quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

OBAMA E OS BANQUEIROS

De acordo com as notícias que nos últimos dias têm surgido na imprensa o presidente Obama prepara-se para iniciar uma nova frente de “batalha” por terras do Tio Sam. Ainda não terminou a disputa em torno da ideia presidencial de criação de um serviço nacional de saúde (Universal Healthcare, na terminologia dos seus defensores e Obamacare, na dos opositores) e já Barack Obama parece decidido a abrir nova frente de combate, agora com o objectivo de introduzir nova regulamentação no sector financeiro.
Assim exposta, a iniciativa até poderia parecer mais que louvável; porém, a realidade pode ser bem mais enganadora do que parece. Embora o PUBLICO tenha noticiado que «Obama impõe novas regras aos bancos para limitar riscos», o essencial da iniciativa será o retorno à obrigatoriedade de separação entre as actividades de banca de investimento (mais sujeita a risco e consequentemente privada da guarda de depósitos) e de banca comercial (única que poderá aceitar depósitos mas estará afastada da participação em “hedge funds” e noutras estruturas financeiras), ou não se contasse o nome de Paul Volcker[1] entre os conselheiros presidenciais.
Apesar de já se começarem a ouvir vozes clamando contra a intolerável intervenção pública na iniciativa privada, importa recordar que as regras agora propostas são as mesmas que vigoraram desde a aprovação em 1933 do Glass-Steagall Act
[2] e que de modo algum impediram o crescimento do sector até à sua revogação.

Parece inegável que a actual administração norte-americana apresenta alguma intenção de contenção e de reordenação do sector bancário, restando ainda apurar até que ponto pesará nesta estratégia a reacção dos cidadãos que se sentem (e bem) prejudicados pela opção de utilizar fundos públicos para “salvar” os bancos da situação de iminente colapso financeiro em que se encontraram quando fracassaram as suas estratégias de investimento altamente especulativas. Para já, e a avaliar por esta notícia do
ECONÓMICO – «JPMorgan, Goldman e Morgan Stanley cortam bónus em 2009» – os banqueiros parecem ter optado por uma estratégia de aparente recuo (o anúncio da redução dos bónus não passará de uma mera manobra de diversão) para melhor cerrarem fileiras em torno da questão principal – a defesa do sistema de reserva fraccionária.

Embora o projecto apresentado por Obama apresente inegáveis vantagens, do ponto de vista do cidadão comum, este queda-se muito longe do que efectivamente será necessário fazer para conter as tendências especulativas que se instalaram no sector durante as últimas décadas. O mínimo exigível, antes do indispensável endurecimento das regras que têm permitido ao sector financeiro uma anormal acumulação de ganhos, será a aplicação de regras de funcionamento e de fiscalização mais restritivas e a imediata eliminação dos paraísos fiscais.

Sucede porém que, para que tal pudesse acontecer, era preciso que a actual administração norte-americana (à semelhança das que a precederam e das que lhe sucederão) e a generalidade dos governos dos países mais desenvolvidos não estivessem “no bolso” das mesmas empresas cuja actividade afirmam pretender regular e a prová-lo está o facto de quase dois anos volvidos sobre a “tempestade” que varreu o sector financeiro, que só não o fez soçobrar porque os governos nele injectaram milhares de milhões de unidades monetárias (e que agora são acusados pelo sector que salvaram de apresentarem elevados défices públicos), nada se ter feito no sentido de minimizar as probabilidades de repetição do fenómeno.
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[1] Economista, actual presidente doPresidential Economic Recovery Advisory Board (painel não-governamental de especialistas criado pelo actual presidente norte-americano com o objectivo de acompanhar a evolução económica global e de aconselhar estratégias para a sua resolução), por escolha de Barack Obama; foi presidente do FED entre 1979 e 1987 (sob as administrações Carter e Reagan) e próximo da família Rockfeller (ex-quadro e administrador do Chase Manhattan Bank e actual presidente do grupo internacional de pressão conhecido como Group of Thirty, entre cujos membros se contam governadores de vários bancos centrais e o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet) além de membro da Trilateral (associação fundada por David Rockfeller) e do Grupo de Bilderberg (sobre a Trilateral e o Clube Bilderberg ver, por exemplo, o “post” «BILDERBERG 2009».
[2] O Glass-Steagall Act foi a lei que, na sequência da Grande Depressão, introduziu limitações à actividade bancária, nomeadamente quanto à separação entre as actividades comerciais e de investimento, e à hipótese de participação directa noutras empresas financeiras. Vigoraria até às décadas de 80 e 90 do século passado, quando foi sendo eliminada por novas leis (o Depository Institutions Deregulation and Monetary Control Act de 1980, o Garn-St. Germain Depository Institutions Act de 1982, e o Gramm–Leach–Bliley Act de 1999), que aprovaram a desregulamentação da actividade bancária.

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