quinta-feira, 23 de outubro de 2008

CATA-VENTO GREENSPAN!

Desde a sua saída da liderança do FED que Alan Greenspan[1], o reputado especialista em mercados financeiros, não tem deixado de marcar presença regular nos meios informativos.

Em Setembro de 2007, já após os primeiros sinais do rebentamento da bolha do “subprime”, aquele economista publicou as memórias da sua passagem pelo FED – A Era da Turbulência -, livro em cuja segunda parte explana as vantagens das economias de mercado livre e a sua inabalável fé na “mão invisível” que regulará aquele mercado.

Em perfeita consonância com aquela convicção, durante a sua passagem por Lisboa, no princípio de Outubro do mesmo ano, e durante a sua intervenção na 1.ª Conferência Sol/Diário Digital afirmou, relativamente àquela crise, que «se não se verificarem efeitos secundários, o pior da crise pode já ter passado». A “extensa e ilustre audiência”[2], ouviu e aplaudiu...

Mas a crise não passou e no último dia desse ano, numa entrevista aos microfones da NPR (cadeia pública de rádio norte-americana), Greenspan anunciava que algo de inesperado iria acontecer em breve que nos sideraria, que as grandes melhorias das economias registadas nos últimos quinze anos são transitórias e em vias de mudança e que os bancos centrais já não controlavam a formação das taxas de juro nem dos preços (por outras palavras – a inflação).

Curiosamente, ou não, admitiu durante a entrevista que o seu palmarés enquanto formulador de previsões não era espectacular... Ora isto já todos tínhamos entendido até do tempo em que foi presidente do FED e grande defensor e dinamizador da política de juros baixos que terá grandemente contribuído para a formação da mostruosa bolha especulativa em torno do imobiliário.

Mas verdadeiramente espantosas são as suas mais recentes declarações que o DIÁRIO ECONÓMICO hoje divulgou e que constam de um seu testemunho escrito ao Comité da Casa Branca sobre a Supervisão e Reforma Governamental, no qual, pasme-se, defende regulamentação mais apertada depois da crise.

Esta posição não contradiz apenas as suas declarações mais recentes mas, sobretudo, aquele que foi o “leit motiv” do longo período (20 anos) da sua liderança no FED – uma intransigente defesa do princípio da desregulamentação da actividade financeira – bem expresso nas múltiplas ocasiões em que publicamente defendeu as vantagens da gestão privada sobre a pública e tudo fez para garantir ao mercado de capitais (á vista ou a prazo) a máxima liberdade e isenção de supervisão.

É verdade que nos últimos tempos temos assistido a assombrosas declarações de origens particularmente inusitadas, mas uma coisa é ouvirmos políticos como Nicolas Sarkozy ou José Sócrates, conhecidos cultivadores e praticantes aplicados dos mais liberais princípios económicos, a falarem na necessidade de maior controlo e regulamentação dos mercados, outra é vermos um dos “gurus” do neoliberalismo monetarista (que embora na juventude tenha alinhado nas correntes mais radicais do objectivismo – linha de pensamento filosófico desenvolvida no século XX por Ayn Rand que procurou conjugar posições de natureza metafísica, epistemológica, ética, política e estética para justificar o primado dos direitos individuais como forma única do capitalismo – foi-se aproximando, pragmaticamente, das mais moderadas correntes neoliberais e monetaristas) aparecer na fase terminal da sua vida, qual cata-vento, a contradizer o que até agora viera defendendo.

Para já permanece a dúvida sobre se esta nova posição de Greenspan é um reconhecimento do erro ou mero sinal dos tempos!
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[1] Economista, licenciado pela Universidade e Nova York, de ascendência hungaro-judaica (o nome original da família era Grunspan, nasceu naquela cidade em 1926, foi nomeado por Ronald Reagan para a presidência do FED em 1987 e sucessivamente reconduzido até ao final de 2006. Ganhou notoriedade pela actuação no “crash” da Segunda-Feira Negra (Black Monday – 19 de Outubro de 1987) e na crise das “dot-com” (nos anos 90 do século passado). As suas posições pró desregulamentação dos mercados e a prática de baixas taxas de juro valeram-lhe críticas de economistas como Joseph Stiglitz e Paul Krugman (ambos galardoados com o Prémio Nobel de Economia) e são hoje apontadas como grandes responsáveis pela especulação imobiliária e a crise do “subprime” que facilitaram. Apesar de tudo isto Greenspan é considerado por muitos como uma autoridade em política monetária e dispõe ainda de grande influência.
[2] A expressão é reprodução fiel do texto da notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS sobre a Conferência.

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