segunda-feira, 21 de novembro de 2005

A POLÍTICA É FANTÁSTICA! MAS NÃO DEVEMOS EXAGERAR...

É o comentário que me sugere o artigo de opinião de César das Neves hoje inserto no Diário de Notícias.

Posso entender que o autor entenda fundamental a futura eleição de Cavaco Silva para o cargo de Presidente da República.

Posso entender que o autor entenda louvar (e louvável) o percurso político do candidato que apoia.

Comungo até da opinião do autor quando acha que foi Cavaco Silva que converteu o país naquilo que ele é.

Mas, aos benefícios imputados à governação de Cavaco Silva (não foi em nenhum dos seus governos que foi criado o Serviço Nacional de Saúde, nem alargado o período de escolaridade obrigatória e muitas das obras realizadas caracterizaram-se pelo faraonísmo do Centro Cultural de Belém e dos projectos da ponte Vasco da Gama e da EXPO98, ou pelo miserabilismo da qualidade como foi o caso do IP5) esqueceu-se o autor de referir alguns (apenas alguns) dos respectivos malefícios.

Entre estes contam-se:

- os acentuados aumentos da função pública (os actuais desequilíbrios do orçamento do Sector Público Administrativo datam desta época);

- a redução dos impostos (com particular relevância para os impostos sobre as empresas e as transacções de capitais) e concessão de avultados benefícios fiscais ao investimento estrangeiro (aproveitador de mão-de-obra barata e raramente estruturante);

- a aplicação de uma política de desnacionalizações (incorrectamente chamada de privatizações, porque o que se fez foi devolver à esfera privada sectores de actividade económica que anteriormente haviam sido nacionalizados) orientada, exclusivamente, para a constituição de grupos económicos;

- a gestão ruinosa dos fundos estruturais que o país recebeu da CEE, canalizados em parte para algumas das obras faraónicas, noutra parte para a realização de acções de formação, que de profissional apenas tiveram o nome, mas muito raramente para a modernização e reestruturação do paupérrimo tecido produtivo nacional, que era o que se impunha;

e se é certo, como diz César das Neves, que devemos a Cavaco Silva a conversão do nosso país naquilo que ele hoje é, tal deve-se apenas ao facto de ter sido durante o período da sua acção enquanto primeiro-ministro que “ascendeu“ à ribalta nacional (seja na esfera política, na social, na económica e até na cultural) a plêiade de arrivistas que hoje vemos campear em tudo o que é posição de destaque.

Como diz, e muito bem, César das Neves «Pode gostar-se ou não da personalidade, apoiar ou não as ideias, aplaudir ou não os resultados. Mas é preciso respeitar a verdade e admitir os factos»: a “italianização” da vida portuguesa não começou com o governo de Guterres mas sim com os de Cavaco Silva.

domingo, 20 de novembro de 2005

TER OU NÃO TER PERFIL PRESIDENCIAL

Num artigo de opinião hoje editado no DIÁRO DE NOTÍCIAS, Diogo Pires Aurélio (apoiante expresso, como o próprio muito bem fez em salientar), traz para o debate sobre a eleição presidencial a questão do perfil humanista dos candidatos.

Disserta muito a propósito sobre o que é ser ou não ser humanista e, por natural contraposição, sobre o ser ou não ser tecnocrata. Lembra que esta qualificação nunca em eleições anteriores foi colocada, mas, na ânsia de defender o seu candiadto, parece-me que esqueceu a questão principal: o que define um bom candidato presidencial?

Quais as qualidades que um candidato ao cargo presidencial, no nosso país, deve ter?

Creio que quase toda a gente responderá pela necessidade de uma personalidade que alie a capacidade de análise à de diálogo, a capacidade de definir os momentos mais oportunos para a intervenção com a de distinguir o essencial do acessório e que, “last but not least” coloque os interesses colectivos acima dos interesses pessoais (entendendo-se estes como os de grupos de interesses).

É óbvio que para a concentração destas características não fará grande diferença se o perfil do candidato é mais humanista ou mais tecnocrático, mas quando deixamos o campo do abstracto e passamos a analisar os perfis dos candidatos em liça, então tudo muda de figura.

A actuação dos candidatos e a sua capacidade de desempenho perante situações diversas é do razoável conhecimento dos eleitores – Cavaco Silva foi primeiro-ministro, entre 1985e 1995, de três governos do PSD e candidato a anteriores presidenciais; Mário Soares foi presidente da República em dois mandatos e também foi primeiro-ministro de três governos, sendo dois deles de coligação com o CDS e o PSD; Manuel Alegre é deputado desde 1975 e actualmente um dos vice-presidentes da Assembleia da República; Jerónimo de Sousa é o secretário-geral do PCP, deputado e também já foi candidato a anteriores presidenciais; Francisco Louçã é deputado desde 1999, fundador do Bloco de Esquerda e membro da sua direcção desde essa data; Garcia Pereira é advogado, já foi candidato a anteriores eleições presidenciais e é membro do PCTP – estando eu certo que ninguém duvida dos conhecimentos económicos de Cavaco Silva, da capacidade política de Mário Soares e de Jerónimo de Sousa, da capacidade política e literária de Manuel Alegre, dos conhecimentos de economia e direito de Francisco Louçã e Garcia Pereira, também sei que cada um fará a sua apreciação sobre as respectivas qualidades para o exercício do cargo a que agora se candidatam.

E aqui está o cerne da questão qual deles possui o melhor conjunto?

- Cavaco Silva, líder nas sondagens, responsável por governos que contribuíram para a actual situação ruinosa da economia nacional (não esquecer que foi durante a sua passagem pelo governo que o país recebeu o maior fluxo de fundos comunitários malbaratados em estradas de má qualidade, em fantásticos e fantasmagóricos projectos de formação profissional, nos Centro Cultural de Belém, na Ponte Vasco da Gama e na Expo98)?

- Mário Soares, que era Presidente da República durante ao anos em que os governos de Cavaco Silva desperdiçaram uma oportunidade de ouro de terem contribuído para a modernização do aparelho produtivo nacional, caso tivesse sido esse o destino dos fundos comunitários?

- Manuel Alegre, que na qualidade de deputado raramente se ouviu criticar a ausência de políticas estruturantes para o país?

- Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Garcia Pereira, que embora criticando as políticas dos governos PS e PSD, que entre si dirigiram o país nestes últimos 30 anos, também nunca conseguiram encontrar a via para uma oposição eficaz a essas mesmas políticas?

A resposta será óbvia para todos os que entenderem que a condução da vida pública se regula pelo mesmo tipo de princípios que vigoram no mundo do futebol – votarão segundo a sua cor preferida!

Para todos os outros, os que sempre vão recusando o princípio de que existem homens que nunca erram e raramente têm dúvidas, permanece o grande dilema de escolher alguém que entendam menos mau para a função.

Concentrando a atenção nos três principais candidatos (que me desculpem Jerónimo de Sousa, Francisco Louçã e Garcia Pereira, pessoas a quem reconheço a dignidade de enfrentarem este combate, mas com muito poucas hipóteses de se revelarem soluções viáveis para um número significativo de eleitores) e pesando os respectivos prós e contras, mantenho hoje o que escrevi aqui sobre Cavaco Silva, sobre os outros “mon coeur balance” mas mantenho a minha mente aberta e fria.

sábado, 19 de novembro de 2005

VOLTAM À RIBALTA AS NOTÍCIAS SOBRE A OTA

Publicados alguns dos estudos realizados sobre o novo aeroporto da Ota, reajustados os valores do investimento (dos 2,1 milhões de euros previstos em 2001 passamos para os 3 milhões) parece-me continuarem por responder demasiadas questões em torno deste projecto.

Confirma-se, ou não, que o actual aeroporto da Portela não dispõe de condições para acolher as previsões do aumento do número de passageiros?

Em caso afirmativo a melhor solução será a construção de um aeroporto de grande dimensão, em substituição do da Portela, ou a construção de uma estrutura que complemente a capacidade instalada na Portela?

Em caso negativo será que a razão para a mudança do aeroporto se prende com questões de segurança (funcionamento de uma estrutura aeroportuária integrada na malha urbana de Lisboa)?

Em qualquer dos cenários que se verifique, continuo hoje convicto que associados aos potenciais interesses de “lobbys” defensores da Ota existem os do sector imobiliário ávido em dispor de toda uma nova área para construção, bem no interior da cidade de Lisboa. Assim, mantenho o que há meses escrevi em ESTUDO SOBRE A OTA e desafio o governo a revelar capacidade de inovação na implementação deste projecto (que parece entender como grande desígnio nacional) e a elaborar um esquema de financiamento para que integre as contrapartidas a pagar pelos todos os que queiram beneficiar do acesso aos terrenos do actual Aeroporto da Portela.

Esta proposta de solução nem sequer parece particularmente difícil, uma vez que estamos a falar de empresas que operam nos sectores do imobiliário e da construção, e revestiria para a opinião pública portuguesa segura importância na medida em que - facto inédito - assistiríamos à actuação de um governo no sentido da verdadeira defesa dos seus cidadãos numa dupla perspectiva – defesa na prevenção de acidentes resultantes da actual localização do aeroporto e na poupança que seguramente todos sentiríamos nos nossos “bolsos”.

sexta-feira, 18 de novembro de 2005

MORTE NO AFEGANISTÃO

Os meios de comunicação nacional fazem hoje particular eco da morte de um soldado português no Afeganistão.

Facto já de si triste, a morte de qualquer pessoa em consequência de um conflito de duvidosa natureza é ainda mais triste por a aproximar da inutilidade.

O ministro da defesa, Luís Amado, e as chefias militares nacionais apressaram-se a lamentar o acontecido e a reafirmar a continuidade da presença militar portuguesa no território.

Numa notícia de contornos pouco claros, fica no ar mais do que a dúvida sobre a forma como ocorreu o incidente (o termo explosão que foi empregue presta-se a muitos tipos de acto bélico, inclusive a de acidente no manuseio do próprio equipamento e o próprio comunicado do EMGFA que refere um «…um engenho explosivo colocado no itinerário…» acaba por não ser muito mais esclarecedor) a informação sobre a situação que se vive em território afegão.

Pensadas a quente (o óbito do sargento português ocorreu há pouco mais de 12 horas) estas questões podem parecer brutais e desadequadas para o momento em que todos deveríamos “chorar” esta morte (aliás políticos de diversas correntes já vieram público manifestar a sua “dor” e discursar sobre os elevados desígnios morais da missão que as tropas nacionais e dos restantes países ocidentais desempenham no Afeganistão) que resulta de uma evidente falta de reflexão sobre o acto que determinou a presença de militares estrangeiros naquele país.

Sendo óbvio que persiste o sacrifício de vidas humanas (afegãs e estrangeiras) no território afegão, apesar do silêncio dos meios de informação ocidentais, este infausto acontecimento estará a ter o mérito de trazer para o noticiário nacional a existência de uma guerra (obviamente de contornos não tradicionais) no Afeganistão. Ao longo dos meses que decorreram desde a declaração de vitória de George W Bush que para a imprensa nacional o Afeganistão deixou de existir, facto que poderá ter levado muita gente a pensar que a guerra era um fenómeno do passado (recente mas encerrado) e que a principal acção dos militares ocidentais presentes no território consistiria em meras tarefas manutenção da paz (expressão que tem vindo a ser popularizada pelas administrações americana e inglesa como eufemismo para situações de conflito não aberto com resistentes dos diversos territórios ocupados).

Assumido que existe uma situação de conflito no Afeganistão (contrariamente aos discursos oficiais) permanece a questão de entender as respectivas origens.

Para quem conheça minimamente a história da região, a recordação da derrota infligida ao exército soviético na última década do século passado e a longa tradição de resistência à ocupação estrangeira (os ingleses conheceram no século XIX as dificuldades de lidar com uma região que desde os tempos áureos da rota da seda sempre constituiu um território cobiçado mas dificilmente controlado) deveria ter constituído motivo suficiente de reflexão antes do lançamento de uma vasta operação militar (eivada de contornos policiais) visando a captura de Osama bin Laden e a extinção da Al-Qaeda, presumíveis culpados pelo ataque às Torres Gémeas.

Declarado oficialmente encerrado o conflito (quem já esqueceu as poderosas imagens de um sorridente chefe de estado, a bordo de um magnífico vaso de guerra, fazendo uma jactante declaração de vitória e auto-louvor à capacidade bélica), apeado do poder um regime (taliban) declarado bárbaro, instalados novos senhores na capital tudo parecia correr novamente de feição para os soberanos interesses norte-americanos, salvo o facto pouco significativo de bin Laden nunca ter sido localizado e, de acordo com a opinião de alguns especialistas, a Al-Qaeda pouco mais ter sido afectada que pela necessidade de instalação de novas bases noutros territórios.

A coligação ocidental instalou em Cabul um governo amigável, oficialmente liderado por um tal Hamid Karzai, por muitos apontado como ex-conselheiro da petrolífera norte-americana UNOCAL e que após uma tentativa falhada de assassínio (em Setembro de 2002) vive entrincheirado num “bunker” em Cabul, deixando a gestão do território entregue aos diferentes “senhores da guerra”, divididos pela respectiva origem étnica (o Afeganistão conta com uma dezena de etnias, onde pontificam os “pashtuns”, com uma representatividade idêntica à dos “tajiques”, “uzebeques” e “azaris” em conjunto) e muito mais interessados nos proventos da comercialização do ópio que na reconstrução do país.

Temos, assim, um cenário perfeito para a manutenção de uma situação de rebelião, sendo crescentes os sinais do aumento da influência “taliban” cujos elementos pressionados pelos bombardeamentos aéreos norte-americanos terão procurado refúgio nos países vizinhos (Paquistão, Irão, Turquemenistão, Uzbequistão e Tajiquistão) e estão agora a regressar aos seus territórios de origem. A força militar estrangeira instalada no território (estimada em cerca de 10.000 homens) será, em pouco tempo, manifestamente insuficiente para garantir a manutenção do regime pró ocidental actualmente no poder, tanto mais que estamos em presença de uma região onde existe uma evidente dicotomia de valores religiosos, éticos e morais, profundamente arreigados na população, com aqueles que agora se procuram instalar. É facto histórico que os afegãos sempre eliminaram as diferentes tentativas de dominação que outros povos e culturas lhes tentaram impor, e esta não deverá ser uma situação nova nem aparenta condições para ultrapassar a milenar resistência a influências estrangeiras.

Honestamente creio, e receio, que a notícia de hoje possa ser apenas a primeira de outras.

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

CADA VEZ MAIS FALTAM OS ARGUMENTOS

Os EUA não só mentiram quanto ao uso de armas químicas no Iraque como, vai-se agora descobrindo, também os ingleses as usaram.

Ambos os governos acabaram admitindo o uso daquele tipo de produto, alegadamente para fins de cobertura de movimentos de tropas (quando deflagradas as granadas produzem um intenso fumo branco) mas também para fins de iluminação de posições inimigas.

Como em muitas outras situações os porta-vozes governativos garantem que em situação alguma foram utilizadas contra alvos civis (como se fosse possível garanti-lo durante uma operação de assalto a um centro urbano), mas começam a circular em número cada vez maior informações sobre o uso de outro tipo de produtos químicos.

O insuspeito jornal inglês THE GUARDIAN refere num artigo, publicado na sua edição de dia 15, que já em 2003, durante o processo de aproximação a Bagdad e junto à fronteira com o Kuwait, foram utilizadas bombas incendiárias “semelhantes a napalm”.

Este e outros relatos parecem confirmar o teor da notícia difundida há dias pela RAINews 24, e hoje retomado num artigo do DIÁRIO DE NOTÍCIAS que salienta as contradições da administração americana, na tentativa de justificar o injustificável.

Este conjunto de episódios tem contribuído para um crescente clima de contestação da invasão do Iraque, não só entre a população americana mas no próprio Senado onde já se começam a verificar situações de senadores republicanos a alinharem pelas críticas ao presidente George W Bush.

Entre os mais notados encontra-se o senador republicano Chuck Hagel que de partidário da invasão passou a mais um dos críticos, a avaliar por um artigo do WASHINGTON POST.

É BOM TER AMIGOS

É verdade, que o diga Celeste Cardona, a ex-ministra da justiça do governo de Santana Lopes e actual administradora da CGD, que agora se vê publicamente louvada pelo seu trabalho naquela instituição financeira.

Segundo uma notícia do COREIO DA MANHÃ, o departamento que a senhora dirige (Direcção de Recuperação de Crédito) alcançou a proeza de recuperar 23 milhões de euros de créditos em dívida. Dito assim, e para quem desconheça a grandeza dos números envolvidos, poderá parecer um trabalho de dimensão ciclópica, porém, a realidade dos números é bem diferente.

Cruzando esta informação com a constante de idêntica notícia de O PRIMEIRO DE JANEIRO, constata-se que estes resultados respeitam, fundamentalmente a operações de crédito à habitação (o crédito de mais fácil recuperação quer pela sua natureza intrínseca, quer pelo tipo de garantias associadas – hipoteca das habitações – ou pela maior fragilidade contratual dos mutuários), estando por tratar praticamente tudo o que diz respeito a crédito às empresas (aquele que sempre reveste maior complexidade, seja pela capacidade negocial dos empresários seja pela fragilidade das garantias associadas).

Fazendo fé no Relatório e Contas de 2004 da CGD, o volume de crédito vencido, à data de 31 de Dezembro de 2004, era de 1.148 milhões de euros, pelo que o magnífico trabalho da ex-ministra se traduz na recuperação de cerca de 2% daquele montante.

Assim se vê como neste país mais importante que o bom desempenho de qualquer tarefa é ter amigos que a publicitem, e melhor ainda se esses amigos difundirem o que ouvem sem o mínimo sentido crítico.

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

A ECONOMIA PORTUGUESA (I)

O DIÁRIO DE NOTÍCIAS apresenta hoje como tema a situação da economia portuguesa e particularmente a questão da divergência que esta vem registando nos últimos anos relativamente à UE.

Entre as variáveis que explicam este resultado o DN destaca, pela voz de César das Neves, o consumo interno e o déficit externo; ao consumo interno tem cabido a principal responsabilidade pelo crescimento da economia, enquanto o déficit externo (por via do seu crescimento) tem funcionado em sentido contrário.

Em termos mais prosaicos qualquer economia está dependente de variáveis como o consumo interno (normalmente associado ao consumo das famílias), o investimento das empresas e do Estado (dependente, a primeira, dos níveis de poupança das famílias e a segunda do equilíbrio entre o volume de impostos cobrados e o nível de despesas gerais da administração pública) que determinando o nível de produção interna influenciam, inversamente, o volume de importações e o correspondente déficit externo ou comercial.

Abordando a questão do funcionamento da economia de forma pragmática constata-se que existem três grandes agregados em torno dos quais tudo funciona: as famílias, as empresas e o Estado.

Das primeiras espera-se que disponibilizem a sua força de trabalho, às empresas (ou ao Estado), a troco de um salário, com o qual pagarão os seus impostos, adquirirão os bens e serviços de que necessitam e guardarão o excedente (a poupança).

Às empresas compete a produção dos bens e serviços que a famílias utilizarão (nacionais ou estrangeiras), o pagamento dos impostos devidos e a remuneração dos capitais investidos na actividade (sejam eles dos proprietários ou resultado da poupança das famílias).

O terceiro interveniente tem um papel particularmente importante (e talvez por isso sempre envolto em polémica) que consiste em prestar ao conjunto dos cidadãos (famílias e empresas) serviços de natureza colectiva e muitas vezes intangíveis, tais como as funções legislativas e de segurança nacional. Para financiar esta sua actividade deverá usar os impostos pagos pelas famílias e as empresas, porém esta fonte financiamento é normalmente insuficiente para suportar todas as despesas públicas, na medida em que estas ultrapassam em muito as anteriormente referidas.

E aqui começam todos os problemas. Os defensores das correntes mais liberais entendem que o Estado deve reduzir o seu papel ao de mero espectador da actividade económica, entregando ao mercado (entidade superestrutural, que se auto regula e é infalível) o exercício de todas e quaisquer actividades à qual possa ser atribuído um valor; na inversa os seus mais acérrimos opositores defendem que o mesmo Estado deve ter um papel interventivo no regulamento e funcionamento do mercado. É a disputa entre os apologistas do Estado-liberal e os do Estado-social.

Teoricamente tudo estaria bem se o Estado lograsse cobrar o montante de impostos necessário à cobertura das suas despesas (fossem elas as específicas de um Estado-liberal ou as próprias de um Estado-social), as empresas lograssem obter os meios financeiros indispensáveis ao seu funcionamento (incluindo a modernização de equipamentos e o desenvolvimento de novos produtos) e as famílias lograssem satisfazer as suas necessidades (habitação, alimentação, educação, saúde, lazer, etc.) e realizar alguma poupança com os rendimentos disponibilizados pelas empresas.

Sucede que, no mundo real, ocorre uma situação que tem determinado um crescente desfasamento deste com o mundo teórico que tentei descrever de forma muito sucinta – NINGUÉM PARECE CONSEGUIR DISPOR DE RECEITAS SUFICIENTES PARA A COBERTURA DAS SUAS DESPESAS.

Deste paradoxo, inexplicável para o grupo dos acérrimos defensores das virtualidades do mercado, resulta que os parceiros mais fortes têm imposto a sua vontade em detrimento dos mais fracos. Senão vejamos, partindo da actual situação da economia portuguesa que resumiria assim:

- fraco, ou nulo, crescimento económico;
- reduzida capacidade de investimento;
- elevado endividamento das famílias
- déficit comercial (importamos mais do que exportamos);
- déficit orçamental (o Estado gasta mais que o que recebe);

a principal preocupação dos nossos governantes e dos seus múltiplos conselheiros para os assuntos económicos centra-se na resolução dos déficits (comercial e orçamental), propondo-se aqueles aplicar a panaceia universal – aumentar as receitas (leia-se impostos) e reduzir as despesas (leia-se políticas redistributivas de natureza social) – própria de quem detém o poder discricionário de “determinar e mandar publicar”.
Analisando o mesmo problema de uma óptica diversa, poder-se-ia chegar à conclusão que se o Estado não obtém as receitas de que necessita será porque o produto originado na economia é escasso, logo gerador de fracos impostos, porque o rendimento das famílias é baixo, também gerador de fracos impostos, ou porque o Estado é ineficaz a cobrar impostos. Em qualquer dos casos não será o aumento da carga fiscal a resolver este problema, mas sim alterações na política de rendimentos e na prática simplista de só cobrar impostos aos rendimentos originados pelo trabalho ou resultantes de transacções comerciais.

Se o rendimento das famílias é baixo será, como pretendem os sectores mais liberais, resultado da baixa produtividade do trabalho (produzido pelos mesmos trabalhadores que a operarem em unidades produtivas geridas segundo cânones adequados revelam produtividades iguais ou superiores às alcançadas noutros países da EU, como recentemente se verificou com a AUTO EUROPA) ou da fraca dotação de capital das empresas (que persistem no recurso a maquinaria desactualizada e envelhecida) e do reduzido investimento em áreas reconhecidamente inovadoras e produtoras de mercadorias com aceitação nos mercados?

Os exemplos conhecidos (como é o caso da indústria de moldes e principalmente o da Auto Europa, por ocorrer no próprio território nacional) indiciam claramente que o cerne da debilidade da economia nacional não radica nas famílias mas fundamentalmente nas empresas e no Estado.

Nas empresas porque os seus proprietários e/ou gestores persistem numa prática produtiva baseada em baixos salários e não em produtos de ponta e tecnologicamente desenvolvidos, com capacidade de concorrência nos mercados mundiais; a esta visão estreita da realidade acresce o facto da indústria orientada para a procura interna se confrontar com as dificuldades próprias da reduzida dimensão do mercado (número reduzido de compradores e, pior ainda, com reduzido poder de compra) e da concorrência dos congéneres europeus tecnologicamente mais evoluídos.

No Estado porque até esta data continua a aplicar, de forma autista, as políticas que poderão melhor servir alguns interesses (nomeadamente os dos sectores importadores e da finança), que não seguramente os da maioria da população; a confirmá-lo temos o facto de ano após ano ouvirmos repetir o mesmo discurso – a necessidade de realização sacrifícios em prol do saneamento financeiro das contas públicas e do crescimento económico – sem até hoje termos logrado reduzir de forma aceitável o diferencial de bem-estar que mantemos para os restantes parceiros da EU.

terça-feira, 15 de novembro de 2005

MICROSOFT LANÇA NOVO CAÇADOR DE "BUGS"

Se interpretei correctamente esta notícia, a Microsoft anunciou que tinha desenvolvido uma aplicação capaz de avaliar a compatibilidade dos “drivers” de aplicações ou equipamentos que se conectem ao seu sistema operativo.

Este nova aplicação, designada por SDV (Static Driver Verifier), baseia-se no princípio de que muitas das falhas do sistema operativo da Microsoft (Windows) resultam de erros nos códigos-fonte de aplicações e/ou dispositivos que tentamos fazer funcionar no Windows.

Este nova aplicação, designada por SDV (Static Driver Verifier), baseia-se no princípio de que muitas das falhas do sistema operativo da Microsoft (Windows) resultam de erros nos códigos-fonte de aplicações e/ou dispositivos que tentamos fazer funcionar no Windows.

Quer dizer que o Sr Bill Gates está decididamente apostado em garantir que nada funcionará no seu “amado” Windows que não seja por si produzido, ou pelas companhias que venha a licenciar para o efeito, uma vez que sendo o código-fonte do Windows sua propriedade exclusiva (coisa de que ele não abre mão) ninguém mais vai conseguir produzir o que quer que seja sem a sua autorização (leia-se: sem lhe pagar elevados “royalties”).

Tudo isto poderia estar correcto se o sistema operativo que a multinacional do Sr. Bill Gates produz fosse, como ele pretende, um sistema operativo mundialmente reputado pela qualidade, fiabilidade e infalibilidade e se as demais empresas e programadores tivessem acesso ao código-fonte do Windows por forma a poderem desenvolver produtos (software e hardware) de compatibilidade garantida (a detecção dos tais “bugs” significaria a exclusão do mercado dos produtos de fraca qualidade).

O que acontece na realidade é que os produtos da Microsoft, nomeadamente o seu sistema operativo, serão tudo menos produtos de elevada qualidade e isentos dos “bugs” de que acusa os outros.

Se fossem, o Sr. Bill Gates não estaria tão preocupado com a concorrência como parece estar...

DGV RETIRA ALVARÁ A ESCOLA DE CONDUÇÃO

Ao ler este título, ou algo de semelhante, no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, pensei que a entidade responsável pela circulação rodoviária no nosso país tinha iniciado um processo de moralização do ensino de condução e especulei, de imediato, sobre as razões. Será que a escola não teria instrutores qualificados? ou a sua prática de ensino não seria a adequada?

Aprofundando a leitura do artigo acabei por “descobrir” que aquela sanção resultara do facto da escola desenvolver a sua actividade em instalações não licenciadas.

Sinceramente fiquei um pouco mais descansado porque parece assegurado que aos futuros aprendizes da difícil arte de condução de veículos motorizados não faltará um ensino de qualidade (com instrutores particularmente preocupados no ensino das técnicas a utilizar e manobras a realizar em situações de emergência) e ministrado em instalações devidamente licenciadas (às agora encerradas talvez faltasse o ar condicionado).

Infelizmente a entidade nacional que deveria assegurar que aos futuros condutores sejam ministradas as técnicas adequadas ao manuseio de viaturas motorizadas na via pública (incluindo, se necessário, o recurso a zonas protegidas para a simulação de condições de aderência precária) está é preocupada com questões de natureza meramente administrativa, se calhar porque este tipo de monitorização seja mais fácil e rentável (seguramente geradora de acréscimo de receitas próprias, sempre importantes em tempos de crise orçamental) que uma prática de vigilância sobre a qualidade do ensino da condução e, certamente, menos lesiva dos interesses dos proprietários das escolas.

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

A SEGUIR…

Para se juntar aos muitos entusiásticos apoios que tem recebido, Cavaco Silva, finalmente candidato presidencial, conta também com um blogue.

Com o sugestivo nome de PULO DO LOBO (talvez para desfazer quaisquer dúvidas sobre quem possa pensar que o candidato se tratava de algum cordeiro conduzido a um sacrifício ritual) lá podemos encontrar muitas opiniões sobre o candidato que todos apoiam (pelo menos é o que dizem as sondagens…).

Quase todos os textos se traduzem numa de duas linhas; ou englobam-se no processo laudatório do insigne candidato ou no grupo de textos que pretende dizer o que o candidato parece determinado a silenciar.

Apesar de tudo sempre surge, democraticamente a seguinte nota: «Neste blogue publicamos todos os comentários negativos e discordantes dos leitores. Não publicamos insultos, impropérios, ordinarices, ataques pessoais e insinuações. Não fazemos censura prévia de comentários. Se temos publicado os comentários que nos acusam de fazer censura prévia, como é que fazemos censura prévia? Somos uns censores muito incompetentes.» e um interessante “post” de Pacheco Pereira (é verdade, ele também faz parte do grupo de animadores do espaço) onde, com o sentido estratégico que todos lhe reconhecem, deixa um interessante aviso/conselho ao candidato Cavaco Silva.

A seguir…

A PROPÓSITO DE UMA RÁPIDA VISITA DIPLOMÁTICA

Muita gente, como eu, pensa que o conflito israelo-palestiniano resulta, em parte, de uma correlação desproporcionada de forças.

Um número menor pensa que um importante problema advém do desequilíbrio de meios entre as partes, facto agora confirmado pela secretária de estado Condoleezza Rice.

O que de todo em todo ignorávamos é que um Estado que mantém em actividade um exército com a dimensão e o grau de prontidão dignos de “tempos de guerra”, que possui armamento moderno e sofisticado (que bom é poder contar com o “amigo americano”) e até armamento nuclear, necessita da “colaboração” da entidade que tenta gerir um território que esse mesmo exército controla para evitar as acções de grupos palestinianos armados.

Por incrível que pareça foi isto que Condoleezza Rice disse durante uma rápida visita a Israel e à Autoridade Palestiniana. É verdade que também deixou alguns suaves conselhos ao governo de Ariel Sharon, nomeadamente sobre a necessidade de flexibilizar os movimentos das populações palestinianas entre as diferentes partes do seu território.

Mas, facto real é que a administração americana parece continuar empenhada em implantar regimes democráticos nos diversos territórios do Médio Oriente, como se isso fosse um modo de organização sócio-política natural na região e panaceia para as profundíssimas desigualdades entre os diferentes estados e entre a generalidade dos seus habitantes e as elites governantes.

A avaliar por mais esta iniciativa diplomática norte-americana, alegrem-se os núcleos empresariais e as redes de “mercadores” de armamento, que o conflito israelo-árabe está para continuar por muitos e bons anos.

domingo, 13 de novembro de 2005

COMO DEVIA SER O ENSINO

Num artigo de opinião hoje inserto no DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Maria do Carmo Vieira dá-nos uma visão sobre o ensino. Pela relevância do texto, quer no seu conteúdo quer na proposta de uma “certa” forma de ensinar, com a devida referência (e reverência) à autora, atrevo-me a aqui o reproduzir…

«Guerra não é acontecimento normal
Maria do Carmo Vieira

A anteceder o estudo de Fernando Pessoa, em que integro os seus poemas de reflexão crítica sobre a guerra, quer do ortónimo, quer de heterónimos, convidei os meus alunos do ensino secundário recorrente nocturno a analisar uma frase de Albert Einstein, que eles conheciam como físico, mas não como activista dos direitos humanos - o mundo é um lugar demasiado perigoso para viver -, não por causa dos que fazem o mal, mas devido àqueles que estão ao lado deles e consentem tais actos.

A sua leitura e análise implicou, quase de imediato, trazer a Segunda Guerra Mundial e a Guerra do Iraque de novo à sala de aula, o que, devo confessar, foi muito gratificante, pois em tempo de branqueamentos e de aniquilação da disciplina de História urge estimular a capacidade reflexiva sobre acontecimentos que muitos pretendem silenciar ou continuamente adulterar com novas mentiras. Foi assim que nos ocupámos na procura de argumentos que apoiassem a frase de Einstein e na aula seguinte houve quem trouxesse frases tristemente célebres de Bush, como "Para defendermos a nossa grande nação, exportaremos a morte e a violência para os quatro cantos da Terra" ou "A liberdade a que estamos vinculados não é o dom da América ao mundo, é o dom de Deus à Humanidade".

No decurso da discussão, envolvemos frases de Fernando Pessoa, a propósito do comportamento de Hitler, com textos de Primo Levi e Anne Frank, mas a realidade mais proximamente vivida - a guerra do Iraque - foi, no entanto, a que se prolongou, por efeito de uma frase de Susan Sontag sobre o facto de a guerra se tornar um acontecimento normal. Quem poderá esquecer, com efeito, a guerra do Iraque em directo na televisão, a testemunhar a indiferença ante o terror e o sofrimento dos iraquianos, sobre quem caíam centenas e centenas de bombas? A Administração Bush, também neste caso, terá pensado que, intérprete e mandatária de um deus, amigo e protector exclusivo dos EUA, limpava o mundo de um país integrado no "Eixo do Mal", como reagiu mais tarde ao furacão Katrina, ante concidadãos seus, na mesma completa indiferença pelo seu sofrimento, ao confessar através das palavras de um congressista republicano da Luisiana "Finalmente, os bairros de Nova Orleães foram limpos. Aquilo que nós não soubemos levar a cabo, encarregou-se Deus de o fazer." Estranha divindade que massacra, que tortura e profana o Bem que é costume associar a um qualquer Deus.

Em sintonia com o nosso trabalho surgiu, em boa hora, o dramaturgo Harold Pinter e a notícia de que lhe tinha sido atribuído o Prémio Nobel da Literatura. Foi assim que acrescentámos frases suas ao debate, testemunhando inequivocamente a ideia expressa por Einstein, que debatêramos, em quatro aulas "Os crimes dos EUA por todo o mundo têm sido sistemáticos, constantes, clínicos, desumanos e muito bem documentados, mas ninguém fala deles" e "O facto é que o sr. Bush e o seu gang sabem o que estão a fazer e Blair, a não ser que seja o idiota iludido que frequentemente parece ser, também sabe o que eles estão a fazer. Bush e companhia estão determinados, muito simplesmente, a controlar o mundo e os recursos do mundo. E estão-se nas tintas para o número de pessoas que matam pelo caminho".

Dramaturgo desconhecido dos alunos, Harold Pinter poderá não ser lido por eles de imediato, mas não será esquecido, porque a sua postura interventiva na vida transformar-se-á num estímulo à não aceitação e à não resignação, sempre que os nossos direitos humanos estiverem ameaçados. E que não pretendam vir explicar-nos os acontecimentos que vivemos, como na guerra do Iraque, porque sabemos pensar, ainda que haja sempre quem persista em demonstrar que nós, os coitados, cansados das dificuldades da vida, ansiamos por uma ajuda "pedagógica" que engoliremos com satisfação, porque vinda de pais salvadores (também a ressurgir agora), que mais não querem que o nosso bem, sem a nossa intervenção. Felizmente, são ainda muitos os que não aceitam que uma potência teoricamente defensora da liberdade actue na ostentação da sua supremacia sobre o mundo, deixando a descoberto a sua nula preocupação em pensar o Bem (nele se incluindo também o ecológico) para o universo. Intolerável, com efeito, que se insista em impor a mentira, a ignorância, a crueldade, a injustiça, em substituição de valores intemporais, património humanista que herdámos e que teimaremos em respeitar e cumprir no nosso quotidiano, em gestos de solidariedade, curiosidade, responsabilidade, honra na palavra dada e respeito por todos os outros.

Aproveitando leituras que fizéramos anteriormente, aquando do estudo de Camões, um aluno lembrou uma frase expressiva d'O Livro de Eclesiastes, na tradução do humanista português Damião de Goes, dando-a assim a conhecer a colegas que pela primeira vez se integravam na nossa turma "Melhor é a sapiência que as armas da guerra."

Estavam lançados alguns dados que beneficiariam a leitura e análise de poemas pessoanos a propósito de um aspecto da condição humana, especificamente a relação do Homem com a guerra. E, porque mestre é alguém que pode influenciar "beneficamente" a nossa alma, iniciámos o estudo com Alberto Caeiro, o heterónimo que se identificou como Guardador de Rebanhos e a quem Fernando Pessoa designou como "mestre". É com os seus versos que terminamos "A guerra, como tudo humano, quer alterar,/Mas a guerra, mais do que tudo, quer alterar e alterar muito/E alterar depressa./ /Mas a guerra inflige a morte./E a morte é o desprezo do Universo por nós./Tendo por consequência a morte, a guerra prova que é falsa./Sendo falsa, prova que é falso todo o querer-alterar." Deixemos o universo exterior e os outros homens onde a Natureza os pôs.»

… na expectativa que dele todos colhamos ensinamentos e melhoremos o nível de exigência sobre um sistema de ensino, que por ser de massas não deve ser de menor qualidade.

LÁ COMO CÁ, OU A CRISE TAMBÉM JÁ CHEGOU ÀS SOLUÇÕES

Anunciada a nova coligação governamental alemã (entre democratas-cristãos e sociais-democratas) e conhecidas as linhas gerais da política económica do novo governo, rapidamente resumidas em:

  • aumento do IVA de 16% para 19%;
  • redução em 2% dos descontos para o fundo de desemprego;
  • aumento dos descontos para os fundos de reforma (de 19,5% para 19,8%);

a aplicar até 2007, estabelece-se um rápido paralelo com as medidas aplicadas pelo governo de José Sócrates (fenómeno muito menos controverso do que muitos poderão pensar, bastando para tal abandonar de vez aqueles muito gastos “chavões” de socialismo e social-democracia).

Mais estranho é o facto de, na Alemanha, rapidamente se terem começado a fazer ouvir algumas vozes questionando os resultados destas medidas e o seu efeito sobre a procura interna e o crescimento económico, enquanto entre nós tudo continuar envolto num comprometido silêncio.

E digo comprometido porque é óbvio que este governo está a aplicar as medidas que os anteriores (de Durão Barroso e de Santana Lopes) queriam ter aplicado, mas aos quais faltou a coragem, ou a vergonha…

sábado, 12 de novembro de 2005

A ERA PÓS ARAFAT

Cumpriu-se ontem o primeiro aniversário da morte de um homem que, para muitos, significou a existência do próprio Estado da Palestina, para outros foi, sobretudo um problema.

Entre estes conta-se o actual líder judaico, Ariel Sharon, para quem Yasser Arafat era um entrave à paz no Médio Oriente.

Volvido um ano após a”remoção” do escolho o Médio Oriente encontra-se na mesma situação, ou ainda pior. Talvez para Sharon as coisas não estejam propriamente piores uma vez que continua a contar com o apoio do “amigo americano”; teve que fazer algumas concessões, das quais a principal poderá ter sido a retirada dos colonatos judaicos da Faixa de Gaza, mas “ganhou o silêncio cúmplice da informação norte-americana e europeia para continuar a política de asfixiamento lento de um pseudo-estado como o palestino.

Mahmud Abbas, o sucessor de Arafat na presidência da Autoridade Palestiniana, pode ter logrado manter conversas (conversações é uma coisa diferente) com George W Bush e com Ariel Sharon, mas em termos práticos nada mudou para as populações palestinianas que continuam a ser mantidas num estado de total dependência por Israel, que continua a determinar, em seu exclusivo benefício, o funcionamento das relações judaico-palestinianas.

Nesta linha de pensamento e acção, a administração americana continua a funcionar como guarda-costas e patrono de um estado que, nos tempos actuais, se dá ao luxo de manter em situação de prisão outro estado.

Fruto desta política de dois pesos e duas medidas a administração americana continua a enfrentar crescentes dificuldades no Médio Oriente e entre as comunidades islâmicas um pouco por todo o lado. Não é impunemente que os grupos islâmicos continuam a ver facilitada a sua tarefa de recrutamento de novos membros e, em especial de novos suicidas.

Para a mentalidade ocidental, que persiste em querer tratar este fenómeno como algo de irracional, é impensável a persistência destes grupos e a sua capacidade de resistência.
As invasões do Afeganistão e Iraque vieram juntar novos argumentos aos radicais islâmicos, contribuir para aumentar o sentimento de revolta árabe e engrossar as fileiras dos “jhiadistas”. A manutenção do ritmo e a dispersão dos próprios atentados suicidas já deveriam ter contribuído para que os “estrategas” americanos começassem a entender alguns dos erros que persistem em repetir.

Embora em paralelos totalmente distintos, trinta anos após o Vietname a administração americana, os especialistas da CIA e dos restantes serviços de informação ocidentais parecem ainda não ter aprendido a lição principal – é muito difícil derrotar aqueles que lutam pela sua terra – persistindo na aplicação de modelos de organização ocidentais em sociedades que não só os rejeitam (por serem estrangeiros) como os não entendem.

Neste plano inserem-se as patéticas iniciativas de implantação de uma democracia ocidental no Afeganistão (a situação que se vive neste país quase deixou de ser reportada nos jornais ocidentais, mas as últimas notícias que de lá têm chegado indiciam um recrudescimento das actividades dos opositores ao exército americano (maioritariamente da etnia pashtun, mas assimilando progressivamente um número crescente de guerrilheiros talibans), a divisão do território entre os senhores da guerra do tempo anterior ao regime taliban, o aumento da produção e exportação de heroína e a existência de um governo pró ocidental cada vez confinado a Cabul e aos seus arredores próximos.

Quanto ao Iraque, sucedem-se os apelos (hoje mesmo, Kofi Annan, o secretário geral da ONU, o fez numa visita a Bagdad) à conciliação entre os três grandes grupos étnico-religiosos (xiitas, sunitas e curdos) enquanto os mandatários americanos continuam a insistir na normalização da vida iraquiana. Apesar dos resultados do referendo, realizado no passado mês de Outubro, sobre a futura constituição e de se manter agendada a realização de próximas eleições gerais a oposição à presença estrangeira continua activa e sem dar sinais de abrandar na intensidade e persistência com que atinge o exército ocupante e os representantes de um governo que não reconhece.

Para, de forma muito rápida, fechar este círculo voltando a Arafat e à Palestina, recordo que um dos grandes argumentos dos líderes da Al-Qaeda para justificarem e difundirem os princípios da sua “jhiad” é a situação em que vive o povo palestiniano e o apoio das sucessivas administrações americanas a Israel, demonstradas à saciedade durante este primeiro ano da era pós Arafat.

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

CONSTATAÇÃO

O governo continua sem revelar o conteúdo dos estudos sobre o Aeroporto da Ota.
Apesar das promessas o “site” do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações continua vazio da informação que todos continuamos a aguardar.

Em que estudos se baseia o governo para insistir na necessidade de construção de um novo aeroporto?
Quanto vai custar esta opção?
Quem a vai financiar?

quinta-feira, 10 de novembro de 2005

OUTRO FUNDO DE PENSÕES TRANSFERIDO

Foi hoje notícia de primeira página no PUBLICO a possibilidade do Millennium BCP vir a transferir o fundo de pensões dos seus trabalhadores para a Segurança Social.

A hipótese de o Estado ver os activos da Segurança Social aumentados em 4 mil milhões de euros é seguramente uma perspectiva muito aliciante para qualquer ministro das finanças, mais ainda se aqueles valores puderem servir para contabilizar como redução do deficit público.

Mas, o que levará o Millennium BCP a assumir uma atitude tão benemérita?

Não será seguramente um gesto altruísta de Paulo Teixeira Pinto, presidente do grupo, para resolver a situação de crise da Segurança Social!

A haver alguma vantagem neste processo será seguramente em benefício do BCP, nunca do Estado e ainda menos dos trabalhadores do banco.

De mais a mais é particularmente curioso como, cerca de um ano volvido, se volta a recolocar a hipótese (apetecia-me mesmo dizer a certeza) de transferir fundos de pensões sustentáveis da esfera privada para um organismo público que à saciedade já demonstrou a sua incapacidade para manter uma actividade (gestão de pensões) equilibrada.

Desconheço se o fundo de pensões do Millennium BCP não apresentará, por trás de uma imagem de perfeita solidez e sustentabilidade, alguma fragilidade habilmente “maquilhada” (recordo que muitos fundos de pensões norte americanos viram há uns anos o seu valor reduzido a próximo de zero, fruto das aplicações concentradas em activos de elevado risco), mas admito que não seja esse o caso.

Facto é que, sinceramente, começo já a lamentar o futuro muito cinzento que aguarda os milhares de trabalhadores, que hoje se vêm esbulhados das suas poupanças/aplicações (parte significativa do valor a transferir resultou dos descontos mensalmente praticados sobre os vencimentos desses trabalhadores) e no futuro poderão não chegar a beneficiar da reforma para a qual contribuíram ao longo da sua vida de trabalho.

Para quem pense que estou a pintar um cenário particularmente carregado, recordo que essa foi a perspectiva que há uns anos determinou a constituição de fundos de pensões por empresa, e é agora a perspectiva algumas vezes avançada pelos nossos governantes quando referem a insustentabilidade da actual Segurança Social e a necessidade da introdução de medidas correctivas, das quais a mais recente foi o aumento da idade mínima de reforma para os 65 anos.
Voltando à questão dos benefícios que o BCP pode retirar desta transferência é o próprio artigo do PUBLICO que a explica: «…a responsabilidade do pagamento das pensões dos aposentados e actuais trabalhadores do BCP passará para o Estado, e o banco verá eliminados os riscos associados ao actual sistema de reformas dos bancários (mercados, metodologia e pressupostos actuariais, longevidade e crescimento dos salários)», levando-a mesmo um pouco mais longe quando afirma que a «…integração dos bancários no regime público tem sido uma medida reclamada pelos banqueiros portugueses, que alegam que a sustentabilidade do sistema de pensões dos seus trabalhadores está em causa, pois os reformados do sector ultrapassam já os activos totais e as metodologia e pressupostos actuariais estão desajustados».

Por explicar, naturalmente, têm ficado as razões que levam a administração do BCP (e da generalidade da banca em Portugal) a “empurrar” para programas de reforma antecipada larguíssimas centenas de trabalhadores. No entanto, o mesmo BCP nunca se esquece nos seus relatórios de actividade de referir a baixa média etária dos seus quadros e propagandear isso como se de um argumento de qualidade se tratasse.

Analisadas algumas das vantagens do BCP para a concretização da transferência e o prejuízo que dela resultará para os trabalhadores do banco, falta ainda avaliar essa mesma medida do ponto de vista do Estado. Para esta entidade a ideia é particularmente atraente no curto prazo, na medida em que poderá contribuir para a resolução de dois dos seus problemas mais graves: a falta de sustentabilidade da Segurança Social (normalmente traduzida na incapacidade de continuar a pagar pensões num futuro mais ou menos próximo) e o crónico deficit público. Porém, a médio prazo será a Segurança Social a confrontar-se com o problema do desfasamento entre o número de trabalhadores activos e aposentados (o tal que dizem está a ditar a falência do sistema e que a administração do BCP classifica como um risco que quer eliminar).

A confirmar-se esta boa notícia, José Sócrates e o seu ministro das finanças, Teixeira dos Santos, podem de imediato começar a pensar onde gastar (perdão, queria dizer aplicar mas… fugiu-me a boca para a verdade) este maná caído dos céus; têm é que pensar igualmente na forma de retribuir ao BCP tão grande favor. Como o irão fazer? Talvez “esquecendo”, ou ajudando a esquecer, aquele caso há pouco tempo falado sobre práticas pouco legais associadas a branqueamento de capitais e fraudes fiscais; talvez assegurando a manutenção das directivas à Inspecção de Trabalho para que nada, nem ninguém, perturbe o aumento de produtividade alcançado à custa dos prolongamentos dos horários de trabalho (naturalmente não remunerados); talvez um qualquer outro “negócio” ainda em preparação…

Por último, para além do natural aviso aos trabalhadores do resto da banca, gostava de recordar que tudo isto remonta ao famigerado mês de Dezembro de 2004 quando o governo de Santana Lopes, numa estratégia desesperada para colmatar um deficit que teimava em crescer, decidiu, com a natural conivência da administração Caixa Geral de Depósitos e a habitual inconsequência das estruturas sindicais nacionais, proceder à transferência do fundo de pensões dos trabalhadores daquele banco da para a Caixa Geral de Aposentações (a congénere da Segurança Social para os trabalhadores da função pública).

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

APELO À SOLIDARIEDADE

Num extenso artigo inserto no último número de “O Ribatejo” e disponível na versão “online, José Niza vem a terreiro defender a actuação do governo de José Sócrates, lembrando que não é a primeira vez que governos do PS se confrontam com situações financeiras delicadas herdadas do PSD.

Polémica à parte, o que realmente me parece de reter do artigo que inteligentemente exemplifica com a situação em alguns sectores de actividade (Banca, Seguros, Petrolíferas, Gasolineiras, Medicamentos e Farmácias) a necessidade de «…uma moralização de procedimentos escandalosos…» é o apelo à nossa solidariedade como contributo para a melhoria da nossa própria condição de vida.

Este apelo não me mereceria significativo reparo se o governo que José Niza defende não fosse precisamente aquele mesmo que recentemente lançou uma iniciativa legislativa visando a introdução de alguns conceitos de ética e moralidade na vida política local (limitação do número de mandatos dos presidentes e câmara), mas que alguém da sua “entourage” se esqueceu na gaveta, atrasando a data da respectiva publicação e comprometendo a sua aplicação aos autarcas agora eleitos.

Com razão, ou sem ela, o que qualquer pessoa de imediato pensa é que foi encontrada uma habilidade para adiar por mais quatro anos uma medida de inegável moralização da actuação do conjunto da classe política nacional.

Já agora, uma vez que José Niza me parece sinceramente empenhado em contribuir de forma positiva para a correcção de muitos dos desequilíbrios da nossa sociedade, talvez pudesse ser porta-voz, mais eficaz que eu, junto de José Sócrates para a necessidade deste começar por aplicar algumas medidas de austeridade a si próprio (entenda-se governo e correligionários do PS) e à classe política em geral. Uma vez por outra gostava de ver um político deste país vir anunciar novas medidas de austeridade começando por anunciar, por exemplo que sob o seu governo iriam ser reduzidos o número de deputados; o número de acessores e conselheiros políticos dos ministros; o número de viaturas e a sua utilização indiscriminada pelos mais variados agentes do Estado.

Sem querer ser demasiado exigente, até porque compreendo que estamos em clima de restrições, também seria muito boa ideia se José Sócrates conseguisse fazer um esforço para explicar, de forma clara e eficiente, a necessidade de muitas das medidas em vigor e das que se prepara para implementar, porque saber governar não é apenas aplicar as políticas que se consideram correctas é também saber explicá-las.

terça-feira, 8 de novembro de 2005

AFINAL SEMPRE HAVIA ARMAS QUÍMICAS NO IRAQUE

Notícias recentíssimas, difundidas pela BBC News (cadeia inglesa de informação) e pela insuspeita Aljazeera (cadeia árabe de informação), confirmam a existência de armas químicas no Iraque.

Em várias ocasiões tenho aqui criticado a administração americana pelo facto de ter concretizado a invasão de um estado soberano, contra a opinião generalizadamente contrária, fundamentando-a sob o falso argumento de que este disporia de armas químicas.

Terei errado sempre que o fiz?

De modo algum, porque as armas químicas a que aqueles dois órgãos de informação se referem não são as atribuídas a Saddam Hussein, mas sim as mencionadas num documentário recentemente difundido pela RAI. Esta estação de televisão italiana cita um ex-soldado americano que afirma ter escutado ordens via rádio para o uso de bombas de fósforo branco durante o ataque a Falluja, ocorrido em Novembro de 2004.

O mesmo soldado refere os resultados que pôde presenciar no terreno (corpos queimados de homens, mulheres e crianças) depois de ter entrado no perímetro da cidade bombardeada.

O documentário da RAI refere que as autoridades norte-americanas tentaram sistematicamente destruir as provas filmadas da alegada utilização de bombas de fósforo branco sobre as populações em Falluja.

Na linha de declarações habituais neste tipo de situações, porta-vozes norte americanos contradizem-se quando negam a utilização de bombas de fósforo embora admitam que as utilizaram no Iraque para iluminar campos de batalha em operações nocturnas e simultaneamente recordam que Washington não reconheceu o tratado internacional que proíbe o uso de tal tipo de armamento.

Para todos termos uma correcta ideia da hipocrisia que grassa entre a administração norte-americana recordo que a carga daquele tipo de dispositivo, desenvolvido para a iluminação de campos de batalha, é constituída por um produto químico (fósforo branco) cujas partículas em contacto com a pele provocam queimaduras mortais.

Infelizmente notícias com revelações escandalosas como esta irão continuar a surgir, originadas no Iraque ou noutro ponto do planeta, enquanto existir quem pense que detém um poder discricionário sobre tudo e todos…

O PREÇO DOS MEDICAMENTOS GENÉRICOS

Em resultado de um Encontro Ibérico de Medicamentos Genéricos ficámos todos a saber que no nosso país aquele tipo de medicamentos custam qualquer coisa entre o dobro e o quádruplo que na vizinha Espanha.

Segundo a Agência Financeira, que cita Jorge Ruas da Silva, o presidente da Associação Portuguesa de Genéricos (APOGEN), «… a aposta no crescimento do mercado dos genéricos permitiu melhorar a acessibilidade para os utentes e reduziu o custo com os medicamentos, além de obrigar ao abaixamento de preços de muitos medicamentos».

É bom que todos tenhamos consciência do cuidado com que os nossos governantes cuidam da nossa saúde, porque se assim não fosse este absurdo diferencial de preço ainda seria maior.

Mas, mais curioso ainda é que, segundo o Diário de Notícias, o principal responsável pelo INFARMED (entidade que regula o mercado dos medicamentos em Portugal) «… reconheceu que o elevado custo dos genéricos no País é uma das "imperfeições" deste mercado e considerou "inevitável" a redução dos preços».

Parece é que só o fez quando se tornou pública mais uma disparidade (das muitas) entre o nosso país e os parceiros comunitários.

E já agora atente-se que esta disparidade atinge proporções ainda mais alarmantes se tomarmos em conta o facto do salário médio nacional equivaler a cerca de metade do espanhol. Comparada nesta perspectiva, a diferença de preço dos medicamentos genéricos entre os dois países ibéricos ainda se agrava mais – os mais baratos dos genéricos à venda em Portugal custam quatro vezes mais tempo de trabalho (duas vezes pela diferença de preços e outras duas pela diferença de salários) que a um trabalhador do país vizinho.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

CONTINUAM OS MOTINS EM FRANÇA

Pela 11ª noite consecutiva e numa mancha que se estende já por todo o país, grupos de jovens (maioritariamente desempregados e de origem magrebina) continuam a espalhar a revolta e a destruição à sua volta.

Na sequência de uma reunião de emergência do executivo francês foram anunciadas medidas de reforço da acção policial; quase simultaneamente o governo alemão anunciara as medidas que iria tomar para combater o desemprego dos jovens a que se seguiram os primeiros incidentes no seu território e numa área da cidade de Bremen que em princípio não apresenta padrões sócio-económicos idênticos aos dos subúrbios parisienses.

Depois de França, começam a registar-se “réplicas” na Alemanha e na Bélgica. As autoridades locais procuram não inserir os incidentes numa estratégia de deliberada expansão, mas são cada vez mais as vozes que por essa Europa fora vão referindo a possibilidade de idênticos desacatos noutros países e apelando à necessidade de novas políticas sociais e económicas. A sequência de acontecimentos começa a movimentar a classe política, mas sobretudo a aumentar a premência de um debate sobre as políticas que poderão ter conduzido a esta situação.

Alguns meios de comunicação, sobretudo anglófonos, salientam a evidência do fracasso do modelo de integração social francês (os ingleses têm aplicado um modelo orientado para a diversidade cultural) e os riscos do prolongamento dos motins.

Do ponto de vista da política interna francesa têm-se multiplicado os apelos à calma e serenidade, mas um número crescente de autarcas das áreas mais atingidas tem chamado a atenção para a redução ou supressão dos sistemas sociais de apoio (parte integrante das políticas económicas restritivas) e para a situação preocupante que constitui a falta de oportunidades (de estudo e trabalho) que afectam aquelas comunidades.

Com o passar dos dias e o agravar dos incidentes começam a reduzir-se as hipóteses de ver encerrar este triste capítulo sem recurso a medidas demasiado “pesadas”, as quais podendo resultar no curto prazo dificilmente constituirão uma solução duradoura e harmoniosa.
No conjunto poderá dizer-se que a situação que se vive em França, sendo previsível, não pode deixar de constituir um sério aviso para os restantes estados europeus (a confirmá-lo temos os recentes acontecimentos na Alemanha e na Bélgica) e um sinal de evidente fracasso das políticas económicas neo-liberais. Mais do que a rejeição dessas políticas (impossível de escamotear perante o prolongamento das desordens e da crescente contestação ao ministro francês do interior, Nicolas Sarkozy), a actuação dos jovens dos bairros suburbanos deverá ser encarada como um evidente sinal do descontentamento popular perante a ineficácia do aparelho de Estado na garantia de condições de vida decentes e perspectivas de futuro às populações (jovens e menos jovens).

Mas verdadeiramente importante será não esquecer o problema após a resolução desta crise, começando desde já a fomentar-se a pesquisa de soluções e a sua implementação no terreno de forma a reduzir os danos já provocados, no caso francês, e a minimizar as hipóteses de idênticos actos noutros países e cidades.

domingo, 6 de novembro de 2005

VAMOS BRINCAR À CARIDADEZINHA

Ao acabar de ler um artigo de opinião, no Diário de Notícias de hoje, assinado por Helena Sacadura Cabral, concluído com esta magistral frase: «Em Portugal esta óptica conduz à compulsão de gastar e ao medo de investir. De ousar ser rico. Porque, sob o manto diáfano de uma legislação pretensamente igualitária, o que se visa é castigar e denegrir a riqueza. Esquecendo que, se ela não for fomentada, nada haverá para distribuir por aqueles que nada têm!» veio-me logo à memória aquela antiga canção do José Barata Moura «Vamos brincar à caridadezinha».

É que o problema da autora reside na sua aparente (ou real) incapacidade de nos transmitir o que lhe vai na alma, ou seja ela acha que o problema atávico nacional é o facto de não demonstrarmos vontade em sermos ricos. Helena Sacadura Cabral acha que “temos vergonha” na obtenção de riqueza e logo cerceamos todas as potencialidades daqueles que o poderiam ser.

Por uma questão cultural os potenciais ricos portugueses transformam-se simplesmente em perdulários porque o Estado (aquele vil monstro sugador de riquezas) insiste em cobrar impostos sobre os ricos, quando, no seu entender (não escrito, mas perfeitamente implícito), o que devia era proporcionar-lhes as melhores condições para o enriquecimento.

Branqueando o comportamento de sectores da população que exercendo actividades liberais ou desenvolvendo negócios, praticam na realidade uma despudorada fuga ao fisco (são publicamente conhecidos muitos casos de declarações de IRS onde os ditos personagens pouco mais declaram de rendimento que o triste salário mínimo nacional) com total beneplácito das forças políticas instaladas no poder e, consequentemente, responsáveis da generalizada prática de tais abusos.

Vai mais longe Helena Sacadura Cabral quando afirma que «…a "persecução" visa, sobretudo, a poupança e o investimento, o que não deixa de ser bizarro. Se alguém fizer um depósito a prazo de 20 mil euros ao miserável juro de 2% paga, logo à cabeça, para o Estado, 20% de imposto. Porém, quem o gaste - na maioria dos casos em sectores que nada interessam ao desenvolvimento do País - não é incomodado. Quando muito, é invejado!», sugerindo que o Estado deveria isentar ainda mais os rendimentos de capital, porque só assim haveria meios para o desenvolvimento do país.

Que haja quem defenda a aplicação das mais convictas teses do neo-liberalismo económico, eu entendo, agora que haja quem despudoradamente confunda neo-liberalismo com o funcionamento de uma sociedade onde apenas os trabalhadores por conta de outrem paguem impostos e aqueles que auferem rendimentos mensais de 20.000€ (para usar o mesmo exemplo da autora) tenham o “direito” de os “aplicar” e “fazer frutificar” sem qualquer ónus fiscal raia o insulto.

sábado, 5 de novembro de 2005

VIOLÊNCIA SUBURBANA, EXCLUSÃO SOCIAL OU…

Há cerca de uma semana (nove noites para ser mais preciso) que são noticiados os motins que iniciados nas zonas suburbanas de Paris já alastraram a outras regiões de França.

Na origem destes raids nocturnos, maioritariamente perpetrados por jovens, terá estado a morte de dois jovens de origem magrebina, electrocutados num posto de transformação quando procuravam fugir da polícia, e na inépcia do ministro do interior francês que prontamente classificou os jovens de «escumalha». Outras questões existem (e têm vindo a lume) que poderão explicar a sucessão e o crescendo de violência que se vem fazendo sentir.

Uma das primeiras grandes explicações para o fenómeno prende-se com o ambiente social e económico que se vive em muitos dos dormitórios que rodeiam as principais metrópoles francesas. Grande parte das famílias não é de origem francesa, destacando-se uma elevada percentagem de naturais do Magreb e de outros países do Norte de África, o peso do desemprego e os baixos níveis de formação têm contribuído, a par com a ausência de politicas de verdadeira integração social, para o crescente sentimento de desajustamento e revolta entre a juventude, pelo que se a este fenómeno somarmos a mais que natural existência de uma economia local paralela (muito pouco interessada na normalização da vida local e actuando, por vezes, mesmo além das fronteiras da legalidade) e a influência ideológica, com real implantação no terreno, do islamismo é natural a dimensão a que os “protestos” chegaram.

Especificamente sobre a influência (ou a sua ausência) do islamismo as autoridades francesas têm revelado um extremo cuidado nessa abordagem, recusando qualquer hipótese de generalização que conduza a ligar este fenómeno com a actividade de grupos radicais islâmicos. É natural que no actual clima internacional esta questão seja particularmente sensível, mas como observador exterior não consigo deixar de recordar a influência que os seguidores daquela corrente religiosa tiveram no movimento negro norte-americano (se é verdade que os nomes dos principais líderes do movimento anti-segregação norte-americano que passaram para a história foram os de pastores protestantes, não é menos verdade que em muitas circunstâncias foi a organização da “Nação do Islão” que manteve viva a chama e a capacidade mobilizadora). Admitir a influência islâmica nos subúrbios parisienses não é uma loucura nem uma hipótese inverosímil e (será preciso recordá-lo?) para muitos dos jovens que se têm envolvido nos motins aquela pode ser a única noção civilizadora que conhecem.

Por último, recorde-se que existem actores que têm acompanhado o desenrolar destes incidentes de forma não displicente. Fruto das declarações desastrosas de Nicholas Sarkozy (ministro do interior francês e, diz-se, futuro candidato à substituição de Jacques Chirac no Eliseu) e dos conflitos internos no seio do governo de Dominique de Villepin (também ele apontado como potencial candidato presidencial) tardam a ser encontradas as medidas para controlar a situação e até o anúncio hoje feito pelo chefe do executivo francês de um plano de acção tendente a resolver os muitos problemas com que se debatem as periferias das grandes cidades não mereceu acolhimento muito entusiástico da generalidade dos autarcas dessas zonas. Sectores da sociedade francesa defendem mesmo que nenhum dos partidos do governo estará realmente interessado em trazer para a ordem do dia os problemas de natureza social.

Seja qual for a origem dos motins, normalmente traduzidos no incêndio de viaturas, estabelecimentos comerciais e armazéns, estes estão a constituir um forte sinal da ineficácia das políticas económicas e sociais de tendência liberal e deverão ser encarados, com as devidas proporções e adaptações pelos restantes governos dos países comunitários.

sexta-feira, 4 de novembro de 2005

ALIENAÇÃO DA COMPAL

A imprensa especializada e a generalista fizeram, ontem, eco da notícia da decisão do grupo Nutrinveste vender a Compal e a Nutricafés a um consórcio constituído pela Sumolis e pela Caixa Geral de Depósitos, que irão constituir uma nova empresa (detida a 20% pela primeira e a 80% pela segunda) para gerir as novas aquisições.

Na corrida pelo negócio encontravam-se outros pretendentes como a 3i, sociedade de capital de risco inglesa que apoiava um MBO (management buy out) liderado por António Pires de Lima, presidente executivo da Compal, a Centralcer, a Refrige e a Unicer.

Para a história ficam os comentários de alguns operadores de mercado que consideram o preço pago (426 milhões de euros) como demasiado elevado e a intenção já manifestada pela Sumolis de iniciar um processo de fusão com a Compal.
Sendo ainda demasiado cedo para avaliar os efeitos deste negócio, nomeadamente na unidade industrial da Compal que se localiza em Almeirim, tudo indica que os novos proprietários não deverão proceder à liquidação da unidade dado que o aparente maior interesse residirá na complementaridade de produtos e no potencial aproveitamento da boa implantação da Compal no mercado espanhol. Este facto constituirá uma boa notícia para o concelho de Almeirim, uma vez que aquela é uma das raras fábricas implantadas no concelho, fonte de emprego para parte importante da população residente, logo origem de estabilidade e potencial foco de atracção para novos residentes.

Mais preocupante pode ser um comentário que hoje mesmo ouvi e que justificava a participação da CGD no negócio como forma de evitar a transferência da empresa para “mãos estrangeiras”… lembrou-me logo um negócio que em tempos ocorreu quando um governo (chefiado por Cavaco Silva) negociou com um empresário (António Champalimaud) a venda de um banco, sob o argumento que por essa via era garantida a manutenção do respectivo centro de decisão em Portugal; sucede que menos de meia década volvida o referido empresário trocou a sua participação nos bancos Sottomayor, Totta e Crédito Predial Português por 4% do capital do Grupo Santander (espanhol).

Também neste “negócio” a CGD assumiu um papel de intermediação que culminaria com o desmembramento do ramo financeiro de Champalimaud (o Santander “adquiriu” o Totta e o Crédito Predial Português, o Sottomayor foi “transferido” para o universo do Grupo BCP e a Mundial Confiança permaneceu no Grupo CGD), situação que espero não se venha agora a repetir…

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

AS PRESIDENCIAIS JÁ TÊM DATA

O presidente Jorge Sampaio fixou hoje o dia 22 de Janeiro de 2006 para a realização do acto eleitoral de que resultará a escolha do seu substituto.

Se hoje faço eco desta pequena notícia é apenas porque quero registar que já existem seis candidatos ao lugar. É verdade, não me enganei, já são seis.

Aos cinco que toda a gente já conhece veio juntar-se, ontem, outro. De acordo com o “Região de Setúbal Online”, o «…setubalense Mário Nogueira, conhecido pela tentativa falhada de se candidatar este ano à presidência da Câmara de Setúbal, vai apresentar uma candidatura à Presidência da República. Mário Nogueira, que lidera o Movimento “Recuperar Portugal”, garante que já recolheu «milhares de assinaturas» e está confiante que vai conseguir as 7500 necessárias para oficializar a candidatura

Desconheço o teor do programa que irá apresentar, mas, a avaliar pelo teor das declarações ao JORNAL DE NOTÍCIAS: «…defende uma mudança profunda do país, que "devolva a toda a nação a identidade e os valores perdidos e traçar claramente o rumo que salve os portugueses do desgoverno a que a ditadura partidária submeteu Portugal"» deveremos estar em presença de um integrista.

Não se trata de nenhuma brincadeira, apesar do referido cidadão ter ensaiado sem sucesso uma candidatura à autarquia local (não conseguiu reunir as 4.000 assinaturas necessárias), e só é pena que movimentos desta natureza não surjam com maior regularidade, em especial para os órgãos locais, onde fazem muito maior sentido.

AS PRISÕES SECRETAS DA CIA

Na sequência da notícia ontem divulgada pelo “Washington Post” que dava conta de que a administração americana utiliza uma rede de prisões clandestinas onde mantém, sob interrogatório da CIA, alguns presumíveis responsáveis da Al-Qaeda, surgiu hoje a notícia que a Comissão Europeia decidiu abrir um inquérito no sentido de apurar se tal se passa em algum dos seus países membros.

No corpo da notícia do “Washington Post” eram mencionados oito países (Tailândia, Afeganistão, Cuba e oito países da Europa de leste, não especificados por alegadas razões de segurança).
Perante o facto confirmado da notícia a administração americana, através do conselheiro para a segurança nacional, Stephen Hadley, apressou-se a informar a opinião pública mundial que «os EUA não torturam os seus presos e que as suas actividades são conduzidas dentro dos limites da lei e das obrigações internacionais».

A pressa com que têm ocorrido desmentidos de vários países (Rússia, Bulgária e Tailândia) apenas faz aumentar as certezas em torno do fundamental da notícia.
A maior potência mundial, aquela que tanto apregoa os princípios de liberdade e de defesa dos direitos humanos, não só mantém inúmeros detidos (presumivelmente ligados à Al-Qaeda) há cerca de 4 anos sem acusação ou julgamento, pratica torturas sobre esses detidos (não há forma de negar o sucedido em Abu Ghraib) e, sabemo-lo agora, recorre a locais secretos para manter uma rede de clandestina de prisões.

Uma vez mais se constata que aqueles que pretendem afirmar-se como “os polícias do mundo” e “defensores das liberdades” mais não são que um grupo de hipócritas, prosseguindo fins inconfessáveis, cujo comportamento não pode deixar de ser penalizado pela comunidade internacional.

Não é de agora que a administração americana vem praticando uma política de embuste, uma vez que já há uns anos quando um grupo de senadores pretendeu fazer votar uma lei que consagrasse a interdição explícita do recurso à tortura como método de obtenção de informações, aquela se opôs alegando que isso iria fragilizar a “guerra contra o terrorismo”. Desde a invasão do Afeganistão que a administração americana tem feito todos os esforços para subtrair os seus prisioneiros à observação da comunidade internacional (nomeadamente a Cruz Vermelha) alegando que não se tratam de prisioneiros de guerra.

As contradições americanas não se resumem ao tratamento dos prisioneiros, mas estendem-se à própria forma como se tem desenrolado a tal guerra (afinal parece que sempre existe) contra o terrorismo. Pretendendo pôr fim a actos perpetrados por grupos de fanáticos, os EUA já invadiram dois países (Afeganistão e Iraque onde substituíram regimes condenáveis por situações de franca anarquia) e parecem prontos a repetir a medida, desafiando não só as regras internacionais mas também a inteligência e o bom senso do mundo inteiro.

Na ausência de melhor argumento, parece continuar a prevalecer o argumento primário de «quem não está comigo está contra mim» e a maior da desfaçatez (cada nova “descoberta” é mais grave e perturbadora que a anterior) com que os responsáveis pelo governo insultam o mundo inteiro procurando «tapar o Sol com uma peneira».

Insistindo no princípio de combater o fogo com o fogo, persistindo em ignorar os avisos para uma inflexão na estratégia que conduza ao estabelecimento de pontes de diálogo, o que a administração americana tem conseguido é aumentar o clima de insegurança a nível mundial, enquanto persiste num discurso de fractura com os povos islâmicos.

Embora de registo distinto talvez qualquer dia surja uma interessante explicação para o recrudescimento de “guerras religiosas” (como a que aparentemente fundamentalistas americanos e árabes parecem pretender travar) e para fenómenos sócio-económicos como o que actualmente se vive em França (não esquecer que a maioria dos emigrantes africanos envolvidos nos distúrbios serão originários de países do Norte de Africa).

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

UM PRESIDENTE QUE PRESIDA... PARA QUEM?

No editorial do DIÁRIO ECONÓMICO do passado dia 31 de Outubro, assinado por Martim Avillez Figueiredo, este defendeu a necessidade dos candidatos presidenciais colocarem nas suas agendas temas verdadeiramente relevantes, dando mesmo exemplos de como seria uma sua agenda de trabalho:

Domingo – lembrar ao país que, sem quebra de mais direitos adquiridos, não sairá da crise;
Segunda – fixar um ano ao procurador-geral da República (isto depois de uma longa conversa com o ministro da Justiça) para reformar o sistema judicial – e diria logo ali que as corporações estavam proibidas de sair à rua;
Terça – sublinhar as virtudes do modelo social europeu, e, em nome da sua preservação, apresentar um Grupo de Trabalho que, num ano, entregaria um modelo de reforma do Estado Providência nacional – incluindo nele primeiro-ministro e ministro da Segurança Social;
Quarta – apresentar um grupo de constitucionalistas (ao lado do primeiro-ministro, claro) que iria dar início à reforma da Constituição da República Portuguesa, de forma a flexibilizar o seu articulado e, sobretudo, a suavizar os seus excessos ideológicos;
Quinta – divulgar, conjuntamente com o ministro da Economia e dos Negócios Estrangeiros, o seu plano de viagens, cada uma delas feita de acordo com as necessidades de crescimento económico do país;
Sexta – de sorriso na cara, falaria na necessidade de fechar hospitais e escolas, explicando como isso tornaria melhor a vida de todos no médio prazo.

Por me parecer que a sugestão, meritória no essencial, peca por alguma tibieza nas medidas propostas atrevo-me a deixar aqui algumas sugestões adicionais.

No discurso apelando à resignação dos portugueses em verem reduzidos os chamados direitos adquiridos deveria complementar com igual apelo de “generosidade” a todos quantos (empresários e profissionais liberais) fazem da fuga aos impostos a sua actividade (principal ou subsidiária).

Ao instar a reforma do sistema judicial e proibir as aleivosias das corporações deveria fixar como objectivos uma justiça célere, economicamente acessível e equitativa (onde os processos fossem decididos em tempo curto, minimizando as barreiras entre ricos e pobres).

Ao propor a reforma do Estado Providência deveria começar por assegurar que essa reforma atingiria a todos por igual, por que o estado não pode ser providencial só em benefício dos que mais possuem ou dos que gravitam na esfera do poder.

Ao patrocinar nova reforma da Constituição deveria fixar como objectivos a sua simplificação (tornando-a claramente entendível por toda a população) e sobretudo a redução do excessivo número de deputados (ao fim e ao cabo estamos todos em crise, não estamos).

Quando divulgasse o plano de viagens oficiais a realizar, deveria reduzir a dimensão da respectiva comitiva aos membros essenciais do governo e do seu “staff”, passando a competir às associações empresariais ou sócio-profissionais interessadas o custeio da deslocação dos seus membros.

Por último aproveitaria a oportunidade de anúncio do encerramento de hospitais e escolas (inseridos numa estrita lógica de racionalização de custos) para anunciar a criação de um eficiente Serviço Nacional de Saúde, a apresentação de uma rede nacional de transporte de doentes (tornada indispensável pelo encerramento das unidades de apoio local), o fim da exploração privada de pisos hospitalares públicos (construídos, equipados e mantidos em funcionamento com dinheiros públicos) e o investimento num projecto educativo nacional orientado para uma real criação de competências, acompanhado de melhorias nos equipamentos já instalados.

Nestas condições concordo plenamente que ninguém «...deveria temer um Presidente assim», talvez com a excepção do primeiro-ministro que estaria a caminhar, a passos largos, para o desemprego (substituindo-se o sistema semipresidencial pelo presidencial) e da plêiade de oportunistas que vivem a expensas das ineficiências dos sistemas.

terça-feira, 1 de novembro de 2005

1 DE NOVEMBRO DE 1755

Cumprem-se hoje 250 anos desde a grande catástrofe que se abateu sobre Lisboa.
Multiplicam-se as iniciativas em memória dos mortos (contabilizações diversas apontam para duas a três dezenas de milhar), mas continuam por realizar muitas importantes iniciativas em benefício dos vivos (recorde-se que na época Sebastião José de Carvalho e Melo alcançou a notoriedade graças a um elevado sentido de pragmatismo que a história consagrou na sua célebre frase: “Enterram-se os mortos e cuida-se dos vivos”).

É assim que para além da falta de planos de emergência (se existem a generalidade da população desconhece-os completamente) continuamos totalmente incapazes de desenvolver uma cultura de segurança.

Ao longo dos anos temos vindo a assistir a sucessivas remodelações e reformulações dos programas de ensino (básico e secundário) sem nunca alguém ter mostrado a mais pequena preocupação pela divulgação de conhecimentos e práticas relativas a comportamentos em face de catástrofes.

Quantos estabelecimentos de ensino possuem planos de emergência? Em quantos destes o seu pessoal docente, auxiliar e discente conhece os procedimentos a aplicar em tais situações? Quantos exercícios de simulação se realizam com o objectivo de minimizar danos humanos em situações de catástrofe?

A preocupação das autoridades nesta matéria tem sido no mínimo inexistente e não fora a actuação de muitas Associações de Pais, com a colaboração de Corporações de Bombeiros e Autarquias, e o panorama nacional seria ainda mais desolador. Mesmo face à reduzida probabilidade de vermos repetido, num horizonte de vida normal, um fenómeno idêntico ao de 1755 nada se perde na divulgação de cuidados e conselhos de segurança, uma vez que os jovens de hoje serão aqueles que amanhã terão de enfrentar a tarefa de formar as gerações que se lhes seguirão e é assim que, geração após geração, iremos criando uma verdadeira cultura de segurança.