domingo, 24 de janeiro de 2010

HECATOMBES

Mais de uma semana decorrida desde que um sismo de grande magnitude atingiu o Haiti que conclusões podem ser retiradas da informação e dos apelos que enxameiam o nosso dia-a-dia?
Dizer que os haitianos atravessam provavelmente a maior catástrofe da sua história talvez seja insuficiente para descrever o que aquele desgraçado povo sofre.

Ex-colónia francesa no século XVIII, palco dos mais diversos e variados conflitos internos e externos, conheceu múltiplas mudanças de regime nos últimos anos, desde as ditaduras pró-americanas de François Duvalier (o famigerado Papa Doc) e do seu filho, Jean-Claude Duvalier (também conhecido por Baby Doc), até à eleição de Jean-Bertrand Aristide e à sua substituição em 2005, por iniciativa americana e francesa. Aquela que foi a região de onde se propagaram as ideias independentistas sul-americanas, chegou no século XXI há pouco animadora situação de um protectorado da ONU através da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti).

A magnitude do sismo e o grau de destruição que provocou (estimativas apontam para cerca de 200 mil mortos
[1] e jornalistas referem graus de destruição da ordem dos 80% a 90%[2]) deixam antever um esforço de reconstrução completamente fora do alcance de um país sem economia, sem governo e agora ainda mais dependente do auxílio internacional.

O mesmo auxílio, traduzido em cuidados médicos e alimentos, que tarda em chegar às populações, mas que tanto quanto o deixam entender as notícias e as imagens que nos chegam do país, foi suficientemente rápido na assistência aos elementos da ONU em serviço no local.
Mesmo compreendendo a importância no salvamento dos funcionários da ONU (até pelo papel que têm no funcionamento da própria assistência aos restantes sinistrados), não deixa de ser chocante ler que os corpos das vítimas estrangeiras já estão a ser repatriados quando os mortos haitianos continuam por recolher.

Igualmente chocante foi a rapidez e a facilidade com que os meios de comunicação deslocaram para o local equipas de repórteres enquanto as equipas de salvamento se faziam notar pela sua ausência.

Nesta calamidade, como noutras, fica bem patente a maior importância na transmissão da informação que no salvamento de vidas humanas.

Esta aliás não é o único motivo de estranheza que envolve a operação norte-americana, pois contra toda a lógica a direcção da operação humanitária não foi entregue a nenhuma agência governamental civil, mas sim ao Pentágono.

A condução militar das operações explicará até a forma controversa como os militares americanos estão a gerir o aeroporto haitiano, facto que já criou uma polémica em França (com alguns responsáveis, como o secretário de estado para a cooperação, a criticar abertamente a actuação americana e o presidente Sarkozy a fazer declarações para acalmar a reacção de Washington[3]) e um assinalável mal-estar entre as muitas organizações que acorrem a Port au Prince, como relatou a notícia do PUBLICO que assegura que «Ajuda começa a chegar mas é como se fosse por um funil».

Enquanto prossegue o esforço internacional é já possível começar a equacionar-se alguns cenários para o período de reconstrução e a imagem que ao final de uma semana transmitia a página on-line do DW (Deutsche Welle) - Imprensa alemã vê disputa colonialista na ajuda ao Haiti – diz claramente o muito que está jogo na região, isto enquanto ressalta (uma vez mais à evidência) a inoperância da diplomacia da UE e em especial da nova Alta Representante para os Negócios Estrangeiros, Catherine Ashton.

A dimensão da destruição pode já ser um bom indicador para a dimensão do negócio de reconstrução que se lhe irá seguir e a crescente aproximação entre americanos e brasileiros (país que já liderava a força militar da ONU no território) um primeiro sinal do futuro, mesmo se continuam a surgir vozes a propor a realização de uma conferência internacional ou o próprio secretário-geral da ONU a recordar que a responsabilidade deve continuar com aquele organismo internacional.
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[1] A estimativa é da responsabilidade do comandante Americano no terreno, o General Ken Keen, e foi publicada nesta notícia da BBC NEWS.
[2] A informação pode ser lida nesta notícia da BBC NEWS e á atribuída à ONU.
[3] A questão pode ser aprofundada nesta notícia do LE MONDE.

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