Estrategicamente realizada umas semanas antes da sua comparência na comissão criada para debater a participação da Inglaterra na invasão daquele país, Blair apresentou-se para justificar à opinião pública inglesa a decisão que lançou americanos e ingleses numa aventura de consequências finais ainda por esclarecer.
Embora não subsistam grandes dúvidas sobre a qualidade de muitas das decisões que os dirigentes políticos assumem diariamente um pouco por todo o lado, nem constitua especial novidade ver qualquer deles desdizer o que antes dissera com maior das naturalidades e desfaçatez, não é todos os dias que algum dos “grandes líderes” mundiais faz afirmações como as que Tony Blair agora produziu; a gravidade de tiradas como aquela em que, segundo esta notícia da BBC NEWS, afirmou: «Não acho que estivéssemos melhor com ele [Saddam Hussein] e com os seus dois filhos a mandar, mas é muito difícil [...] por isso é que compreendo as pessoas que foram contra [a guerra] por boas razões e continuam a opor-se agora, mas eu tinha que tomar uma decisão», não pode deixar de ser denunciada, pois o que se deduz das suas palavras é que ele e Bush já teriam decidido avançar contra Saddam qualquer que fosse o pretexto necessário invocar.
Esta hipótese é confirmada por esta notícia do JORNAL DE NOTÍCIAS, que refere como fonte as declarações do antigo embaixador inglês nos EUA, Christopher Meyer, perante a comissão de inquérito que decorre, confirmando que Blair voltou a mentir a toda a gente pois ele e Bush terão tomado a decisão de invadir o Iraque em 2002 (um ano antes da acção) e bem antes da campanha de desinformação sobre as armas de destruição em massa. Corroborando esta tese e dando ênfase a toda a maquinação em torno da questão iraniana, a notícia refere ainda que segundo uma afirmação da ex-secretária de estado de Bush, Condoleezza Rice, a administração Bush considerou desde o 11 de Setembro a hipótese de invasão do Iraque.
Se ainda houvesse dúvidas sobre o facto da dupla Bush-Blair ter deliberadamente mentido aos cidadãos dos respectivos países (e por extensão ao Mundo inteiro), acresce a gravidade da sua decisão ter arrastado outros estados para uma guerra de todo em todo evitável e que nem as características do regime de Saddam, por si só, justificavam[1]. Que ambos estavam bem cientes da mentira que forjaram e da insustentabilidade prática da sua vontade de mergulhar o Médio Oriente em mais um conflito, pode ser confirmado pelas declarações de Hans Blix, o responsável da missão de inspectores da ONU que procurou apurar se existiam no Iraque armas de destruição em massa, ao DAILY MAIL[2] e nas quais comparou o duo com os caçadores de bruxas do século XVII.
Conclui-se assim que, se Blair pretendeu esclarecer alguma coisa com a entrevista tudo o que terá conseguido foi enraizar a convicção que muitos já tínhamos de que a guerra foi justificada (se é que alguma vez existe verdadeira justificação para qual quer agressão) por um monumental embuste e que este foi levado a cabo de forma premeditada.
Da mesma forma importa que em todo este processo não seja esquecido o papel dos órgãos de comunicação (jornais e televisões) que alinharam de forma cega e acrítica em toda esta manigância.
O desmascaramento de Bush, de Blair e dos seus comparsas Aznar e Durão Barroso, deverá ser acompanhado de outras medidas, nomeadamente o cabal esclarecimento das campanhas de intoxicação informativa e das verdadeiras perseguições de que foram alvo as vozes mais credenciadas que na altura se manifestaram contra a iniciativa, como foi o caso do polémico “suicídio” do ex-inspector de armamento David Kelly.
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[1] Isso mesmo é referido nesta notícia do DN, que citando o jornal londrino “The Guardian” recorda «...que, em Julho de 2002, o procurador-geral britânico Lord Goldsmith explicara a Blair não ser a invocação de mudança de regime fundamento jurídico no plano internacional para o recurso à acção militar.»
[2] O artigo do DAYLI MAIL pode ser lido aqui.
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