domingo, 27 de dezembro de 2009

SAHARA LIVRE

Por incrível que possa parecer o final de cada ano e o hábito de proceder a balanços e à formulação de novas expectativas, tende a trazer à luz do dia (ainda que pelo breve período de uma notícia ou de um “flash” televisivo) um ou outro problema que se arrasta no tempo. Entre estes destaque-se a situação da antiga colónia espanhola do Sahara Ocidental.
Desta vez a questão foi presença regular nas notícias por um período bem superior ao habitual e tudo por causa de um incidente e da força de espírito de uma militante saharauí – Aminatou Haidar – que no regresso ao território ocupado por Marrocos lhe viu recusada a entrada por não aceitar declarar no formulário administrativo outra nacionalidade que a sua: saharauí.

Expulsa do território marroquino foi transportada para Espanha (Lanzarote) onde iniciou uma greve de fome até que o seu regresso fosse aceite. Ao cabo de 32 dias de greve de fome o governo marroquino acabou por aceitar o seu regresso a Layounne (capital do território saharauí), naquilo que, segundo esta
notícia da BBC NEWS, a própria Aminatou classificou como «…um triunfo das leis internacionais, dos direitos humanos, da justiça internacional e do Sahara Ocidental…».

Sucede porém que esta vitória pessoal de Aminatou pode muito bem ter marcado um profundo revés para os anseios de liberdade do seu povo, isto, a confirmar-se que, como noticiou o PUBLICO, que «
Espanha e França reconheceram autoridade de Rabat no Sara para resolver crise de Haidar».

Este pode ser tido como mais um exemplo dos malefícios da chamada “realpolitik
[1], pois o que na realidade se terá passado é que uma vez mais o Estado espanhol mostrou a sua incapacidade (ou total falta de vontade) para enfrentar um problema que ele próprio criou quando, em 1975, abandonou a sua antiga colónia sem previamente ter assegurado o respeito pela vontade do povo que colonizou. Abandonado à sua sorte e sem meios para resistir aos seus poderosos vizinhos, em especial Marrocos que explora de forma predatória os seus recursos naturais (fosfatos e os ricos bancos de pesca), a República Saharauí continua a ser mais um dos exemplos da ineficácia de organizações como a ONU (entidade que reconhece oficialmente a existência do Estado Saharauí) e uma vergonha para o conjunto da comunidade internacional.

As responsabilidades do Estado espanhol nesta questão são ainda maiores quando se constata que o mesmo preferiu uma vez mais não hostilizar o vizinho marroquino, com quem mantém importantes laços comerciais, de quem depende na luta contra a emigração ilegal e o tráfico de haxixe e de quem teme represálias sobre os enclaves de Ceuta e Melilla. Mas os espanhóis não foram os únicos a errar nesta matéria, pois franceses e argelinos (país que acolhe o governo no exílio da República Saharauí e tem utilizado este e a Frente Polisário
[2] como arma de arremesso na sua velha rivalidade com a monarquia marroquina) também pouco têm contribuído para resolver a situação.

Em resumo, bem se pode dizer que a justa vitória a pessoal de Aminatou Haidar bem pode ter custado a última esperança de independência para os sahrauís.
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[1] A expressão deriva do alemão (“real“, realístico, prático ou actual e “Politik“, política) e aplica-se à política ou diplomacia baseada principalmente em considerações de natureza prática em detrimento de noções ideológicas., partilhando aspectos com abordagens filosóficas como o realismo e o pragmatismo. A expressão é muitas vezes usada no sentido pejorativo, significando políticas coercivas, amorais ou maquiavélicas, mas na realidade é uma teoria política que se centra em considerações de poder e não em princípios ideais ou morais.
[2] Designação do movimento político-revolucionário que luta pela separação do Sahara Ocidental, antigo Sahara Espanhol ou Rio de Oro, actualmente sob domínio de Marrocos, para o que conta com o apoio da Argélia. Após um período de confrontos o exército marroquino retirou-se para uma zona restrita do deserto, mais próxima da sua fronteira e constituindo o chamado "triângulo de segurança", que compreende as duas únicas cidades costeiras e a zona dos fosfatos, onde construiu um imenso muro de betão armado, por trás do qual os soldados marroquinos vivem entrincheirados, protegendo a extracção do minério. Marrocos e a Frente Polisário selaram um cessar-fogo em 1988. Um plebiscito é marcado para 1992, que não se chega a realizar porque não há acordo sobre quem tem direito a votar: Marrocos quer que seja toda a população residente no Sahara Ocidental, mas a Frente Polisário só aceita que sejam os habitantes contados no censo de 1974. Isso impediria o voto dos marroquinos emigrados para a região em disputa depois de 1974.

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