Enquanto se aguarda o desenrolar das negociações para o resgate do navio, da carga (2 milhões de barris de petróleo, avaliado em 100 milhões de dólares) e dos 25 tripulantes, os comentários e as análises que vão surgindo abordam principalmente a vertente económica (o acréscimo dos custos com o reforço da segurança das embarcações, com os prémios de seguro, ou até com a necessidade de desvio de rotas) mas esquecem qualquer tentativa de resposta à simples questão de como tudo isto acontece.
É que mesmo quando equipados com algum armamento mais pesado e deslocando-se em embarcações mais rápidas, provável investimento resultante de anteriores ataques e respectivos resgates, os “piratas” parecem operar com um excesso de facilidades preocupante.
Mesmo conhecendo-se as circunstâncias que poderão ter ditado o recrudescimento desta prática (e a estas não é de modo nenhum estranho o clima de guerra civil que a região vive há décadas, a ausência de qualquer forma de autoridade nacional na região e até o colapso da actividade piscatória na zona, a única que ainda poderia assegurar algumas condições de sobrevivência económica às populações costeiras) mantém-se a incógnita em torno do notável facilitismo que parece reinar e que nem mesmo a anunciada deslocação para a zona de navios de guerra ocidentais e russos, ou o recente afundamento de um navio “pirata” pela marinha indiana[2] estará a funcionar como argumento dissuasor.
Segundo o FINANTIAL TIMES, a par com o reconhecimento da sofisticação dos meios empregues pelos “piratas”, fenómeno que poderá ser explicado pelos crescentes montantes envolvidos neste “negócio”[3], as autoridades da região, principalmente o governo egípcio que corre o risco de ver fortemente afectado os 5,2 mil milhões de dólares de rendimento proporcionado pelo Canal do Suez, e outros estados árabes da região do Mar Vermelho estão a tentar concertar medidas dissuasoras, enquanto os principais armadores mundiais começam a optar pela rota do Cabo, mais longa (e mais cara) mas também mais segura.
Mas, esta questão, como qualquer outra, tem abordagens diversas consoante os observadores e assim é que a BBC publicou os comentário de um ex-oficial do exército somali que agora habita a localidade de Harardhere, para junto da qual foi levado o Sirius Star, e que no local a principal preocupação das populações não é o assalto ao petroleiro ou a pirataria em geral, mas sim a utilização daquelas costas para o despejo de lixos tóxicos, que, estará a provocar a situações de estranhas doenças de pele e das vias respiratórias.
A denúncia desta situação não constituirá novidade para os que acompanhem mais de perto as questões de natureza ecológica, nem deverá constituir grande espanto se atendermos ao facto de no já distante ano de 1991 um documento do Banco Mundial[4] analisar as vantagens da “transferência” das indústrias mais poluentes e o despejo de lixos tóxicos para um continente como o africano, no qual os índices de poluição são muito inferiores e o custo dos respectivos aumentos seriam exponencialmente menores.
Porém, para a generalidade da imprensa ocidental o cerne da questão está no aumento dos custos dos transportes marítimos. Segundo o WALL STREET JOURNAL os armadores internacionais enfrentam um aumento dos custos dos prémios de seguro que se poderão elevar em dezenas de milhares de dólares, enquanto ponderam os custos de estratégias alternativas como o uso da rota do Cabo, mais cara em tempo e combustível (o mesmo jornal refere um valor da ordem dos 30 mil dólares por dia e acréscimo de tempo entre 5 e 10 dias) ou a contratação de empresas de segurança (com um custo de 60 mil dólares por viagem), arriscando ainda uma escalada de violência no mar.
Embora seguramente de reduzido impacto e despida da mínima intenção de justificar ou branquear os actos de pirataria, aqui fica mais uma nota da normal parcialidade com que os problemas mundiais são analisados e apresentados aos cidadãos do Mundo, mesmo quando alguma da imprensa mundial não escamoteia as múltiplas facetas, a principal mensagem que é passada é invariavelmente a do lado mais forte (ou mais rico), enquanto referências a soluções menos onerosas e envolvendo menor recurso à força bruta, como o caso de uma arma sónica que em 2005 foi utilizada com sucesso durante um ataque a um navio de cruzeiro, o Seabourn Spirit, são simplesmente esquecidas[5].
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[1] Esta é a notícia da BBC, que cita fontes da AFP
[2] Conforme esta notícia da BBC ou esta da AFP.
[3] Segundo o relatório trimestralmente apresentado pelo Secretário-geral ao Conselho e Segurança da ONU, Ban Ki-moon estima que os resgates recebidos ao longo deste ano pelos “piratas” ascenderão a um valor entre 25 e 30 milhões de dólares.
[4] O texto do memorando, produzido pelo economista chefe da época, Lawrence Summers, pode ser lido aqui. Por acréscimo refira-se que o autor foi secretário de Estado do Tesouro norte-americano, durante a presidência de Bill Clinton, presidente da Universidade de Harvard e é um dos fortes candidatos a voltar a ocupar aquele lugar sob a presidência de Barack Obama.
[5] As notícias da época, como esta da BBC e esta do WASHINGTON POST, sobre este incidente são pouco ou nada claras, mas esta notícia posterior confirma o uso e a eficácia do sistema LRAD (Long Range Acoustic Device) utilizado e esta do jornal suíço LE TEMPS confirma a sua actual disponibilidade.
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