Em Setembro de 2007, já após os primeiros sinais do rebentamento da bolha do “subprime”, aquele economista publicou as memórias da sua passagem pelo FED – A Era da Turbulência -, livro em cuja segunda parte explana as vantagens das economias de mercado livre e a sua inabalável fé na “mão invisível” que regulará aquele mercado.
Em perfeita consonância com aquela convicção, durante a sua passagem por Lisboa, no princípio de Outubro do mesmo ano, e durante a sua intervenção na 1.ª Conferência Sol/Diário Digital afirmou, relativamente àquela crise, que «se não se verificarem efeitos secundários, o pior da crise pode já ter passado». A “extensa e ilustre audiência”[2], ouviu e aplaudiu...
Mas a crise não passou e no último dia desse ano, numa entrevista aos microfones da NPR (cadeia pública de rádio norte-americana), Greenspan anunciava que algo de inesperado iria acontecer em breve que nos sideraria, que as grandes melhorias das economias registadas nos últimos quinze anos são transitórias e em vias de mudança e que os bancos centrais já não controlavam a formação das taxas de juro nem dos preços (por outras palavras – a inflação).
Curiosamente, ou não, admitiu durante a entrevista que o seu palmarés enquanto formulador de previsões não era espectacular... Ora isto já todos tínhamos entendido até do tempo em que foi presidente do FED e grande defensor e dinamizador da política de juros baixos que terá grandemente contribuído para a formação da mostruosa bolha especulativa em torno do imobiliário.
Mas verdadeiramente espantosas são as suas mais recentes declarações que o DIÁRIO ECONÓMICO hoje divulgou e que constam de um seu testemunho escrito ao Comité da Casa Branca sobre a Supervisão e Reforma Governamental, no qual, pasme-se, defende regulamentação mais apertada depois da crise.
Esta posição não contradiz apenas as suas declarações mais recentes mas, sobretudo, aquele que foi o “leit motiv” do longo período (20 anos) da sua liderança no FED – uma intransigente defesa do princípio da desregulamentação da actividade financeira – bem expresso nas múltiplas ocasiões em que publicamente defendeu as vantagens da gestão privada sobre a pública e tudo fez para garantir ao mercado de capitais (á vista ou a prazo) a máxima liberdade e isenção de supervisão.
É verdade que nos últimos tempos temos assistido a assombrosas declarações de origens particularmente inusitadas, mas uma coisa é ouvirmos políticos como Nicolas Sarkozy ou José Sócrates, conhecidos cultivadores e praticantes aplicados dos mais liberais princípios económicos, a falarem na necessidade de maior controlo e regulamentação dos mercados, outra é vermos um dos “gurus” do neoliberalismo monetarista (que embora na juventude tenha alinhado nas correntes mais radicais do objectivismo – linha de pensamento filosófico desenvolvida no século XX por Ayn Rand que procurou conjugar posições de natureza metafísica, epistemológica, ética, política e estética para justificar o primado dos direitos individuais como forma única do capitalismo – foi-se aproximando, pragmaticamente, das mais moderadas correntes neoliberais e monetaristas) aparecer na fase terminal da sua vida, qual cata-vento, a contradizer o que até agora viera defendendo.
Para já permanece a dúvida sobre se esta nova posição de Greenspan é um reconhecimento do erro ou mero sinal dos tempos!
_________
[1] Economista, licenciado pela Universidade e Nova York, de ascendência hungaro-judaica (o nome original da família era Grunspan, nasceu naquela cidade em 1926, foi nomeado por Ronald Reagan para a presidência do FED em 1987 e sucessivamente reconduzido até ao final de 2006. Ganhou notoriedade pela actuação no “crash” da Segunda-Feira Negra (Black Monday – 19 de Outubro de 1987) e na crise das “dot-com” (nos anos 90 do século passado). As suas posições pró desregulamentação dos mercados e a prática de baixas taxas de juro valeram-lhe críticas de economistas como Joseph Stiglitz e Paul Krugman (ambos galardoados com o Prémio Nobel de Economia) e são hoje apontadas como grandes responsáveis pela especulação imobiliária e a crise do “subprime” que facilitaram. Apesar de tudo isto Greenspan é considerado por muitos como uma autoridade em política monetária e dispõe ainda de grande influência.
[2] A expressão é reprodução fiel do texto da notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS sobre a Conferência.
Sem comentários:
Enviar um comentário