Em jeito de resposta a grande parte da (des)informação[1] que circula a propósito dos elevados défices públicos que, recorde-se foram em grande parte aumentados para socorrer os bancos em situação difícil ou para apoiar as economias mergulhadas numa crise originada no sector financeiro, alguns responsáveis governativos têm procurado acalmar o chamado nervosismo dos mercados.
Entre estas tentativas pode-se incluir uma entrevista publicada no jornal francês LIBÉRATION com o nosso primeiro-ministro, José Sócrates, e que apresenta algumas passagens particularmente dignas de referência, nomeadamente nas que refere a reduzida racionalidade dos mercados financeiros, quando afirma que «…os mercados não se preocupam com a realidade da situação económica, baseando-se em ideias feitas para realizarem as suas apreciações» ou quando se interroga «…porque é que não se preocupam com a situação da Inglaterra ou dos Estados Unidas, para não falar do Japão, países onde as contas públicas estão bem mais degradadas que em Portugal».
Depois disto e de mais adiante dizer que «[É] extraordinário que as agências de “rating” critiquem os governos por terem gasto o dinheiro que permitiu salvar o sistema financeiro», seria natural que concluísse uma apreciação tão lúcida sobre os anacronismos dos mercados financeiros e sobre os agentes que neles operam com a formalização de uma verdadeira proposta de resolução das contradições tão claramente denunciadas; mas não, Sócrates em vez de apelar à formulação de uma nova política económica no seio da UE, que passasse por:
- o fim do monopólio bancário da criação de moeda, fazendo regressar este processo à iniciativa pública;
- a extinção dos “offshores”, cuja razão principal de existência é a evasão fiscal;
limitou-se a uma anódina proposta de «mais Europa», como se mais do mesmo pudesse resolver os actuais problemas.
Ter-se-á Sócrates apercebido quão perto esteve do cerne do real problema que o seu governo (e dos seus congéneres por essa Europa e esse Mundo fora) enfrenta?
Nunca se aperceberam que quando emitem dívida, por exemplo sob a forma de obrigações, os seus grandes compradores não são as famílias geradoras de poupanças ou as empresas geradoras de lucros, mas sim as grandes empresas financeiras e os fundos de investimentos e de pensões que gerem? E que na actual conjuntura boa parte desse endividamento resultou do dinheiro que injectaram nos bancos e nas empresas em vias de falência ou nos gastos acrescidos com as prestações sociais indispensáveis para minimizar a vaga de despedimentos que muitas empresas usaram para aumentarem os seus lucros?
Alguma vez Sócrates, ou alguém na sua “entourage”, se questionou sobre a lógica que permite ao sistema financeiro lucrar com a crise que gerou?
A realidade, nomeadamente o “teatro” que tem rodeado a aprovação do Orçamento Geral do Estado e o episódio da Lei das Finanças Regionais que apenas têm servido como palco para mais umas pseudo escaramuças políticas e uma troca de “galhardetes” entre uns poucos figurões, demonstra que nem Sócrates nem os seus correligionários dos diferentes quadrantes políticos têm uma clara noção do que os rodeia, salvo o que já teriam tomado as medidas adequadas, ou então são objectivamente manipulados pelos que continuam a lucrar com toda esta situação.
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[1] Uso aqui intencionalmente o duplo sentido entre informação e desinformação porquanto grande parte das notícias, análises e comentários que nos últimos meses têm sido produzidos a propósito das questões ligadas ao endividamento dos Estados e ao agravamento dos respectivos riscos de incumprimento, dificilmente poderão deixar de ser classificadas como despudoradas manobras de desinformação.
[2] Recordo que o sistema de reserva fraccionária é o que permite às instituições financeiras utilizarem os meios financeiros dos clientes (vulgo depósitos) para a concessão de crédito; este sistema começou nos seus primórdios por permitir que os bancos mantivessem apenas uma percentagem dos depósitos dos clientes (a taxa de reserva que actualmente está fixada entre nós em 8%) e utilizassem o remanescente sob a forma de concessão de crédito, cobrando os respectivos juros.
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