Que, como pretendem o EXPRESSO (G-20 defende acção coordenada para superar dificuldades)e o PUBLICO (G20 defendem acção coordenada de combate à crise financeira), os dignitários presentes acordaram numa estratégia de concertação de políticas para debelar a crise, ou como afirma o DIÁRIO ECONÓMICO (G20 pronto para agir de modo a estimular crescimento mundial), o ênfase estará mesmo no estímulo do crescimento económico. É que a questão não é de todo em todo displicente, porque a primeira não implica a segunda, nem esta assegura obrigatoriamente a primeira.
Por outras palavras, injectar dinheiro nas economias mundiais – como o têm vindo a fazer as economias ocidentais e, a atestar por esta notícia da BBC, mais recentemente a China – poderá ajudar a reduzir o impacto da recessão geral que se avizinha, mas pouco ou nenhum efeito terá sobre as origens da crise (e o que produziu esta irá fatalmente produzir outras), enquanto que as iniciativas para um combate mais ou menos eficaz da crise podem traduzir-se numa retracção do crescimento mundial. Em termos práticos, recapitalizar os bancos poderá atenuar os efeitos mais visíveis da crise (a queda das cotações bolsistas e uma bem provável vaga de falências), mas se este processo for executado com capitais privados estar-se-ão a desviar fundos indispensáveis ao crescimento económico (seja por via do investimento seja pela do consumo) e estes parecem demasiado “assustados” para não estarem já “refugiados” noutras aplicações alternativas; o recurso a fundos públicos (como parece ser a opção) apresenta o mesmo tipo de efeito perverso, com a agravante do aumento do endividamento público, para os países que o consigam obter, e o aumento dos encargos para as gerações futuras.
Embora explicado de forma muito resumida, parece-me inevitável – caso se queira efectivamente agir de forma a resolver a crise – a necessidade de recurso a outras medidas complementares, plenamente justificadas pela dimensão que esta crise está a tomar[1].
Recomenda a antiga sabedoria popular que para grandes males, grandes remédios e talvez este seja o momento adequado.
Quando até entre os principais obreiros do sistema que gerou a actual crise começam a surgir dúvidas sobre as virtualidades dos conceitos próprios do ultraliberalismo[2] é mais do que oportuna a alteração das regras que nos conduziram à actual situação. Não que a criação de novo modelo de funcionamento para as economias mundiais seja por si só receita garantida para a resolução da crise, mas a simples observação da generalidade das declarações dos principais responsáveis e agentes financeiros culpabilizando a desconfiança que grassa no meio financeiro como factor principal para a crise, impõe a necessidade de mudanças que reponham os níveis de confiança e possam servir como plataforma para a reorganização do tecido económico.
Esta, aliás, parece ser a tese defendida pelos vários responsáveis políticos e económicos que referem a necessidade de um novo “Bretton Woods” e pelo director-geral do FMI, o francês Dominique Strauss-Khan, quando assegura que o «FMI quer supervisionar sistema financeiro mundial»; até o director-geral da OMC, o também francês Pascal Lamy, defendeu numa entrevista ao LE MONDE a necessidade dum organismo regulador mundial, à semelhança dos que existem para o comércio, a saúde, o ambiente, as telecomunicações e a alimentação.
Com tanta gente a falar no assunto porque é que ainda nada foi feito de concreto?
Para um melhor entendimento desta situação recorde-se que o que tornou possível o actual quadro organizativo, oriundo do acordo de Bretton Woods, foi uma circunstância muito especial – o rescaldo de um conflito mundial – e mesmo assim os EUA debateram-se com grandes dificuldades para convencerem os seus aliados político-militares a aceitarem a liderança internacional do dólar (o que só conseguiram quando aceitaram garantir a convertibilidade da sua moeda); ora, a actual conjuntura, por mais catastrófica que se apresente, ainda se encontra longe de uma situação que permita ao resto do Mundo impor uma nova orientação aos EUA.
Como se não bastasse esta óbvia limitação, importa não esquecer que o factor determinante na negociação de um acordo desta natureza ainda continua a ser o vector militar e neste campo os EUA mantém não só a hegemonia, como têm demonstrado nos últimos anos que não hesitarão no seu uso para assegurar a sua preponderância.
Neste contexto que poderemos esperar da reunião desta semana?
Conhecendo-se de antemão posições como a o presidente francês, Nicolas Sarkozy, e presidente em exercício da UE, que pretende uma reforma profunda do sistema, mas cujo voluntarismo e sede de protagonismo não deverão ser acompanhados por Gordon Brown ou Angela Merkel; as intenções dos países emergentes (BRIC)[3], que quererão ver reforçados o seu peso e a sua participação no futuro modelo; os EUA que não aceitarão pacificamente a redução a um papel menor.
Mesmo considerando que os EUA vivem um momento político de aparente transição de poder não se deverá registar qualquer fraqueza do lado americano (a confirmação disso mesmo foi dada há dias por Jared Bernstein, conselheiro económico de Obama, numa entrevista publicada no DIÁRIO ECONÓMICO, quando afirmou que não encontra razões para que o novo modelo seja “mais europeu”) porque o que está em jogo é demasiado importante para qualquer das grandes forças políticas norte-americanas: a manutenção do papel do dólar.
Outra razão para não se dever alimentar quaisquer esperanças do desfecho da cimeira que se avizinha é o facto de negociações deste tipo sempre terem sido morosas, além dos sequazes das políticas ultraliberais ainda não terem abdicado de interferir no modelo que venha a se desenhado.
Exemplo disto mesmo é último artigo de César das Neves, no qual o ilustre professor e consultor económico de anteriores governantes nacionais, surge com uma preocupante veemência a criticar a intervenção dos políticos na definição de algo tão transcendentemente superior como um modelo de organização do sistema financeiro mundial, a ponto de dizer que «[t]al tolice, mesmo se recorrente de anteriores turbulências, é mesmo muito estúpida», e embora reconheça que a «crise nasceu por graves erros e crimes de economistas, gestores e financeiros. Embriagados de sucesso, caíram em euforias que agora ameaçam o mundo. Eles têm, sem dúvida, a responsabilidade principal na catástrofe, pelo que é necessário e urgente punir e substituir esses especialistas infectados» nem por isso entende o papel que os políticos se aprestam a desempenhar, porque acha que estes «...têm de ser trocados por outros financeiros, os únicos que percebem alguma coisa do complexo sistema. Se um médico mata, por erro ou negligência, não se confia o tratamento a contabilistas ou ministros. Com políticos tratando destes assuntos, a única certeza é desastre».
Estes tipos de argumentação são próprios de quem resiste a ver mudar o sentido das políticas que conduziram à crise[4] e mesmo que as reservas levantadas à intervenção da classe política não deixem de ser justificadas, sempre recordo ao prof. César das Neves que o sistema financeiro originado em Bretton Woods (e que permitiu a desastrosa desregulamentação que nos conduziu à crise) também foi negociado (e imposto) por políticos e, que me recorde, nunca o ouvi criticá-lo.
Mas, como não serão contributos deste tipo que nos conduzirão à definição da melhor opção, nem vale a pena perder mais tempo com eles.
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[1] Um bom exemplo disto mesmo é esta notícia do NEW YORK TIMES que dá conta da “pressão” que os três grandes construtores de automóveis norte-americanos (GM, CHRYSLER e FORD) estão a fazer sobre o Congresso para a obtenção de mais 25 mil milhões de dólares de empréstimos (um empréstimo de igual montante já havia sido atribuído para ajudar as construtoras a produzirem veículos mais eficientes), ou esta outra da BBC NEWS que refere os mais recentes prejuízos encaixados pelo sector.
[2] A propósito vejam-se as declarações de Alan Greenspan (o anterior presidente do FED) ao Comité da Casa Branca sobre a Supervisão e Reforma Governamental que comentei nestes dois “posts”: «CATA-VENTO GREENSPAN» e «AS DICAS DO MAESTRO».
[3] BRIC, designação atribuída aos principais países emergentes, Brasil, Rússia, Índia e China.
[4] Para quem o queira ler na íntegra, o artigo salta agilmente do problema da nova ordem financeira internacional para a questão da fixação do salário mínimo nacional e para os medonhos problemas que a fixação abusiva deste (perpetrada por um governo de evidentes e perniciosas tendências intervencionistas) irá colocar: o maior empobrecimento dos trabalhadores que inevitavelmente irão ser despedidos pelos pobres patrões das PME, revelando à saciedade que o autor continua a persistir na defesa da desregulamentação e do aprofundamento de políticas redistributivas em exclusivo benefício das classes de maiores rendimentos.
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