lendo-se a notícia do PUBLICO – «Plano afegão de negociar a paz com os taliban apoiado com condições» – que assegura que «…a conferência comprometeu-se com um fundo de 140 milhões de dólares (que pode chegar aos 500 milhões) para apoio à integração na sociedade dos que queiram abandonar a insurreição» e a dúvida (que a notícia também refere) relativa à fragilidade política de Karzai é o mínimo que se pode colocar.

Quando é conhecido o facto do mais recente relatório sobre o fenómeno da corrupção no Afeganistão, da autoria da USAID (United States Agency for International Development) mencionar que 2/3 das famílias afegãs pagaram subornos nos últimos 6 meses e de se estimar que os montantes envolvidos deverão rondar 25% do PIB afegão (cerca de 10 mil milhões de dólares), a dimensão do “investimento” agora decidido e a atracção que ele seguramente vai exercer sobre o que de pior existe na sociedade afegã é uma boa garantia para o prosseguimento da instabilidade naquele país.

sábado, 30 de janeiro de 2010

ELES ESTÃO DE VOLTA!

Este podia bem ser o título de qualquer notícia sobre a realização do tradicional Fórum Económico Mundial (ou Fórum de Davos, como é mais conhecido), não por esta ser a quadragésima vez que as mais importantes personalidades do mundo da economia, da finança e da política se reúnem mas por este ano registar o regresso em força e com uma renovada aparência dos banqueiros àquela elitista estância suíça. Contrariamente ao que sugere a notícia do DN que afirma que a «Reunião de Davos vai discutir crise haitiana», ninguém duvide que o tema central das principais conversas (formais e informais) é a questão da regulamentação da actividade bancária e que os muitos banqueiros presentes não deixarão de exercer toda a pressão que consigam para fazer vingar as teses do liberalismo económico que lhes permitiram nas duas últimas décadas vultuosos resultados.

Ao que reportam as múltiplas notícias sobre o evento existe alguma divergência de opiniões, com os banqueiros a defenderem o actual modelo desregrado e a recordarem (ou a ameaçarem) que a imposição de regras mais apertadas nas principais praças financeiras poderá levar ao desenvolvimento de praças secundárias, como Xangai, Singapura ou Zurique, enquanto outros defendem a necessidade de regulamentação que reduza os riscos da repetição do “vale tudo” que conduziu ao agravamento da actual crise.

Não se pense porém que a intenção dos reformadores consistirá em algo que vai alterar radicalmente a face da banca ou até pôr em causa a sua desmesurada capacidade para gerar dinheiro e lucros a partir das restantes actividades económicas. Isso mesmo foi deixado bem claro logo na abertura pelo inefável Nicholas Sarkozy, que sem pejo nem rebuço assegurou a quem o quis ouvir que a questão não pode ser colocada no sistema «...que substituirá o capitalismo, mas sim no tipo de capitalismo que queremos...», acrescentando que «...temos que refazer o capitalismo para lhe restaurar a sua dimensão moral e a sua consciência...», «...colocando o princípio do comércio livre em primeiro lugar, o que obtemos é uma fragilização da democracia»
[1].

Dito de outra forma, o que o presidente francês fez foi alertar os capitães da economia e os barões da finança para as enormes dificuldades que os seus representantes na política estão a encontrar para justificar o injustificável e para conter a revolta que ameaça alastrar entre os eternos condenados a pagar mais esta crise – os milhões de assalariados – que nas últimas décadas serviram para alimentar as economias liberais e que agora engrossam as listas de mais de cem milhões de desempregados espalhados por todo o Mundo.

E como se não bastasse este cenário suficientemente negro – deixado pelo documento
Global Employment Trends – January 2010, recentemente apresentado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) – é crescente a ideia de que a recuperação em perspectiva se vai transformar num crescimento económico sem criação efectiva de novos empregos na mesma proporção em que estes foram destruídos pela crise. Por outras palavras, muitos dos empregos perdidos não voltarão a ser criados.

A ausência forçada (por motivos de saúde) do presidente brasileiro, Lula da Silva, poderá ter deixado o pseudo debate de Davos um pouco mais pobre, mas duvido que mesmo a repetição das linhas principais do discurso que proferiu no início da semana no Fórum Social Mundial (a organização que de há dez anos a esta parte se tem afirmado como uma alternativa democrática a esta cimeira dos ricos), quando deixou bem claro a necessidade de mudar o sistema financeiro mundial, cuja irresponsabilidade foi a principal responsável pela crise que vivemos e se afirmou preparado para se apresentar em Davos para «[d]emonstrar que se o mundo desenvolvido tivesse cumprido o seu papel, não assistiríamos à crise que agora vivemos»
[2], tivesse algum efeito real entre os responsáveis pela condução dos negócios mundiais, ou mesmo algum eco na praticamente nula consciência moral ou ética dos políticos que com eles vivem em perfeita simbiose.

Embora ainda sejam quase desconhecidas a grande maioria das intervenções (e por óbvia extensão as conversas particulares e paralelas entre os intervenientes) não será difícil antever que o clima geral não deverá ser o da euforia que se registava nos bons velhos tempos em que tudo corria pelo melhor. E mesmo que se reduza o Fórum de Davos a uma reunião entre decisores e fornecedores (como parece sugerir o título
deste artigo do LE MONDE), nem por isso este deixa de ser um sinal de clara revelação da incapacidade das elites (económicas, financeiras e políticas) para entenderem as entropias que o sistema que geraram vem revelando.

A sua cegueira intelectual é tamanha que até pequenas medidas correctivas, como as propostas por Obama ou as sugeridas por Sarkozy e Zapatero
[3] serão muito provalvelmente ignoradas, porque esbarrarão na teia de interesses e compadrios que tem vindo a ser tecida. Claro exemplo disso mesmo é que um dos primeiros políticos a referir a necessidade de mudança no sistema de regulação financeira – o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown – já deixou, fruto da óbvia pressão dos grandes interesses da City londrina, de o defender em público[4].

Restarão poucas dúvidas à maioria das pessoas que os caminhos da economia mundial apresentam enormes dificuldades e que entre os próprios líderes as diferenças de opinião serão crescentes, mas sejam quais forem as conclusões do Fórum de Davos – este ano curiosamente apresentado sob o slogan "Repensar, Redesenhar, Reconstruir".– a probabilidade de dele resultar algo de prático é igual à do Fórum Social Mundial produzir mais que uma listagem de agravos e poucas ou nenhumas soluções exequíveis.

Ao que tudo indica a recuperação anémica das grandes economias ocidentais passará a ser anunciada aos povos crédulos como grandes feitos dos políticos seus dirigentes enquanto os lucros das grandes empresas, que aproveitaram o eclodir da crise para acelerar ainda mais o processo de deslocalização para as regiões que praticam salários mais baixos, continuarão a sustentar o enriquecimento dos seus donos e a distribuição de umas migalhas pelos mais obedientes dos títeres que nos dirigem.
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[1] As citações foram retiradas deste artigo da BBC NEWS.
[2] A citação atribuída a Lula da Silva foi retirada desta notícia do LE MONDE.
[3] Um resumo muito sucinto da intervenção do primeiro-ministro espanhol pode ser lido nesta notícia do EXPRESSO.
[4] Isto mesmo recorda esta notícia do I ONLINE.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

OBAMA E OS BANQUEIROS

De acordo com as notícias que nos últimos dias têm surgido na imprensa o presidente Obama prepara-se para iniciar uma nova frente de “batalha” por terras do Tio Sam. Ainda não terminou a disputa em torno da ideia presidencial de criação de um serviço nacional de saúde (Universal Healthcare, na terminologia dos seus defensores e Obamacare, na dos opositores) e já Barack Obama parece decidido a abrir nova frente de combate, agora com o objectivo de introduzir nova regulamentação no sector financeiro.
Assim exposta, a iniciativa até poderia parecer mais que louvável; porém, a realidade pode ser bem mais enganadora do que parece. Embora o PUBLICO tenha noticiado que «Obama impõe novas regras aos bancos para limitar riscos», o essencial da iniciativa será o retorno à obrigatoriedade de separação entre as actividades de banca de investimento (mais sujeita a risco e consequentemente privada da guarda de depósitos) e de banca comercial (única que poderá aceitar depósitos mas estará afastada da participação em “hedge funds” e noutras estruturas financeiras), ou não se contasse o nome de Paul Volcker[1] entre os conselheiros presidenciais.
Apesar de já se começarem a ouvir vozes clamando contra a intolerável intervenção pública na iniciativa privada, importa recordar que as regras agora propostas são as mesmas que vigoraram desde a aprovação em 1933 do Glass-Steagall Act
[2] e que de modo algum impediram o crescimento do sector até à sua revogação.

Parece inegável que a actual administração norte-americana apresenta alguma intenção de contenção e de reordenação do sector bancário, restando ainda apurar até que ponto pesará nesta estratégia a reacção dos cidadãos que se sentem (e bem) prejudicados pela opção de utilizar fundos públicos para “salvar” os bancos da situação de iminente colapso financeiro em que se encontraram quando fracassaram as suas estratégias de investimento altamente especulativas. Para já, e a avaliar por esta notícia do
ECONÓMICO – «JPMorgan, Goldman e Morgan Stanley cortam bónus em 2009» – os banqueiros parecem ter optado por uma estratégia de aparente recuo (o anúncio da redução dos bónus não passará de uma mera manobra de diversão) para melhor cerrarem fileiras em torno da questão principal – a defesa do sistema de reserva fraccionária.

Embora o projecto apresentado por Obama apresente inegáveis vantagens, do ponto de vista do cidadão comum, este queda-se muito longe do que efectivamente será necessário fazer para conter as tendências especulativas que se instalaram no sector durante as últimas décadas. O mínimo exigível, antes do indispensável endurecimento das regras que têm permitido ao sector financeiro uma anormal acumulação de ganhos, será a aplicação de regras de funcionamento e de fiscalização mais restritivas e a imediata eliminação dos paraísos fiscais.

Sucede porém que, para que tal pudesse acontecer, era preciso que a actual administração norte-americana (à semelhança das que a precederam e das que lhe sucederão) e a generalidade dos governos dos países mais desenvolvidos não estivessem “no bolso” das mesmas empresas cuja actividade afirmam pretender regular e a prová-lo está o facto de quase dois anos volvidos sobre a “tempestade” que varreu o sector financeiro, que só não o fez soçobrar porque os governos nele injectaram milhares de milhões de unidades monetárias (e que agora são acusados pelo sector que salvaram de apresentarem elevados défices públicos), nada se ter feito no sentido de minimizar as probabilidades de repetição do fenómeno.
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[1] Economista, actual presidente doPresidential Economic Recovery Advisory Board (painel não-governamental de especialistas criado pelo actual presidente norte-americano com o objectivo de acompanhar a evolução económica global e de aconselhar estratégias para a sua resolução), por escolha de Barack Obama; foi presidente do FED entre 1979 e 1987 (sob as administrações Carter e Reagan) e próximo da família Rockfeller (ex-quadro e administrador do Chase Manhattan Bank e actual presidente do grupo internacional de pressão conhecido como Group of Thirty, entre cujos membros se contam governadores de vários bancos centrais e o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet) além de membro da Trilateral (associação fundada por David Rockfeller) e do Grupo de Bilderberg (sobre a Trilateral e o Clube Bilderberg ver, por exemplo, o “post” «BILDERBERG 2009».
[2] O Glass-Steagall Act foi a lei que, na sequência da Grande Depressão, introduziu limitações à actividade bancária, nomeadamente quanto à separação entre as actividades comerciais e de investimento, e à hipótese de participação directa noutras empresas financeiras. Vigoraria até às décadas de 80 e 90 do século passado, quando foi sendo eliminada por novas leis (o Depository Institutions Deregulation and Monetary Control Act de 1980, o Garn-St. Germain Depository Institutions Act de 1982, e o Gramm–Leach–Bliley Act de 1999), que aprovaram a desregulamentação da actividade bancária.

domingo, 24 de janeiro de 2010

HECATOMBES

Mais de uma semana decorrida desde que um sismo de grande magnitude atingiu o Haiti que conclusões podem ser retiradas da informação e dos apelos que enxameiam o nosso dia-a-dia?
Dizer que os haitianos atravessam provavelmente a maior catástrofe da sua história talvez seja insuficiente para descrever o que aquele desgraçado povo sofre.

Ex-colónia francesa no século XVIII, palco dos mais diversos e variados conflitos internos e externos, conheceu múltiplas mudanças de regime nos últimos anos, desde as ditaduras pró-americanas de François Duvalier (o famigerado Papa Doc) e do seu filho, Jean-Claude Duvalier (também conhecido por Baby Doc), até à eleição de Jean-Bertrand Aristide e à sua substituição em 2005, por iniciativa americana e francesa. Aquela que foi a região de onde se propagaram as ideias independentistas sul-americanas, chegou no século XXI há pouco animadora situação de um protectorado da ONU através da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti).

A magnitude do sismo e o grau de destruição que provocou (estimativas apontam para cerca de 200 mil mortos
[1] e jornalistas referem graus de destruição da ordem dos 80% a 90%[2]) deixam antever um esforço de reconstrução completamente fora do alcance de um país sem economia, sem governo e agora ainda mais dependente do auxílio internacional.

O mesmo auxílio, traduzido em cuidados médicos e alimentos, que tarda em chegar às populações, mas que tanto quanto o deixam entender as notícias e as imagens que nos chegam do país, foi suficientemente rápido na assistência aos elementos da ONU em serviço no local.
Mesmo compreendendo a importância no salvamento dos funcionários da ONU (até pelo papel que têm no funcionamento da própria assistência aos restantes sinistrados), não deixa de ser chocante ler que os corpos das vítimas estrangeiras já estão a ser repatriados quando os mortos haitianos continuam por recolher.

Igualmente chocante foi a rapidez e a facilidade com que os meios de comunicação deslocaram para o local equipas de repórteres enquanto as equipas de salvamento se faziam notar pela sua ausência.

Nesta calamidade, como noutras, fica bem patente a maior importância na transmissão da informação que no salvamento de vidas humanas.

Esta aliás não é o único motivo de estranheza que envolve a operação norte-americana, pois contra toda a lógica a direcção da operação humanitária não foi entregue a nenhuma agência governamental civil, mas sim ao Pentágono.

A condução militar das operações explicará até a forma controversa como os militares americanos estão a gerir o aeroporto haitiano, facto que já criou uma polémica em França (com alguns responsáveis, como o secretário de estado para a cooperação, a criticar abertamente a actuação americana e o presidente Sarkozy a fazer declarações para acalmar a reacção de Washington[3]) e um assinalável mal-estar entre as muitas organizações que acorrem a Port au Prince, como relatou a notícia do PUBLICO que assegura que «Ajuda começa a chegar mas é como se fosse por um funil».

Enquanto prossegue o esforço internacional é já possível começar a equacionar-se alguns cenários para o período de reconstrução e a imagem que ao final de uma semana transmitia a página on-line do DW (Deutsche Welle) - Imprensa alemã vê disputa colonialista na ajuda ao Haiti – diz claramente o muito que está jogo na região, isto enquanto ressalta (uma vez mais à evidência) a inoperância da diplomacia da UE e em especial da nova Alta Representante para os Negócios Estrangeiros, Catherine Ashton.

A dimensão da destruição pode já ser um bom indicador para a dimensão do negócio de reconstrução que se lhe irá seguir e a crescente aproximação entre americanos e brasileiros (país que já liderava a força militar da ONU no território) um primeiro sinal do futuro, mesmo se continuam a surgir vozes a propor a realização de uma conferência internacional ou o próprio secretário-geral da ONU a recordar que a responsabilidade deve continuar com aquele organismo internacional.
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[1] A estimativa é da responsabilidade do comandante Americano no terreno, o General Ken Keen, e foi publicada nesta notícia da BBC NEWS.
[2] A informação pode ser lida nesta notícia da BBC NEWS e á atribuída à ONU.
[3] A questão pode ser aprofundada nesta notícia do LE MONDE.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A MÁ MOEDA DÁ BOA MEDALHA

Que outra coisa se pode dizer depois de termos assistido à condecoração de Santana Lopes?
Se o decoro manda que não se produzam afirmações que envolvam a mais alta magistratura do Estado Português e qualquer tipo de comentários sobre um possível ensandecimento, já o mesmo parece não se aplicar às suas opções quanto a condecorações e em especial às que são atribuídas pelos destacados serviços prestados ao País, pois que me recorde o único serviço daquele tipo que Pedro Santana Lopes terá prestado foi quando se recusou a continuar uma entrevista, para que tinha sido convidado por um canal nacional de televisão, depois desta ter sido interrompida para transmitir em directo a chegada a Lisboa de um treinador de futebol.

Da mesma forma que na oportunidade
manifestei aqui o meu total apoio (e até a minha estupefacção pela personalidade envolvida), não posso agora deixar passar em claro esta “novidade” que em certa medida até nos deveria alegrar a todos; afinal talvez qualquer um tenha tantas hipóteses de vir a ser condecorado como Santana Lopes.

Se Cavaco Silva revelasse alguns resquícios de hombridade nunca aceitaria condecorar por altos serviços a mesma personalidade que tão directamente criticou no exercício desses mesmos serviços.

Se Santana Lopes mantivesse o mesmo tipo de dignidade que mostrou naquele episódio televisivo, teria recusado a comenda e eu teria motivo para aqui o louvar (como então fiz) e não para retornar ao registo crítico em que habitualmente o refiro.

sábado, 16 de janeiro de 2010

AVOLUMAM-SE AS DÚVIDAS

Eis-me de volta ao lastimável tema da Gripe A (e por extensão ao absurdo das paranóias securitárias) a propósito de notícias, como esta do PUBLICO, dando conta do crescente avolumar das dúvidas que rodeiam a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a forma como geriu aquela questão.

Olhando friamente para as notícias das últimas semanas e em especial para as críticas que no final do ano passado se começaram a ouvir em estruturas como o Parlamento Europeu[1], parece começar a ganhar cada vez mais peso a ideia de que a famigerada pandemia não passou de um monumental embuste.

Se em meados de Novembro abordei no “post” «É DIFÍCIL LEVAR A SÉRIO...» a questão da leviandade que parecia rodear a abordagem do fenómeno da pandemia, começando pela histeria criada para a opinião pública e acabando numa muito provável comercialização demasiado apressada das vacinas desenvolvidas, já anteriormente[2] tinha feito referência à indústria farmacêutica como possível (e óbvia) beneficiada pela rápida decisão da OMS de declarar a Gripe A como uma pandemia e que agora deputados do Parlamento Europeu identificam claramente.

Como se não bastasse este desnecessário e prejudicial clima de suspeição sobre a actividade da OMS, este organismo apresenta-se agora disposto a aceitar uma avaliação por peritos independentes para determinar se a sua resposta à pandemia de gripe A (H1N1) foi ou não adequada, embora o seu porta-voz não tenha deixado de dizer que tal só será possível após o fim da pandemia e a previsão para a suspensão da situação pode ser de meses ou anos.

Por outras palavras o organismo da ONU dirigido desde finais de 2006 pela Dra Margaret Chan (ex-responsável pelo Departamento de Saúde Hong-Kong no período auge da gripe aviária) aceita vir, num futuro mais ou menos distante, a discutir a legitimidade e a justeza de uma decisão que entretanto já rendeu chorudos lucros a uma industria farmacêutica que não mostrou o mínimo rebuço em comercializar um produto sem previamente o ter testado de forma adequada, enquanto reafirma que a pandemia ainda não terminou.

Entretanto pouco se ouve (ou lê) sobre a real dimensão da proclamada pandemia, que nas previsões dos especialistas provocaria 70 milhões de mortos, mas que afinal se constata hoje não ter provocado mais que 13 mil óbitos e que no caso português não chegou a atingir a centena (número muito inferior aos cerca de 2 mil óbitos que normalmente o vírus da gripe comum provoca anualmente) e ainda menos se questiona a lógica de tudo isto.

Mesmo quando já começa a circular a informação de que a indústria farmacêutica terá lucrado cerca de 5 mil milhões de euros com o negócio das vacinas fabricadas à pressa e insuficientemente testadas, a reacção da generalidade dos actores responsáveis no processo é nula ou até de alguma concordância e tentativa de justificação para todo este absurdo, pelo que dificilmente alguma coisa poderá resultar, além da ideia cada vez mais consistente de uma clara orquestração por detrás de tudo isto.

E esta nem sequer é a primeira, pois descontando o célebre “bug” do ano 2000 (que iria provocar a paragem de todos os computadores), na área da saúde o crescendo de histeria e medo começou com a epidemia das vacas loucas, continuou com a da gripe aviária e agora atravessa a pandemia da gripe A (inicialmente conhecida como gripe suína), pelo que, tudo o indica, iremos conhecer outras.
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[1] O texto de uma moção apresentada naquele organismo por um conjunto de deputados de diferentes famílias políticas, pode ser lido aqui.
[2] Sobre o assunto ver o “post” «PANDEMIA – MITO OU REALIDADE?».

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

OS JOVENS NÃO SÃO “LEMMINGS”[1]

Enquanto, no passado fim-de-semana, preparava notas e revia artigos antigos sobre a situação do emprego em Portugal (embora mais correcto fora falar do desemprego), despertou-me a atenção uma notícia do PUBLICO questionando os leitores sobre se «A GERAÇÃO QUE ESTÁ AGORA COM 16-25 ANOS ESTARÁ PERDIDA?»[2]

A actual conjuntura recessiva (habitual bode expiatório de todos os males) não pode servir para explicar a dimensão de um problema que sendo de origem económica (as enormes dificuldades de integração dos jovens no mercado de trabalho) não se pode reduzir às meras dificuldades de encontrar emprego.

As elevadas taxas de desemprego entre os jovens que se contabilizam por essa Europa fora, não resultam apenas do número de empresas que têm cessado actividade ou daquelas que têm reduzido os seus quadros de pessoal na tentativa de responderem à actual crise económica, mas também da manifesta incapacidade das sociedades responderem aos anseios dos seus membros mais jovens.

Até o habitual argumento da falta de qualificação da mão-de-obra parece cair pela base quando se verifica uma tendência generalizada para o aumento do desemprego até entre os que apresentam melhores níveis de escolaridade.

Abdicando da tentação por uma explicação simplista – os jovens não encontram emprego por não disporem das competências que as empresas procuram – e que podendo ser parcialmente verdadeira não pode ser aceite como justificação geral, haverá que procurar outras razões para o fenómeno e que além da justificação contribuam para uma solução, sob pena de os deixarmos caminhar em direcção ao abismo.

Se no caso português é evidente a melhoria nos níveis de formação, não é menos verdade que muitos deles poderão ser (e são-no geralmente) de duvidosa eficácia prática e ainda menor aceitação no mercado de trabalho. É verdade que se os empregadores não devem de abdicar de escolher os trabalhadores mais adequados às necessidades das suas empresas, também não é menos verdade que o que os mesmos empregadores procuram é essencialmente mão-de-obra barata.

Isso mesmo é particularmente claro quando se verifica que a maioria dos jovens que tem encontrado trabalho tem sido em situações de manifesta precariedade (contratos a prazo ou à tarefa) e auferindo salários manifestamente reduzidos para o nível de formação que apresentam. Lamentavelmente o quadro que o país oferece é o dos caixas de supermercado ou o dos atendedores dos “call-center” licenciados e remunerados pelo salário mínimo nacional.

Já não é apenas uma questão da mais elementar justiça, é também um importante sinal para a geração que ainda se encontra nos bancos das escolas e que inevitavelmente se questiona da utilidade (vantagens) do seu percurso académico. Além da questão da motivação dos estudantes também deve ser equacionada a da motivação dos professores e, no limite, a dos próprios progenitores.

Quando tanto se fala (mas tão pouco se vê fazer) na questão da desmotivação nacional, quem é que honestamente pode esperar ver quebrado o ciclo quando a perspectiva que se oferece aos jovens é a do desemprego, ou na melhor das hipóteses, um emprego temporário e mal remunerado.

Até quando iremos esperar para ver melhorar a situação das gerações que a nossa inépcia condenou (e continua a condenar) a vegetarem numa sociedade cada vez mais egoísta, onde os objectivos individuais continuam a sobrepor-se aos colectivos e onde os que não alcançarem o sucesso (que pode até ser apenas um trabalho digno e adequadamente remunerado) continuam a ser vistos como marginais.

Quanto tempo sobreviverá uma sociedade onde as gerações futuras continuam a ser encaradas apenas como uma submissa reserva de mão-de-obra barata?
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[1] Nome de um jogo de computador muito popular nos anos 90 do século passado que era suposto reproduzir o comportamento em bando dos pequenos mamíferos do mesmo nome, levando a que as opções erradas do líder conduzissem à aniquilação do grupo.
[2] É de elementar justiça que a par com esta referência à notícia do PUBLICO se refira também o trabalho que, salvo erro, desde meados de 2009 a VISÃO vem apresentando sob o título genérico de «DIÁRIOS DE DESEMPREGADOS».

sábado, 9 de janeiro de 2010

FALANDO DE BOLHAS

Uma pequena notícia do FINANTIAL TIMES dando conta que o BIS[1] “convidara” alguns dos banqueiros de topo para debater a crescente exposição ao risco confirma a ideia que a crise se encontra longe de resolvida e as lições dela resultantes longe de aprendidas.

Contrariando os dados estatísticos (ou talvez não, pois são bem conhecidos os desvios entre os dados estatísticos e econométricos em períodos de maior instabilidade das economias e dos mercados) que continuam a ser anunciados pelos políticos por esse mundo fora de que as economias começaram já a recuperar, este “convite” do BIS deve ser acompanhado com a atenção que merece, principalmente se quisermos manter uma perspectiva informada sobre o desenrolar da crise.

Igualmente interessante é a informação veiculada pelo mesmo FINANTIAL TIMES de que aquela iniciativa aparece num «...momento de grande incerteza em que a tentativa de recuperação económica surge toldada pelo excessivo endividamento privado, pelo rápido crescimento do endividamento público e pelo elevado desemprego». Ora esta apreciação é, nem mais nem menos que um claro sinal da fragilidade daquilo que muitos persistem em classificar como os “claros sinais da retoma”.

Mesmo compreendendo a necessidade dos governantes difundirem algumas mensagens de esperança e até de incentivo para os agentes económicos, a opção escolhida pela generalidade dos líderes políticos está longe de contribuir para uma efectiva consciencialização dos cidadãos para a dimensão real da situação económica mundial e, pior, pode muitas vezes sem considerada como mais uma cortina de fumo destinada a desviar as atenções.

O sinal de preocupação transmitido pelo BIS, nomeadamente no que respeita ao crescimento do endividamento, é apenas mais um entre os muitos que vão surgindo com alguma regularidade, mas assume particular relevância por ser emitido pelo sector de actividade que mais contribuiu (e contribui) para o actual estado da economia global. É que se existiram óbvios erros de gestão que conduziram outros sectores de actividade, como a indústria automóvel ou a dos transportes, à situação de crise que atravessam, no caso do sector financeiro mais do que erros de gestão pode-se dizer que é a essência da própria actividade – o tratamento da moeda e do crédito como mercadoria meramente sujeita às leis da oferta e da procura – que “arrastou” toda a gente para a situação que vivemos.

De acordo com a informação veiculada pelo FINANTIAL TIMES, a própria nota convocatória da reunião refere a «...preocupação de que a prolongada garantia de financiamento fácil e barato possa encorajar a excessiva tomada de risco...», o que no dialecto financeiro significa a forte probabilidade de formação de uma nova bolha especulativa, preocupação que nem sequer é nova (já em meados de Novembro do ano passado o PUBLICO publicou uma entrevista com o presidente do The Boston Consulting Group[2], na qual este referia a inevitabilidade da ocorrência de novas bolhas especulativas), havendo mesmo quem defenda que essa é a via normal de funcionamento do sector financeiro.

Mais importante que as conclusões da reunião (no essencial é até bem possível que esta acabe apenas para servir como novo meio de pressão sobre os governos que pretendem introduzir novas limitações à actividade financeira mundial), acaba por ser a notícia da sua realização enquanto confirmação da incapacidade dos poderes políticos introduzirem reais e eficazes limitações ao capitalismo especulativo.
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[1] Bank for International Settlements ou Banco de Compensações Internacionais é uma organização internacional, reúne 55 bancos centrais e tem sede em Basileia (Suíça), responsável pela supervisão bancária (espécie de banco central dos bancos centrais), tem como finalidade a promoção da cooperação entre os bancos na tentativa de estabilidade monetária e financeira.
[2] A Boston Consulting Group (BCG) é uma empresa de consultadoria de gestão fundada em 1963, dirigida por Hans-Paul Bürkner e considerada actualmente como uma das mais prestigiadas no ramo.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

TERRA QUEIMADA

A aproximação do período de debate e aprovação do Orçamento do Estado para 2010 deveria ser a oportunidade de ouro para se debater o estado da economia portuguesa e se apontarem estratégias para o curto prazo e para aquele que se pretende venha a ser o rumo da nossa economia num horizonte temporal nunca inferior a cinco anos, se os partidos do centrão, na sua ânsia pelo poder, a não transformarem em mais uma estratégia de terra queimada.

Embora ciente de que a elaboração de estratégias nunca constituiu preocupação (nem terá merecido reflexão sequer) em anos anteriores, a actual conjuntura político-económica não só o recomenda como o transforma em obrigatoriedade.

Mesmo sem querer enfileirar no grupo dos que acham que a economia portuguesa se encontra à beira do precipício, manda a realidade (e o pragmatismo com que a devemos enfrentar) que o governo transmita o máximo de sinais possíveis sobre o empenhamento na resolução da complicada situação do endividamento nacional, tanto mais que depois dos recentes acontecimentos com o DUBAI WORLD e da influência que estes têm tido na avaliação das dívidas das economias mais endividadas e mais frágeis (com todas as reservas que tais avaliações merecem), todas as iniciativas que contribuam para desmistificar o “papão” da bancarrota serão sempre positivas.

O meu profundo receio é que nesta matéria (como em tantas outras) o governo de José Sócrates haja como agiram os seus antecessores e em nome do apego ao poder opte por soluções ambíguas e cujos custos recaem normalmente sobre o sector da sociedade que habitualmente mais contribui para a receita pública – os trabalhadores por conta de outrem – tanto mais que a actual composição de forças no Parlamento e o perfil dos seus líderes dificilmente produzirão uma política estruturada para a resolução dos tradicionais desequilíbrios orçamentais que se têm visto agravados nos últimos anos pelo efeito conjugado dos esforços feitos para “salvar” os bancos, “dinamizar” a economia, acorrer à minimização dos efeitos do crescimento do desemprego e da redução da receita fiscal.

É evidente que perante a pressão de redução do déficit, imposta por Bruxelas ou pela necessidade de tranquilizar os credores, o governo irá optar pela solução mais simples e com menores custos imediatos – a subida de impostos – pois não deverá arriscar aquela que deveria ser a primeira medida consistente para a redução do déficit (agora e no futuro) – a redução da despesa pública – com especial destaque para os gastos resultantes da falta de racionalização de meios.

domingo, 3 de janeiro de 2010

MENSAGEM DE ANO NOVO

Sem me querer substituir àquelas figuras de alto coturno, nacionais e estrangeiras, que nesta data estarão a difundir as habituais “mensagens” e que no geral não passam de balanços espúrios e de compromissos vazios, propunha-me simplesmente assinalar o início de mais um ano de calendário, porém nem sequer foi preciso esperar muito tempo para confirmarmos que o velho aforismo “ano novo, vida nova” não tem a mínima aplicação prática entre nós, pois rapidamente os políticos nacionais (com o Presidente da República à cabeça) vieram-no lembrá-lo.

Estou, como é óbvio, a referir-me à tradicional
mensagem presidencial de ano novo que se para alguns analistas e comentadores (veja-se a opinião de José Adelino Maltez no JORNAL DE NOTÍCIAS) representa um discurso inédito, continuou a servir à classe política (e em especial aos partidos do centrão) para nele verem pontos de concordância com as suas posições mais recentes; por outras palavras, a novidade do ano é igual à “velhidade” de 2009.

O que me levou então a preferir abrir o ano com mais um discurso de Cavaco Silva e não, por exemplo, com o muito noticiado grande sucesso da bolsa de valores nacional que terminou o ano com ganhos acima dos 34%
[1]?

Fundamentalmente porque se me afigura mais do que necessário desmistificar a ideia prontamente difundida pela imprensa de que o discurso presidencial constitui uma iniciativa (importante) para promover um processo de concertação político-partidário conducente à resolução dos “problemas nacionais”.

É certo que a páginas tantas Cavaco Silva considerou «…absolutamente desejável que os partidos políticos desenvolvessem uma negociação séria e chegassem a um entendimento sobre um plano credível para o médio prazo, de modo a colocar o défice do sector público e a dívida pública numa trajectória de sustentabilidade», mas se a sua verdadeira preocupação fosse a necessidade de uma política estruturada para o combate à crise e sustentada numa ampla base de apoio parlamentar, nunca teria aceitado empossar um governo minoritário
[2] e desde logo teria dado um claro sinal do verdadeiro sentido do interesse nacional.

Mas, nesta oportunidade como noutras anteriores, voltaremos a assistir à repetição dos mesmos velhos e gastos argumentos de parte a parte. O centrão voltará a sobrepor os seus interesses particulares (o poder) sobre o interesse geral, enquanto alegremente continuaremos a viver e a conviver com o desemprego crescente, a corrupção instalada, a ineficácia do sistema judicial e a ver as restante economias europeias mais ou menos a crescerem, enquanto os nossos dirigentes, demasiado ocupados com os seus problemas pessoais e partidários continuarão a assobiar para o lado face aos problemas que a todos nos afectam.

Assim, eu que recuso assumir o papel do optimista "cego", e atendendo a uma conjuntura que não está particularmente favorável proponho-me animar um pouco esta data e porque as notas de banco - ou melhor as linhas de transferências financeiras - têm estado reservadas aos banqueiros, aqui deixo uma simples nota de humor:

e não resisto a terminar com uma das melhores frases do saudoso humorista Raul Solnado:

FAÇAM O FAVOR DE SER FELIZES!
____________
[1] Sobre o assunto ver esta notícia do PUBLICO.
[2] As motivações já as analisei no “post” «TODOS GANHARAM…», na sequência das últimas eleições legislativas.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

FELIZ 2010 (NA MEDIDA DO POSSÍVEL...)

Poder-se-ia encerrar o ano de 2009 sem voltar ao tema recorrente da crise?

Podia! Mas não era a mesma coisa... pois estaríamos a escamotear aquela que foi (e será) a grande questão dos tempos mais próximos: como sair da crise?

A acreditar nas vozes optimistas que não tardaram em embandeirar em arco aos primeiros sinais de alguma melhoria no panorama económico mundial e para os quais um simples redução na taxa de crescimento negativo das economias já é um excelente sinal de recuperação, nada do que a seguir surgirá fará o menor sentido, ou antes, apenas poderá ser entendido como manifesta atitude derrotista. Porém, estou em crer que 2010 pouco nos trará de verdadeiramente novo.

Todos os indicadores apontam para o triste facto da crise aberta pela falência do “subprime” norte-americano, mas fruto de um conjunto de concepções erradas sobre o funcionamento das economias, se encontrar longe de resolvida. A opção, adoptada pela administração norte-americana e prontamente copiada pelos europeus, de injectar biliões de unidades monetárias num sistema financeiro cuja cupidez mais não fez que ampliar os efeitos de uma grave crise económica poderá ter evitado a falência global daquele sistema, mas de modo algum resolveu o problema de fundo que é o da manifesta dissonância entre os sectores produtivos da economia e o sector financeiro e ainda menos os problemas originados aos tecidos económicos nacionais pelas absurdas políticas de deslocalização industrial e de redistribuição da riqueza.

Que a crise global continua por resolver é um facto assente e tanto mais evidente quanto após a intervenção estatal em defesa do sistema financeiro são agora os próprios Estados que estão ser colocados no centro da tempestade.

Os recentes acontecimentos no Dubai[1] e as reacções e os comentários à situação na Grécia são disso um sinal claro e um exemplo do que nunca deveria ter ocorrido.

Embora tratando-se de casos distintos (a situação do Dubai resultará fundamentalmente da incorrecta opção por uma estratégia de desenvolvimento sustentada na expansão imobiliária e de uma ligação demasiadamente estreita entre os capitais pessoais da família real e a economia da região, enquanto o caso grego parece resultar fundamentalmente de utilização inadequada dos fundos comunitários da UE que deveriam ter financiado a modernização do seu tecido produtivo) a situação de quase incumprimento do Dubai e a do possível incumprimento grego têm sido tratadas pela imprensa e pela generalidade dos analistas como se de casos iguais se tratasse, fenómeno a que não deverá ser estranho o elevado peso que os “especialistas” de Wall Street e da City ainda têm nesta área.

Analisada da forma correcta, a questão do excessivo peso do endividamento grego não passa de um fogo de vista quando comparado com as monumentais dívidas acumuladas pelos EUA, Grã-Bretanha, situação que aliás um dos “especialistas” na matéria, o Credit Suisse reportava já em Março deste ano.

Descontando o já conhecido caso islandês, constata-se que o trio seguinte é constituído pelos EUA, pela Grã-Bretanha e pela Espanha, com a Grécia a surgir apenas após a Irlanda; embora no caso daquela seja claro o elevado peso da dívida pública no cômputo global, facto que pouco altera a ideia de que muito do “ruído” produzido em torno da questão se deverá principalmente à intenção de criar um cenário de diversão que torne menos problemática a situação americana e inglesa.

Ao longo do ano que agora termina não faltaram na imprensa generalista e na especializada notícias que não visavam mais do que desestabilizar a moeda da UE, primeiro com o famigerado risco bancário dos países da Europa de Leste e agora com a questão da dívida grega.

Mesmo sem querer acompanhar a leitura que os analistas do LEAP fazem da situação[2] para concluir que a “crise grega” pode até constituir um sinal positivo, tanto mais que a situação da economia portuguesa e da sua dívida pública é em muito idêntica, nem por isso me parece menos digno de denúncia e de alerta para esta quase grosseira manipulação da realidade.

É que se as economias mediterrânicas apresentam claros sinais de fragilidade e um evidente sobre endividamento público, não é menos verdade que boa parte do recente agravamento se ficou a dever à desastrada decisão de socorrer os banqueiros que agora se arrogam o direito de “penalizar”[3] aquelas economias pelo papel de intervenção que tiveram.

Já não é apenas uma questão de dualidade de critérios, é uma manifesta má-fé que rodeia e empola todo este processo, em abono do qual se deve dizer que não constituirá senão um terceiro passo[4] no sentido de um bem mais que provável agravamento da crise.
__________
[1] Ver a propósito o “post” «NAUFRÁGIO À VISTA?»
[2] Ver a propósito o Relatório de Dezembro de 2009.
[3] Sobre esta questão e sobre a situação do endividamento português, ver o “post” «MERGULHO PÚBLICO»
[4] Recorde-se que o primeiro passo foi a crise do “subprime”, despoletada nos EUA, e o segundo a crise de liquidez que se lhe seguiu e em que mergulhou grande parte do sistema financeiro mundial.

domingo, 27 de dezembro de 2009

SAHARA LIVRE

Por incrível que possa parecer o final de cada ano e o hábito de proceder a balanços e à formulação de novas expectativas, tende a trazer à luz do dia (ainda que pelo breve período de uma notícia ou de um “flash” televisivo) um ou outro problema que se arrasta no tempo. Entre estes destaque-se a situação da antiga colónia espanhola do Sahara Ocidental.
Desta vez a questão foi presença regular nas notícias por um período bem superior ao habitual e tudo por causa de um incidente e da força de espírito de uma militante saharauí – Aminatou Haidar – que no regresso ao território ocupado por Marrocos lhe viu recusada a entrada por não aceitar declarar no formulário administrativo outra nacionalidade que a sua: saharauí.

Expulsa do território marroquino foi transportada para Espanha (Lanzarote) onde iniciou uma greve de fome até que o seu regresso fosse aceite. Ao cabo de 32 dias de greve de fome o governo marroquino acabou por aceitar o seu regresso a Layounne (capital do território saharauí), naquilo que, segundo esta
notícia da BBC NEWS, a própria Aminatou classificou como «…um triunfo das leis internacionais, dos direitos humanos, da justiça internacional e do Sahara Ocidental…».

Sucede porém que esta vitória pessoal de Aminatou pode muito bem ter marcado um profundo revés para os anseios de liberdade do seu povo, isto, a confirmar-se que, como noticiou o PUBLICO, que «
Espanha e França reconheceram autoridade de Rabat no Sara para resolver crise de Haidar».

Este pode ser tido como mais um exemplo dos malefícios da chamada “realpolitik
[1], pois o que na realidade se terá passado é que uma vez mais o Estado espanhol mostrou a sua incapacidade (ou total falta de vontade) para enfrentar um problema que ele próprio criou quando, em 1975, abandonou a sua antiga colónia sem previamente ter assegurado o respeito pela vontade do povo que colonizou. Abandonado à sua sorte e sem meios para resistir aos seus poderosos vizinhos, em especial Marrocos que explora de forma predatória os seus recursos naturais (fosfatos e os ricos bancos de pesca), a República Saharauí continua a ser mais um dos exemplos da ineficácia de organizações como a ONU (entidade que reconhece oficialmente a existência do Estado Saharauí) e uma vergonha para o conjunto da comunidade internacional.

As responsabilidades do Estado espanhol nesta questão são ainda maiores quando se constata que o mesmo preferiu uma vez mais não hostilizar o vizinho marroquino, com quem mantém importantes laços comerciais, de quem depende na luta contra a emigração ilegal e o tráfico de haxixe e de quem teme represálias sobre os enclaves de Ceuta e Melilla. Mas os espanhóis não foram os únicos a errar nesta matéria, pois franceses e argelinos (país que acolhe o governo no exílio da República Saharauí e tem utilizado este e a Frente Polisário
[2] como arma de arremesso na sua velha rivalidade com a monarquia marroquina) também pouco têm contribuído para resolver a situação.

Em resumo, bem se pode dizer que a justa vitória a pessoal de Aminatou Haidar bem pode ter custado a última esperança de independência para os sahrauís.
___________
[1] A expressão deriva do alemão (“real“, realístico, prático ou actual e “Politik“, política) e aplica-se à política ou diplomacia baseada principalmente em considerações de natureza prática em detrimento de noções ideológicas., partilhando aspectos com abordagens filosóficas como o realismo e o pragmatismo. A expressão é muitas vezes usada no sentido pejorativo, significando políticas coercivas, amorais ou maquiavélicas, mas na realidade é uma teoria política que se centra em considerações de poder e não em princípios ideais ou morais.
[2] Designação do movimento político-revolucionário que luta pela separação do Sahara Ocidental, antigo Sahara Espanhol ou Rio de Oro, actualmente sob domínio de Marrocos, para o que conta com o apoio da Argélia. Após um período de confrontos o exército marroquino retirou-se para uma zona restrita do deserto, mais próxima da sua fronteira e constituindo o chamado "triângulo de segurança", que compreende as duas únicas cidades costeiras e a zona dos fosfatos, onde construiu um imenso muro de betão armado, por trás do qual os soldados marroquinos vivem entrincheirados, protegendo a extracção do minério. Marrocos e a Frente Polisário selaram um cessar-fogo em 1988. Um plebiscito é marcado para 1992, que não se chega a realizar porque não há acordo sobre quem tem direito a votar: Marrocos quer que seja toda a população residente no Sahara Ocidental, mas a Frente Polisário só aceita que sejam os habitantes contados no censo de 1974. Isso impediria o voto dos marroquinos emigrados para a região em disputa depois de 1974.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

“ESTÓRIA” DE NATAL

Tivesse eu engenho e arte e estaria a escrever uma espécie de Conto de Natal onde ao invés de mostrar a dura realidade que nos rodeia conseguisse cruzar ao correr da pena um Pai Natal, um “facilitador”, um “sucateiro”, um robalo, talvez um palhaço e seguramente um “autarca-bandido”.

Como a “estória” teria de se localizar algures seria, por hábito ou tradição, quase certamente num lugar mágico e, por desconhecer outro com melhores características, este seria pobre e triste; o lugar seria mágico, porque as “estórias” (sobretudo as que incluem figuras mitológicas) só podem ocorrer em lugares assim, triste, porque essa é a realidade que todos bem conhecemos, e pobre porque qualquer lugar onde coabitam “facilitadores” com “sucateiros” e com “autarcas-bandidos” não pode ficar senão pobre… cada vez mais pobre!

Numa “estória” para animar as criancinhas e, portanto, carregada de valores morais o Pai Natal traria no seu saco os presentes que todos os personagens mais precisassem: ética e decoro para os “facilitadores”, lucros proporcionais à capacidade de gestão dos “sucateiros”, sentido de protecção e salvaguarda da coisa pública para os “autarcas-bandidos”, moderação e sentido de dever público para os “palhaços” e, por fim, talvez um enorme aquário para o robalo (que é o único dos personagens sem grande papel activo).

Numa “estória” para os adultos que ainda acreditam no Pai Natal, talvez este trouxesse um presente igual para todos (excepto o robalo, porque continuava a ser o único personagem sem grande papel activo): uns bons anos de pura e dura prisão a que se seguiria uma interdição de exercício de qualquer actividade pública e empresarial (a final condenar alguém a viver do seu trabalho nem será uma pena assim tão severa, pois a grande maioria de nós sofre-a há gerações) … mas isto seria no caso de eu ter engenho e arte para a escrever.

domingo, 20 de dezembro de 2009

O QUE ESCONDEU COPENHAGA

Terminada a Cimeira de Copenhaga, que reuniu entre 7 e 18 de Dezembro para debater estratégias sobre as alterações climáticas e contou com mais de 15.000 delgados, entre os quais 110 chefes de Estado e de governo, de 192 países, qual o balanço a fazer? Louvar os resultados ou lamentar o que ficou por fazer e o muito que ficou por dizer?

Contrariando o sentimento de catastrofidade e urgência que a generalidade da imprensa mundial tem procurado transmitir a propósito das questões climáticas, a Cimeira desenrolou-se num clima de aparente conflito entre os interesses dos países ricos e dos países pobres perfeitamente evidente quando as questões objecto de discussão foram de natureza financeira (transferências a fazer dos países ricos para os países pobres) e não as de natureza verdadeiramente ambiental.

Antecedendo a Cimeira e todo o folclore que a rodeou (nomeadamente as grandes manifestações autorizadas e as pequenas manifestações não autorizadas, mas cujos objectivos não deixaram de ser atempadamente anunciados por forma que as forças policiais e os jornalistas marcassem presença) foi divulgado o conteúdo de um conjunto de ficheiros informáticos transmitidos entre os grandes apólogos da tese do aquecimento global, na maioria cientistas e membros do Painel Intergovernamental de Alterações Climáticas (IPCC), os quais revelavam uma possível manipulação dos dados em que se basearam para as conclusões apresentadas.

Sem querer entrar na grande polémica em torno da questão da dimensão e do carácter catastrófico que muitos tentam atribuir ao problema, até porque não é matéria sobre a qual possuo grande formação, sempre julguei mais adequado observar o tema de forma o mais desapaixonada possível, tanto mais quanto vejo pulular à sua volta um número considerável de “apóstolos” e “profetas” fanáticos.

Aconselhando o bom senso e os mais recentes desenvolvimentos uma abordagem mais ponderada, parece-me de todo em todo útil recordar aqui algumas questões que julgo pertinentes.

Se para quase toda é gente será inegável a necessidade de introduzir alterações nos procedimentos que têm rodeado o desenvolvimento da Humanidade, principalmente desde o período da Revolução Industrial, e em particular a forma como usamos e abusamos do Planeta em que todos vivemos, sempre entendi que a abordagem de problemas como o do aquecimento global, das emissões de CO2 e do resultante efeito de estufa ou o da subida do nível dos oceanos merecia uma perspectiva equilibrada e tão científica quanto possível. Depois do chamado “Climagate”[1] e da inevitável quebra na confiança fiabilidade da informação, talvez esta seja uma boa oportunidade para uma adequada recentragem do debate.

A própria mudança na linguagem dos indefectíveis do cataclismo, que apressadamente substituíram o conceito de aquecimento global pelo de alterações climáticas pode constituir um primeiro passo significativo no sentido de uma nova abordagem que, em vez de diabolizar os combustíveis fósseis e o seu consumo (paradigma no qual assenta todo o desenvolvimento económico e social desde o século XIX) passe a contemplar as vias para uma real redução dos seus efeitos, mas principalmente para uma exploração racional dos recursos naturais.

Se as alterações climáticas são um fenómeno conhecido na evolução do nosso planeta (quem ignora, por exemplo, que a actual região semidesértica da Mesopotâmia, situada entre os rios Tigre e Eufrates, já foi uma zona de clima subtropical e berço da civilização ocidental), o que deveria orientar a comunidade científica era a pesquisa e a formulação de alternativas energéticas, ecologicamente mais adequadas e economicamente viáveis. Paralelamente os governos deveriam preocupar-se prioritariamente com questões como sejam o combate à poluição dos aquíferos e ao tratamento dos resíduos, em vez de entregarem essa actividade a empresas cujo objectivo não é a melhoria das condições ambientais mas sim a maximização dos seus lucros.

E de lucros foi o que realmente se tratou na capital dinamarquesa, pois a panaceia proposta para o mal (inexistente ou de muito menor dimensão que a anunciada) é o alargamento do mercado de uns tais derivativos sobre o carbono.

Apresentados como um processo de compensação em que os mais poluidores pagarão aos menos poluidores (mediante o conhecido processo financeiro de compra e venda de direitos), trata-se no essencial de um mecanismo em tudo idêntico àquele que recentemente conduziu o sistema financeiro à beira do colapso. Á frente deste colossal embuste encontra-se o JP MORGAN (empresa de serviços financeiros que integra o universo JP MORGAN-CHASE, que foi a “criadora” dos “Credit-Default Swaps[2] e negoceia cerca de 90 biliões de dólares em produtos derivados), pois foi dos seus quadros de pessoal que saiu a “invenção” do tal mercado de direitos.

Com tantos milhares de milhões de dólares para ganhar não espanta que a questão do aquecimento global tenha atingido as proporções que atingiu, nem que tantos políticos ocidentais se tenham prontamente convertido em tão preocupados e intervenientes defensores do “clima”... em benefício dos grandes especuladores de Wall Street.
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[1] Nome pelo qual ficou conhecido o escândalo resultante da divulgação dos mails reveladores da manipulação dos dados “científicos” utilizados pelos defensores de teses como a do aquecimento global.
[2] Credit Defualt Swaps, também conhecidos pela sigla CDS, são contratos de “swap” (troca) em que o vendedor assegura ao comprador (mediante um pagamento inicial) que assegurará o pagamento de outro contrato (normalmente um empréstimo ou uma obrigação) em caso de incumprimento deste; por outras palavras deverá funcionar como mecanismo de cobertura de risco no caso do comprador ser também o detentor do crédito ou da obrigação. Porém a maioria dos contratos não se destina a assegurar aquele tipo de risco, funcionando antes como mero instrumento de especulação.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

BLAIR, O SICOFANTA

Depois de malograda a tentativa de ascensão ao topo da hierarquia da UE, O ex-primeiro-ministro britânico, Tony Blair, volta a ser notícia na imprensa depois das declarações proferidas à BBC One, justificando a invasão do Iraque independentemente da existência ou não das famigeradas armas de destruição em massa.

Estrategicamente realizada umas semanas antes da sua comparência na comissão criada para debater a participação da Inglaterra na invasão daquele país, Blair apresentou-se para justificar à opinião pública inglesa a decisão que lançou americanos e ingleses numa aventura de consequências finais ainda por esclarecer.

Embora não subsistam grandes dúvidas sobre a qualidade de muitas das decisões que os dirigentes políticos assumem diariamente um pouco por todo o lado, nem constitua especial novidade ver qualquer deles desdizer o que antes dissera com maior das naturalidades e desfaçatez, não é todos os dias que algum dos “grandes líderes” mundiais faz afirmações como as que Tony Blair agora produziu; a gravidade de tiradas como aquela em que, segundo esta notícia da BBC NEWS, afirmou: «Não acho que estivéssemos melhor com ele [Saddam Hussein] e com os seus dois filhos a mandar, mas é muito difícil [...] por isso é que compreendo as pessoas que foram contra [a guerra] por boas razões e continuam a opor-se agora, mas eu tinha que tomar uma decisão», não pode deixar de ser denunciada, pois o que se deduz das suas palavras é que ele e Bush já teriam decidido avançar contra Saddam qualquer que fosse o pretexto necessário invocar.

Esta hipótese é confirmada por esta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS, que refere como fonte as declarações do antigo embaixador inglês nos EUA, Christopher Meyer, perante a comissão de inquérito que decorre, confirmando que Blair voltou a mentir a toda a gente pois ele e Bush terão tomado a decisão de invadir o Iraque em 2002 (um ano antes da acção) e bem antes da campanha de desinformação sobre as armas de destruição em massa. Corroborando esta tese e dando ênfase a toda a maquinação em torno da questão iraniana, a notícia refere ainda que segundo uma afirmação da ex-secretária de estado de Bush, Condoleezza Rice, a administração Bush considerou desde o 11 de Setembro a hipótese de invasão do Iraque.

Se ainda houvesse dúvidas sobre o facto da dupla Bush-Blair ter deliberadamente mentido aos cidadãos dos respectivos países (e por extensão ao Mundo inteiro), acresce a gravidade da sua decisão ter arrastado outros estados para uma guerra de todo em todo evitável e que nem as características do regime de Saddam, por si só, justificavam[1]. Que ambos estavam bem cientes da mentira que forjaram e da insustentabilidade prática da sua vontade de mergulhar o Médio Oriente em mais um conflito, pode ser confirmado pelas declarações de Hans Blix, o responsável da missão de inspectores da ONU que procurou apurar se existiam no Iraque armas de destruição em massa, ao DAILY MAIL[2] e nas quais comparou o duo com os caçadores de bruxas do século XVII.

Conclui-se assim que, se Blair pretendeu esclarecer alguma coisa com a entrevista tudo o que terá conseguido foi enraizar a convicção que muitos já tínhamos de que a guerra foi justificada (se é que alguma vez existe verdadeira justificação para qual quer agressão) por um monumental embuste e que este foi levado a cabo de forma premeditada.

Da mesma forma importa que em todo este processo não seja esquecido o papel dos órgãos de comunicação (jornais e televisões) que alinharam de forma cega e acrítica em toda esta manigância.

O desmascaramento de Bush, de Blair e dos seus comparsas Aznar e Durão Barroso, deverá ser acompanhado de outras medidas, nomeadamente o cabal esclarecimento das campanhas de intoxicação informativa e das verdadeiras perseguições de que foram alvo as vozes mais credenciadas que na altura se manifestaram contra a iniciativa, como foi o caso do polémico “suicídio” do ex-inspector de armamento David Kelly.
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[1] Isso mesmo é referido nesta notícia do DN, que citando o jornal londrino “The Guardian” recorda «...que, em Julho de 2002, o procurador-geral britânico Lord Goldsmith explicara a Blair não ser a invocação de mudança de regime fundamento jurídico no plano internacional para o recurso à acção militar
[2] O artigo do DAYLI MAIL pode ser lido aqui.

sábado, 12 de dezembro de 2009

MERGULHO PÚBLICO

Por uma ou outra razão, a questão do endividamento dos estados está na ordem do dia. Como se não bastasse o abalo provocado pelo constante avolumar de notícias relativamente à situação financeira do Dubai – como era de prever já não se trata apenas do conglomerado DUBAI WORLD, mas do conjunto da actividade económica daquele estado profundamente abalada pela periclitância deste gigante com pés de barro – este acontecimento trouxe à evidência a situação das finanças públicas de outros países.

Entre estes contam-se alguns europeus, como é o caso da Grécia (o que parece estar em pior situação), da Espanha, da Irlanda e de Portugal que no conjunto apresentam um cenário macroeconómico em que o endividamento público se aproxima perigosamente dos 100% do respectivo PIB.

Esta situação, pela sua importância e delicadeza, merece ser abordada de forma cuidada, tanto mais que os seus reflexos que já se começam a tornar visíveis nos mercados financeiros internacionais o que é bem expresso na notícia do PUBLICO que assegura que «Finanças públicas sob suspeita agravam juros da dívida do Estado», devendo ser separada em três grandes áreas de observação: o plano financeiro (nacional e internacional), o papel das finanças públicas nas economias modernas e o papel do sistema financeiro.

No campo estritamente financeiro, o crescente endividamento dos estados é uma situação tendencialmente preocupante, não apenas pela evidência das dificuldades dos respectivos governos, mas também pelas dificuldades que as próprias economias atravessam. Sendo ambos factores que contribuem para o aumento da incerteza, associada ao risco de não pagamento do serviço da dívida, terão como consequência rápida a subida dos “spreads” que estados e empresas se verão obrigados a pagar para se financiarem.

Esta é a perspectiva em que funcionam os mercados nacionais e internacionais de capitais e (até ver) não haverá solução milagrosa que possa alterar um quadro ao qual se adiciona a intervenção das chamadas agências internacionais de “rating”. Bem pode um ou outro jornalista, ou analista, mais atento lembrar a falta de qualidade do trabalho evidenciado por aquelas agências internacionais aquando o rebentamento da bolha do imobiliário, ou perguntar-se o cidadão comum o que tem a dívida pública portuguesa ou a dívida de empresas como a PT, a GALP ou a EDP a ver com as dificuldades do Dubai, que para todos a resposta é tão simples quanto absurda: tem tudo e nada a ver.

Tudo, porque funcionando o nosso país e os seus parceiros comerciais (aqueles que nos compram e vendem mercadorias e aqueles que nos emprestam dinheiro ou a quem nós emprestamos) num sistema de economia onde as mercadorias e o dinheiro circulam de forma mais ou menos livre, tudo tem a ver com tudo; mas também se pode argumentar que a relação será mínima ou nenhuma na medida em que os fluxos de bens e de dinheiro entre Portugal e o Dubai são muito reduzidos.

O raciocínio seria mais ou menos simples no caso de uma comparação bilateral (Portugal – Dubai), mas o “busilis” é que conglomerados como o DUBAI WORLD têm uma vasta e diversificada rede de investimentos que acabará por produzir consequências um pouco por todo o lado.

Para ampliar ainda mais este efeito temos a já referida reacção das empresas de “rating” que, cientes do medonho fiasco que constituiu a sua actuação laxista na avaliação do risco de empresas e produtos financeiros, procuram agora recuperar parte da credibilidade perdida mesmo correndo o risco de voltarem a errar, agora por excesso.

Como se não bastasse esta conjugação de factores há ainda que acrescentar a isto o modelo de funcionamento dos mercados e das empresas financeiras, que no essencial acabam por rapidamente ampliar os efeitos de choque (positivos ou negativos) por adoptarem como princípio de funcionamento o mimetismo[1] em detrimento da análise fundamentada das economias e das empresas.

Escusado será dizer que sendo esta a realidade de funcionamento dos mercados financeiros qualquer perturbação, real ou imaginária, provoca uma reacção inevitavelmente ampliada pelo efeito de pânico. Foi assim que logo às primeiras notícias da situação no Dubai se começou a ouvir (e a ler) que algumas economias europeias apresentavam uma situação igualmente preocupante e que nos últimos dias não têm parado de “chover” notícias sobre as medidas tomadas pelos governantes gregos e irlandeses para tentarem inverter a situação, sendo que a mais espectacular delas é a que refere que a «Irlanda vai cortar salários a funcionários do Estado».
E aqui será o momento oportuno para todos nos questionarmos sobre o papel das finanças públicas nas economias modernas.

Mesmo sabendo que o tema é altamente polémico e por si só suficiente para a produção de vários “in-folio”, arrisco alguns breves comentários, não sem antes lembrar que existe uma antiga polémica entre os economistas sobre as virtualidades das finanças públicas. Enquanto para os seguidores das correntes mais liberais e monetaristas o endividamento público é o exemplo claro da ineficiência da gestão pública e o responsável pela redução dos lucros das actividades produtivas (por via dos impostos cobrados sobre as transacções e os lucros das empresas), para os seguidores das correntes keynesiana (defensores menos intransigentes do primado do mercado) ou mais orientados para a faceta social da economia, o endividamento público pode ser uma forma de estimular a economia e de realizar alguma forma de compensação para as políticas redistributivas que sobrelevam a remuneração do factor capital.~

Por tradição a Europa tem privilegiado em certa medida o chamado papel social do Estado (ao contrário da maioria dos países, os europeus beneficiam em geral de melhores sistemas de segurança social e de assistência médica), opção que obviamente implica maiores orçamentos públicos e inevitáveis acréscimos na carga fiscal. O delicado equilíbrio entre estes factores e a inevitável influência que as decisões de carácter meramente político[2] têm nesta matéria resultam, na maioria dos casos, na elaboração de orçamentos públicos onde o volume das despesas é superior ao das receitas.

Partindo desta explicação muito simplista para a origem dos déficits públicos, rapidamente se entende como se origina o endividamento (a parte das despesas do orçamento que as receitas não conseguem cobrir) e como sucessivas decisões políticas ou até necessidades específicas (como pode ser entendida a actuação de um governo para combater os efeitos mais gravosos de um crise económica) o podem conduzir aos valores que actualmente registam. Mas a grande questão é como conciliar as necessidades com os recursos, e a habitual resposta dos governos recai invariavelmente na redução da componente da despesa directamente ligada aos custos do funcionalismo público, seja através de medidas de redução de pessoal ou de contenção salarial, e raramente é fruto de um trabalho de avaliação de desperdícios[3] e de efectivo saneamento financeiro.

Mas mesmo que, por um qualquer passe de mágica tivessem chegado ao governo da nossa República algumas figuras capazes de executar semelhante arrojo, permaneceria apor resolver o terceiro vértice do triângulo: o papel do sistema financeiro.

Aqui reside, talvez, o mais delicado do problemas a resolver pois os próprios mercados financeiros são sustentados pelo sistema financeiro e funcionam segundo as regras e a lógica deste, as quais se encontram nos antípodas dos princípios de funcionamento em prol da comunidade que deveriam balizar a gestão da coisa pública e do respectivo orçamento.

Assim, mesmo que lográssemos a reintrodução de rigorosos critérios de gestão estes apenas fariam total sentido caso de verificasse um profunda modificação no paradigma de funcionamento do sistema financeiro, deixando de privilegiar um sistema creditício onde os banqueiros, por serem detentores do monopólio da criação da moeda, são os únicos que lucram a expensas dos contribuintes.
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[1] Recorde-se que os agentes de Mercado, forçados a tomar decisões em períodos conturbados e com prazos mínimos, usam como mecanismo de defesa fazer o que vêem fazer; algo de parecido ao mecanismo de defesa das manadas de herbívoros que, quando acossadas por um predador, tendem a correr em grupo e na mesma direcção, na expectativa de confundir o adversário ou mais prosaicamente de verem “comido” o distraído que escolheu a direcção oposta.
[2] Recorde-se a propósito a habitual “norma nacional” que assegura maiores aumentos para a função pública e aumento de outras despesas em anos eleitorais, para se compreender a real influência que as opções meramente políticas têm nesta matéria.
[3] A par com o sentimento comum da exorbitância de gastos ministeriais com consultores, assessores e adjuntos e mesmo entendendo-a com as devidas reservas, a notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS que refere que o «Ensino Superior português podia produzir o mesmo com metade do dinheiro» pode servir de exemplo para a avaliação dos tais desperdícios.