sábado, 27 de fevereiro de 2010

OUTRA BOLHA

A proliferação de comentários e artigos de opinião, de personalidades ligadas aos sectores tradicionalmente menos críticos da sociedade, relativos à possibilidade da crise económica se estender além do que os mais optimistas prevêem, longe de me comprazerem, cimentam a ideia de que muitas das observações que aqui tenho deixado se justificavam na altura.

Quando até membros proeminentes de organismos reputados, como Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, afirmam que «
Restaurar finanças públicas pode levar 20 anos» poucos poderão continuar a afirmar que o pior terá passado e que agora há que pensar na forma mais rápida de devolver a condução do processo económico à esfera privada.

Talvez melhor que voltar a repetir afirmações antigas seja citar os que mais recentemente têm vindo a alertar para aquela dura realidade, como o antigo responsável do FMI, Kenneth Rogoff, cujas recentes declarações num fórum recentemente realizado em Tóquio levaram o
ESTADO DE S.PAULO a escrever que «Ex-economista do FMI prevê série de calotes soberanos» ou o nosso bem conhecido Manuel Maria Carrilho que normalmente alheado deste tipo de realidades, chama para ela a atenção na sua última crónica no DN e que intitulou «A bolha do conformismo».
Será possível que só as vozes mais distantes dos aparelhos políticos e económicos é que vejam a profunda delicadeza da situação mundial?

É verdade que muito intelectuais, por convicção ou simples fidelidade à corrente dominante, escamoteiam as situações, enquanto muitos responsáveis, por mera solidariedade político-institucional, são condicionados a suavizar a dureza das observações e das decisões que se impunham; mas isso apenas confirma a necessidade de se dar voz aos que pensam de forma diversa.

Numa época em que a velocidade de circulação da informação tem crescido de forma exponencial, que o acesso a dados estatísticos, análises e comentários é de uma dimensão tal que é quase humanamente impossível abarcar o seu conjunto e com os decisores políticos crescentemente expostos ao escrutínios dos seus eleitores, seria de esperar que semelhante tipo de apelo fosse redundante; contudo, seja por interesse dos proprietários dos meios de informação mais populares (televisões) seja por conveniência dos poderes estabelecidos, o que se verifica é quase o inverso.

As vozes dissonantes ou claramente discordantes são sistemática e eficazmente afastadas e mesmo quando parece que se concede tempo de antena aos críticos estes são criteriosamente escolhidos entre os que, expondo algumas críticas não se arrojem a estultícia de propor grandes mudanças, não pondo assim em causa os interesses instalados.

Talvez por isso tenha referido anteriormente a crónica de Manuel Maria Carrilho; mesmo sem partilhar integralmente a ideia da existência de uma bolha de conformismo (baseado no facto do conformismo ser um tipo de comportamento gerado no interior de um grupo em resultado das influências dos seus membros, parece-me mais correcto falar em amorfismo social, pois os factores de influência serão principalmente de ordem externa) não posso deixar de salientar o passo em que o autor apela a «…contrariar a ideia de que […] não há alternativas. O que é preciso é olhar para aqueles - e são muitos - que propõem outras vias, porque o que hoje não falta são ideias e alternativas - o que falta é capacidade política para as ouvir, discutir e, eventualmente, seguir».

A ver vamos se o seu apelo conhece o mesmo destino de tantos outros…

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

O LAMAÇAL

Atentas as notícias dos últimos dias haveria alguma forma de fugir ao tema do lamaçal?

Depois de José Sócrates se ter apresentado na SIC numa postura e com um discurso que nada esclareceu, que dizer da notícia hoje difundida pelo
DN, segundo a qual «Ferreira Leite confirma que sabia do negócio PT/TVI», senão que o lamaçal em que vivem os partidos que têm partilhado a esfera do poder começa a ganhar uma dimensão superior àquele que literalmente inundou a cidade do Funchal.

Mais, a notícia não desmentida, antes confirmada pela visada que segundo aquele jornal terá mesmo a afirmado: “Ora essa, e qual é o crime que está a ser cometido por ser informada? Agora não posso ser informada? Se fui informada, isso só prova que de facto o esquema estava a ser montado e que o crime estava a ser cometido”, apenas confirma a teia de interesses que há muito está instalada entre o Rato e a Lapa, que além de em nada beneficiar a generalidade dos portugueses se prepara para continuar a sua senda de malfeitorias e calamidades.

Calamidades que, ao contrário das de origem natural, tardam em ser “limpas” do quotidiano nacional e continuam a pesar nos cada vez mais parcos recursos do país.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

ALÉM DA FRASE

Embora já tenham passado alguns dias desde que li a frase, da autoria de José Eduardo Moniz, que o PUBLICO escolheu para destaque da sua edição do passado dia 17:

«A teia conspirativa envolvendo políticos, empresários e gestores, alguns deles transportando como única habilitações a capacidade de bem servir o líder, é monstruosa e denunciadora da falta de respeito e da indiferença pelos cidadãos e pela democracia. Chavez na Venuzuela não faria melhor»

o seu conteúdo e o momento continuam a justificar que se volte ao tema.

Mesmo depois de no mesmo dia ter ouvido Pacheco Pereira afirmar num debate durante o Jornal Nacional da TVI[1] que não existe censura em Portugal (em contradição com o que as principais figuras do seu partido vêem declarando), nem por isso se pode deixar passar sem comentário a afirmação que José Eduardo Moniz fez nas páginas do ECONÓMICO, tanto mais que o mesmo alude ao incompreensível e generalizado fenómeno da promoção de “inqualificados” como se este fosse um exclusivo da esfera política, esquecendo (ou talvez tentando que nenhum dos seus leitores se recorde do papel que desempenhou enquanto director de programas de um canal de televisão privado que foi um dos grandes responsáveis pela generalização das telenovelas e dos concursos de duvidosa ou nula qualidade) que essa tem sido a tendência no conjunto da sociedade portuguesa.

Embora seja inquestionável a enorme responsabilidade que José Eduardo Moniz teve na degradação dos valores basilares de uma sociedade moderna, ao generalizar junto da população espectadora de televisão e em especial entre os mais jovens uma cultura de facilitismo, a observação que fez é pertinente, mas deve ser devidamente enquadrada no conjunto da sociedade portuguesa.

Que a democracia possa não passar do menos mau dos sistemas de governo ou que o poder corrompe, são noções que há muito passaram a ser entendidas como correntes mas que nunca foram verdadeiramente entendidas e a ainda menos compreendidas.

Que agora venham alguns quadrantes políticos clamar contra um clima de censura (há uns meses a expressão dilecta era a da asfixia democrática, mas talvez por ser demasiado erudita tenha passado desapercebida à generalidade das massas habituadas a pouco mais conhecer e comentar programas como os disponibilizados pelo canal de televisão que José Eduardo Moniz dirigiu) como se tal se tratasse de situação inédita e nunca vista após o 25 de Abril, está para além do aceitável mesmo num processo de luta política e apenas se justifica porque o combate político deixou de se fazer em torno de ideias e de princípios.

Este processo foi tão natural quanto se generalizou a ideia da obsolescência das teorias e, pior, o postulado do fim da história[2], dando lugar à ideia da inevitabilidade da hegemonia de uma corrente de pensamento e à substituição do debate de ideias pela discussão de temas “socialmente fracturantes” e imbecializantes como os da proibição do fumo e do casamento homossexual.

Desprovidos de ideais ou de grandes valores, pretendem assumir-se agora como condutores de um colectivo que não entendem (as bases de formação são fracas ou nulas), nem querem entender (a aquisição de conhecimentos implica trabalho e esforço, mas o que lhes foi incutido forma noções de “esperteza” e de “desenrascanço”) enquanto tal lhes proporcionar os ganhos fáceis a que se julgam com direito natural; dividem entre si os lugares-chave (que proporcionam poder e riqueza) e digladiam-se com o mero fito de os alcançarem para proveito próprio ou da súcia que os rodeia e manterão este tipo de comportamento profundamente lesivo do colectivo enquanto nos mantivermos imóveis e silenciosos, isolados entre quatro paredes a assistirmos aos programas televisivos com que pretendem preencher a nossa existência.
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[1] O conteúdo das declarações de Pacheco Pereira, proferidas durante um frente-a-frente com Augusto Santos Silva, pode ser lido aqui.
[2] Alusão ao postulado defendido por Francis Fukuyama (filósofo político e ideólogo norte-americano do neoliberalismo) segundo o qual como o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim o desenvolvimento do processo histórico baseado nos conflitos ideológicos aproxima-se do fim, dando lugar a uma fase de hegemonia das teses neoliberais.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

INCONGRUÊNCIAS…

Depois da reunião do ECOFIN[1] e da decisão desta estrutura apoiar a candidatura de Vítor Constâncio para ocupar a vice-presidência do Banco Central Europeu, de pronto surgiram na imprensa nacional o habitual coro de felicitações e de pouco contidas manifestações de orgulho nacional, como é o caso desta do PUBLICO que faz manchete de declarações de José Sócrates destacando que nomeação de Constâncio é êxito da diplomacia nacional, ou quando, fazendo-se eco de declarações do Presidente da República, escreve que «Cavaco Silva expressa confiança nas "qualidades pessoais" de Vítor Constâncio».

Mesmo sem considerar as declarações que o próprio Constâncio fez ao I[2], que podem levar a crer que a sua disposição para “emigrar” terá sido fruto das controvérsias que nos últimos anos envolveram o Banco de Portugal no seu papel de supervisão do sistema bancário português, já anteriormente este desvalorizara o processo de candidatura referindo que a escolha é principalmente consequência de um processo de negociação política, facto que (verdade se diga, alguma imprensa nacional não escondeu[3]) pelo que todo este “embandeirar em arco” assume proporções perfeitamente ridículas.

Mas o cúmulo surge quando, através do mesmo jornal ficamos a saber que o PSD congratula-se com nomeação de Constâncio; o mesmo PSD que não deixou de aproveitar a acção do Banco de Portugal (e de Vítor Constâncio) ainda a propósito dos casos BCP, BPN e BPP, para criticar o governo e pedir a demissão de Vítor Constâncio do cargo de Governador.

Exagero, absoluta falta de vergonha ou total ausência de convicções é o mínimo que se pode dizer de tudo isto!
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[1] Designação pela qual é conhecido o Conselho para os Assuntos Económicos e Financeiros da União Europeia, o qual reúne os ministros das finanças dos estados-membros; este conselho, cujas decisões são tomadas por maioria qualificada, exerce um poder legislativo em matérias económico-financeiras, muitas vezes em conjunto com o próprio Parlamento Europeu.
[2] A notícia em causa pode ser lida aqui.
[3] A título de exemplo refira-se outro artigo do PUBLICO intitulado «Constâncio eleito para o BCE no interesse da Alemanha».

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

UM PROBLEMA, SEIS VISÕES

A propósito da questão do endividamento público dos países da Zona Euro, a última edição da revista VISÃO[1], na sequência da revelação da delicada situação grega, deu-nos pela voz de seis abalizadas personalidades um leque abrangente de opiniões e uma curiosa súmula do problema.

Começando por Paul Krugman, prémio Nobel de Economia, que assegura que «[o] maior problema da Zona Euro não é a Grécia, é a Espanha», ponto de vista que explica no seu mais recente artigo no NEW YORK TIMES, que muito a propósito intitulou «The Making of a Euromess» e que no essencial avança a tese de que a conjugação de modelos de desenvolvimento assentes no crescimento imobiliário, financiados por capitais estrangeiros e em economias sem controlo cambial (como sucede na Zona Euro) dificilmente poderiam ter evitado a actual situação e continuando com a infeliz intervenção do comissário europeu da Economia, Joaquín Almunia, que ao afirmar que «Grécia, Portugal, Espanha e outros países da Zona Euro partilham alguns problemas. Nestes países podemos observar uma perda permanente de competitividade desde que se tornaram membros da União Económica e Monetária» forneceu argumentos para que o custo do financiamento daqueles estados fosse agravado.

Tentando remediar os efeitos de afirmações daquele jaez, veio dias depois a público o presidente do Eurogrupo e primeiro-ministo luxemburguês, Jean-Claude Junker, assegurar que «Espanha e Portugal não representam qualquer risco para a estabilidade da Zona Euro»; afirmação que os agentes dos mercados de capitais entenderam como sinal de que o Eurogrupo estaria disposto a apoiar a debilitada economia grega, como aliás se veio a verificar na cimeira que teve lugar no final da semana passada[2].

Se a nível externo esta questão originou óbvia agitação, que dizer a nível interno quando o governo de José Sócrates acabou por anunciar um défice em 2009 acima dos 9% e superior ao previsto em quase 1%; a urgência e a delicadeza da situação obrigou o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, a desdobrar-se em entrevistas (inclusive a meios de comunicação estrangeiros) e declarações como a que denuncia que «[m]uitos dos problemas que estamos a enfrentar estão relacionados com erros de avaliação que foram cometidos pelas agências de rating. Não podemos estar sujeitos a estratégias comerciais que têm como objectivo aumentar a sua quota de mercado». Talvez por sentir o perigo para o conjunto do sistema financeiro português e para o próprio banco que dirige, Ricardo Salgado, presidente do Grupo Espírito Santo, veio em socorro do ministro perguntando: «Porque raio é que as agências de rating dizem que a Grécia e Portugal são a mesma coisa, porque é que consideram que as nossas economias estão interligadas ao ponto de quererem explicar que o problema grego é idêntico ao português? E não é».

O interessante no meio de tudo isto é que todos os citados revelam conhecer razoavelmente bem as razões pelas quais ocorre esta súbita desconfiança dos mercados de capitais; Krugman avança com uma explicação eminentemente técnica, Almunia diz, como na célebre história de Hans Christian Andersen[3] o que toda a gente já sabia e Teixeira dos Santos e Ricardo Salgado apontam baterias mais às consequências do problema que à sua real origem.

No essencial todos têm razão, mas nenhum avança uma hipótese de solução (salvo Paul Krugman que preconiza o aprofundamento do processo de União Económica por forma a permitir que as transferências entre regiões atenuem os efeitos originados na existência de uma moeda única sobre a qual cada uma das regiões isoladamente não dispõe de mecanismos de influência) que aponte para a que se afigura mais apropriada: a recuperação da preponderância da esfera pública na emissão de moeda e a retorno à prática de uma política de apertada vigilância e controlo da actividade financeira, expurgando-a tanto quanto possível das práticas meramente especulativas.

Até o reputado político e eminente economista, que é o Presidente da República, Cavaco Silva, foi citado dizendo que: «Os mercados tentam encontrar um alvo para realizar ganhos. É uma actuação condenável, mas uma realidade que os países não conseguem contrariar», afirmação que não passa de uma lamentável confissão da incapacidade dos políticos para enfrentarem o problema que, com as suas políticas de sistemática redução do papel dos poderes públicos, ajudaram a criar
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[1] A revista em causa é a VISÃO, nº884, de 11 de Fevereiro.
[2] Uma das notícias que talvez resuma melhor as conclusões é esta do JORNAL DE NEGÓCIOS.
[3] Hans Christian Andersen (1805 — 1875) foi um poeta e escritor dinamarquês de histórias infantis. As origens humildes da família, o pai era sapateiro, levou a que tivesse dificuldades para concluir a sua instrução; escreveu peças de teatro, contos e histórias, mas tornou-se mundialmente célebre graças aos seus contos infantis, entre as quais se contam «O Soldadinho de Chumbo» e a «A Pequena Sereia».

sábado, 13 de fevereiro de 2010

POLÍTICOS E JORNALISTAS

Pouco mais de cinco anos volvidos sobre a demissão do governo então liderado por Pedro Santana Lopes, eis-nos mergulhados em novo episódio rocambolesco que poderá muito bem conduzir a idêntica conclusão.

O avolumar das dúvidas sobre a integridade de carácter do actual primeiro-ministro pode estar a atingir um ponto de insustentabilidade. Já não são apenas questões como a da licenciatura relâmpago ou um possível (mas dificilmente provado) envolvimento num caso de corrupção (o caso Freeport); agora é trazido a lume um muito provável conluio para a manipulação de um ou vários órgãos de comunicação social, descoberto durante um processo de investigação policial a um outro caso de corrupção económica, o caso Face Oculta, envolvendo personalidades do PS.

Por muito que se procure defender o princípio jurídico da presunção da inocência e do círculo próximo de José Sócrates continuar a tentar veicular a ideia de que tudo não passará de um amontoado de coincidências, o facto é que estas começam a ser em número demasiado e talvez seja chegada a altura do PS deixar de enterrar a cabeça na areia e admitir que o problema existe e tem um nome: José Sócrates e amigos.

Porém, o problema não é recente e nem sequer é específico do partido no poder. Casos como os que a comunicação social tem divulgado têm sido recorrentes nas últimas décadas em Portugal
[1] e a razão da sua ocorrência tem que ser procurada muito além da existência de censura em Portugal, como Manuela Moura Guedes reclamou perante as câmaras da SIC[2].

Que tudo indica que José Sócrates e o seu círculo mais próximo estará envolvido numa tentativa para controlar alguns dos meios de informação nacional, parece uma realidade cada vez mais difícil de negar, agora que tal tipo de comportamento redunde na existência de censura só parece possível na cabeça de “fazedores de notícias” como Manuela Moura Guedes. Como muito a propósito escreveu Batista-Bastos, esta semana no
DN[3], a dúvida sobre a existência, ou não, de censura só pode ser levantada por quem não «…vem do tempo em que se escrevia baixinho, tão baixinho que perdêramos muitas das palavras, por mudez e falta de uso», ou, acrescento eu, quem por manifesta má fé ou absoluta ausência de valores acha que tudo vale para atingir o objectivo de substituir José Sócrates.

Na prática, o que tenho lido e ouvido nos últimos dias leva-me a colocar no mesmo prato da balança o inaceitável José Sócrates e os imprestáveis que mais não querem que atingir a sua posição. Entre os que afanosamente defendem um primeiro-ministro desprovido de ética e de valores, como os da liberdade e os do direito à opinião, e os que se afadigam e desdobram hoje em críticas mas que quando ocuparam os corredores do poder agiram de forma praticamente igual
[4], não consigo estabelecer qualquer diferença.

Refutando liminarmente a ideia da existência de censura, não posso deixar de criticar os políticos (da esfera do governo ou da oposição) que não enjeitam a primeira oportunidade para manobrar e manipular a imprensa e os jornalistas que temos e que mais do que informar procuram apenas a “caixa” bombástica que assegure uma boa manchete, uma maior tiragem e quiçá uma promoção mais rápida.

É que se a algum político terá passado pela cabeça a ideia de poder “manobrar” publicações, não será também porque a maioria dos “jornalistas” peca pelas reduzidas qualidades profissionais que tão espalhafatosamente exibe?
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[1] A prová-lo esteve o I que no Verão passado publicou um conjunto de artigos (cerca de duas dúzias) sobre os “casos” mais polémicos registados após o 25 de Abril de 1974, que podem ser lidos aqui.
[2] A declaração pode ser lida aqui.
[3] A crónica intitulada «Liberdade, eis a questão», pode ser lida aqui.
[4] Ainda que julgue desnecessário, sempre recordo o muito pouco digno episódio que em 2004 rodeou a suspensão da participação de Marcelo Rebelo de Sousa no Jornal Nacional da TVI, envolvendo o presidente daquela estação de televisão (que, segundo esta notícia do PUBLICO, o visado denunciou à Alta Autoridade para a Comunicação Social) durante o governo de Santana Lopes, ou a verdadeira guerra que na década de 80 então rodeou a imprensa escrita nacional, traduzida como refere Batista-Bastos na crónica que já anteriormente citei «…extinção de títulos, a substituição de direcções de jornais e a remoção de jornalistas incómodos por comissários flutuantes...». A propósito da actual polémica sobre a censura que pesará sobre os jornalistas, recomendo a leitura de outra crónica de Batista-Bastos (escritor e jornalista que verdadeiro repositório ainda vivo de outros tempos, muito poderá ensinar aos mais novos sobre o assunto), a que ontem publicou no JORNAL DE NEGÓCIOS, sob o título «Sobre a liberdade de imprensa e algumas coisa mais»

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

POLÍTICOS FRACOS – MOEDAS FRACAS

Ainda esta semana decorrerá uma cimeira europeia que, no entender do JORNAL DE NEGÓCIOS[1], deverá apresentar um plano para socorrer a Grécia.

Embora aceitável do ponto de vista do óbvio interesse europeu na defesa da sua divisa, parece-me muito pouco provável que tal ocorra
[2], pelo menos para já, pois o passado recente da UE, na perspectiva da construção dum espaço político-económico sólido e solidário, deixa cada vez mais a desejar.

Não o digo apenas por causa de coisas gravíssimas, como a aprovação do Tratado de Lisboa à revelia da opinião pública europeia (ou em manifesta oposição como ficou bem claro após a rejeição do primeiro referendo realizado na Irlanda), mas principalmente pela crescente insignificância das Comissões presididas por Durão Barroso ou pela nomeação dos anódinos Herman Von Rompuy, para a presidência da União, ou Catherine Ashton, como alta-representante para os Negócios Estrangeiros, que só pode ser entendida numa estratégia dos países mais fortes para minar na essência o funcionamento da comunidade.

A comprovar a evidente fragilidade da actual EU, veja-se a total incapacidade dos seus líderes entenderem a absoluta necessidade da introdução de novas regras de funcionamento para os mercados financeiros e para o conjunto de um sector económico particularmente responsável pela crise mundial., facto que até a própria administração norte-americanos já começa a reconhecer. Mesmo que a proposta presidencial de voltar a impor uma separação entre a banca de investimentos e a banca comercial possa esbarrar na intransigência do Partido Republicano, a apresentação da proposta revela já uma maior preocupação que os homólogos europeus desconhecem de todo.

A tibieza europeia está a originar custos para os estados membros que vão além dos de dimensão e projecção estratégica, como a quase total ausência da Europa no debate das grandes questões globais[3].

Isso mesmo ser comprovado mediante uma rápida leitura da generalidade da imprensa e das notícias contraditórias que têm sido publicadas a propósito da avaliação da problemática dos crescentes défices públicos, seja quando as empresas de “rating” insistem no aumento do risco das dívidas denominadas em euros (Grécia, Portugal, Espanha, etc.) mas pouco ou nada informam relativamente a outras divisas (dólares, libras e yens) e outros países (EUA, Reino Unido e Japão) que apresentam volumes de endividamento significativamente superiores, seja quando se desdizem a propósito dos riscos associados à dívida de cada estado[4], assim contribuindo para alimentar um ciclo de especulação sobre o euro, as dívidas denominadas nessa moeda, os estados que compõem a UE e a própria União.
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[1] A notícia referida pode ser lida aqui.
[2] Mesmo considerando esta recente notícia do LE MONDE.
[3] Exemplo disso mesmo tem sido a exclusão da Europa no processo de concertação entre os EUA e a China, patente quer na recente Cimeira de Copenhaga quer na preparação da última visita que Barack Obama fez à Ásia (China e Japão)
[4] Exemplo claro disso é uma notícia do ECONÓMICO segundo a qual a Fitch (uma das três grandes agências de notação de risco, a par com a Moody’s e a Standard & Poor’s) diz que «Risco de incumprimento de Portugal é “próximo de zero”» quando nas vésperas e segundo esta outra notícia do mesmo jornal: «Risco da dívida portuguesa sobe mais que o da Grécia», fora o próprio presidente daquela empresa a colocara situação portuguesa a par da grega; outro exemplo pode ser esta notícia do JORNAL DE NEGÓCIOS que no dia 13 de Janeiro divulgava a opinião da Moody’s de que «Portugal enfrenta risco de morte lenta», quando agora, o mesmo jornal, já anuncia que «Moody"s diz que situação de Portugal não é comparável com a da Grécia».

sábado, 6 de fevereiro de 2010

ELES NEM SABEM O QUE DIZEM

A semana que terminou foi particularmente fértil em notícias relativas ao endividamento público e aos défices, seja porque este é o período habitual para a aprovação dos orçamentos, seja porque abundam os comentários e as análises quanto àquela problemática. Para ajudar (ou para atrapalhar…), juntaram-se ainda as reacções das agências de “rating” e os comentários de responsáveis comunitários, como os do comissário Joaquín Almunia que levaram o ECONÓMICO a afirmar que «Bruxelas também cola economia portuguesa à grega» e o governo português a desdobrar-se em comentários e contra-argumentações.

Em jeito de resposta a grande parte da (des)informação[1] que circula a propósito dos elevados défices públicos que, recorde-se foram em grande parte aumentados para socorrer os bancos em situação difícil ou para apoiar as economias mergulhadas numa crise originada no sector financeiro, alguns responsáveis governativos têm procurado acalmar o chamado nervosismo dos mercados.

Entre estas tentativas pode-se incluir uma entrevista publicada no jornal francês LIBÉRATION com o nosso primeiro-ministro, José Sócrates, e que apresenta algumas passagens particularmente dignas de referência, nomeadamente nas que refere a reduzida racionalidade dos mercados financeiros, quando afirma que «…os mercados não se preocupam com a realidade da situação económica, baseando-se em ideias feitas para realizarem as suas apreciações» ou quando se interroga «…porque é que não se preocupam com a situação da Inglaterra ou dos Estados Unidas, para não falar do Japão, países onde as contas públicas estão bem mais degradadas que em Portugal».

Depois disto e de mais adiante dizer que «[É] extraordinário que as agências de “rating” critiquem os governos por terem gasto o dinheiro que permitiu salvar o sistema financeiro», seria natural que concluísse uma apreciação tão lúcida sobre os anacronismos dos mercados financeiros e sobre os agentes que neles operam com a formalização de uma verdadeira proposta de resolução das contradições tão claramente denunciadas; mas não, Sócrates em vez de apelar à formulação de uma nova política económica no seio da UE, que passasse por:

  • o fim do monopólio bancário da criação de moeda, fazendo regressar este processo à iniciativa pública;
  • uma limitação ao actual sistema de reserva fraccionária[2];
  • a extinção dos “offshores”, cuja razão principal de existência é a evasão fiscal;

limitou-se a uma anódina proposta de «mais Europa», como se mais do mesmo pudesse resolver os actuais problemas.

Ter-se-á Sócrates apercebido quão perto esteve do cerne do real problema que o seu governo (e dos seus congéneres por essa Europa e esse Mundo fora) enfrenta?

Nunca se aperceberam que quando emitem dívida, por exemplo sob a forma de obrigações, os seus grandes compradores não são as famílias geradoras de poupanças ou as empresas geradoras de lucros, mas sim as grandes empresas financeiras e os fundos de investimentos e de pensões que gerem? E que na actual conjuntura boa parte desse endividamento resultou do dinheiro que injectaram nos bancos e nas empresas em vias de falência ou nos gastos acrescidos com as prestações sociais indispensáveis para minimizar a vaga de despedimentos que muitas empresas usaram para aumentarem os seus lucros?

Alguma vez Sócrates, ou alguém na sua “entourage”, se questionou sobre a lógica que permite ao sistema financeiro lucrar com a crise que gerou?

A realidade, nomeadamente o “teatro” que tem rodeado a aprovação do Orçamento Geral do Estado e o episódio da Lei das Finanças Regionais que apenas têm servido como palco para mais umas pseudo escaramuças políticas e uma troca de “galhardetes” entre uns poucos figurões, demonstra que nem Sócrates nem os seus correligionários dos diferentes quadrantes políticos têm uma clara noção do que os rodeia, salvo o que já teriam tomado as medidas adequadas, ou então são objectivamente manipulados pelos que continuam a lucrar com toda esta situação.
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[1] Uso aqui intencionalmente o duplo sentido entre informação e desinformação porquanto grande parte das notícias, análises e comentários que nos últimos meses têm sido produzidos a propósito das questões ligadas ao endividamento dos Estados e ao agravamento dos respectivos riscos de incumprimento, dificilmente poderão deixar de ser classificadas como despudoradas manobras de desinformação.
[2] Recordo que o sistema de reserva fraccionária é o que permite às instituições financeiras utilizarem os meios financeiros dos clientes (vulgo depósitos) para a concessão de crédito; este sistema começou nos seus primórdios por permitir que os bancos mantivessem apenas uma percentagem dos depósitos dos clientes (a taxa de reserva que actualmente está fixada entre nós em 8%) e utilizassem o remanescente sob a forma de concessão de crédito, cobrando os respectivos juros.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

VOLTAVA A FAZER O MESMO

Depois de divulgadas as principais declarações que Tony Blair proferiu durante a audição promovida pela Comissão de Inquérito sobre o Iraque e na linha das que proferiu em meados de Dezembro último em entrevista à BBC ONE[1], constituída por iniciativa do governo de Gordon Brown e dirigida por John Chilcot, o interesse nas conclusões a apresentar pela Comissão deverá ser mínimo.

Se à partida ninguém esperava que mais uma comissão de inquérito[2] relacionada com a participação britânica na invasão do Iraque apresentasse conclusões bombásticas, ou sequer desagradáveis para os poderes estabelecidos, talvez poucos esperassem que o ex-primeiro-ministro Tony Blair se apresentasse perante a Comissão numa atitude de quase desafio e reiterasse sem o mínimo rebuço a decisão que estão tomara.

Nem mesmo o facto deste ter alterado a fundamentação para a acção bélica – reconhecida a inexistência de capacidade militar ofensiva do regime iraquiano, Blair e o “amigo” Bush passaram a afirmar que a destituição de Saddam era razão suficiente para a decisão que tomaram – parece estar a assumir as proporções públicas que devia.

É obviamente impensável que qualquer comissão oficial de inquérito, seja ela promovida por ingleses ou americanos, alguma vez produzirá conclusões contrárias aos interesses dos seus comanditários, mas os cidadãos têm o pleno direito de exigir melhor informação sobre questões da gravidade de uma invasão do Iraque que além dos milhares de mortos (os mais de 5.000 soldados da coligação, os cerca de 10.000 soldados iraquianos e os mais de 95.000 de civis[3]), dos milhões de deslocados, está a custar ao Mundo biliões de dólares[4], numa época em que as economias se apresentam particularmente depauperadas.

Mas, mais grave ainda que termos assistido a um ex-governante que justifica a terrível decisão de envolver o país que dirige e o seu povo numa agressão militar e que a justifica à luz da informação que conhecia na altura, é vermos passar quase incólume o político que defendeu uma guerra sob falsos pretextos e que hoje assegura que apesar disso voltaria a tomar a mesma decisão.

Tony Blair não mentiu aos ingleses e ao Mundo apenas em 2002, continua a mentir hoje em dia e com o mesmo despudor, quando afirma que o Mundo está melhor após o derrube de Saddam e que o digam as famílias dos soldados (de qualquer nacionalidade) mortos e os milhões de iraquianos desalojados por uma guerra que apenas terá servido os interesses ligados ao sector industrial-militar.
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[1] Ver, a propósito o “post”: «BLAIR, O SICOFANTA».
[2] Anteriormente a esta já existiram duas outras (a Comissão Hutton, instaurada para averiguaras circunstâncias que rodearam a morte do Dr. David Kelly, um especialista em armas químicas e reputado crítico da ideia de que Saddam Hussein dispunha daquele tipo de armamento, e a Comissão Butler, instaurada para aferir a qualidade da informação – a existência de armas de destruição em massa pelo regime iraquiano – que fundamentou a decisão da invasão daquele país) tendo ambas concluído favoravelmente aos interesses do governo que as nomeou.
[3] As fontes desta informação podem ser consultadas nas páginas Net de ICASUALTIES e de IRAQ BODY COUNT.
[4] Estimativas há que apontam para um gasto mensal da ordem dos 600 mil milhões de dólares, o que poderá elevar o total a um valor próximo dos 2,5 biliões de dólares.

domingo, 31 de janeiro de 2010

O PREÇO CERTO

Para quem tenha acompanhado, ou não, o desenrolar da mais recente saga afegã, iniciada com a invasão de tropas ocidentais após os acontecimentos do 11 de Setembro e com o objectivo fixado na captura de Osama Bin Laden, recomendo a leitura da crónica do embaixador britânico, Alexander Ellis, no último número do EXPRESSO, que faz uma interessante descrição da recente cimeira de interessados que reuniu em Londres, apresentando-a como «…um Programa de Paz e de Reintegração, que oferece alternativas económicas para aqueles que queiram renunciar à violência, cortar laços com o terrorismo, e prefiram abraçar o processo democrático».

Esta simples transcrição (típica de um diplomata de carreira) significa, nem mais nem menos, que os países ocidentais alinharam em assinar mais um cheque a Hamid Karzai, o presidente afegão que desde o desembarque das tropas da NATO se tem visto regularmente envolvido em fortes suspeitas de corrupção e cujo processo de reeleição é apenas mais um.

Esta realidade fica bem mais clara lendo-se a notícia do PUBLICO – «Plano afegão de negociar a paz com os taliban apoiado com condições» – que assegura que «…a conferência comprometeu-se com um fundo de 140 milhões de dólares (que pode chegar aos 500 milhões) para apoio à integração na sociedade dos que queiram abandonar a insurreição» e a dúvida (que a notícia também refere) relativa à fragilidade política de Karzai é o mínimo que se pode colocar.

Quando é conhecido o facto do mais recente relatório sobre o fenómeno da corrupção no Afeganistão, da autoria da USAID (United States Agency for International Development) mencionar que 2/3 das famílias afegãs pagaram subornos nos últimos 6 meses e de se estimar que os montantes envolvidos deverão rondar 25% do PIB afegão (cerca de 10 mil milhões de dólares), a dimensão do “investimento” agora decidido e a atracção que ele seguramente vai exercer sobre o que de pior existe na sociedade afegã é uma boa garantia para o prosseguimento da instabilidade naquele país.

sábado, 30 de janeiro de 2010

ELES ESTÃO DE VOLTA!

Este podia bem ser o título de qualquer notícia sobre a realização do tradicional Fórum Económico Mundial (ou Fórum de Davos, como é mais conhecido), não por esta ser a quadragésima vez que as mais importantes personalidades do mundo da economia, da finança e da política se reúnem mas por este ano registar o regresso em força e com uma renovada aparência dos banqueiros àquela elitista estância suíça. Contrariamente ao que sugere a notícia do DN que afirma que a «Reunião de Davos vai discutir crise haitiana», ninguém duvide que o tema central das principais conversas (formais e informais) é a questão da regulamentação da actividade bancária e que os muitos banqueiros presentes não deixarão de exercer toda a pressão que consigam para fazer vingar as teses do liberalismo económico que lhes permitiram nas duas últimas décadas vultuosos resultados.

Ao que reportam as múltiplas notícias sobre o evento existe alguma divergência de opiniões, com os banqueiros a defenderem o actual modelo desregrado e a recordarem (ou a ameaçarem) que a imposição de regras mais apertadas nas principais praças financeiras poderá levar ao desenvolvimento de praças secundárias, como Xangai, Singapura ou Zurique, enquanto outros defendem a necessidade de regulamentação que reduza os riscos da repetição do “vale tudo” que conduziu ao agravamento da actual crise.

Não se pense porém que a intenção dos reformadores consistirá em algo que vai alterar radicalmente a face da banca ou até pôr em causa a sua desmesurada capacidade para gerar dinheiro e lucros a partir das restantes actividades económicas. Isso mesmo foi deixado bem claro logo na abertura pelo inefável Nicholas Sarkozy, que sem pejo nem rebuço assegurou a quem o quis ouvir que a questão não pode ser colocada no sistema «...que substituirá o capitalismo, mas sim no tipo de capitalismo que queremos...», acrescentando que «...temos que refazer o capitalismo para lhe restaurar a sua dimensão moral e a sua consciência...», «...colocando o princípio do comércio livre em primeiro lugar, o que obtemos é uma fragilização da democracia»
[1].

Dito de outra forma, o que o presidente francês fez foi alertar os capitães da economia e os barões da finança para as enormes dificuldades que os seus representantes na política estão a encontrar para justificar o injustificável e para conter a revolta que ameaça alastrar entre os eternos condenados a pagar mais esta crise – os milhões de assalariados – que nas últimas décadas serviram para alimentar as economias liberais e que agora engrossam as listas de mais de cem milhões de desempregados espalhados por todo o Mundo.

E como se não bastasse este cenário suficientemente negro – deixado pelo documento
Global Employment Trends – January 2010, recentemente apresentado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) – é crescente a ideia de que a recuperação em perspectiva se vai transformar num crescimento económico sem criação efectiva de novos empregos na mesma proporção em que estes foram destruídos pela crise. Por outras palavras, muitos dos empregos perdidos não voltarão a ser criados.

A ausência forçada (por motivos de saúde) do presidente brasileiro, Lula da Silva, poderá ter deixado o pseudo debate de Davos um pouco mais pobre, mas duvido que mesmo a repetição das linhas principais do discurso que proferiu no início da semana no Fórum Social Mundial (a organização que de há dez anos a esta parte se tem afirmado como uma alternativa democrática a esta cimeira dos ricos), quando deixou bem claro a necessidade de mudar o sistema financeiro mundial, cuja irresponsabilidade foi a principal responsável pela crise que vivemos e se afirmou preparado para se apresentar em Davos para «[d]emonstrar que se o mundo desenvolvido tivesse cumprido o seu papel, não assistiríamos à crise que agora vivemos»
[2], tivesse algum efeito real entre os responsáveis pela condução dos negócios mundiais, ou mesmo algum eco na praticamente nula consciência moral ou ética dos políticos que com eles vivem em perfeita simbiose.

Embora ainda sejam quase desconhecidas a grande maioria das intervenções (e por óbvia extensão as conversas particulares e paralelas entre os intervenientes) não será difícil antever que o clima geral não deverá ser o da euforia que se registava nos bons velhos tempos em que tudo corria pelo melhor. E mesmo que se reduza o Fórum de Davos a uma reunião entre decisores e fornecedores (como parece sugerir o título
deste artigo do LE MONDE), nem por isso este deixa de ser um sinal de clara revelação da incapacidade das elites (económicas, financeiras e políticas) para entenderem as entropias que o sistema que geraram vem revelando.

A sua cegueira intelectual é tamanha que até pequenas medidas correctivas, como as propostas por Obama ou as sugeridas por Sarkozy e Zapatero
[3] serão muito provalvelmente ignoradas, porque esbarrarão na teia de interesses e compadrios que tem vindo a ser tecida. Claro exemplo disso mesmo é que um dos primeiros políticos a referir a necessidade de mudança no sistema de regulação financeira – o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown – já deixou, fruto da óbvia pressão dos grandes interesses da City londrina, de o defender em público[4].

Restarão poucas dúvidas à maioria das pessoas que os caminhos da economia mundial apresentam enormes dificuldades e que entre os próprios líderes as diferenças de opinião serão crescentes, mas sejam quais forem as conclusões do Fórum de Davos – este ano curiosamente apresentado sob o slogan "Repensar, Redesenhar, Reconstruir".– a probabilidade de dele resultar algo de prático é igual à do Fórum Social Mundial produzir mais que uma listagem de agravos e poucas ou nenhumas soluções exequíveis.

Ao que tudo indica a recuperação anémica das grandes economias ocidentais passará a ser anunciada aos povos crédulos como grandes feitos dos políticos seus dirigentes enquanto os lucros das grandes empresas, que aproveitaram o eclodir da crise para acelerar ainda mais o processo de deslocalização para as regiões que praticam salários mais baixos, continuarão a sustentar o enriquecimento dos seus donos e a distribuição de umas migalhas pelos mais obedientes dos títeres que nos dirigem.
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[1] As citações foram retiradas deste artigo da BBC NEWS.
[2] A citação atribuída a Lula da Silva foi retirada desta notícia do LE MONDE.
[3] Um resumo muito sucinto da intervenção do primeiro-ministro espanhol pode ser lido nesta notícia do EXPRESSO.
[4] Isto mesmo recorda esta notícia do I ONLINE.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

OBAMA E OS BANQUEIROS

De acordo com as notícias que nos últimos dias têm surgido na imprensa o presidente Obama prepara-se para iniciar uma nova frente de “batalha” por terras do Tio Sam. Ainda não terminou a disputa em torno da ideia presidencial de criação de um serviço nacional de saúde (Universal Healthcare, na terminologia dos seus defensores e Obamacare, na dos opositores) e já Barack Obama parece decidido a abrir nova frente de combate, agora com o objectivo de introduzir nova regulamentação no sector financeiro.
Assim exposta, a iniciativa até poderia parecer mais que louvável; porém, a realidade pode ser bem mais enganadora do que parece. Embora o PUBLICO tenha noticiado que «Obama impõe novas regras aos bancos para limitar riscos», o essencial da iniciativa será o retorno à obrigatoriedade de separação entre as actividades de banca de investimento (mais sujeita a risco e consequentemente privada da guarda de depósitos) e de banca comercial (única que poderá aceitar depósitos mas estará afastada da participação em “hedge funds” e noutras estruturas financeiras), ou não se contasse o nome de Paul Volcker[1] entre os conselheiros presidenciais.
Apesar de já se começarem a ouvir vozes clamando contra a intolerável intervenção pública na iniciativa privada, importa recordar que as regras agora propostas são as mesmas que vigoraram desde a aprovação em 1933 do Glass-Steagall Act
[2] e que de modo algum impediram o crescimento do sector até à sua revogação.

Parece inegável que a actual administração norte-americana apresenta alguma intenção de contenção e de reordenação do sector bancário, restando ainda apurar até que ponto pesará nesta estratégia a reacção dos cidadãos que se sentem (e bem) prejudicados pela opção de utilizar fundos públicos para “salvar” os bancos da situação de iminente colapso financeiro em que se encontraram quando fracassaram as suas estratégias de investimento altamente especulativas. Para já, e a avaliar por esta notícia do
ECONÓMICO – «JPMorgan, Goldman e Morgan Stanley cortam bónus em 2009» – os banqueiros parecem ter optado por uma estratégia de aparente recuo (o anúncio da redução dos bónus não passará de uma mera manobra de diversão) para melhor cerrarem fileiras em torno da questão principal – a defesa do sistema de reserva fraccionária.

Embora o projecto apresentado por Obama apresente inegáveis vantagens, do ponto de vista do cidadão comum, este queda-se muito longe do que efectivamente será necessário fazer para conter as tendências especulativas que se instalaram no sector durante as últimas décadas. O mínimo exigível, antes do indispensável endurecimento das regras que têm permitido ao sector financeiro uma anormal acumulação de ganhos, será a aplicação de regras de funcionamento e de fiscalização mais restritivas e a imediata eliminação dos paraísos fiscais.

Sucede porém que, para que tal pudesse acontecer, era preciso que a actual administração norte-americana (à semelhança das que a precederam e das que lhe sucederão) e a generalidade dos governos dos países mais desenvolvidos não estivessem “no bolso” das mesmas empresas cuja actividade afirmam pretender regular e a prová-lo está o facto de quase dois anos volvidos sobre a “tempestade” que varreu o sector financeiro, que só não o fez soçobrar porque os governos nele injectaram milhares de milhões de unidades monetárias (e que agora são acusados pelo sector que salvaram de apresentarem elevados défices públicos), nada se ter feito no sentido de minimizar as probabilidades de repetição do fenómeno.
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[1] Economista, actual presidente doPresidential Economic Recovery Advisory Board (painel não-governamental de especialistas criado pelo actual presidente norte-americano com o objectivo de acompanhar a evolução económica global e de aconselhar estratégias para a sua resolução), por escolha de Barack Obama; foi presidente do FED entre 1979 e 1987 (sob as administrações Carter e Reagan) e próximo da família Rockfeller (ex-quadro e administrador do Chase Manhattan Bank e actual presidente do grupo internacional de pressão conhecido como Group of Thirty, entre cujos membros se contam governadores de vários bancos centrais e o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet) além de membro da Trilateral (associação fundada por David Rockfeller) e do Grupo de Bilderberg (sobre a Trilateral e o Clube Bilderberg ver, por exemplo, o “post” «BILDERBERG 2009».
[2] O Glass-Steagall Act foi a lei que, na sequência da Grande Depressão, introduziu limitações à actividade bancária, nomeadamente quanto à separação entre as actividades comerciais e de investimento, e à hipótese de participação directa noutras empresas financeiras. Vigoraria até às décadas de 80 e 90 do século passado, quando foi sendo eliminada por novas leis (o Depository Institutions Deregulation and Monetary Control Act de 1980, o Garn-St. Germain Depository Institutions Act de 1982, e o Gramm–Leach–Bliley Act de 1999), que aprovaram a desregulamentação da actividade bancária.

domingo, 24 de janeiro de 2010

HECATOMBES

Mais de uma semana decorrida desde que um sismo de grande magnitude atingiu o Haiti que conclusões podem ser retiradas da informação e dos apelos que enxameiam o nosso dia-a-dia?
Dizer que os haitianos atravessam provavelmente a maior catástrofe da sua história talvez seja insuficiente para descrever o que aquele desgraçado povo sofre.

Ex-colónia francesa no século XVIII, palco dos mais diversos e variados conflitos internos e externos, conheceu múltiplas mudanças de regime nos últimos anos, desde as ditaduras pró-americanas de François Duvalier (o famigerado Papa Doc) e do seu filho, Jean-Claude Duvalier (também conhecido por Baby Doc), até à eleição de Jean-Bertrand Aristide e à sua substituição em 2005, por iniciativa americana e francesa. Aquela que foi a região de onde se propagaram as ideias independentistas sul-americanas, chegou no século XXI há pouco animadora situação de um protectorado da ONU através da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti).

A magnitude do sismo e o grau de destruição que provocou (estimativas apontam para cerca de 200 mil mortos
[1] e jornalistas referem graus de destruição da ordem dos 80% a 90%[2]) deixam antever um esforço de reconstrução completamente fora do alcance de um país sem economia, sem governo e agora ainda mais dependente do auxílio internacional.

O mesmo auxílio, traduzido em cuidados médicos e alimentos, que tarda em chegar às populações, mas que tanto quanto o deixam entender as notícias e as imagens que nos chegam do país, foi suficientemente rápido na assistência aos elementos da ONU em serviço no local.
Mesmo compreendendo a importância no salvamento dos funcionários da ONU (até pelo papel que têm no funcionamento da própria assistência aos restantes sinistrados), não deixa de ser chocante ler que os corpos das vítimas estrangeiras já estão a ser repatriados quando os mortos haitianos continuam por recolher.

Igualmente chocante foi a rapidez e a facilidade com que os meios de comunicação deslocaram para o local equipas de repórteres enquanto as equipas de salvamento se faziam notar pela sua ausência.

Nesta calamidade, como noutras, fica bem patente a maior importância na transmissão da informação que no salvamento de vidas humanas.

Esta aliás não é o único motivo de estranheza que envolve a operação norte-americana, pois contra toda a lógica a direcção da operação humanitária não foi entregue a nenhuma agência governamental civil, mas sim ao Pentágono.

A condução militar das operações explicará até a forma controversa como os militares americanos estão a gerir o aeroporto haitiano, facto que já criou uma polémica em França (com alguns responsáveis, como o secretário de estado para a cooperação, a criticar abertamente a actuação americana e o presidente Sarkozy a fazer declarações para acalmar a reacção de Washington[3]) e um assinalável mal-estar entre as muitas organizações que acorrem a Port au Prince, como relatou a notícia do PUBLICO que assegura que «Ajuda começa a chegar mas é como se fosse por um funil».

Enquanto prossegue o esforço internacional é já possível começar a equacionar-se alguns cenários para o período de reconstrução e a imagem que ao final de uma semana transmitia a página on-line do DW (Deutsche Welle) - Imprensa alemã vê disputa colonialista na ajuda ao Haiti – diz claramente o muito que está jogo na região, isto enquanto ressalta (uma vez mais à evidência) a inoperância da diplomacia da UE e em especial da nova Alta Representante para os Negócios Estrangeiros, Catherine Ashton.

A dimensão da destruição pode já ser um bom indicador para a dimensão do negócio de reconstrução que se lhe irá seguir e a crescente aproximação entre americanos e brasileiros (país que já liderava a força militar da ONU no território) um primeiro sinal do futuro, mesmo se continuam a surgir vozes a propor a realização de uma conferência internacional ou o próprio secretário-geral da ONU a recordar que a responsabilidade deve continuar com aquele organismo internacional.
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[1] A estimativa é da responsabilidade do comandante Americano no terreno, o General Ken Keen, e foi publicada nesta notícia da BBC NEWS.
[2] A informação pode ser lida nesta notícia da BBC NEWS e á atribuída à ONU.
[3] A questão pode ser aprofundada nesta notícia do LE MONDE.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A MÁ MOEDA DÁ BOA MEDALHA

Que outra coisa se pode dizer depois de termos assistido à condecoração de Santana Lopes?
Se o decoro manda que não se produzam afirmações que envolvam a mais alta magistratura do Estado Português e qualquer tipo de comentários sobre um possível ensandecimento, já o mesmo parece não se aplicar às suas opções quanto a condecorações e em especial às que são atribuídas pelos destacados serviços prestados ao País, pois que me recorde o único serviço daquele tipo que Pedro Santana Lopes terá prestado foi quando se recusou a continuar uma entrevista, para que tinha sido convidado por um canal nacional de televisão, depois desta ter sido interrompida para transmitir em directo a chegada a Lisboa de um treinador de futebol.

Da mesma forma que na oportunidade
manifestei aqui o meu total apoio (e até a minha estupefacção pela personalidade envolvida), não posso agora deixar passar em claro esta “novidade” que em certa medida até nos deveria alegrar a todos; afinal talvez qualquer um tenha tantas hipóteses de vir a ser condecorado como Santana Lopes.

Se Cavaco Silva revelasse alguns resquícios de hombridade nunca aceitaria condecorar por altos serviços a mesma personalidade que tão directamente criticou no exercício desses mesmos serviços.

Se Santana Lopes mantivesse o mesmo tipo de dignidade que mostrou naquele episódio televisivo, teria recusado a comenda e eu teria motivo para aqui o louvar (como então fiz) e não para retornar ao registo crítico em que habitualmente o refiro.

sábado, 16 de janeiro de 2010

AVOLUMAM-SE AS DÚVIDAS

Eis-me de volta ao lastimável tema da Gripe A (e por extensão ao absurdo das paranóias securitárias) a propósito de notícias, como esta do PUBLICO, dando conta do crescente avolumar das dúvidas que rodeiam a OMS (Organização Mundial de Saúde) e a forma como geriu aquela questão.

Olhando friamente para as notícias das últimas semanas e em especial para as críticas que no final do ano passado se começaram a ouvir em estruturas como o Parlamento Europeu[1], parece começar a ganhar cada vez mais peso a ideia de que a famigerada pandemia não passou de um monumental embuste.

Se em meados de Novembro abordei no “post” «É DIFÍCIL LEVAR A SÉRIO...» a questão da leviandade que parecia rodear a abordagem do fenómeno da pandemia, começando pela histeria criada para a opinião pública e acabando numa muito provável comercialização demasiado apressada das vacinas desenvolvidas, já anteriormente[2] tinha feito referência à indústria farmacêutica como possível (e óbvia) beneficiada pela rápida decisão da OMS de declarar a Gripe A como uma pandemia e que agora deputados do Parlamento Europeu identificam claramente.

Como se não bastasse este desnecessário e prejudicial clima de suspeição sobre a actividade da OMS, este organismo apresenta-se agora disposto a aceitar uma avaliação por peritos independentes para determinar se a sua resposta à pandemia de gripe A (H1N1) foi ou não adequada, embora o seu porta-voz não tenha deixado de dizer que tal só será possível após o fim da pandemia e a previsão para a suspensão da situação pode ser de meses ou anos.

Por outras palavras o organismo da ONU dirigido desde finais de 2006 pela Dra Margaret Chan (ex-responsável pelo Departamento de Saúde Hong-Kong no período auge da gripe aviária) aceita vir, num futuro mais ou menos distante, a discutir a legitimidade e a justeza de uma decisão que entretanto já rendeu chorudos lucros a uma industria farmacêutica que não mostrou o mínimo rebuço em comercializar um produto sem previamente o ter testado de forma adequada, enquanto reafirma que a pandemia ainda não terminou.

Entretanto pouco se ouve (ou lê) sobre a real dimensão da proclamada pandemia, que nas previsões dos especialistas provocaria 70 milhões de mortos, mas que afinal se constata hoje não ter provocado mais que 13 mil óbitos e que no caso português não chegou a atingir a centena (número muito inferior aos cerca de 2 mil óbitos que normalmente o vírus da gripe comum provoca anualmente) e ainda menos se questiona a lógica de tudo isto.

Mesmo quando já começa a circular a informação de que a indústria farmacêutica terá lucrado cerca de 5 mil milhões de euros com o negócio das vacinas fabricadas à pressa e insuficientemente testadas, a reacção da generalidade dos actores responsáveis no processo é nula ou até de alguma concordância e tentativa de justificação para todo este absurdo, pelo que dificilmente alguma coisa poderá resultar, além da ideia cada vez mais consistente de uma clara orquestração por detrás de tudo isto.

E esta nem sequer é a primeira, pois descontando o célebre “bug” do ano 2000 (que iria provocar a paragem de todos os computadores), na área da saúde o crescendo de histeria e medo começou com a epidemia das vacas loucas, continuou com a da gripe aviária e agora atravessa a pandemia da gripe A (inicialmente conhecida como gripe suína), pelo que, tudo o indica, iremos conhecer outras.
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[1] O texto de uma moção apresentada naquele organismo por um conjunto de deputados de diferentes famílias políticas, pode ser lido aqui.
[2] Sobre o assunto ver o “post” «PANDEMIA – MITO OU REALIDADE?».

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

OS JOVENS NÃO SÃO “LEMMINGS”[1]

Enquanto, no passado fim-de-semana, preparava notas e revia artigos antigos sobre a situação do emprego em Portugal (embora mais correcto fora falar do desemprego), despertou-me a atenção uma notícia do PUBLICO questionando os leitores sobre se «A GERAÇÃO QUE ESTÁ AGORA COM 16-25 ANOS ESTARÁ PERDIDA?»[2]

A actual conjuntura recessiva (habitual bode expiatório de todos os males) não pode servir para explicar a dimensão de um problema que sendo de origem económica (as enormes dificuldades de integração dos jovens no mercado de trabalho) não se pode reduzir às meras dificuldades de encontrar emprego.

As elevadas taxas de desemprego entre os jovens que se contabilizam por essa Europa fora, não resultam apenas do número de empresas que têm cessado actividade ou daquelas que têm reduzido os seus quadros de pessoal na tentativa de responderem à actual crise económica, mas também da manifesta incapacidade das sociedades responderem aos anseios dos seus membros mais jovens.

Até o habitual argumento da falta de qualificação da mão-de-obra parece cair pela base quando se verifica uma tendência generalizada para o aumento do desemprego até entre os que apresentam melhores níveis de escolaridade.

Abdicando da tentação por uma explicação simplista – os jovens não encontram emprego por não disporem das competências que as empresas procuram – e que podendo ser parcialmente verdadeira não pode ser aceite como justificação geral, haverá que procurar outras razões para o fenómeno e que além da justificação contribuam para uma solução, sob pena de os deixarmos caminhar em direcção ao abismo.

Se no caso português é evidente a melhoria nos níveis de formação, não é menos verdade que muitos deles poderão ser (e são-no geralmente) de duvidosa eficácia prática e ainda menor aceitação no mercado de trabalho. É verdade que se os empregadores não devem de abdicar de escolher os trabalhadores mais adequados às necessidades das suas empresas, também não é menos verdade que o que os mesmos empregadores procuram é essencialmente mão-de-obra barata.

Isso mesmo é particularmente claro quando se verifica que a maioria dos jovens que tem encontrado trabalho tem sido em situações de manifesta precariedade (contratos a prazo ou à tarefa) e auferindo salários manifestamente reduzidos para o nível de formação que apresentam. Lamentavelmente o quadro que o país oferece é o dos caixas de supermercado ou o dos atendedores dos “call-center” licenciados e remunerados pelo salário mínimo nacional.

Já não é apenas uma questão da mais elementar justiça, é também um importante sinal para a geração que ainda se encontra nos bancos das escolas e que inevitavelmente se questiona da utilidade (vantagens) do seu percurso académico. Além da questão da motivação dos estudantes também deve ser equacionada a da motivação dos professores e, no limite, a dos próprios progenitores.

Quando tanto se fala (mas tão pouco se vê fazer) na questão da desmotivação nacional, quem é que honestamente pode esperar ver quebrado o ciclo quando a perspectiva que se oferece aos jovens é a do desemprego, ou na melhor das hipóteses, um emprego temporário e mal remunerado.

Até quando iremos esperar para ver melhorar a situação das gerações que a nossa inépcia condenou (e continua a condenar) a vegetarem numa sociedade cada vez mais egoísta, onde os objectivos individuais continuam a sobrepor-se aos colectivos e onde os que não alcançarem o sucesso (que pode até ser apenas um trabalho digno e adequadamente remunerado) continuam a ser vistos como marginais.

Quanto tempo sobreviverá uma sociedade onde as gerações futuras continuam a ser encaradas apenas como uma submissa reserva de mão-de-obra barata?
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[1] Nome de um jogo de computador muito popular nos anos 90 do século passado que era suposto reproduzir o comportamento em bando dos pequenos mamíferos do mesmo nome, levando a que as opções erradas do líder conduzissem à aniquilação do grupo.
[2] É de elementar justiça que a par com esta referência à notícia do PUBLICO se refira também o trabalho que, salvo erro, desde meados de 2009 a VISÃO vem apresentando sob o título genérico de «DIÁRIOS DE DESEMPREGADOS».