sábado, 27 de fevereiro de 2010

OUTRA BOLHA

A proliferação de comentários e artigos de opinião, de personalidades ligadas aos sectores tradicionalmente menos críticos da sociedade, relativos à possibilidade da crise económica se estender além do que os mais optimistas prevêem, longe de me comprazerem, cimentam a ideia de que muitas das observações que aqui tenho deixado se justificavam na altura.

Quando até membros proeminentes de organismos reputados, como Olivier Blanchard, economista-chefe do FMI, afirmam que «
Restaurar finanças públicas pode levar 20 anos» poucos poderão continuar a afirmar que o pior terá passado e que agora há que pensar na forma mais rápida de devolver a condução do processo económico à esfera privada.

Talvez melhor que voltar a repetir afirmações antigas seja citar os que mais recentemente têm vindo a alertar para aquela dura realidade, como o antigo responsável do FMI, Kenneth Rogoff, cujas recentes declarações num fórum recentemente realizado em Tóquio levaram o
ESTADO DE S.PAULO a escrever que «Ex-economista do FMI prevê série de calotes soberanos» ou o nosso bem conhecido Manuel Maria Carrilho que normalmente alheado deste tipo de realidades, chama para ela a atenção na sua última crónica no DN e que intitulou «A bolha do conformismo».
Será possível que só as vozes mais distantes dos aparelhos políticos e económicos é que vejam a profunda delicadeza da situação mundial?

É verdade que muito intelectuais, por convicção ou simples fidelidade à corrente dominante, escamoteiam as situações, enquanto muitos responsáveis, por mera solidariedade político-institucional, são condicionados a suavizar a dureza das observações e das decisões que se impunham; mas isso apenas confirma a necessidade de se dar voz aos que pensam de forma diversa.

Numa época em que a velocidade de circulação da informação tem crescido de forma exponencial, que o acesso a dados estatísticos, análises e comentários é de uma dimensão tal que é quase humanamente impossível abarcar o seu conjunto e com os decisores políticos crescentemente expostos ao escrutínios dos seus eleitores, seria de esperar que semelhante tipo de apelo fosse redundante; contudo, seja por interesse dos proprietários dos meios de informação mais populares (televisões) seja por conveniência dos poderes estabelecidos, o que se verifica é quase o inverso.

As vozes dissonantes ou claramente discordantes são sistemática e eficazmente afastadas e mesmo quando parece que se concede tempo de antena aos críticos estes são criteriosamente escolhidos entre os que, expondo algumas críticas não se arrojem a estultícia de propor grandes mudanças, não pondo assim em causa os interesses instalados.

Talvez por isso tenha referido anteriormente a crónica de Manuel Maria Carrilho; mesmo sem partilhar integralmente a ideia da existência de uma bolha de conformismo (baseado no facto do conformismo ser um tipo de comportamento gerado no interior de um grupo em resultado das influências dos seus membros, parece-me mais correcto falar em amorfismo social, pois os factores de influência serão principalmente de ordem externa) não posso deixar de salientar o passo em que o autor apela a «…contrariar a ideia de que […] não há alternativas. O que é preciso é olhar para aqueles - e são muitos - que propõem outras vias, porque o que hoje não falta são ideias e alternativas - o que falta é capacidade política para as ouvir, discutir e, eventualmente, seguir».

A ver vamos se o seu apelo conhece o mesmo destino de tantos outros…

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